ACIDENTE
AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário

1. O art.º 12.º n.º 1 da Lei 24/07 de 18/007, que prevê que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária da auto-estrada, quando aí ocorre acidente rodoviário desencadeado nas situações previstas na lei, resolveu, de forma prática, a querela jurisprudencial relativa à natureza da responsabilidade dessas concessionárias;
2. Para cumprir esse ónus de prova não basta que a concessionária demonstre genericamente que observou dos deveres de conservação e vigilância contratualmente estabelecidos.
3. Só uma interpretação demasiado formal e estreita do normativo conduziria à conclusão de que o utente lesado não pode beneficiar da norma do art.º 12.º n.º 1, no caso de as autoridades não terem procedido à verificação das causas do acidente.
4. Pretende-se, tão só, impor às autoridades policiais competentes o dever de comparecer no local e de diligenciar no sentido de apurar a causa do acidente, sem prejuízo de o lesado poder fazer a prova das causas do acidente através de outros meios de prova legítimos.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
Humberto, casado, residente na rua de Vilela n.º …, S. Gens, 4820-672 concelho de Fafe, intentou contra A… – Auto-Estradas do Norte, SA, com sede no edifício Ariane, Rua Antero de Quental, n.º …, 3.º, apartado 5026, Freixeiro, Perafita, a presente acção declarativa comum, sob a forma sumária, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 14.426,36 (catorze mil quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos), acrescida dos juros moratórios contados, desde a citação até integral pagamento .
Para tanto, alegou, em síntese, que: no dia 19 de Fevereiro de 2009, pelas 21h45, ocorreu um acidente entre o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula 42-AG-36, conduzido por Liliana, e um animal selvagem de raça raposa; o embate deu-se na A11, seguindo o dito veículo no sentido Braga-Guimarães, à velocidade de 80 km/h; o animal invadiu a faixa de rodagem quando a condutora se encontrava a cerca de 2/3 m do mesmo, resultando impossível àquela travar ou desviar a trajectória, produzindo-se a colisão; o veículo entrou em despiste, ficando danificado, orçando a sua reparação na quantia de € 7.26,36; a privação do veículo durante o período de reparação causou prejuízos e incómodos ao Autor; por causa dos danos que sofreu em consequência do acidente, o veículo ficou desvalorizado.
A Ré contestou, alegando que as vedações da via onde ocorreu o acidente se encontravam em bom estado no dia do acidente, o que foi constatado nos patrulhamentos efectuados e ainda que: no dia em que ocorreu o acidente, não foi detectada a existência de qualquer animal na auto-estrada; no próprio momento imediatamente posterior ao embate não foi verificada a existência de qualquer animal; só posteriormente a Ré foi contactada por familiar da condutora, que lhe deu conta da presença de uma raposa morta nas proximidades do local do sinistro.
Requereu ainda a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F…, SA, com fundamento no facto de ter celebrado o contrato de seguro com essa sociedade para cobertura dos sinistros ocorridos nas auto-estradas.
O Autor respondeu.
O chamamento requerido foi deferido e, citada a interveniente, veio esta contestar, aderindo à contestação apresentada pela Ré.

Foi proferido despacho saneador, fixou-se a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória, que foi objecto de reclamação parcialmente atendida.
Realizada a audiência de julgamento, decidiu-se sobre a matéria de facto controvertida e proferiu-se sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando:
Solidariamente a Ré A…– Auto Estradas do Norte, S.A., e a Interveniente Companhia de Seguros F…, SA, a pagarem ao Humberto a quantia de € 5.426,36 (cinco mil quatrocentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável aos juros civis, sem prejuízo de posterior alteração legislativa;
A Ré A… – Auto Estradas do Norte, SA, a pagar ao Autor Humberto a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável aos juros civis, sem prejuízo de posterior alteração legislativa;
No mais peticionado, foram a Ré e a Interveniente absolvidas.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença apresentando alegações com as seguintes conclusões:
I. Entende a R., ora apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere à matéria dos artigos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 12º, 13º, 17º, 18º, 19º e 30º da douta b. i.;
II. Na verdade, resulta de modo bem evidente da transcrição efectuada no corpo destas alegações que foi vista uma raposa, sim (por várias pessoas, aliás), mas também decorre claramente do transcrito que não é possível concluir, ainda que com recurso às regras da experiência comum, que aquele animal tenha sido interveniente no acidente narrado pelo A. ou sequer que tenha acontecido um embate entre o veículo do A. e aquele animal;
III. Acresce que a participação de acidente de viação elaborada pela autoridade policial, analisada em conjunto com o depoimento de várias testemunhas, não é minimamente fidedigna quanto ao que foi directamente percepcionado pelo seu autor (o animal) e sobretudo em que altura isso aconteceu, além de que é nítido que se verifica uma espécie de “associação inconsciente” (por parte designadamente das testemunhas Liliana Costa, Maria Celeste Ribeiro e Alzira Costa) ao acidente dos autos do animal posteriormente encontrado, sendo certo que essa não foi, de modo algum, a primeira percepção que tiveram;
IV. Depois, constata-se que o Tribunal a quo privilegiou claramente - e sem, parece-nos, qualquer razão atendível para tal - as “investigações” tendentes a procurar um animal efectuadas mais tarde pela testemunha Norberto Rodrigues e a mulher e filhas do A. em detrimento daquelas efectuadas nos momentos seguintes ao acidente pelo agente da brigada de trânsito e o funcionário da R., para tal invocando eventuais (mas não demonstradas) falhas nesta busca por parte destes últimos até devidas ao estado do tempo e às condições de luminosidade que, de modo algum, foram também tidas em consideração no que concerne à “investigação” dos primeiros efectuada posteriormente;
V. Além disso, não considerou criticamente, como lhe competia, a manifesta divergência existente relativamente ao local onde a dita raposa foi encontrada (na berma esquerda, no alcatrão, e não no separador central) e a igualmente manifesta divergência quanto ao modo, à extensão e ao local onde a brigada de trânsito e o funcionário da R. fizeram essa busca;
VI. Não existem, por isso, quaisquer elementos probatórios seguros que ocorreu um acidente com um animal ou então se apenas houve um despiste sem colisão com um animal, primeiro, e depois, a ter acontecido um embate com um animal, se esse embate se produziu entre o veículo do A. e aquele animal que veio a ser encontrado mais tarde;
VII. Assim, a resposta comum a todos os artigos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da b. i. devia ter sido (não provado) ou, quando muito, e a entender-se dar como provado que eclodiu um acidente com um animal, aqueles artigos deviam ter merecido respostas explicativas no sentido de que não se logrou provar um acidente com uma raposa e, muito menos, com aquela encontrada a posteriori, o mesmo devendo acontecer, aliás, relativamente aos artigos 12º e 13º da b. i.;
VIII. Também os artigos 17º, 18º e 19º da b. i. deviam ter sido dados como não provados, posto que é evidente, mormente do depoimento da testemunha Maria Celeste Ribeiro transcrito nestas linhas, que o A. não sofreu qualquer dano – e nem podia – decorrente da alegada privação do uso do veículo;
IX. Por último, e salvo, uma vez mais, o devido respeito, entende a R./apelante que o artigo 30º da b. i. devia ter sido dado como provado na sua totalidade, o que decorre outra vez dos depoimentos transcritos (não só devido à patente divergência quanto a este aspecto que se regista entre os depoimentos de Norberto Rodrigues e a mulher e filhas do A., mas também pelo que resulta do depoimento de Anselmo Ribeiro);
Isto posto,
X. Andou bem a douta sentença quando entendeu que a matriz da responsabilidade em caso de acidente ocorrido em AE é nitidamente extracontratual e, aliás, entende a R., agora como antes do advento da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho;
XI. Porém, já assim não sucede quando sustenta que aquela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho é aplicável ao acidente dos autos nem quando defende – pouco convictamente, parece-nos - que o seu artigo 12º nº 1 encerra uma presunção de culpa que onera as concessionárias de AE;
XII. De resto, quanto a este último ponto, bastará tão-só ler aquele artigo 12º nº 1 e compará-lo com a redacção do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil (inaplicável ao sinistro sub judice) para se concluir facilmente que apenas se operou uma inversão do ónus da prova, agora a cargo das concessionárias de AE, não estando consagrada qualquer presunção de culpa – cfr. ac. desta RG de 23-9-2010 e Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho;
XIII. Ora, para que seja possível enquadrar o sinistro dos autos no âmbito do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e naturalmente para que seja possível a inversão do ónus da prova ali prevista, importa que a autoridade policial (e nos momentos seguintes a este ter eclodido) verifique obrigatoriamente no local, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, as causas do sinistro, o que, de forma alguma, cerceia os direitos do lesado ou faz com que a autoridade policial se substitua seja de que maneira for aos Tribunais, mas apenas garante que foi aquela (e não outra qualquer) a causa do acidente (e tanto para o lesado como para a concessionária de AE) e ainda que há condições para a inversão do ónus da prova – cfr. o citado ac. RP de 15-12-2010;
XIV. Contudo, e como resulta limpidamente dos autos, tal não sucedeu na altura própria e nem há prova minimamente segura (e essa prova exigia-se) que o animal encontrado mais tarde tenha sido o interveniente no sinistro dos autos, apesar daquilo que consta escrito na participação de acidente de viação e que – é manifesto - não é rigoroso nem corresponde à verdade;
XV. Por isso, entende a R./apelante que é incorrecta e totalmente especulativa – o que se diz, uma vez mais, ressalvando o respeito devido – a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, i. e., que não restam dúvidas que o animal interveniente no sinistro foi aquele, como é igualmente errada e não ancorada em factos e/ou em prova a conclusão que o animal não foi encontrado num primeiro momento devido a uma qualquer deficiência na procura então efectuada;
XV. Efectivamente, não se demonstra que houve falha (pelo contrário, aliás) nas averiguações empreendidas pela brigada de trânsito e pelo funcionário da R. tendentes a encontrar um animal – e parece-nos que essa prova também devia ter sido feita e antes tal matéria alegada pelo A., atendendo a que a participação de acidente de viação não é fidedigna -, além de que é evidente que a R., contrariamente à injusta acusação da douta sentença, não lança mão de qualquer artifício para nomeadamente tentar separar dois momentos temporais e conferir-lhe relevância jurídica;
XVI. Estando assim, na modesta opinião da R./apelante, irremediavelmente afastada a hipótese de aplicação do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho ao sinistro dos autos e não estando a R./apelante onerada com qualquer presunção de culpa nem estando a seu cargo qualquer ónus probatório, devia, por isso, e tal como resulta expressa e inequivocamente da Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, ser este sinistro enquadrado no único âmbito possível da responsabilidade extracontratual;
XVII. Pelo que incumbia ao A., nos termos previstos nos artigos 342º, 483º e 487º do Cód. Civil, fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito e bem assim a prova da eventual culpa da R., de modo que só devia lograr obter a condenação da R. se tivesse alegado e provado que as vedações da AE se apresentavam com deficiências e que o animal tinha ingressado na via mercê dessas deficiências ou então, e pelo menos, que a R./apelante sabia da existência de um animal nas vias e nada fez para o remover e/ou sinalizar. Assim, sendo patente que o A. não logrou provar nada disso, e designadamente da culpa da R./apelante, impunha-se a absolvição desta;
XVIII. Não obstante, e apenas por mera cautela, sempre se dirá que não faz o mínimo sentido que se possa considerar (como apenas sugere o A. na sua douta p. i.) a aplicação da presunção de culpa (aqui sim) prevista no artigo 493º nº 1 do Cód. Civil, quando, como é o caso, falha a possibilidade de enquadramento do sinistro dos autos na Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (e no seu artigo 12º nº 1);
XIX. Não podendo a R./apelante (nem tal lhe sendo exigível) serem omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico que as obrigações a seu cargo são obrigações de meios e não obrigações de resultado (de garantir aos utentes que não vão ter acidentes durante a sua circulação em AE);
XX. Não obstante a R./apelante entender que deve ser revogada a douta sentença e substituída por uma outra que a absolva totalmente do peticionado pelo A., sempre se dirá, por mera cautela, que ao A. não deve ser arbitrada qualquer indemnização a título de dano de privação do uso, posto que o A. não fez a prova desse alegado dano;
XXI. Assim, no entendimento da apelante, a douta sentença violou, salvo o devido respeito, os artigos 12º nº 1 alínea b) e nº 2 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, os artigos 342º, 483º e 487º, todos do Cód. Civil e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.

O Autor contra alegou, pugnando pela manutenção do decido na sentença apelada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, as questões a decidir são as seguintes:
Alteração da decisão que incidiu sobre a matéria de facto;
Responsabilidade da Ré no ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor por via do acidente de viação em causa nos autos.

Os factos provados que fundamentaram a sentença apelada são os seguintes:
a) A Ré transferiu para a Companhia de Seguros …, SA, a responsabilidade por perdas ou danos causados à propriedade de terceiros, por acordo de seguro titulado pela apólice n.º 8.323.235/06 – cfr. alínea A) da matéria assente.
b) No dia 19 de Fevereiro de 2009, pelas 21h e 45m, na A11, ao km 36, na freguesia de Leitões, Guimarães, ocorreu um embate, em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 42-AG-36 (doravante, AG), conduzido por Liliana – cfr. resposta ao art. 1º da base instrutória.
c) E um animal selvagem errante de raça raposa – cfr. resposta ao art. 2º da base instrutoria.
d) Nessa data, o AG circulava na mencionada A 11, no sentido Braga - Guimarães, pela metade direita da faixa de rodagem – cfr. resposta ao art. 3º da base instrutória.
e) A uma velocidade de, cerca, 80 Km/hora – cfr. resposta ao art. 4º da base instrutória.
f) Sendo que, sensivelmente ao km 36, surgiu um animal de raça raposa da berma – cfr. resposta ao art. 5º da base instrutória.
g) Do lado direito para a esquerda, atento o seu sentido de marcha – cfr. resposta ao art.6º da base instrutória.
h) Internando-se na faixa de rodagem – cfr. resposta ao art. 7º da base instrutória.
i) Atravessando-se à frente do AG, a 2 a 3 metros de distância do mesmo – cfr. resposta ao art. 8º da base instrutória.
j) A condutora do veículo do AG não conseguiu evitar a colisão, tendo embatido frontalmente no referido animal – cfr. resposta ao art. 9º da base instrutória.
k) Perdendo o controlo do veículo – cfr. resposta ao art. 10º da base instrutória.
l) Vindo a embater nas guardas metálicas de protecção do lado direito da respectiva auto-estrada – cfr. resposta ao art. 11º da base instrutória.
m) A 75 metros do local do embate, entrando de seguida em despiste – cfr. resposta ao art. 12º da base instrutória.
n) Ficando o AG imobilizado a cerca de 100 metros do local de embate – cfr. resposta ao art. 13º da base instrutória.
o) Em consequência da descrita colisão, o veículo AG sofreu danos na frente do mesmo, nomeadamente na chapa, pintura, capot, pára-choques, airbag, faróis, frisos, amortecedores, filtros, radiadores, piscas, ópticas e demais peças e acessórios – cfr. resposta ao art. 14º da base instrutória.
p) Tendo a reparação dos referidos danos sido orçada em € 7.026,36 – cfr. resposta ao
art. 15º da base instrutória.
q) O autor esteve privado do uso do AG desde a data do embate até à data da reparação
no dia 19 de Maio de 2009 – cfr. resposta ao art. 16º da base instrutória.
r) Durante esse período, sofreu incómodos e transtornos – cfr. resposta ao art. 17º da
base instrutória.
s) À data de entrada da presente acção, o AG tinha o valor comercial de € 10.000,00 – cfr. resposta ao art.º 21º da base instrutória.
t) Por força do embate e da reparação, o veículo AG sofreu desvalorização – cfr. resposta ao art. 22º da base instrutória.
u) Os colaboradores da Ré exercem, e exerciam à data do embate, vigilância sobre o estado dessas vedações – cfr. resposta ao art. 24º da base instrutória.
v) Sendo periodicamente vistoriadas, a pé e com recurso a veículos, por equipas de obra civil ao serviço da Ré em toda a extensão da concessão, e em ambos sentidos de trânsito – cfr. resposta ao art. 25º da base instrutória.
w) No dia do embate, os funcionários da Ré efectuaram patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passaram pelo local e não detectaram qualquer animal – cfr. resposta ao art. 26º da base instrutória.
x) Tais patrulhamentos são efectuados em turnos, durante 24 h por dia, em todos os dias de cada ano – cfr. resposta ao art. 27º da base instrutória.
y) Nos momentos seguintes à eclosão do sinistro, não foi detectado qualquer animal (cão ou raposa) nas imediações do local do sinistro pelo colaborador da ré ou pela BT da GNR que ali se deslocou – cfr. resposta ao art. 28º da base instrutória.
z) entre as 21h45 e 24h do dia 19 de Fevereiro de 2009, e por indicação duma pessoa que disse ser familiar da condutora do automóvel e que parou nas proximidades daquele local, outro colaborador da Ré deslocou-se ao local e encontrou uma raposa morta na berma esquerda – cfr. art. 29º da base instrutória.
aa) Nessa altura, ali encontrava-se a BT da GNR – cfr. resposta ao art. 30º da base instrutória.
bb) Da certidão do registo comercial relativo ao AG consta que a aquisição deste se encontra registada a favor de Humberto – cfr. certidão de fls. 136 (facto considerado nos termos do art.º 659.º, n.º 3, do CPC).
cc) No acordo de seguro mencionado em A., está prevista a franquia por sinistro em danos materiais no valor de 10% do sinistro, com mínimo de € 3.000,00 e com máximo de € 25.000,00 – cfr. condições particulares da apólice de fls. 74 (facto considerado nos termos do art.º 659.º, n.º 3, do CPC)


O DIREITO APLICÁVEL
Matéria de facto
A Ré pugna pela alteração da decisão de facto proferida na primeira instância.
A modificabilidade da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, está prevista no art. 712º nº 1 do CPC.
Nos termos do nº 1 deste artigo, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, para além do mais, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.689-B do CPC a decisão com base neles proferida.
Na reapreciação da prova a efectuar pelo Tribunal de recurso, deve ter-se em conta o que determinou o legislador, expressamente referindo no preâmbulo do diploma que possibilitou a documentação da prova (Dec.Lei nº39/95 de 15/12) que, “ … a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente na sua minuta de recurso”.
Conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/3/2006, in www.dgsi.pt, “… havendo, ao abrigo do artigo 522º-B, gravação dos depoimentos prestados na audiência final, se a decisão, com base neles proferida, tiver sido impugnada nos termos do artº 690º-A, a Relação reapreciará as provas em que assentou a parte impugnada (…). O objectivo desta reapreciação é, não o de proceder a um novo julgamento da matéria de facto, mas apenas o de – pontualmente e sempre sob a iniciativa da parte interessada – detectar eventuais erros de julgamento nesse âmbito.”
Importa aqui citar o que se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004 de 24/03/2004, relatado pelo Conselheiro Moura Ramos, a propósito de uma causa penal, mas que têm plena aplicação no processo civil:
“A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção de provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova (...)
A oralidade da audiência (...) permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções da voz, por exemplo.
A imediação vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamada “princípio subjectivo”, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.
A censura quanto à formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão das posições das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

No caso, a alteração pretendida pela Apelante enquadra-se no art.º 712.º n.º 1 al. a) do CPC, sendo certo que foram cumpridos os ónus prescritos no art.º 689-B do mesmo diploma.

A divergência da Ré reconduz-se aos “quesitos” 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º, 13.º, 17.º, 18.º, 19.º, e 30.º da base instrutória.

Está em causa nos autos a responsabilidade da Ré, concessionária da A11, onde teve lugar o acidente de viação que fundamentou o pedido indemnizatório do Autor.
Os factos a que se referem os quesitos 1.º. 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.ºe 13.º, reportam-se às circunstâncias em que se deu o acidente, tendo o seguinte teor:

Quesito 1.º
“No dia 19 de Fevereiro de 2009, pelas 21h e 45mn, na A11, ao Km 36, na freguesia de Leitões, Guimarães, ocorreu um embate, em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 42-AG-36 (doravante, AG) conduzido por Liliana …?
Quesito 2.º
E um animal selvagem errante de raça raposa?
Quesito 3.º
Nessa data, o AG circulava na mencionada A11, no sentido Braga-Guimarães, pela metade direita da faixa de rodagem?
Quesito 5.º
Sendo que, sensivelmente ao Km 36 surgiu um animal de raça raposa na berma?
Quesito 6.º
Do lado direito para a esquerda, atento o seu sentido de marcha?
Quesito 7.º
Internando-se na faixa de rodagem?
Quesito 8.º
Atravessando-se à frente do AG, a 2 a 3 metros de distância do mesmo?


9.º
A condutora do AG não conseguiu evitar a colisão, tendo embatido frontalmente no referido animal
Quesito 12.º
A 75 metros do local de embate, entrando de seguida em despiste?

Quesito 13.º
Ficando o AG imobilizado a cerca de 100 metros do local do embate?


A resposta a todos aos quesitos 1.º 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.ºe 13.º foi de “Provado”.

Para fundamentar tais respostas, o tribunal a quo considerou os depoimentos da testemunha Liliana, condutora do AG e das passageiras deste veículo, Alzira Costa e Maria Celeste Ribeiro, as duas primeiras filhas e a segunda esposa do Autor. Para além desta prova testemunhal teve-se também em conta o auto de participação do acidente junto a fls 13 a 16, designadamente no que concerne às medições e concreta localização da viatura após o acidente.
A credibilidade dada aos depoimentos da condutora e passageiras do AG, está devidamente fundamentada na motivação da decisão impugnada. Neste âmbito, o Tribunal entendeu que o relatório de turno da central de comunicações da Ré e bem assim os depoimentos das testemunhas Carlos Pedro Barbosa, funcionário da Ré, Rui Miguel Afonso militar da GNR, autor do auto de participação do acidente, e Norberto Rodrigues credibilizavam e sustentavam a versão do acidente apresentada por Liliana, Alzira e Celeste (que ao contrário das demais testemunhas, presenciaram o acidente estando nele envolvidas directamente).
O entendimento da Ré vai no sentido de se dar como “Não provados” os factos constantes dos referidos quesitos da base instrutória, ou, quando muito, dar-se apenas como provado que o embate em causa se deu com um animal, mas não concretamente com uma raposa, devendo, nesse caso, o Tribunal responder restritiva e explicativamente a tal matéria controvertida.
Fundamenta o seu entendimento nos depoimentos das testemunhas, Anselmo Ribeiro e Carlos Barbosa, seus funcionários, no confronto com as testemunhas Liliana, Alzira e Maria Celeste, Norberto Rodrigues e Rui Afonso, cujos depoimentos, a seu ver, não podem sustentar a convicção do Tribunal. Por outro lado considera que o auto de participação do acidente não é rigoroso.

Vejamos então o teor dos depoimentos das testemunhas na parte em que são relevantes para a apreciação da impugnação da apelante.

A testemunha Liliana disse conduzir a viatura AG, pertença de seu pai, o Autor, na altura em que ocorreu o acidente em causa nos autos. Sua mãe e sua irmã seguiam também na viatura. Circulava na A11, no sentido Braga/ Guimarães, por volta das 9 e meia 10 menos um quarto da noite, a cerca de 80KM/hora num local onde, “ senão me engano”, tinha três faixas. Vinha na faixa da direita e então surgiu um animal que na altura lhe pareceu um cão, pelo tamanho (pequeno) e pela cor castanha. Só deu conta do animal “em cima da hora”, quando este estaria a três metros do veículo. Ainda tentou travar mas tudo aconteceu muito rápido e não conseguiu evitar embater no animal, que vinha da direita para a esquerda, ou seja, de fora da faixa de rodagem para o seu interior. O embate deu-se no lado esquerdo da viatura. Despistou-se e bateu nos railes da auto-estrada, do lado direito. Depois o veículo ficou virado ao “contrário”. Entre o local onde embateu no animal e o local onde bateu nos railes distavam, na sua percepção, 100 ou 200 metros. Depois de o veículo se ter imobilizado foram auxiliadas por um condutor e, entretanto, chegou a Brigada de Trânsito e, logo de seguida, os funcionários da AE.. que procuraram o animal no local onde estava a viatura, do lado direito e do lado esquerdo incluindo na faixa de rodagem contrária, usando lanternas, durante 10 a 15 minutos. Nessa ocasião nada encontraram. Perguntada sobre se o Senhor da Brigada de Trânsito, nesta altura, também procurou o animal, respondeu: “Acho que sim, estava lá á procurar”.
Entretanto chegou o reboque e o táxi que a transportou juntamente com a mãe e a irmã à garagem de Norberto Rodrigues, a quem contaram o sucedido e que lhe disse que”se bateste num animal ele tem de lá estar.” Foi então com sua mãe e o Norberto, novamente para o local do acidente a fim de procurarem o animal que embateu no AG, usando lanternas. Pararam no local do embate, e, passados cerca de 10 minutos, encontraram uma raposa perto da zona onde colidiu (com o animal) um “bocadinho antes do embate”, junto ao separador central, onde havia relva. Encontraram o animal pela meia-noite menos “qualquer coisa”. A raposa ainda estava quente (por acaso pôs-lhe a mão) e tinha sangue no focinho, mas não estava esventrada. Pareceu-lhe que este animal seria da mesma dimensão e cor do animal que julgou ser um cão. Contactaram a Brigada de Trânsito que acorreu ao local. Um dos agentes já tinha estado no local. Entretanto e sem que chegassem os funcionários da AE…, saíram do local e a testemunha foi fazer a reclamação (à AE…).

A testemunha Maria Celeste Gonçalves Ribeiro disse ser esposa do Autor, e mãe da condutora do AG. Atestou que, na ocasião em que se deu o acidente, seguia como passageira no AG, no lugar da frente ao lado da filha Liliana. Circulavam pela auto-estrada de Braga para Guimarães pela via mais à direita, a 70/80Km por hora. A certa altura saiu do lado direito, do lado do monte, um animal que parecia um cão que embateu no canto da frente esquerda do AG. Após o embate com o animal o veículo andou aos ziguezagues, bateu nos railes da auto-estrada do lado direito atento o sentido de marcha do AG. Ao bater nos railes a viatura virou para o lado contrário ficando imobilizada. Quando se apercebeu do animal, este estava a cerca de dois metros do AG. Esclareceu que na altura pensavam que o animal referido era um cão porque “era assim uma coisa pequena”, mais ou menos com 40 cm e de cor castanha. Entre o local do embate com o animal e o local onde o AG embateu nos railes distavam para cima de 80 m. Depois do acidente foram socorridas por um condutor. Posteriormente chegaram ao local a GNR e, depois, os funcionários da AE…. Apenas os funcionários da Ré trouxeram pilhas e “andaram por ali e foram em sentido contrário, do lado Guimarães/Braga para procurar o animal, durante 7, 10 minutos. A Brigada de Trânsito não saiu do local à procura de nada e a ilha Liliana estava a dar os dados para à GNR. Entretanto, vieram para Fafe para a garagem de Norberto Rodrigues a quem telefonou, tendo depois regressado ao local do acidente com o mesmo Norberto e por sugestão deste, a fim de procurarem o dito animal. Pararam a viatura em que seguiam no local onde se deu o dito embate e a uns metros (não mais de 10), estava uma raposa “assim, no meio, onde tem aquelas ervas que separa a estrada em dois sentidos”. Quando encontraram a raposa (morta) devia já passar da meia-noite. A raposa ainda estava quente ( pôs-lhe a mão) e “tinha os olhos de fora, estalados” a língua de fora e sangue na boca . Achou que era o mesmo animal que embateu no AG pela cor e pelo tamanho e ainda porque estava na zona onde ocorreu o embate. Esclareceu que, quando os funcionários da AE… procuraram o animal, não chegaram ao local onde depois encontraram a raposa, embora tenham percorrido alguns metros para o lado de Braga.
O Norberto chamou a GNR, que se deslocou ao local, sendo que, um dos militares tinha estado no local “da primeira vez”.
Depois foram fazer a reclamação (á AE…) em Guimarães

A testemunha Norberto Albino Martins Rodrigues, mecânico, disse conhecer o autor por este ser cliente habitual na sua oficina de reparações gerais. No dia do acidente o cliente ligou-lhe pedindo-lhe que rebocasse a sua viatura. Foi ao local do acidente e “eles” contaram-lhe como se deu o acidente. Foi contactado por volta das “dez horas dez e qualquer coisa da noite.” A viatura foi rebocada para a sua oficina. Entretanto, a cliente (Maria Celeste) e as filhas contaram-lhe que um animal embateu no AG e sugeriu que fossem procurá-lo. Seguiu então no seu carro com a cliente e as filhas e foram procurar o animal. Primeiro ligou os faróis da sua viatura conduzindo devagar “a ver se conseguia ver alguma coisa”. Depois estacionou a sua viatura na berma da auto-estrada no local indicado pela Liliana como sendo aquele em que se deu o embate com o animal. Começou então a procurar para trás, no jardim que faz a divisória das faixas, ou seja no separador central, juntamente com a cliente e as filhas, com o auxílio de uma lanterna. Então avistou uma raposa no separador, pôs-lhe a mão e ainda estava quente. A cliente e as filhas disseram “é este, foi este…” Os danos nos railes da auto-estrada situavam-se mais à frente. Não procurou vestígios do embate com o animal até porque era de noite. Na viatura não foi possível verificar vestígios do embate com o animal, uma vez que, quando embateu nos railes ficou todo partido e o para choques ficou todo desfeito. A raposa estava intacta, tinha sangue a sair da boca que rebentou e dava a entender que foi atropleada. Só ele tocou na raposa. Chamou-se a autoridade tendo comparecido no local dois militares da GNR. A autoridade mandou-nos sair de junto do separador. A AE… (os seus funcionários) também foram ao local para retirar a raposa. Nessa altura a cliente e as filhas estavam dentro da viatura da testemunha. Depois, foram fazer a reclamação na portagem de Guimarães. Confrontado com o documento, entretanto junto aos autos de fls 212, intitulado “Folha de Reclamação”, assinada por Liliana Costa, confirmou que a dita reclamação foi efectuada pelas 24:30H.

A testemunha Rui Miguel Durão Afonso, disse ser militar da GNR, á data do acidente a exercer funções no destacamento de Braga. Confirmou ter elaborado o auto que está junto aos autos a fls 16 na sequência da sua ida ao local do mesmo após o sinistro, no exercício das suas funções. No seu depoimento revelou alguma falta de memória no que concerne a determinadas circunstâncias da sua intervenção, já que, como referiu a testemunha, regista centenas de acidentes por ano. Assim, revelou incerteza quanto ao facto de ter deslocado duas vezes no local do acidente, tendo recordação de que só lá esteve por uma vez, sobre quem chegou primeiro ao local, se os funcionários da AE… se a GNR, e, bem assim, quem o acompanhou quando foi procurar o animal que a condutora do AG lhe disse ter embatido nesta viatura desencadeando o acidente (para além do seu colega, se com o mecânico ou o auxiliar de assistência e vigilância se com dois mecânicos da AE…, por causa da rendição).
Não obstante, relativamente a outras circunstâncias, o seu depoimento não deixou dúvidas.
Assim, disse recordar que o acidente respeitava a um atropelamento de um animal, acrescentando que: “Recordo-me que o animal era o vulgarmente conhecido por uma raposa. Foi verificado que o animal efectivamente estava atropelado e morto no local. Posteriormente foi removido por um funcionário da empresa que se chamava AE….”
Esclareceu que, quando chegou ao local do acidente, não foi logo procurar o animal, já que, é necessário, em primeiro lugar, garantir a segurança. Deste modo, só mais tarde descobriu o animal que a condutora disse ter atropelado, “porque o veículo encontrava-se despistado alguns metros adiante do alegado embate.” Começou a procurar o animal juntamente com o seu colega e com funcionário(s) da AE… no sentido Guimarães/ Braga, para trás do local onde estava imobilizado o AG, dirigindo-se ao local, onde, segundo as declarações da condutora, aquele poderia estar. Procurou durante 10, 15mn. Inicialmente estavam a procurar um cão. Acabou por encontrar uma raposa morta na via, ou junto à via, “…que aparentemente e quase com cem por cento de certeza que levou uma pancada de um carro porque ele tinha sangue a sair pela boca,” aparentando ter sido atropelado recentemente. Perguntado sobre se o local onde foi encontrada a raposa morta, estava no enfiamento do local indicado pela condutora como tendo sido o local onde embateu na raposa, respondeu, “estava, estava, isso estava”. Esclareceu ainda que foi o mecânico da AE… quem recolheu a raposa.

A testemunha Alzira Ribeiro Costa, filha do Autor, esclareceu que, no momento do acidente viaja no AG no banco traseiro. Referiu as circunstâncias em que ocorreu o acidente e a respectiva dinâmica, com as limitações decorrentes do facto de viajar no banco traseiro, em conformidade com os depoimentos de sua irmã e mãe. No essencial, confirmou também, os depoimentos de sua mãe, irmã e de Norberto Rodrigues, no que respeita às circunstâncias em que foi encontrada a raposa morta.


A testemunha Anselmo Ribeiro assistente de vigilância da Ré na concessão da A7 e A11m, disse que, no exercício das suas funções, se deslocou ao local do acidente em causa nos autos, a mando da central de comunicações para remover um animal que se encontrava junto ao separador central da via esquerda. Sabe que anteriormente tinham lá estado um colega para registar o acidente. Quando chegou, estavam lá apenas dois agentes da brigada de trânsito no separador central que lhe indicaram o local onde estava o animal morto, que lhe disseram que o animal tinha provocado um acidente que tinha acontecido antes, durante a tarde, e que deveria ser enterrado, o que fez. Disseram-lhe também que foram familiares da pessoa que teve o acidente, que indicaram o local onde estava o animal morto. Admitiu que terá chegado ao local pelas 0.23H, tal como consta do relatório de Turno da AE… junto a fls 227. Encontrou a raposa morta, entre a berma esquerda e a via esquerda, mas em cima da guia sonora, ou seja, em cima do alcatrão e não no separador central. Não estava desfeita, aberta ou desmembrada nem tinha sangue. A raposa já estava “durita”. Na altura, estava fresco, era Fevereiro.

A Testemunha Carlos Barbosa, Oficial de Assistência e Vigilância na AENOR, disse ter sido chamado, via rádio para no dia 19/02/2009, para, no exercício das suas funções, se deslocar à A11, ao quilómetro 36, no sentido Braga Guimarães, por causa do acidente em causa nos autos. Quando chegou, havia uma viatura acidentada na via mais à direita, ligeiramente na diagonal. A Brigada de Trânsito chegou depois. Falou com a condutora que lhe disse que se tinha despistado porque tinha tentado desviar-se de um animal, não tendo a certeza de que animal se tratava. Não obstante, anote-se que, no relatório de turno da Ae…r a fls 43, e que relata as diligências do seus funcionário quando se deslocaram pela primeira vez ao local do acidente em causa, refere-se que, “segundo a cliente, circulava na A11 na via de lentos entre braga e Guimarães e devido a um cão que atravessou à frente o cliente diz que perdeu o controle da viatura…”. Disse também que a condutora lhe transmitiu que não tinha a certeza de ter embatido no animal.
Tentou ver se existia algum animal morto para trás do local onde estava a viatura acidentada, no quilómetro 36,075. Pelas indicações da condutora o animal terá aparecido onde estacionou o seu carro de serviço, a 50,60 metros para trás. Acrescentou depois que a condutora se teria desviado ou embatido no animal 75 metros para trás (da viatura acidentada). A testemunha procurou o animal na berma e no talude do lado direito tendo em conta o sentido Braga/Guimarães numa extensão de cerca de cento e poucos metros para trás. O militar da Brigada procurou o animal no separador central. Não verificou no local qualquer vestígio do embate da viatura com o animal, que, na ocasião, não foi encontrado.

Para além da prova testemunhal já referida há que considerar também o auto de participação do acidente de fls 13 a 16, de onde consta um croquis em que é visível o local onde se encontrava a viatura AG, o local onde se deu o embate nas guardas laterais direitas (em consonância com o que atestaram, a propósito, as testemunhas que intervieram no acidente e as que ali chegaram pouco depois do mesmo). Consta ainda a localização da raposa que foi encontrada morta, junto ao separador central da auto estrada, a 100 metros em linha recta, do local onde se imobilizou o AG.
Relevam também os relatórios de turno da AE…, constantes de fls 41 e 43, que relatam a primeira ida dos funcionários da Ré ao local do acidente, no dia 19/02/2009, quando ali estava ainda o veículo acidentado, registando-se a chegada ao local às 21:52, sendo que, depois do reboque da viatura, pelas 22:44, foi recolhida a sinalização e reaberto a via de trânsito, e que, pelas 22:57, o funcionário deu conta de que iria prosseguir a patrulha.
Está também junto aos autos um outro relatório de turno onde se dá conta de que, pelas 00:00, o Sr. Norberto familiar da cliente, que sofreu o acidente em causa, detectou o animal que o causou. Registou-se também que, às 00:23 do dia 20, o funcionário chega ao local, onde apenas está presente a BT, procedendo à remoção de uma raposa na berma esquerda ao PK 36.000 e enterrou-a no separador central.
A fls 212, consta uma cópia de uma reclamação da autoria da condutora do AG onde está identificado como prestador de serviço a Ré, dando conta de que, circulava na auto-estrada A11 ao quilómetro 36, na direcção Braga/Guimarães, quando um animal (raposa) se meteu à sua frente nele embatendo entrando em despiste danificando-se a viatura.


Analisando conjugadamente a referida prova testemunhal e documental dos autos, particularmente que é a que releva para o objecto da impugnação em causa, podemos concluir que, como muitas vezes acontece, os depoimentos testemunhais são por vezes imprecisos e, ás vezes, contraditórios entre si designadamente no que concerne a certos pormenores, que escapam à memória.
Contudo, no caso concreto, não vemos qualquer razão para contrariar o acerto da convicção da Meritíssima Juiz da primeira instância, que se fundou nos depoimentos das testemunhas Liliana, Maria Celeste e Alzira, que, em virtude da sua razão de ciência, puderam descrever a dinâmica do acidente, de modo coerente e, no essencial, sem contradições. Quanto à causa do despiste atestada pelas mesmas testemunhas, o atravessamento súbito de um animal que embateu na viatura acidentada, somos de entender que, quer os depoimentos da testemunha Norberto e do Militar da GNR, quer do teor dos relatórios de turno e o auto de participação de acidente só vêm confirmar a versão daquelas.
Por outro lado, os depoimentos das testemunhas Anselmo e Carlos Barbosa,, funcionários da Ré não têm a virtualidade de por em causa os depoimentos das ditas testemunhas.
Assim entendeu a Mm.ª Juiz a quo, que conjugou toda a prova analisando-a à luz das regras da experiência comum, como decorre da motivação da decisão ora impugnada que, pela sua coerência, e raciocínio lógico, entendemos ser pertinente transcrever parcialmente neste acórdão.
Escreveu-se nessa decisão:
“De referir que, para prova da relação de causalidade que estava quesitada em 9º e 10º da base instrutória, por apelo às regras da experiência comum, que ensinam que a produção dum embate é uma realidade dinâmica e, por outro lado, tendo em conta o carácter inopinado do aparecimento dum animal, o desequilíbrio instintivo que tal provoca na condução, sobretudo quando se tem em conta que tal ocorre de noite (o que faz diminuir a visibilidade e a precisão) e num sítio de inclinação já descendente (Maria Celeste, mãe da condutora, refere que, embora o sítio onde se deu a colisão ser plano, logo a seguir começa a descer).
É certo que, aquando da primitiva deslocação da entidade policial e dos funcionários da Ré, o animal não foi encontrado (e daí a resposta positiva ao artigo 28º da base instrutória), sem embargo tenham andado à sua procura nas imediações do sítio onde a condutora tinha identificado o local da colisão.
A existência do animal apenas foi detectada algum tempo depois – 1h30m a 2h30m mais tarde (donde a latitude horária na resposta ao art. 30º da base instrutória) –, em segunda deslocação ao local promovida por Norberto Rodrigues, mecânico da oficina para onde tinham levado a viatura, o qual insistiu com as testemunhas para se deslocarem à A11 no sentido de efectuar uma procura mais atenta (cfr. ainda, quanto à hora em que a condutora abandonou o local e fez a participação escrita acerca do embate perante a Ré, fls. 212).
… há que notar que a testemunha Carlos Pedro Barbosa, oficial da Ré, e que se deslocou ao local aquando da primeira ida ao sítio do acidente, referiu que a condutora lhe tinha dito, logo após o embate, que este se tinha devido à colisão num animal… ..
De igual modo, no relatório de turno da Central de Comunicações da Ré, que consta de fls. 43, se consigna que, às 22h30m, o mecânico informou que a viatura circulava na A11 na via de lentos entre Braga-Guimarães e, devido a um cão que atravessou à sua frente, o cliente diz que perdeu o controlo da viatura (vd. também relatório de fls. 41). Ou seja, a versão de que havia embatido num animal, tendo este facto sido a causa dum embate, não constituiu uma tese que surgiu a posteriori após o reboque da viatura; os funcionários da Ré efectuaram indagações no local com vista a verificar a existência dum animal logo a seguir à explicação dada pela condutora quanto à causa do embate.
Acresce que Norberto Rodrigues revelou também seriedade e segurança quanto ao seu depoimento, alicerçando-se no conhecimento directo advindo do facto de se ter deslocado ao local e procurado encontrar a raposa, tendo sido da sua iniciativa lá se deslocar após a viatura ter chegado à sua oficina em Fafe.
Mencionou que a raposa tinha sangue a sair da boca e estava localizada próxima do separador central, evidenciando estes factos a proximidade temporal com a ocorrência do embate em discussão nos autos e coincidindo o sítio onde a raposa se encontrava com a versão apresentada pela condutora de que a raposa apareceu provinda do lado direito para o esquerdo.
Aludiu também que contactou com a entidade policial no sentido de regressar ao local para vir verificar a existência da raposa, tendo a Aenor sido, após, contactada pela GNR, para efeitos de levantamento do animal, não tendo o mesmo, nem as testemunhas permanecido até à parte final da remoção dado que a autoridade determinou que abandonassem o local.
Também o agente policial Rui Miguel Durão Afonso mencionou que verificou a existência da raposa no local, não se lembrando, contudo, se se tinha deslocado uma ou duas vezes ao sítio do acidente.
E a raposa foi encontrada em local próximo onde o acidente se verificou (Norberto Rodrigues referiu que imobilizou o carro na auto-estrada antes do local onde os rails se mostravam danificados e por indicação da condutora de que ali tinha ocorrido, por aproximação, a colisão com o animal); o animal era de porte e cor semelhantes àquele que a condutora e as passageiras referiram que causou o despiste; tudo fazendo concluir, portanto, que foi aquele que esteve na origem do despiste, e que apenas não tinha sido descoberto da primeira ida da GNR e da Ré ao local, por falha dos autores dessa busca, que ou não se deslocaram para trás ou o animal lhes passou despercebido.
Há que ter em atenção que o acidente, quando se deu, era noite fechada e era Inverno, circunstâncias que dificultam a visibilidade.”

É certo que a testemunha Anselmo, (ao contrário das testemunhas Liliana, Celeste, Alzira e Norberto), que recolheu a raposa, disse não ter visto qualquer sinal de que esta tivesse sido atropelada recentemente, designadamente que estivesse quente, ou com sangue. Contudo, a versão desta testemunha foi contrariada, para além do mais, pela testemunha Rui Afonso, militar da GNR, que, obviamente, não tem qualquer interesse no caso dos autos nem qualquer relação com o Autor e que atestou que encontrou a raposa morta, “aparentemente e quase com cem por cento de certeza que levou uma pancada de um carro porque ele tinha sangue a sair pela boca.” Consequentemente, registou este militar a presença de tal animal no auto de participação junto aos autos, o qual tem uma especial força probatória no que concerne aos factos percepcionados pelo autuante no exercício das suas competências funcionais.
Pelo exposto, devem manter-se as respostas dadas aos quesitos 1.º. 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º e 13.º.


Os quesitos 17.º, 18.º e 19.º, respeitam às consequências do acidente e têm a seguinte redacção:
Quesito 17.º
O autor esteve privado do uso do AG desde a data do embate até à data da reparação no dia 19/06/2009?
Quesito 18.º
Durante esse período, sofreu incómodos e transtornos?
Quesito 19.º
Teve de recorrer a carros emprestados, assim como recorrer a favores de terceiros?

Todos estes factos mereceram a resposta de “provado”, tendo-se relevado, para tanto, os depoimentos das testemunhas Liliana, Celeste, e Norberto.
Para a Ré tais quesitos deveriam merecer a resposta de “Não provado”, tendo em conta o depoimento da testemunha Celeste.
Referiu a testemunha Celeste que seu marido, na altura do acidente estava emigrado. Nessa altura, a sua filha usava a viatura para ir todos os dias para o trabalho, tendo sido necessário recorrer a carros emprestados . Nada pagaram, mas tiveram de agradecer.
A testemunha Liliana referiu que, na altura do acidente vivia, juntamente com sua irmã, na casa dos pais. O seu agregado familiar só tinha esta viatura, e, durante o período de reparação do veículo teve de andar de autocarro e de boleia.
A testemunha Norberto, que esclareceu qual o período de reparação do veículo com conhecimento directo por o mesmo ter sido reparado na sua oficina (2 a três meses), atestou que, na altura do acidente o autor não estava “cá”. Esta viatura era utilizado pela família, Quando o autor não estava a condutora habitual da viatura era a sua filha, que também transportava a mãe. Chegou a emprestar uma viatura á família do autor durante andava dias e depois a filha do Autor andava noutras viaturas, não sabendo quem lhas emprestou.

Tendo em conta todos estes depoimentos, podemos concluir que o veículo AG pertencente ao Autor era usado por este quando estava em Portugal e, como é natural, pelo seu agregado familiar, composto pela esposa e filhas. Era a única viatura desse agregado e, consequentemente, o Autor ficou privado do seu uso, o qual abrange a possibilidade de o disponibilizar gratuitamente ao demais elementos do seu agregado. Estando impedido de o fazer por via do tempo que o AG demorou a ser reparado, é evidente que os incómodos e transtornos decorrentes da impossibilidade do seu uso pelo agregado, afectam directamente o próprio autor, já que foi necessário de providenciar outro meio de transporte para a sua família.
Termos em que, nesta parte deve improceder a impugnação.

Finalmente, o quesito 30.º tem a seguinte redacção:

Quesito 30.º
Nessa altura (ou seja, na ocasião em que um colaborador da Ré se deslocou ao local encontrando uma raposa morta na berma) apenas estava no local a BT da GNR.

Respondeu-se: “Provado apenas que nessa altura, ali se encontrava-se a BT da GNR.

A ré discorda de tal resposta por entender que devia ter-se dado como provado o quesito na sua totalidade, já que, argumenta, a única testemunha que diz estar no local quando chegou o funcionário da Ré foi o Norberto Rodrigues.
Salvo o devido respeito, não concordamos com tal argumento.
Resulta dos depoimentos das testemunhas Anselmo, funcionário da Ré e Rui Afonso, militar da GNR, que a BT estava no local do acidente quando o mesmo Anselmo ali chegou para recolher a raposa morta. Mas, também a testemunha Norberto atestou que, ainda viu o dito funcionário, numa ocasião em que a condutora e as passageiras do AG já estavam na sua viatura (poderá ser esta a razão pela qual estas referiram não ter visto ninguém da AE… nessa ocasião).
Assim sendo, apenas é certo, em consonância com a resposta quesito, que, na dita ocasião, se encontrava no local a Brigada de Trânsito.
Pelo exposto, deve improceder in totum a impugnação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto.
Anote-se que a divergência da Ré quanto a tal decisão se reconduz à sua convicção, que diverge da do tribunal impugnado. Efectivamente, a convicção do tribunal apelado está sustentada em dados objectivos, ou seja em prova válida, a qual, em nosso entender foi devidamente ponderada.

Da responsabilidade civil da Ré
Entende a apelante que está em causa nos autos a sua responsabilidade civil extracontratual, cabendo por isso ao Autor provar os respectivos pressupostos elencados no art.º 483.º n.º 1 do CC.
Relativamente á natureza da responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas em relação aos seus utentes, existem várias as teses doutrinárias e jurisprudenciais.
Uma vez que, na sentença apelada, já se fez menção a essas teses de modo proficiente, limitar-nos-emos a enunciar resumidamente cada uma delas.
Para uns, tal responsabilidade tem natureza contratual, por estar em causa um contrato inominado de utilização da auto-estrada, pelo menos sempre que o utente da via esteja obrigado a pagar uma taxa.
Para outros, a natureza contratual da responsabilidade das concessionárias, tem origem no contrato de concessão que celebram com o Estado, no âmbito do qual se obrigam à construção, conservação e exploração das auto-estradas. Ou seja, os terceiros utilizadores das auto-estradas, estariam incluídos, por força do próprio contrato, no âmbito da protecção dos interesses acautelados pelo contrato de concessão, que seria, neste sentido, um contrato com eficácia de protecção de terceiros.
Numa terceira via, defende-se que a responsabilidade dos concessionários para com os utentes se enquadra na responsabilidade extra contratual, devendo aquela responder perante estes, caso se verifiquem os pressupostos referidos no art.º 483.º n.º 1 do CC, cabendo ao lesado a sua prova, designadamente e ao contrário do que sucede na responsabilidade contratual, a prova da culpa.
Também defendeu Sinde Monteiro, a existência de um contrato a favor de terceiro mesmo quando a utilização da auto-estrada concessionada é gratuita, sendo aplicável a presunção de culpa prevista no art.º 493.º n.º 1 do CC, embora, como bem se refere na decisão recorrida, tal presunção só valha para os danos causados pela coisa. Cf. Sinde Monteiro, RLJ anos 131,pags 41 e seguintes. 132 pags 29 e seguintes e 133, pag. 66 e 127 e seguintes, onde se elencam as diversas teses expostas.

Com a Lei 24/2007 de 18 de Julho, que veio estabeleceu o regime jurídico que define direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, quer gratuitas quer pagas, regulou-se, no seu art.º 12.º, a responsabilidade das concessionárias nos seguintes termos:
Art.º 12.º
Responsabilidade
1 — Nas auto -estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 — São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.

Considera alguma jurisprudência que esta norma faz opção pelo instituto da responsabilidade contratual, já que onera alguém que “…é devedor de uma prestação inerente à concessão das auto-estradas, o que permite afirmar que a lei consagrou a regra do art. 799º, nº1, do Código Civil – cabendo à concessionária ilidir a presunção de culpa quando for possível afirmar que por violação das “obrigações de segurança…” ocorreu um acidente de viação. Cf Ac. do STJ de 02/11/2010, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos no Processo número 7366/03.9TBSTB.E1, publicado em www.dgsi.pt.
Mas também se tem entendido que a mesma norma é compatível com a tese da responsabilidade extra contratual, constituindo “um comando de natureza excepcional, à semelhança do art.º 493.º n.º 1 do Código Civil, por razões de equidade na distribuição do ónus da prova e, exclusivamente, para as situações ali previstas, obstando aos efeitos negativos que resultavam da qualificação das mesma âmbito da responsabilidade aquliana, quer resultasse essa qualificação da interpretação doutrinária, ou da própria lei…”.
Ac. da Relação do Porto de 15 de Dezembro de 2010, relatado pelo Desembargador Filipe Caroço, no processo 340/08.0TJVNF.P1.
No caso concreto, entendemos, como se refere na sentença apelada, que a responsabilidade da ora Ré concessionária se deve enquadrar no âmbito da responsabilidade extra contratual. É o que decorre do DL 248-A/99, que aprovou as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação dos lanços de auto estradas e conjuntos associados na zona norte de Portugal, onde se inclui a A11.
Senão vejamos.
Na base XLIV n.º 1 daquele DL, estabelece-se que “A concessionária deverá manter as Auto Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinem”.
Por sua vez, no capítulo XII intitulado “”Responsabilidade extracontratual perante terceiros dispõe-se na base LXXIII que, “Pela culpa e pelo risco” a Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.
Parece pois resultar de tal legislação, uma qualificação expressa da responsabilidade em causa como extra contratual ou aquiliana, como se conclui no Acórdão da Relação do Porto, já citado, de 15/12/2010.
Daqui não resulta, como pretende a Ré, que o ónus de provar a culpa da Ré na produção do facto danoso impenda sobre o Autor. Isto porque, em seu entender, a norma do art.º 12.º n.º 1 da Lei 24/2007, não estabelece uma presunção de culpa, mas antes uma mera inversão do ónus da prova no que concerne ao cumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária.
A entender-se assim, não se compreenderia a utilidade deste preceito.
O que resulta desde logo do n.º 1 do art.º 12.º em análise, é que se desonerou o utente de provar que o evento danoso se deveu ao incumprimento das normas de segurança por parte do concessionário. É pois a este, que se impõe o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança que contratual e legalmente se lhe impõem. Ou seja, cabe à concessionária fazer essa prova nos casos em que se possa dizer que, por violação de obrigações de segurança, ocorreu acidente rodoviário despoletado por:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
Cf Ac. do STJ de 02/11/2010, acima citado.

Assim, apenas cabe ao utente provar: o facto (o acidente); que este foi despoletado por alguma das referidas situações, que, por regra, são imputáveis à violação de regras de segurança; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A concessionária, por sua vez, se quiser eximir-se da sua responsabilidade, terá de provar que cumpriu todas as suas obrigações de segurança que poderiam evitá-lo. Não o fazendo, deverá indemnizar o utente lesado.
A quase totalidade da jurisprudência, que acompanhamos, entende que a regra do n.º 1 do citado art.º 12.º consagra uma presunção de culpa que impende sobre a concessionária. Para a apelante, como já referimos, está em causa apenas uma inversão do ónus da prova. Em termos práticos a questão não é relevante, uma vez que, ocorre presunção legal ou a liberação legal do ónus da prova, sempre que a lei considera certo um facto, quando se não faça prova em contrário. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, 2.ª edição revista e actualizada, Vol. I pag. 285. Em qualquer dos casos, provando o utente os factos acima descritos, se o concessionário não provar que cumpriu todas as obrigações de segurança, a consequência será sempre a responsabilização do concessionário, ficando o utente liberado de provar que o acidente decorreu da falta de cumprimento das obrigações de segurança por parte daquele. Ou seja, neste caso, toma-se como certo que não foram cumpridas essas normas de segurança, daí se concluindo a imputação do facto danoso à concessionária a título de culpa.
Nestes autos, o Autor alegou e provou:
Que o acidente se deu por causa do atravessamento de uma raposa, na via da A11 por onde circulava o veículo do Autor;
Que este animal, vindo do lado direito para o esquerdo, atento o sentido de marcha do Autor, se internou na faixa de rodagem, facto de onde resulta que estava em causa o incumprimento das já referidas normas de segurança por parte da Ré concessionária;
Que, ligados ao mesmo acidente, o Autor sofreu danos.

Perante a prova destes factos, a Ré só podia exonerar-se da sua responsabilidade caso provasse ter cumprido todas as normas de segurança, susceptíveis de evitar o atravessamento do animal, designadamente a colocação e manutenção em boas condições das vedações da auto-estrada e que, mesmo assim, o acidente se verificou. E compreende-se bem que este ónus recaia sobre a concessionária, já que é esta que tem o dever de conservação e manutenção da auto-estrada que explora, cujo espaço tem o dever de vigiar e controlar, sendo-lhe muito mais fácil provar que cumpriu essas normas. Por outro lado, seria injusto impor ao utente o ónus de provar que tais normas não foram cumpridas, pois, nesse caso, estaríamos perante uma prova muito difícil ou quase impossível.
Vejamos então se a Ré logrou provar que cumpriu todas as referidas normas de segurança.
A propósito alegou e provou a ré que:
Os colaboradores da Ré exercem, e exerciam à data do embate, vigilância sobre o estado dessas vedações – cfr. resposta ao art. 24º da base instrutória.
Sendo periodicamente vistoriadas, a pé e com recurso a veículos, por equipas de obra civil ao serviço da Ré em toda a extensão da concessão, e em ambos sentidos de trânsito – cfr. resposta ao art. 25º da base instrutória.
No dia do embate, os funcionários da Ré efectuaram patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passaram pelo local e não detectaram qualquer animal – cfr. resposta ao art. 26º da base instrutória.
Tais patrulhamentos são efectuados em turnos, durante 24 h por dia, em todos os dias de cada ano – cfr. resposta ao art. 27º da base instrutória.
Perante tais factos, temos de concluir como na sentença recorrida, pelos fundamentos ali expostos, que aqui se transcrevem parcialmente, pelo seu acerto:
Afigura-se, quanto a nós, não bastar a demonstração genérica da observância dos deveres de conservação e vigilância contratualmente estabelecidos.
…o que a Ré demonstra é que fez determinados patrulhamentos, com determinada periodicidade, e que não foi detectada a presença de qualquer animal. Ora, dizer que não foi detectada a presença de qualquer animal não é o mesmo que dizer que o mesmo não atravessou a via. Sendo certo que a não detecção se pode ficar a dever a uma multiplicidade de circunstâncias, nem todas fora do âmbito de imputabilidade à Ré – v.g., não ter sido detectada a existência da raposa pode ter sido devido ao facto de os funcionários da Ré terem estado desatentos.
Para ilidir a presunção – e para além da possibilidade de demonstrar que o acidente se ficou a dever a acto de terceiro ou a motivo de força maior –, deverá à Ré demonstrar que empregou todos os meios ao seu alcance para assegurar as boas condições de utilização da via, dentro do que é exigível na perspectiva do homem médio colocado nas suas concretas condições.
Seria necessário, designadamente, que se demonstrasse que não foi detectada a presença de qualquer animal porque a mesma não encontrava na via aquando da última fiscalização, não sendo possível a sua remoção em tempo útil.

Assim, é de concluir que a Ré não conseguir fazer prova do cumprimento dos deveres de segurança, não ilidindo a presunção decorrente do art.º 12.º, n.º 1, da Lei n.º 24/2007, de 18/07, sobretudo quando se tem em conta que aquela, e contrariamente ao que alegou, não provou que as vedações, nas imediações do local, estavam em condições de segurança e de (boa) manutenção (cfr. resposta negativa ao art. 23º e motivação da decisão da matéria de facto).”

A última questão a decidir tem que ver com a interpretação do art.º 12.º n.º 2 da Lei 24/2007, que dispõe que, “Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.”
Para a ré, tal verificação não foi feita pela autoridade policial nos momentos seguintes ao acidente, pelo que, falta um requisito essencial que impede o exercício do direito do Autor.
A interpretação do preceito ora em análise não é pacífica na jurisprudência.
No acórdão da Relação de Coimbra citado pela Apelante, de 9/03/2010, defende-se que a aplicação do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18.7 fica dependente da verificação confirmatória exigida pelo seu nº 2, pelo que a não existir não goza o lesado da presunção de culpa vazada no nº 1 daquele mesmo artigo.
Já nos acórdãos da Relação do Porto de 08/05/2012 e de 11/01/2011, também publicados no mesmo sítio, entende-se que só uma interpretação demasiado formal e estreita do normativo conduziria à conclusão de que o utente lesado não pode beneficiar da norma do art.º 12.º n.º 1, no caso de as autoridades não terem procedido à verificação das causas do acidente. Como se escreve no dito acórdão de 2011, “A finalidade visada pelo legislador através do n° 2 do não foi a de cercear ao lesado a prova da causa do acidente, que lhe é facultada por qualquer meio admissível em direito. Pretende-se, tão só, impor às autoridades policiais competentes o dever de comparecer no local e de diligenciar no sentido de apurar a causa do acidente. No entanto, caso tais diligências não produzam resultado concludente, ou os indícios delas resultantes, na perspectiva da autoridade policial, não permitam identificar a causa como respeitante ao atravessamento de um animal, nem por isso o lesado se encontra inibido de a demonstrar com recurso a outros meios de prova … .Uma vez demonstrada a causa do acidente, nenhuma razão se vislumbra para que o ónus da prova das obrigações de segurança a cargo da concessionária tenha tratamento jurídico distinto, consoante a demonstração da causa tenha ou não merecido a atestação de conformidade das autoridades policiais. Trata-se de questão a que corresponde um momento lógico anterior, nenhum fundamento existindo para que seja o resultado da intervenção das autoridades policiais a determinar o direito probatório material aplicável.
Apesar de subscrever-mos esta última tese, o que é certo é que, no caso concreto, a autoridade policial, no auto de participação do acidente o militar da GNR que a elaborou, não deixou de mencionar a existência de raposa que, como referiu em audiência de julgamento, constatou a sua presença no local. É claro que, como resulta da prova produzida, na primeira deslocação, que a autoridade competente que fez ao local, após a verificação do acidente, não encontrou o animal. Mas, numa segunda deslocação, encontrou a raposa causa do acidente, disse dando conta no auto. E, anote-se, o primeiro registo do acidente em causa no relatório de turno, teve lugar ás 21:41H, do dia 19/02/2009, (cf fls 43) sendo certo que, como resulta dos factos provados em z) e em aa), o autuante terá verificado a existência da raposa morta pelo menos até às 24 horas desse mesmo dia, ou seja, cerca de 1 hora e meia depois do acidente. Assim, mesmo a considerar-se mais correcta a interpretação restritiva do n.º 2 do art.º12.º, sempre teria de concluir-se que foi cumprido o que nele se determina.
Verificam-se pois todos os pressupostos e requisitos da invocada responsabilidade civil da Ré relativamente aos danos que para o Autor decorreram do acidente em causa, pelo que deve improceder na totalidade a apelação.

Em conclusão:
O art.º 12.º n.º 1 da Lei 24/07 de 18/007, que prevê que o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária da auto-estrada, quando aí ocorre acidente rodoviário desencadeado nas situações previstas na lei, resolveu, de forma prática, a querela jurisprudencial relativa à natureza da responsabilidade dessas concessionárias;
Para cumprir esse ónus de prova não basta que a concessionária demonstre genericamente que observou dos deveres de conservação e vigilância contratualmente estabelecidos.
Só uma interpretação demasiado formal e estreita do normativo conduziria à conclusão de que o utente lesado não pode beneficiar da norma do art.º 12.º n.º 1, no caso de as autoridades não terem procedido à verificação das causas do acidente.
Pretende-se, tão só, impor às autoridades policiais competentes o dever de comparecer no local e de diligenciar no sentido de apurar a causa do acidente, sem prejuízo de o lesado poder fazer a prova das causas do acidente através de outros meios de prova legítimos.

DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença apelada.

Custas pelo apelante.
Notifique.
Guimarães, 13.09.2012
Isabel Rocha
Manuel Bargado
Helena Melo