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ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE DA ACÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário
1 - O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção. 2 – Este entendimento está consagrado na decisão proferida em plenário do Tribunal Constitucional e exarada no Acórdão n.º 401/2011 de 22/09/2011, que não julgou inconstitucional essa norma, decisão essa que vem sendo seguida pelas decisões mais recentes desse Tribunal. 3 – Os prazos de três anos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1 do mesmo artigo, não caducando o direito de propor a acção de investigação de paternidade antes de esgotados todos eles.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
J.. intentou acção de reconhecimento judicial de paternidade contra A.. pedindo que o réu seja reconhecido como seu pai e seja ordenada a necessária rectificação no respectivo assento de nascimento.
Alegou que nasceu no dia 17 de Maio de 1965, tendo sido registado sem nome do pai e avós paternos, tendo tomado conhecimento, muito recentemente, através de sua mãe, que o réu seria seu pai.
Contestou o réu excepcionando a caducidade do direito do autor intentar a presente acção, nos termos do disposto nos artigos 1873.º e 1817.º do Código Civil. Sem prescindir, contesta por impugnação, aceitando que manteve um relacionamento amoroso com a mãe do autor até 1963, sendo que, durante o período de concepção do autor, a sua mãe manteve relações sexuais com mais de quatro homens, podendo qualquer um deles ser o seu pai.
Replicou o autor para dizer que o preceito invocado pelo réu para sustentar a caducidade, é inconstitucional, sendo que a acção de reconhecimento judicial de paternidade foi intentada em tempo, por se entender que o direito fundamental, inviolável e imprescindível, de conhecer a paternidade, não tem prazo. No mais mantém o já alegado na petição inicial, sustentando a exclusividade do relacionamento sexual de sua mãe com o réu.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, tendo-se julgado improcedente a excepção de caducidade invocada pelo réu e definida a matéria de facto assente e a base instrutória.
Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o réu, tendo terminado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
1- Nos termos da nova redacção introduzida no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, as acções de investigação de paternidade, por remissão do art. 1873 n.º 1 do Código Civil — passaram a poder ser propostas “durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”;
2- Na versão originária do art. 1817.º, n.º 1, do mesmo Código, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, o referido prazo era substancialmente inferior, ou seja, de apenas dois anos;
3- No entanto, por força da prolação do Acórdão 23/2006, deste Tribunal Constitucional, tal prazo foi considerado insuficiente, tendo o mesmo Acórdão, por esse motivo, declarado “a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26, n.º 1, 36.º, n.º 1 e 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”
4- No seguimento da publicação do Acórdão 23/2006, o Supremo Tribunal de
Justiça, em sucessivos acórdãos, veio reconhecer a imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, considerando, assim, o direito a conhecer a paternidade como um direito inviolável e imprescritível;
5- A propositura de acções de investigação de paternidade deixou, pois, de estar sujeita, por via da referida jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a um prazo de caducidade, podendo tais acções ser, por isso, intentadas a qualquer altura;
6- Com a publicação da Lei n.º 14/2009, esta situação alterou -se, estabelecendo - se, agora, um prazo de dez anos, após se atingir a maioridade ou a emancipação, para a propositura de acções de investigação de maternidade ou de paternidade;
7- “A caducidade enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, os quais exigem a sua rápida definição, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exercê-los num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção.”
8- “Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as acções de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corresponder a um nível de protecção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela optimizada corresponda ao constitucionalmente exigido.”
9- “(…) o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores confituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo.”
10- “Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo.”
11- “Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que obstem à preclusão total da acção de
investigação, por força do decurso do prazo geral de dez anos, após a maioridade.”
12- “(…) o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade.
13- “O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada.”
14- “(…) cumpre concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição.”
15- Ao decidir como decidiu, subscrevendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/11/2011 (de que foi relator o Senhor Juiz Conselheiro Martins de Sousa), julgando assim inconstitucional a aplicação do actual artigo 1817.º, n.º 1 do CC, que fixa o prazo de 10 anos posteriores à maioridade (i.e., até aos 28 anos de idade) ou emancipação para a instauração da acção de investigação de paternidade por via do art. 1873.º do Código Civil, o Tribunal a quo interpretou erroneamente as normas dos artigos 26.º e 36.º, ambos da Constituição e violou os artigos 1873.º e 1817.º, ambos do Código Civil.
O autor contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Já neste Tribunal, foi alterada a forma de subida do recurso, por se ter considerado que o mesmo devia ter subido em separado, ordenando-se, em conformidade, a autuação do recurso em separado, com as peças indicadas pelo recorrente e a baixa dos autos principais à 1.ª instância.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se ocorreu a caducidade do direito do autor de intentar a presente acção de investigação de paternidade.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A matéria de facto é a que consta do relatório que antecede, devendo ter-se, como assente, que o autor nasceu em 17 de Maio de 1965 e que a acção deu entrada no Tribunal Judicial de Barcelos no dia 6 de Setembro de 2011.
Na sentença sob recurso decidiu-se que o actual artigo 1817.º n.º 1 do Código Civil – na redacção dada pela Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril - , ao fixar o prazo de 10 anos posteriores à maioridade (i.e., até aos 28 anos de idade) ou emancipação, para a instauração da acção de investigação de maternidade/paternidade (esta, por via do artigo 1873.º do CC), está ferido de inconstitucionalidade.
Aí se considerou que a circunstância de a lei contemplar um prazo certo para a caducidade da acção de investigação de paternidade, tem como consequência a impossibilidade para o investigante de vir a constituir o vínculo de paternidade ao qual aspira, acrescentando-se que “o respeito pela verdade biológica e pela descoberta da real identidade pessoal apontam, claramente, no sentido da imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade. Destarte, o regime legal criado pela Lei n.º 14/2009, ao alterar os prazos de caducidade das acções de investigação de paternidade, excluindo a possibilidade de investigar judicialmente a paternidade após os 28 anos de idade, tem como consequência necessária uma compressão intolerável do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade”.
A sentença em questão seguiu de perto (transcrevendo, mesmo, partes significativas), o Acórdão do STJ de 15/11/2011, relatado pelo ilustre Conselheiro Martins de Sousa e disponível em www.dgsi.pt (que, contudo, não considerou, ainda, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, a que infra nos referiremos, que havia sido publicado a 03/11/2011)
De fls. 54 a 58 (fls. 32 a 36 deste apenso), salvo o devido respeito, sem interesse para a questão posta nos presentes autos, uma vez que aí se analisa o problema da inconstitucionalidade do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, que manda aplicar essa lei aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (2 de Abril de 2009), sendo certo que a presente acção deu entrada em Setembro de 2011, já na plena vigência desta Lei.
Já de fls. 58 a 62 (fls. 36 a 40 deste apenso), analisa-se, então, a questão da inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redacção emergente da lei n.º 14/2009 de 1 de Abril, de acordo com o entendimento daquele Conselheiro, expresso no Acórdão do STJ a que se fez referência.
É sabido que esta Lei n.º 14/2009, alterou a redacção do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, alargando o prazo de caducidade em acções de investigação de maternidade/paternidade, de dois para dez anos, após a maioridade ou emancipação do investigante.
Resulta, portanto, hoje, da conjugação dos artigos 1817.º, n.º 1 e 1873.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009 de 1/04, que a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, estabelecendo-se nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 1817.º, um conjunto de situações em que se admite a investigação para além do prazo geral de dez anos que está fixado no n.º 1.
No caso concreto, já decorreu o prazo de dez anos fixado no n.º 1, porquanto o autor tinha, à data da propositura da acção, 46 anos de idade, podendo, no entanto, colocar-se a questão de saber se o facto alegado no n.º 3 da petição inicial será susceptível de integrar a previsão da alínea c) do n.º 3 do referido artigo 1817.º do Código Civil, artigo esse que foi transposto para a base instrutória e que, com necessários ajustamentos, designadamente apurar-se qual a data do falecimento da mulher do réu, e sujeito à prova do aí quesitado, poderá conduzir à conclusão de que o investigante, independentemente do prazo do n.º 1, ainda estará em tempo para a acção de investigação de paternidade.
Deixando, agora, de lado tal questão, concentremo-nos na questão colocada em sede de recurso, ou seja, da eventual inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil.
O direito da filiação português sofreu uma profunda reforma em 1977 (cf. DL nº 496/77, de 25 de Novembro), na sequência da revisão constitucional que consagrou os princípios da igualdade entre os cônjuges e da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento. Passou, então, a fazer-se sentir o peso que as normas constitucionais têm no direito da família em geral e no da filiação em particular. Esta influência leva muitos autores a falar num direito constitucional da filiação ou, pelo menos “em princípios constitucionais da filiação, o que demonstra ser este ramo do direito da família um campo privilegiado de projecção da força jurídica dos direitos fundamentais, seja no que respeita à sua dimensão objectiva, seja na questão da vinculação do legislador, julgador e particulares a esse mesmos direitos.” – cfr. Rafael Vale e Reis, in “O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas”, pág. 150-151 e abundante doutrina ali citada.
Após a Reforma de 1997, o direito da filiação abriu-se à verdade biológica. A lei passou a admitir livremente a prova da relação biológica e, em alguns casos, passou a inverter o ónus da prova. Consagrou-se expressamente o princípio da admissibilidade dos meios científicos de prova (art. 1801º, do CC), sobretudo das perícias genéticas, com elevado índice de fiabilidade probatória e cuja realização veio alterar profundamente os termos em que até aí se colocava a questão da produção da prova nas acções de filiação (sobre esta matéria, pode consultar-se Pereira Coelho, Filiação, pp. 19-24 e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Vol. II, Tomo I, pp. 53 e ss).
Contudo, a norma que estabelecia que a acção de investigação de maternidade ou paternidade só podia ser proposta durante a menoridade do investigante, ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade, que vinha já do Código Civil de 1966, acabou por resistir à Reforma do Código Civil de 1977 (na verdade, é praticamente idêntico o teor do nº 1, do art. 1854º, da versão inicial do CC e do art. 1817º, nº 1, na redacção introduzida pelo DL nº 496/77, de 25 de Novembro).
No entanto, de salientar que, já em 1977, alguma doutrina, significativa, sustentava que a acção de investigação de paternidade não deveria estar submetida a um limite temporal. Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, volume V, pág. 82), nessa época, "avolumara-se já em alguns sectores da doutrina estrangeira a tese de que a investigação, quer da paternidade, quer da maternidade, por respeitar a interesses inalienáveis do cidadão, incorporados no seu estado pessoal, não devia ser limitada no tempo."
Veja-se, aliás que, “em 1999, a Provedoria da Justiça recomendou que a lei fosse alterada no sentido de “a par da existência de prazos para a propositura de acções com fins patrimoniais, ser consagrada a imprescritibilidade para a propositura das acções de investigação de paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal (Recomendação do Provedor de Justiça nº 36/B/99, de 22/12/99). Na sequência de tal autorização foi apresentado um projecto de lei (Projecto de lei nº 92/IX pelo partido “Os Verdes”, publicado no DAR II S., nº 18, de 4/7/2002) que aditava ao referido art. 1817.º um nº 7, em que se dispunha “(…) desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação de maternidade pode ser proposta a todo o tempo”. Tal iniciativa acabou por caducar” – Ac. do STJ de 08/06/2010 (Serra Baptista), in www.dgsi.pt.
Em 2004, no acórdão nº 486/2004, de 7 de Julho, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional deliberou no sentido da inconstitucionalidade dos prazos, por violação da exigência de proporcionalidade consagrada no art. 18º, nº 2, da CRP.
No essencial, neste aresto, o Tribunal Constitucional assentou o seu juízo na importância crescente do direito ao conhecimento das origens, acentuado com o desenvolvimento da genética e a generalização dos testes genéticos, de elevada fiabilidade. Além disso, relevou “a valorização da verdade e da transparência, com a promoção do valor da pessoa e da sua auto-definição, que inclui o conhecimento as origens genéticas e culturais.”
Para o Tribunal Constitucional a exclusão da possibilidade de investigar judicialmente a paternidade ou a maternidade “logo a partir dos vinte anos de idade, tinha como consequência uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade/maternidade”.
Posteriormente, veio o Acórdão do TC nº 23/2006, de 10 de Janeiro, publicado no DR I Série de 08/02/2006 declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma, que previa a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, reconhecendo o mesmo, alem do mais, que, conforme o art. 26º, nº1, da Constituição, o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “direito fundamental à identidade pessoal”.
Sendo, porém, certo que no aresto ora em apreço o que se tratava não era de “qualquer imposição constitucional de uma ilimitada (…) averiguação da verdade biológica da filiação”, pelo que, como aí se salienta, não constituiu objecto do processo apurar se a imprescritibilidade da acção correspondia à única solução constitucionalmente conforme. O que estava em causa era apenas o concreto limite temporal previsto no art. 1817º, nº1, do C.Civil, de dois anos a contar da maioridade ou emancipação, portanto, no máximo, os 20 anos de idade do investigante, assentando, no fundo, a fundamentação de tal aresto (tal como a do ac. 486/84) no entendimento de que o regime do art. 1817.º, nº 1 do CC, ao excluir totalmente a possibilidade do reconhecimento da paternidade a partir dos dois primeiros anos posteriores à maioridade do investigante, acarreta uma afectação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais á identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade, porque “o prazo de dois anos em causa se esgota normalmente num momento em que, por natureza, o investigante não é, ainda, naturalmente, uma pessoa experiente e inteiramente madura” e sobretudo porque “tal prazo pode começar a correr e terminar, sem que existam quaisquer possibilidades concretas de – ou apenas justificação para – interposição de acção de investigação de paternidade”.
Portanto, só sobre aquele limite temporal de dois anos posteriores à maioridade ou emancipação e não sobre a possibilidade de qualquer outro limite se projectou o juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional.
Mais recentemente, a doutrina tem-se manifestado, claramente, no sentido da imprescritibilidade do direito de investigação da filiação - cfr. Guilherme de Oliveira e Vale e Reis, obras citadas e Jorge Duarte Pinheiro, in Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, Cadernos de Direito Privado, n.º 15 Julho/Setembro 2006, págs. 32-52.– e tal princípio da imprescritibilidade veio a merecer larguíssimo acolhimento na jurisprudência, designadamente, do STJ, quer antes, quer após a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, nessa medida se continuando a sustentar a inconstitucionalidade do normativo vertido no art. 1817.º, n.º 1, do CC, irrelevando a ampliação do prazo de propositura da acção em mais 8 anos – veja-se, por todos os Acórdãos do STJ de 15/11/2011, de 21/09/2010, de 27/01/2011, de 08/06/2010 e de 07/07/2009, da Relação de Lisboa de 09/02/2010 e da Relação do Porto de 23/11/2010, todos em www.dgsi.pt.
Como tem sido acentuado nesses acórdãos, as razões que militavam para a previsão de um prazo limitativo, de caducidade, das acções de investigação de paternidade – segurança jurídica; envelhecimento das provas; e, argumento caça fortunas –, deveriam ceder perante uma plêiade de direitos fundamentais que militam no sentido da imprescritibilidade daquela tipologia de acções – direito de constituir família; direito à identidade pessoal; direito à integridade pessoal e direito à não discriminação (cf., especial, os arts. 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, do CRP - Art. 26.º, n.º 1, da CRP: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Art. 36.º, n.º 1, da CRP: “Todos têm direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”).
Entendeu-se, também, que o direito fundamental do suposto pai, decorrente da reserva da intimidade da vida privada e familiar, deve ceder perante aqueles.
Nessa jurisprudência, continua a notar-se a manifesta e directa influência da posição doutrinal assumida por Guilherme de Oliveira, expressa no artigo “Caducidade das Acções de Investigação”, que consideravam manter plena actualidade – (O referido artigo está publicado na revista Lex Familiae, n.º 1, 2004, págs. 7-13, e na obra Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume I, 2004, págs. 49-58).
Vem esse artigo citado no Acórdão do STJ que serviu de base à sentença ora em crise e, do mesmo, podemos extrair este passo significativo: “Desde logo parece claro o movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens. Os desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, têm acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo, porventura com exagero; e com isto têm sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica [Se não fosse esta tendência não se teria notado o movimento no sentido de acabar com o segredo acerca da identidade dos progenitores biológicos na adopção e na inseminação com dador]. Nestas condições, o «direito à identidade pessoal» e o «direito à integridade pessoal» ganharam uma dimensão nova que não pode ser desvalorizada. Devemos acrescentar, também, um novo direito fundamental implicado na questão: o «direito ao desenvolvimento da personalidade» [art. 26.º da CRP], introduzido pela revisão constitucional de 1997 — um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm o direito de invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família, numa palavra, a sua localização no sistema de parentesco (…) Em conclusão, creio que os progressos técnicos e os movimentos sociais de valorização das origens e de responsabilidade individual estão contra a limitação de investigar que resulta do prazo de caducidade. Em face do quadro de direitos constitucionais implicados e de uma valoração particular dos interesses gerais defendidos pela caducidade, julgo que a limitação de agir que resulta do prazo estabelecido pela lei vigente significa uma restrição não justificada, desproporcionada, do direito do filho. Julgo, em suma, que se tornou sustentável alegar a inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos arts. 1817.° e 1873.° CCiv”.
Mais recentemente, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira – Curso de Direito de Família, Volume II, Tomo I, 2006, pág. 139 – sustentam que os tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar a paternidade, exarando que “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo à ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade”.
Daí a conclusão extraída nesses Acórdãos de que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade do direito de investigar.
Resulta, também, de alguns desses Acórdãos – veja-se o da Relação de Lisboa de 09/02/2010 – o entendimento de que os fundamentos que justificaram a declaração de inconstitucionalidades pelo Acórdão n.º 23/2006 mantêm toda a sua validade, agora perante a nova redacção dada ao art. 1817º, nº 1, do CC: “É, assim, de concluir que a solução legal encontrada continua ser restritiva do direito ao conhecimento das origens genéticas, conduzindo à extinção precoce do direito a investigar a paternidade, sem que, por outro lado, se vislumbre a existência de valores, constitucionalmente tutelados, legitimadores da intervenção restritiva”.
Como afirma Rafael Vale e Reis, in “O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas”, p. 209, citado no referido Acórdão da Relação de Lisboa, “muito embora o Tribunal Constitucional não rejeite a admissibilidade de um sistema de prazos de caducidade, ou seja, uma outra solução diferente da constante do art. 1817º, CC, muito dificilmente uma (outra) solução que passe por fixar (outros) prazos de caducidade deixaria de ser qualificada como intervenção legal restritiva, ainda que, em abstracto, se pudesse detectar na norma um esforço harmonizador”.
Ora, é neste contexto que surge, na sequência já de alguns outros Acórdãos do Tribunal Constitucional, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011 de 22/09/2011 (publicado no DR, 2.ª Série, de 03/11/2011) que, em Plenário, decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante”.
É verdade que este juízo sobre a constitucionalidade deste artigo, dividiu o Tribunal Constitucional, que acabou por sufragar este entendimento numa maioria de sete contra seis juízes, mas também é verdade que, desde que o mesmo foi proferido, já esta decisão tem sido acolhida em diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional – cfr. Acórdãos n.ºs 445/2011, 446/2011, 476/2011, 545/2011 e 106/2012, de 11/10/2011, 11/10/2011, 12/10/2011, 16/11/2011 e 06/03/2012, respectivamente, disponíveis in www.tribunalconstitucional,pt.
Neste Acórdão ficou expresso o entendimento de que “o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação de paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada”.
Aí se refere, pensamos que com bastante interesse, que “é do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos” e o meio para tutelar estes interesses atendíveis, públicos e privados (segurança para o investigado e sua família) ligados à segurança jurídica “é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo desta forma uma função compulsória, pelo que são adequados à protecção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais”.
Veja-se que o legislador ordinário assumiu, claramente, a opção de continuar a estabelecer limites temporais à propositura das acções de investigação de paternidade, apenas acrescentando de oito anos o prazo que o Tribunal Constitucional havia considerado insuficiente para o exercício daquele direito.
Como agora se conclui, neste no Acórdão, a protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1 da CRP, não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade. O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.
Ora, aos 28 anos de idade (que corresponderá, em regra, ao termo do prazo fixado na lei), o investigante já tem a maturidade e a experiência de vida necessárias para compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua identidade pessoal e para optar de forma ponderada e sem influências externas, sobre o eventual exercício do direito de propor a acção com vista à investigação da paternidade – assim se decidiu, já, na sequência do referido Acórdão do Tribunal Constitucional, no Acórdão da Relação de Guimarães, de 15/05/2012, disponível em www.dgsi.pt.
Assim se conclui, na esteira deste Acórdão do Tribunal Constitucional, que o prazo fixado no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, não é desproporcional e, por isso, não viola os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao direito a constituir família (artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da CRP)
Do que fica dito e tendo em conta a preponderância do Tribunal Constitucional na apreciação de uma concreta questão de constitucionalidade e verificando que o juízo sobre a constitucionalidade da norma em questão foi aí obtido em Plenário, não encontramos razões para dizer o contrário do que aí se decidiu e que, como já supra referimos, vem sendo acolhido pela mais recente jurisprudência desse Tribunal Constitucional.
Em face do que – e face ao juízo de não inconstitucionalidade - haverá que concluir pela aplicação da norma em questão – artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil – julgando procedente a excepção da caducidade, nos termos em que a mesma foi invocada, pelo decurso do prazo de 10 anos posteriores à maioridade ou emancipação do investigante, procedendo as conclusões do recurso e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida.
Uma outra questão, no entanto, se levanta nestes autos.
Como já atrás referimos, não estando determinada a paternidade e estando alegado um conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem ou justifiquem a investigação – artigo 3.º da petição inicial, levado à base instrutória sob o n.º 1 (ainda que com necessidade de concretização, designadamente, quanto à data de falecimento da mulher do réu) – poderá tal facto integrar a previsão da alínea c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, caso em que a acção poderia, ainda, ser proposta nos três anos posteriores à referida ocorrência.
Como se refere, aliás, no Acórdão do Tribunal Constitucional em apreço (401/2011), “o prazo de 10 anos previsto no n.º 1 não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade”, esclarecendo que os prazos de três anos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1 do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. “Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação”.
Assim, e em conclusão, na procedência das conclusões do recurso, haverá que revogar a decisão recorrida, por se considerar não estar ferido de inconstitucionalidade o n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, o que conduziria a julgar-se procedente a excepção da caducidade do direito de acção, com a consequente absolvição do réu do pedido.
Contudo, estando alegada matéria – aliás, transcrita para a base instrutória – susceptível de integrar outro prazo de caducidade da acção – n.º 3, alínea c) do artigo 1817.º do CC – e uma vez que o direito de propositura da acção não caduca antes de esgotados todos os prazos, terá a acção que prosseguir para se averiguar do preenchimento factual da causa de caducidade prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil.
Sumário:
1 - O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009 de 01/04, é suficiente para o exercício maduro e ponderado do direito de propor acção de investigação de paternidade, não exigindo o princípio constitucional de protecção do direito fundamental à identidade pessoal, a imprescritibilidade deste tipo de acção.
2 – Este entendimento está consagrado na decisão proferida em plenário do Tribunal Constitucional e exarada no Acórdão n.º 401/2011 de 22/09/2011, que não julgou inconstitucional essa norma, decisão essa que vem sendo seguida pelas decisões mais recentes desse Tribunal.
3 – Os prazos de três anos referidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1 do mesmo artigo, não caducando o direito de propor a acção de investigação de paternidade antes de esgotados todos eles.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra que, considerando que caducou o direito do autor de propor acção de investigação de paternidade, em face do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, ordena o prosseguimento dos autos, relegando, para final, a apreciação da excepção de caducidade, tendo em conta que está alegada matéria (eventualmente sujeita a aperfeiçoamento) susceptível de integrar a previsão da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, e que este prazo de caducidade de três anos é cumulável com aquele de dez anos.
Custas pelo apelado.
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Guimarães, 12 de Junho de 2012
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho