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ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
REQUISITOS
Sumário
I – As acções de simples apreciação positiva ou negativa têm a finalidade única de pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência ou inexistência de um direito ou de um facto; nestas acções, é parte legitima do lado passivo, o ou os pretensos sujeitos da obrigação correspondente ao direito negado, ou o(s) pretenso(s titular(es) do direito contra este alardeado. Se, todavia, o facto causador de incerteza da relação material for causado por pessoa diversa, também a esta competirá a legitimação passiva e só ela deve pagar as despesas do pleito. II – O caso julgado tem uma dupla função: vale como excepção peremptória através da qual se alcança o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção e ainda, como autoridade, pela qual se alcança o seu efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, a fim de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior; III- Ao contrário do que sucede com a excepção do caso julgado, a autoridade do caso julgado não pressupõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Texto Integral
Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO
Eva veio intentar a presente com processo sumário contra Manuel e mulher, Município de Valença, representado pela Câmara Municipal de Valença, Junta de Freguesia de Cerdal, Valença e Comissão de Baldios, com sede na junta de Freguesia de Cerdal, Valença, pedindo que se declare que é proprietária do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial e que esse prédio confronta de norte com caminho de servidão da Autora e dos primeiros Réus, a sul e nascente com Modesto Caldas e a poente com estrada camarária n.º 511.
Fundamenta tal pedido no, que é relevante, nos seguintes factos:
A autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano composto por casa e anexo, dependências e logradouro sito no lugar de Boguim, descrito na C.R.P. sob o número 1295 e inscrito na matriz sob. o art.º 964 que adquiriu por escritura de 21/07/1999 e tem como limites:
a) No registo de Maria Caldas,
-norte com caminho de servidão;
-sul com Modesto Caldas;
- poente com o próprio;
Há mais de 10, 20, 30 anos, por si e pelos seus antepossuidores os mesmos o usaram como coisa sua, usufruindo-o, pagando os seus impostos, exercendo todos os direitos sobre o referido prédio;
Os primeiros réus são donos:
a) do prédio urbano composto de prédio com um pavimento com a área de 113,10m2 sito no lugar de Boguim, Cerdal, inscrito na matriz sob. o art.º 421 e descrito na CRP sob o número 00987
b) do prédio urbano composto de R/C com a superfície coberta de 16m2 inscrito na matriz sob o número 1324 e descrito na CRP sob o número 01928.
Em conformidade com o direito da Autora, a 2.ª Ré licenciou a demarcação dos limites do terreno da Autora, designadamente que o seu terreno confina, com Estrada Municipal;
Os primeiros RR, em acção que corre termos no Tribunal de Valença numa acção com o n.º 738/03.0TBVLN, dizem-se apenas proprietários deste prédio, com acesso ao portão do logradouro através de faixa de terreno que se situa no alinhamento do extremo sul do seu prédio e a poente do prédio da aqui Autora;
Invocam como terreno do domínio público (não referindo se da Câmara, do Estado ou dos baldios) para ocuparem, com título que não é seu, com pretenso beneplácito dos restantes RR, tal terreno, contra o direito da Autora.
Tal acção não tem a natureza de acção popular e não foi intentada contra os ora RR Município de Valença, e Comissão de Baldios;
Conclui assim a Autora que:
Os efeitos daquela acção intentada pelos primeiros Réus não fazem caso julgado contra os aqui RR nem quanto à Autora, na parte em que se pretende decidir sobre o domínio público, nem a mesma produz efeitos quer quanto á autora, quer quanto à Ré Município de Valença, uma vez que esta licenciou a demarcação do prédio da Autora por decisão administrativa que formou caso julgado material e formal.
Contestaram os Baldios da freguesia de Cerdal e a freguesia de Cerdal, alegando que:
Aceitam que a Autora seja dona e possuidora do prédio que identifica na Petição incial, embora desconheçam as suas áreas;
Nada reivindicam nem nunca reivindicaram relativamente ao prédio em questão;
Por isso, concluem, no pressuposto de que a presente acção é uma acção de reivindicação, que a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir na parte em que os demanda.
O Réu Município de Valença contestou, arguindo a sua ilegitimidade passiva, alegando que a sua decisão referida na p.i., de licenciamento de uma operação urbanística, não reconheceu, nem podia reconhecer os limites do prédio da Autora, nem tal decisão, de natureza administrativa, faz caso julgado. Nada tem que ver com o conflito existente entre a Autora e os primeiros Réus seus vizinhos, nunca tendo assumido qualquer comportamento susceptível de por em causa qualquer direito daquela. Defende-se ainda por impugnação, concluindo que a acção deve ser considerada improcedente no que a si respeita.
Os Réus Manuel e mulher contestaram, começando por suscitar, como questão prévia, a existência de causa prejudicial tendo em conta o pedido e a causa de pedir na acção onde são Autores e que então corria termos com o nº 738/03.8TBVLN, onde se discutia o direito de propriedade de uma parcela de terreno que a Autora pretende, nesta acção, ser parte do logradouro do seu prédio, ali se pedindo que se declare que a mesma pertence ao domínio público. Entendem assim que deve ser suspensa a instância nesta acção ao abrigo do disposto no art.º 279.º do CPC.
Defendem-se também por impugnação, alegando que a parcela de terreno em questão nas duas acções sempre foi tida como do domínio público desde tempos imemoriais.
A Autora respondeu às excepções alegadas nas contestações, alegando que apenas pede o reconhecimento do seu direito de propriedade, não sendo por isso necessário que os Réus tenham violado este direito.
Foi proferido despacho que, ao abrigo do disposto no art.º 276.º n.º 1 al. c) e 279.º do Código de processo Civil, determinou a suspensão da instância até ser proferida sentença com transito em julgado no processo n.º 738/03.0TBVLN, decisão que foi confirmada por este Tribunal da Relação em sede de recurso interposto pela Autora.
Certificado nos autos o trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 738/03.0TBVLN, declarou-se cessada a suspensão da instância e, após ter sido facultado exercício do contraditório relativamente à Autora, decidiu-se julgar partes ilegítimas nesta acção, os Réus Município de Valença, Junta de Freguesia de Cerdal e Comissão de Baldios, absolvendo-se os mesmos da instância.
A Autora interpôs recurso desta decisão, que não foi admitido, por se entender que a mesma deveria ser impugnada no recurso que viesse a interpor-se da decisão final relativamente a todas as partes.
Posteriormente, proferido despacho que julgou procedente a excepção de caso julgado e verificada a excepção inominada da falta de interesse processual em agir relativamente aos Réus Manuel e mulher, que foram absolvidos da Instância.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação desta decisão, impugnando também a decisão que julgou serem os Réus Município, Junta de Freguesia e comissão de Baldios partes ilegítimas na acção, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1º - Naquele proc.738/03 os também aqui RR Manuel e mulher, para ocuparem terreno … vieram alegar que tal terreno era “ tido “ como de domínio público ;
2º - A sentença aí proferida declarou que tal terreno era de domínio público;
3º - Aqueles RR ignoravam que, para tal decisão era indispensável a intervenção das entidades do domínio público, naquela acção, para vincularem (com força do caso julgado) a Autora, os RR e o domínio público ;
4º - Daí – face à incerteza da propriedade do terreno (incerteza quanto às declarações e quanto ao caso julgado que vincula todos os eventuais co – titulares) – a Autora tivesse proposta esta acção de simples apreciação negativa para que definitivamente, fosse declarado :
- de quem é o terreno ( que estando registado a favor da Autora), que os RR Manuel ( não impugnaram o registo ) e que dizem ser propriedade do domínio público ;
- mostrando nessa declaração, face ao proc.738/03 que declarou que aquele terreno (da Autora) pertence ao domínio público (que domínio público ?)
- vinculando, com força do caso julgado, aqui a Autora e todos os RR;
5º - A Autora e os RR são parte legitimas quanto a essa questão substancial (declaração da propriedade do terreno );
6º- A decisão recorrida, violou o artº. 4º nº 2 alínea a) e subsequentemente artº. 26, 493, 404, 495 do C.P. Civil;
7º - A acção proposta, foi imposta à Autora pelas sucessivas decisões iníquas no proc. 738/03.0TBVLN :
- o prédio da Autora declarado e registado a seu favor não foi posto em causa quanto à titularidade nem quanto ao registo pelos aí Réus e, não obstante não ter sido invocado (pelos RR) como a estes pertenciam, foi invocado por esses RR que pertenciam ou “ tido “ como de domínio público ;
- os RR teriam de chamar à acção quem era (segundo eles) o dono do domínio público pelo que, nos termos da Lei 83/95 a decisão vinculasse como caso julgado a aí Autora, os RR e o alegado domínio público …
- não o tendo feito, a decisão aí proferida não vinculava a Autora, os RR e simultaneamente o “ dono “ do domínio público ;
8º - Sabe o Juiz “ a quo “que o caso julgado só produz efeitos quanto a todas as partes envolvidas no direito que está em litigio;
9º - Ora, os RR Arlindo e mulher disseram que o terreno era do domínio público.
A ser assim aproveitar-lhes-ia esse direito contra a Autora ;
10º - Porém, a Câmara, a Junta e “Baldios” vieram dizer que tal terreno não era do domínio público;
Logo a decisão do proc.738/03.0TBVLN é não apenas incorrecta, mas face aos presentes autos, falsa;
11º - Ao omitir-se nesta decisão tal questão, pretende omitir-se que só a decisão (futura …) deste processo vinculará, com força do caso julgado, todas as partes, quanto à mesma questão;
12º - Na decisão omitiu-se que essa decisão (quanto a todos os RR) é que é decisiva e, por isso, pretendeu, antes (aos soluços) a decisão futura (antes pela ilegitimidade de alguns RR ) que omitisse a negação por eles feita de que tal terreno fosse de domínio público.
Só e basta pois a sentença omitiu que os factos passivos (aqui) eram também a Câmara, Junta e “ os baldios “ uma vez que, naquele proc.738/03 estes RR não eram RR;
13º - Pretendeu-se omitir o requisito do nº. 2 do artº. 498 (quanto às partes) e de que seriam contraditórios (artº. 673 …) se as partes fossem as mesmas;
14º - Não há caso julgado que obste a este processo e a este pedido – proc.738/03.
Violou-se o artº. 497, 498 nº 2, 671, 673 e 675.
Contra alegaram a Ré Município de Valença e os Réus pugnando pela manutenção das decisões recorridas.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
Nos recursos apreciam-se questões e não razões, não visando os mesmos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim sendo, as questões a decidir são as seguintes:
Se os Réus Município de Valença, Junta de Freguesia de Cedeira e Baldios da Freguesia de Cerdeira são partes ilegítimas nesta acção;
Quais os efeitos, na presente acção, do caso julgado constituído pela sentença, transitada em julgado, proferida no processo 783/03.0TBVLN.
Para além do circunstancialismo fáctico e processual supra descrito, relevam ainda, para a decisão a proferir, a seguinte factualidade assente na decisão que julgou verificadas as excepções de caso julgado e de falta de interesse em agir : Correu termos por este Tribunal, sob o n.º738/03.0TBVLN, uma acção sob a forma de processo sumário em que figuravam como AA. MANUEL e mulher CIDÁLIA e R. EVA (aqui autora). Tal acção deu entrada em juízo no dia 16/09/2003. No âmbito daquela acção, Manuel e Cidália peticionaram, entre o mais, que se declarasse que a parcela de terreno a que alude o artigo 15º da petição inicial é de domínio público e, em consequência se condenasse a Ré a demolir o muro de vedação referido no artigo 33º da petição inicial; se condenasse a Ré a abster-se de praticar qualquer acto que perturbe o direito de acesso e passagem dos autores aos prédios identificados no artigo 1º da petição inicial; se condenasse a Ré a pagar aos autores a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos prejuízos que subsistirem até à demolição do muro em causa. Tal acção foi decidida na primeira instância por meio de sentença datada de 23 de Janeiro de 2008. A primeira instância deu como provada a seguinte materialidade: A) Por escritura de 24-02-1997, o autor Manuel procedeu à justificação de aquisição, por usucapião, do prédio urbano composto de prédio com um pavimento, com área de 113,10 m2, sito no lugar de Bogim, freguesia de Cerdal, desta comarca, inscrito na matriz sob o n.º 421º. B) Esse prédio está descrito no registo predial sob o n.º 00987 e aquela aquisição foi aí inscrita a favor do Autor, em 23-04- 1997. C) Por contrato formalizado por escritura de 21-07-1999, o Autor comprou a Modesto Caldas e mulher o prédio urbano composto de rés-do-chão, com superfície coberta de 16 m2, sito no referido lugar de Bogim e inscrito na matriz sob o artigo 1324º. D) Esse prédio está descrito no registo predial sob o artigo 01928 e a referida aquisição foi aí inscrita, a favor do Autor, em 26-12-2002. E) A Ré Eva é dona do prédio urbano composto por casa, anexo, dependência e logradouro, sito no referido lugar de Bogim, descrito na CRP sob o artigo 1295 e inscrito na matriz sob o artigo 964, que adquiriu por contrato de compra e venda formalizado por escritura de 21-07-1999. F) O prédio referido na alínea A) tem um portão de acesso, situado na sua estrema sul, e desde há mais de 40 anos, os Autores e seus antecessores sempre acederam a esse prédio através de tal portão. G) - O acesso ao portão referido na alínea F) e ao logradouro do prédio mencionado na alínea A), processa-se através de uma faixa de terreno que se situa no alinhamento da estrema sul desse prédio e a poente referido do na alínea E). H) - O prédio referido na alínea C) é composto por uma garagem, sita no limite sul/poente do prédio mencionado na alínea A) e tem o seu acesso voltado a sul. I) - A entrada e saída dessa garagem faz-se e sempre se fez pela sua estrema sul, através da faixa de terreno aludida em G). J) - Desde há mais de 40 anos, os Autores e seus antepossuidores sempre entraram e saíram da garagem para a via pública através dessa parcela de terreno. L) - A garagem não tem outro acesso para a via pública. M) - A parcela de terreno referida em G) sempre foi tida como domínio público servindo indistintamente quem por lá quisesse passar ou permanecer. N) - Desde tempos imemoriais, os moradores do lugar de Bogim, sempre passaram e permaneceram nessa parcela de terreno, sem oposição e convencidos de que ela constituiu um espaço comum dos fregueses. O) - Esse local chegou a ser local de lazer de crianças da freguesia, que aí faziam jogos. P) - E local de vacinação dos animais, nomeadamente de gado bovino. Q) - E efectuaram-se aí bailes. R).º- E servia muitas vezes para estacionamento de veículos. S).º- No final da semana de 30 de Julho a 6 de Julho de 2003, a Ré deu início a obras de vedação da parcela de terreno referida no quesito 1.º. T).º- Mandou arrancar toda a vegetação que existia frente à fachada principal da sua casa de habitação e colocou estacas de madeira a demarcar o local. U).º- E, em 15, 16 e 17 de Agosto de 2003, construiu um muro a vedar tal área. V).º- Desse modo, a Ré restringiu o normal acesso dos Autores à entrada sul da sua casa de habitação. W).º- E ficou totalmente inviabilizado o seu acesso à garagem. X)- Isso causou aos Autores grandes aborrecimentos, incómodos, canseiras e prejuízos. Y.º- Os Autores ficaram impossibilitados de esvaziar as fossa sépticas da sua residência. Z).º- E de proceder à mudança das garrafas de gás que se encontram no logradouro do seu prédio. AA).º- Desde há mais de 40 anos, os Autores e seus antecessores sempre utilizaram a parcela de terreno referida em G) para acederem a pé e de carro, aos prédios referidos nas alíneas A) e C). BB) - Antes da sua aquisição pelos Autores, o espaço referido na alínea C), destinou-se a mercearia, talho, loja de roupas, oficina de pneus e local de arrumos. CC) - Para exercício dessas actividades, os antecessores dos Autores utilizavam a faixa de terreno referida em G) para aí acederem e estacionarem tractores, automóveis e camionetas. DD) - Os factos referidos ocorreram à vista de toda a gente. EE) - Sem oposição, até Abril de 2003. FF) - E no convencimento do exercício de um direito próprio, de passagem sobre a aludida faixa de terreno. A final, entre mais, declarou-se que a parcela de terreno em causa é de domínio público, pertencente ao Estado; mais se condenando a R. a demolir o muro de vedação referido na matéria de facto dada como provada. A aqui autora interpôs recurso de tal decisão (cf. alegações que constam de fls.370 de tais autos). O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão datado de 25/06/2009, confirmou a sentença proferida pela primeira instância mostrando-se tal decisão transitada em julgado.
I – Da excepção da ilegitimidade dos Réus Município de Valença, Freguesia de Cerdal e Baldios de Cerdal.
O Tribunal recorrido entendeu estar verificada a excepção de ilegitimidade passiva do Réu Município de Valença, Junta de Freguesia de Cerdal e Baldios de Cerdal.
O conceito de legitimidade das partes está plasmado no art.º 26.º do CPC: o autor é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, o qual se exprime pela vantagem jurídica que lhe resultará da procedência da acção; o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, aferido pelo prejuízo que da procedência da acção lhe advenha.
Salvo disposição legal em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor (art.º 26.º n.º 3).
A legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada: ser sujeito da relação controvertida o que se traduz em ser o demandante o titular do direito (legitimação activa) e o demandado o sujeito da obrigação (legitimação passiva), no pressuposto de que o direito e a obrigação na verdade existam.
A justificação deste pressuposto processual, “…assim entendido, está em que, sem ele, seria inútil a sentença, visto não poder, sem violência, obrigar os verdadeiros interessados.” Cf. Manuel de Andrade Manual de Processo Civil, 1979, pag. 84.
Aferindo-se a legitimidade pelo modo como a acção é proposta, a legitimação dos referidos réus, no caso concreto, dependerá da providência concretamente pedida pela autora, isto é, da espécie de acção por esta interposta.
A decisão apelada fundamentou a ilegitimidade dos réus no pressuposto de que, a presente acção, se configura como uma acção de reivindicação.
A apelante, por sua vez, defende que a presente acção configura uma acção de simples apreciação negativa.
Vejamos então qual a natureza desta acção, tendo em conta a forma como a Autora a configurou, a fim de melhor aferimos da legitimidade dos réus ora em questão.
As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas ( art.º 4.º nº.º 2 do CPC).
A acção de reivindicação é uma acção real, prevista no art.º 1311.º do Código Civil. Trata-se de uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade do autor e a consequente restituição por parte do possuidor ou detentor dela.
Como referem Antunes Varela e Pires de Lima
Código Civil anotado, 2.ª edição revista e ampliada, vol III, pag. 113., que aqui seguimos de perto, são dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado e a restituição da coisa (condemnatio) por outro. Só através destas duas finalidades previstas no n.º 1 do art.º 1311.º se preenche o esquema da acção de reivindicação (embora se entenda que, quanto à primeira finalidade, se o reivindicante se limita a pedir a restituição deve entender-se que faz um pedido implícito do reconhecimento do seu direito de propriedade, mas o contrário já não é aceitável).
A causa de pedir da acção de reivindicação é o título invocado da aquisição originária do direito de propriedade que o Autor pretende ver reconhecido ou tutelado e a ocupação abusiva por parte Réu.
A reivindicação tem assim a natureza de acção de condenação, sem prejuízo de o tribunal dever ainda apreciar e emitir um juízo sobre a existência do direito de propriedade violado, uma vez que o autor pretende que se condene o Réu a entregar-lhe a coisa que é de sua propriedade com fundamento naquele direito (art.º 4.º n.º 2 b) do CPC).
Nas acções de simples apreciação a que alude o art.º 4.º n.º 2 al. a) o autor pede ao tribunal, ou que declare a existência de um direito ou de um facto jurídico (simples apreciação positiva) ou a declaração de inexistência de um direito ou facto (simples apreciação negativa).
Estas acções têm a finalidade única de pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência ou inexistência de um direito ou de um facto (com relevância jurídica) e, por isso, só é legítimo recorrer às mesmas quando se estiver perante uma incerteza real, séria e objectiva, de que possa resultar um dano.
No caso concreto, a Autora pede apenas que seja declarada proprietária do prédio identificado na petição inicial, com as confrontações ali descritas.
Fundamenta esta sua pretensão no facto de os primeiros Réus pessoas singulares terem interposto acção em que pediam que se declarasse que uma faixa de terreno que faz parte do seu prédio, pertencia ao domínio público.
Tal declaração nessa primeira acção, destinava-se a fundamentar um direito de passagem, invocado pelos ali autores e agora réus.
Não estava ainda determinado, no momento da propositura desta segunda acção, qual a entidade titular do domínio público da parcela em causa.
Inexiste qualquer pedido de restituição relativamente aos réus e é invocada uma situação concreta de incerteza quanto à existência ao alegado direito de propriedade.
Concluímos pois, tendo em conta, repetimos, a forma como a Autora configura a presente acção, que não está em causa uma acção de reivindicação.
Trata-se antes de uma acção de simples apreciação positiva e não negativa como pretende a Autora, uma vez que está em causa a declaração da existência de um direito.
Tendo em conta a alegada situação de incerteza - saber se a faixa de terreno referida é do domínio público, sem concretização da sua titularidade, ou se é propriedade da autora- é parte legitima do lado passivo, como refere Manuel de Andrade
Ob. citada, fls 85., o ou os pretensos sujeitos da obrigação correspondente ao direito negado, ou o(s) pretenso(s titular(es) do direito contra este alardeado. “Se, todavia, o facto causador de incerteza da relação material for causado por pessoa diversa, também a esta competirá a legitimação passiva e só ela deve pagar as despesas do pleito. Mas aquela outra (a contraparte nessa relação) tem de ser demandada conjuntamente. Só assim pode a sentença definir com força de caso julgado a mesma relação, e, portanto, criar a certeza jurídica a que tende a acção.”
Reportando esta doutrina ao caso concreto, afigura-se-nos certo, de acordo com a versão da autora, que os réus Município e Junta de Freguesia são partes legítimas, apesar de não terem criado a situação de incerteza que fundamentou a presente acção, já que, são os pretensos e possíveis titulares do domínio público “alardeado”, embora tenham sido os primeiros réus quem causou a referida incerteza e que, por isso, foram demandados.
Já quanto ao Réu Baldios do Cerdal, não se vislumbra, pelo que foi alegado na petição inicial, que o mesmo pudesse ser o pretenso e possível titular do domínio público da faixa de terreno, ou seja o titular do direito contra a autora alardeado.
Os baldios são terrenos não individualmente apropriados, destinado a servir de logradouro comum dos vizinhos de uma povoação ou de um grupo de povoações.
Esse logradouro comum pode consistir na apascentação de gado, a monte ou pastoreado, na roça de mato ou de lenha, apanha de estrume, fabrico de carvão de sobro, extracção de barro ou proveitos análogos.
Marcelo Caetano, VERBO, Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, volume III, página 427.
A razão de ser dos baldios, residiu na necessidade que os povoadores livres de uma aldeia rural, vivendo da exploração familiar, tinham de dispor de vastos espaços incultos, onde pudessem encontrar as utilidades complementares da actividade agrária.
Marcelo Caetano, tal como Rogério Soares, distinguiam claramente os baldios das coisas públicas, apesar de, na vigência do Código de Seabra, se ter entendido que os baldios eram objecto de propriedade pública das autarquias locais, podendo entrar no domínio privado por desafectação.
Enquanto as coisas públicas “devem ser utilizadas de harmonia com o seu destino e função, os baldios fornecem proveito económico aos seus fruidores, que são individualizados, e aos quais pertencem em exclusivo, isto é, com direito de não permitirem a outrem essa fruição.”
Manual de Direito Administrativo, II-10ªed.-pg. 975
“Nos bens dominiais, o essencial é a sua afectação à satisfação de uma necessidade pública, que só em certos casos pode reflexamente coincidir com a satisfação de necessidades particulares; pelo contrário, os baldios estão propostos à satisfação de certas necessidades individuais, precisamente porque nasceram e se desenvolveram para permitir um aproveitamento silvícola e pastoril de certas terras por certas pessoas; a utilização dos bens pelos beneficiários é um elemento central e ineliminável da figura”.
RDES, ano XIV, pgs. 290 e 291.
Como se conclui no Ac. do STJ de 20/01/1999
Proferido no processo 98B1030, relatado pelo Cons. Miranda Gusmão e no qual nos baseamos na pesquisa que fizemos sobre esta problemática, publicado e, www.dgsi.pt., Quanto às coisas públicas, é lícito a todos utilizar-se delas; já no que concerne os baldios, só membros de um certo grupo social podem deles tirar proveito.
Com a publicação do Código Civil de 1966, defendeu-se o carácter particular dos baldios, objecto de propriedade privada das autarquias.
Actualmente o regime jurídico dos Baldios está regulados na Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 89/97, de 30 de Julho.
Estatuem os n.ºs 1 e 2 do artigo 1° da Lei n.º 68/93 de 4 de Setembro, que são baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, ou seja, pelo universo dos compartes.
Os compartes como os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio. E, só é comparte quem morar e enquanto morar nas povoações cujos moradores têm, desde tempos antigos, direito ao uso e fruição do baldio correspondente, de acordo com o costume (no artigo 1º, nº 3).
Os baldios constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenha, ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola. ( art.º 3.º )
Pertencem aos próprios utentes ou compartes, mas referem-se a um domínio que, por virtude do fim a que se encontram adstritos, em nada se identifica com a propriedade individual, mas também não integram os bens do domínio do domínio público.
Em face do exposto, concluímos que, tendo em conta o modo em que a autora configurou a relação material controvertida, a Ré Baldios de Cercal não é parte legítima, por não poder ser o pretenso e possível titular do domínio público da faixa de terreno, sendo certo que não criou a alegada situação de incerteza que fundamentou esta acção.
Deve pois revogar-se a decisão que julgou partes ilegítimas os Réus Município e Junta de Freguesia e, embora com outros fundamentos, confirmar tal decisão relativamente à Ré, Baldios., considerando a mesma parte ilegítima.
II - Dos efeitos do caso julgado constituído pela sentença, transitada em julgado, proferida no processo 783/03.0TBVLN
Tem-se admitido na doutrina e na jurisprudência, que o caso julgado tem uma dupla função: vale como excepção peremptória através da qual se alcança o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção e ainda, como autoridade, pela qual se alcança o seu efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, assentando por isso numa relação de prejudicialidade. O objecto da primeira decisão de mérito a proferir na segunda acção, constitui pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda acção, não podendo a decisão de determinada questão voltar a ser discutida, tal como decorre do disposto no art.º 673.º. co CPC
Cf. neste sentido, na Doutrina, Anselmo de Castro Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pag 384. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 320 e 321, Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ325,p. 171; Na jurisprudência e entre outros, Ac. do STJ de 12/01/1990, BMJ, 393, pag. 563 Acs desta Relação de 15/03/2011 proferido no processo 1292/10.2TBGMR.G1e de 12/07/2011, proferido no Processo 4959/10.1TBBRG.G1, Acórdão da Relação do Porto de 13/01/20011 proferido no processo n.º 2171/09.1TBPVZ.P1, Acórdão da relação de Coimbra de 15/05/2007, proferido no processo n.º 80/95.C1, todos publicados em www.dgsi.pt.
A excepção do caso julgado não se confunde pois com a autoridade do caso julgado. Como refere Teixeira de Sousa na obra citada: “a autoridade do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não só a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto de maneira idêntica. Já quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada.
A excepção do caso julgado está prevista no art.º 497.º n.ºs 1 e 2 do CPC e pressupõe a repetição de uma causa depois de outra ter sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário. Repete-se a causa quando se verifica uma tríplice identidade: quanto aos sujeitos, quanto à causa de pedir e quanto ao pedido.
Esta tríplice identidade foi afirmada na decisão recorrida relativamente aos Réus Arlindo e Cidália, concluindo-se que, relativamente a estes, se verificava a excepção do caso julgado, mas apenas quanto à propriedade da faixa de terreno que esteve em causa na primeira acção.
Assim, é inequívoco que as partes são as mesmas, não relevando a sua posição nos dois processos: na primeira acção os ora réus eram autores e a ora Autora era ré.
Como se fundamentou na decisão apelada, citando Lebre de Freitas, é irrelevante que na segunda acção se peça o mesmo que na primeira ou o seu inverso, pois que, nas duas situações, podemos afirmar existir identidade de pedidos. Foi o que sucedeu no caso concreto: pediu-se na primeira acção que uma determinada faixa de terreno fosse declarada como pertencente ao domínio público; já na segunda acção pede-se que se declare que tal faixa de terreno é propriedade da autora.
Quanto à identidade da causa de pedir, importa, em primeiro lugar, definir o conceito da causa de pedir: o acto ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo (artigo 498º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Ela traduz o acervo dos factos que integram o núcleo essencial da previsão da norma ou normas do sistema que estatuem o efeito do direito material pretendido. E, por isso, é excluída a admissibilidade de acção posterior em que o mesmo pedido se baseie em causa de pedir concorrente não cumulável com a invocada na primeira acção, ou com ela cumulável, mas nada acrescentando ao seu efeito, quando na primeira acção o autor tenha obtido vencimento.
Quando estão em causa factos que integram a previsão de normas materiais constitutivas diversas, ou seja de concurso ou concorrência de normas, importa saber se este concurso é real ou aparente. Quando o concurso é aparente, as normas aplicáveis excluem-se, proporcionando a invocação do caso julgado, particularmente quando a primeira acção foi procedente.
CF. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, 2.º edição, vol. 2.º, pag. 352 e 353
Aplicando esta doutrina ao caso dos autos, é inequívoca a identidade da causa de pedir nas duas acções: os autores da primeira acção, pediram que lhes fosse reconhecido um direito de passagem na parcela de terreno em causa sustentando no facto de tal terreno ser do domínio público e alegando que a autora se arrogava dona do mesmo; a ora autora sustenta o seu pedido na aquisição originária do seu alegado direito de propriedade, alegando também a presunção de propriedade que, em seu entender decorre do registo predial. Apesar dos direitos em confronto, que integram a previsão de normas diversas, o que é certo é que os mesmos se excluem mutuamente, são incompatíveis, ao que acresce que a primeira acção foi julgada procedente
Em face do exposto, deve ser confirmada a decisão que julgou procedente a excepção do caso julgado relativamente aos Réus Manuel e Cidália, quanto à faixa de terreno que constitui o cerne do litígio.
Embora não seja claro, a apelante parece não põe em causa tal decisão no que respeita a estes Réus, mas, entendendo que os demais réus são partes legítimas, conclui que, quanto a eles, não se verifica a excepção do caso julgado, por inexistência de identidade das partes.
Não obstante, haverá que apreciar a questão de saber se prevalece sobre eles, quer a excepção do caso julgado, quer a autoridade do caso julgado, também qualificada como excepção dilatória inominada, cujo conhecimento, oficioso, se impõe, tendo em conta a procedência da apelação relativamente ao despacho que os julgou partes legítimas nesta acção.
A apreciação destas questões na primeira instância, tal como a questão do interesse processual dos mesmos réus, ficou prejudicada pela decisão que julgou partes ilegítimas os réus Município e Junta de freguesia.
Cabe pois a este Tribunal, tendo em conta a consagração do sistema de substituição do tribunal recorrido, consagrado no art.º 715 do CPC, conhecer também das ditas questões, sendo certo que as partes já foram notificadas nos termos do n.º 3 desta disposição legal.
O conhecimento das aludidas questões só releva, neste momento, quanto aos Réus Município de Valença e Junta de Freguesia de Cerdal, uma vez que, quando aos compartes dos Baldios de Cerdal, representados pelo seu Conselho Directivo, já se conclui pela sua ilegitimidade.
Vejamos, em primeiro lugar, se se verifica a excepção do caso julgado, designadamente a triplíce identidade que determina a sua existência.
Dúvidas não restam quanto à identidade de pedido e de causa de pedir entre esta acção e a acção anterior.
Já não será assim no que toca à exigida identidade de partes.
O conceito de partes acolhido na lei processual e na doutrina tem carácter formal: parte não é o titular do direito em litígio, nem o sujeito adstrito à vinculação correspondente, mas sim “as pessoas que requerem e as pessoas contra quem – cada uma delas agindo ou figurando em próprio nome (directamente ou através dum representante) – se requer a providência judiciária a que tende a acção.”
Cf. Manuel de Andrade, ob. citada, pag. 75.
Assim sendo, é inequívoco que os réus Município e Junta de Freguesia não foram partes na acção anterior que correu termos apenas entre os ora réus Manuel e Cidália e a ora autora Eva.
Não existe pois quanto àqueles Réus, a tríplice identidade necessária para que, quanto a eles, se julgar verificada a excepção do caso julgado.
Mas deverá impor-se, quanto a estes Réus, a autoridade do caso julgado da sentença transitada em julgado no processo 738/03.0TBVLN?
A resposta só pode ser afirmativa.
Já nos referimos ao conceito de autoridade do caso julgado, que não se confunde com a excepção do caso julgado.
Os tribunais superiores e a doutrina têm vindo a decidir, e bem, que a imposição da autoridade do caso julgado não exige a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 498.º do CPC.
CF. Entre outros, Acórdãos das Relações, citados na nota 8 e Ac. do STJ de 12/11/1987, publicado em www.dgsi.pt e ainda, Manuel Andrade, ob. citada, pag 320 e 231.
Tal entendimento justifica-se pela necessidade de evitar que um tribunal possa definir uma concreta situação controvertida de forma válida, de modo contraditório e incompatível com outra anterior transitada em julgado.
A sentença proferida no processo 738/03 decidiu sobre a titularidade da faixa de terreno em litígio, declarando que a mesma é do domínio público pertencente ao Estado.
A presente acção, no que a tal parcela respeita, incide apenas sobre a titularidade da mesma parcela de terreno, que a autora reclama como sendo de sua propriedade. Ou seja, os objectos dos dois processos, as situações em litígio, são coincidentes.
Assim sendo, o Tribunal que aprecia a presente acção, tem de respeitar a decisão anteriormente proferida que transitou em julgado, pois não se compreenderia que sobre a mesma questão pudesse proferir outra decisão, eventualmente diversa.
Acresce que, conforme se veio a confirmar com o trânsito em julgado da decisão no processo 783/03, os réus Município e Junta de Freguesia, são terceiros absolutamente indiferentes relativamente à relativamente à relação controvertida em causa nestes autos e na anterior acção.
A titularidade dos bens do domínio público pode pertencer a várias identidades de direito público, que não necessariamente as autarquias. Como se dispões no art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 280/2007 de 7 de Agosto que reformou do regime do património imobiliário público, a titularidade dos imóveis do domínio público pertence ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais.
Os Réus Município e Junta de Freguesia já manifestaram na contestação que não reclamam para si a titularidade do domínio público da parcela em causa. Por outro lado, a sentença transitada em julgado definiu que o domínio público da parcela pertencia ao Estado e não a qualquer um destes Réus.
A sentença transitada não lhes causa, por isso, qualquer prejuízo, de qualquer natureza, nenhuma razão existindo para recusar a invocação do caso julgado perante as mesmas, podendo pois dizer-se que a sentença se lhes impõe.
CF. Antunes Varela… Manual de Processo Civil, pags726 e 727, a propósito da eficácia da sentença relativamente aos terceiros juridicamente indiferentes, aplicável ao caso por maioria de razão.
Como referia Manuel de Andrade, a definição dada pela sentença à situação ou relação material controvertida que estiver sub Júdice, deve ser respeitada para todos os efeitos em qualquer novo processo, tendo este novo processo de ter por assente que a mesma situação já existia ou subsistia a esse tempo tal como a sentença a definiu.
Ob. citada, pag. 321.
A autoridade do caso julgado obsta à apreciação do mérito da causa e por isso tem-se entendido que configura uma excepção dilatória inominada que, no caso, se verifica relativamente aos dois réus, Município e Junta de Freguesia.
Quanto ao demais objecto do processo, que excede a titularidade da parcela litigada, deve manter-se a decisão que julgou verificada a excepção da falta de interesse em agir mercê do facto de a propriedade da mesma, pelos fundamentos ali expendidos, aplicáveis aos réus Município e Junta de Freguesia, pois que, tal como os réus António e Cidália, não puseram em causa, nessa parte, o direito invocado pela autora.
Em conclusão:
I – As acções de simples apreciação positiva ou negativa têm a finalidade única de pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência ou inexistência de um direito ou de um facto; nestas acções, é parte legitima do lado passivo, o ou os pretensos sujeitos da obrigação correspondente ao direito negado, ou o(s) pretenso(s titular(es) do direito contra este alardeado. Se, todavia, o facto causador de incerteza da relação material for causado por pessoa diversa, também a esta competirá a legitimação passiva e só ela deve pagar as despesas do pleito.
II – O caso julgado tem uma dupla função: vale como excepção peremptória através da qual se alcança o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção e ainda, como autoridade, pela qual se alcança o seu efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, a fim de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior;
III- Ao contrário do que sucede com a excepção do caso julgado, a autoridade do caso julgado não pressupõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
Revogam parcialmente a decisão que julgou partes ilegítimas na acção os Réus Compartes dos Baldios de Cerdal, a Junta de freguesia de Cerdal e o Município de Valença, determinando que as réus Junta de freguesia de Cerdal e o Município de Valença, são partes legítimas, confirmando a decisão que julgou parte ilegítima os compartes dos Baldios do Cerdal, embora com outros fundamentos;
Julgam verificada a excepção dilatória da autoridade do caso julgado da sentença transitada em julgado proferida no processo 738/03.0TBVLN relativamente aos réus Junta de Freguesia de Cerdal e Município de Valença no que concerne à parcela de terreno ali identificada, absolvendo os mesmos réus da instância no que respeitante a tal parcela:
Julgam verificada a excepção dilatória da falta de interesse processual em agir dos réus Junta de Freguesia de Cerdal e Município de Valença no que extravase a dita parcela de terreno, absolvendo-se os mesmos da instância nessa parte.
No mais, confirmam-se as decisões apeladas.
Custas pela Autora, apesar do vencimento parcial no que concerne à decisão de ilegitimidade, tendo em conta que os réus visados não causaram a presente demanda, como aliás se referiu em sede de fundamentação do acórdão.
Notifique.
Guimarães, 26.04.2012
Isabel Rocha
Jorge Teixeira
Manuel Bargado