CESSÃO DE QUOTA
REQUISITOS
CLÁUSULA
DIREITOS DOS SÓCIOS
Sumário

1. A cláusula 4ª do pacto social subordina a eficácia da cessão de quotas entre cônjuges, entre ascendentes e descendente ao consentimento dos restantes sócios, ao arrepio do disposto no citado artigo 229º, n.º 2, a) do CSC, sendo, por isso, nula nessa parte, tendo plena aplicação o artigo 228º, n.º 2, parte final, do CSC –tratando-se de cessão entre ascendentes e descendentes, a cessão havida produzirá efeitos para com a sociedade independentemente do consentimento desta, assim se confirmando a sentença nesta parte.
2. A comunicação da recusa deveria conter uma proposta de amortização ou aquisição da quota. Como não o foi, a cessão tornou-se livre e eficaz para com a sociedade, uma vez que resulta também dos factos provados que as quotas transmitidas estavam na titularidade da Ré há mais de três anos – artigo 231º, n.º 3 do CSC.

Texto Integral

Recorrentes: “R… INDÚSTRIA TÊXTIL, Ldª” e
“E… – Indústria de Debruns, Ldª”.
Recorrida: Carla ….
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Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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“R… INDÚSTRIA TÊXTIL, Ldª” e “E… – Indústria de Debruns, Ldª” instauraram a presente ação com processo comum e forma ordinária contra Carla …, pedindo que
- as transmissões das quotas sejam declaradas inválidas por violação do pacto social das Autoras;
- a escritura notarial seja declarada nula e de nenhum efeito;
- seja ordenado o cancelamento de todos os registos comerciais respeitantes à cedência das quotas sociais da Ré.
Alegam, em síntese, que a Ré detinha participações sociais em cada uma das sociedades Autoras, que transmitiu aos seus filhos por escritura de 09/06/2010. Não tendo a transmissão sido consentida pelas sociedades, é inválida.
Fundamenta a sua pretensão no disposto nos artigos 228º, n.º 2 e 229º do Código das Sociedades Comerciais.
Citada, a Ré contestou, concluindo pela improcedência da ação, sustentando que a transmissão das quotas não está, no caso concreto, por se tratar de transmissão entre ascendentes descendentes, sujeita ao consentimento das sociedades Autoras.
Ainda que assim não se entenda, o facto é que as sociedades recusaram o consentimento, recusa que comunicaram à Ré sem que a comunicação contivesse qualquer proposta de aquisição ou amortização da quota, o que torna a cessão eficaz mesmo em relação às próprias sociedades.
Houve réplica e tréplica, onde as partes reiteraram, no essencial, as posições assumidas nos seus articulados iniciais.
Na sequência do despacho de folhas 171 e seguintes, foi requerida a intervenção principal provocada de Carla … e Luís …, na qualidade de representantes dos filhos menores Pedro … e Carlota ….
Citados, os chamados vieram declarar que fazem seus os articulados da Ré Carla ….
Por se entender que o estado do processo o permitia, foi de imediata proferida sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.
Desta sentença apelaram as Autoras, que concluem a sua alegação da seguinte forma:
- as sociedades Apelantes intentaram acção de impugnação contra a Ré Carla … requerendo que a mesma fosse condenada a manter a titularidade das suas quotas;
- sendo a trasmissão de quota declarada inválida por violar o pacto social das empresas Autoras;
- a Ré apresentou contestação, a Apelante respondeu mantendo a sua posição;
- não houve seleção de matéria de facto nem audiência de julgamento;
- o tribunal “a quo” proferiu de imediato sentença na qual considerou fundamental saber se as transmissões das quotas que a Ré detinha nas sociedades Autoras eram válidas, bem como se a actuação das sociedade sanou o vício que atingia a transmissão;
- a decisão proferida não pode ser aceite pelas Autoras recorrentes;
- o tribunal “a quo” decide que, quanto á sociedade “E,,,”, a transmissão é válida e eficaz perante a sociedade;
- preceitua o pacto social da “E… – Indústria de Debruns, Ldª” é livre a cessão de quotas entre sócios, a cessão a estranhos fica dependente do consentimento dos restantes sócios, aos quais é concedido o direito de preferência na aquisição da quota a ceder”;
- refere o tribunal “a quo” que o facto de não ter sido respeitado o direito de preferência concedido aos restantes sócios é matéria que não contende com a eficácia da cessão;
- a Ré comunicou a transmissão de quotas como facto consumado, não tendo pedido qualquer consentimento à sociedade;
- o preceituado no artigo 228º, n.º 2 do CSC refere claramente que “a cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade, enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes (...)”;
- o artigo 229º do CSC menciona que a sociedade pode exigir o consentimento para as cessões referidas no artigo 228º, n.º 2;
- sendo certo que tal consentimento só é dispensado nestas transmissões específicas no silêncio do pacto social, o que não acontece no actual contexto, visto que o mesmo não é omisso;
- a sociedade jamais deu o seu consentimento à cessão pelo que, ao realizar a escritura de doação da sua quota, a Ré sem qualquer dúvida viola o preceituado no artigo 229º do C.S.C.;
- a transmissão de quotas por acto entre vivos é sempre da necessidade de consentimento da sociedade, sendo o artigo 228º, n.º 2 do CSC uma norma supletiva, que deve ser interpretada em conjugação com o artigo 229º, n.º 3 do mesmo diploma legal;
- uma vez que não estamos perante pacto social omisso, vale a norma do artigo 228º, n.º 2 do C.S.C.;
- não pode, assim, o Tribunal “a quo” concluir que a cessão de quotas da E… é eficaz perante a Sociedade;
- do mesmo modo, no que concerne à sociedade R…, entende o tribunal “a quo” que a transmissão não produzirá efeitos em relação à sociedade, mas não é inválida;
- reitera o Tribunal “a quo” que não houve consentimento nem tácito, nem expresso da sociedade;
- porém, o certo é que também não houve qualquer pedido de consentimento por parte da Ré que violou assim o preceituado no artigo 229º do C.S.C.;
- do mesmo modo que em relação á sociedade E…, a regra na transmissão de quotas por acto entre vivos, ou seja a necessidade de consentimento da sociedade, opera também em relação á R…;
- no que toca à sociedade R…, a norma do artigo 228º, n.º 2 deverá ser interpretada em conjugação com o artigo 229º, n.º 3 ambos do C.S.C.;
- o pacto social foi violado pela Ré, que efectuou a cessão de quotas sem o pedido prévio de consentimento à sociedade;
- a falta de proposta de amortização só seria obrigatória se tivesse existido o cumprimento das normas que regulam o pedido de consentimento;
- cumprindo-se assim o vertido nos artigos 230º e 231º, n.º 1 do C.S. C, caso tivesse existido pedido de consentimento e comunicação às sociedades da intenção de cedência da quota;
- a Ré limitou-se a comunicar o facto consumado às Autoras;
- a proposta de amortização, deveria ser apresentada se o procedimento de cessão de quotas tivesse seguido as normas acima mencionadas;
- a intenção da Autora vai no sentido de manter a situação existente à data da transmissão, ou seja, que a quotas se mantivessem tituladas pela Ré até esta efectuar o pedido de consentimento;
- a Ré violou o preceituado no artigo 230º do C.S.C, independente de a transmissão ter sido efectuada a estranhos ou a “familiares”, o certo é que as Autoras, como sociedades e porque o seu pacto social assim o prevê, tinham direito de preferência na cessão de quotas;
- direito esse que não puderam exercer, uma vez que a Ré comunicou a transmissão de quotas já realizada e registada;
- face ao supra alegado a douta sentença, decidindo da forma como fez, viola claramente o preceituado nos artigos 228º, 229º, 230º e 231º do CSC;
- os quais afastam a obrigatoriedade de amortização em caso de não ter existido o pedido de consentimento para a transmissão pretendida;
- erra assim o Tribunal “a quo” quando parte do pressuposto de que a amortização era factor essencial à validade ou invalidade da transmissão de quotas efectuada pela Ré sem consentimento das Autoras;
- por todo o exposto, verifica-se que a fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” está em contradição com um dos pedidos formulados pelas Autoras - "Ser as transmissões das quotas declaradas inválidas por violação do Pacto Social das Autoras";
- jamais tendo sido requerido o pedido de consentimento, não deveria ser efectuada a amortização das quotas, motivo pelo qual nos presentes autos não tem aplicação o estatuído no artigo 232.º do C.S.C.;
- motivo pelo qual deve a sentença recorrida ser revogada e em sua substituição ser proferida outra que conclua pela ineficácia da transmissão de quotas efectuada pela Ré.
A Ré apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre-nos agora decidir.
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Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – são as seguintes as questõe que nos são colocadas:
I. averiguar se o contrato da sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª” dispõe validamente no sentido de exigir o seu consentimento para todas ou algumas cessões referidas no artigo 228º, n.º 2 parte final do Código da Sociedades Comerciais (CSC);
II. em relação à cessão da quota da sociedade “R… – INDÚSTRIA TÊXTIL, Ldª”, saber se a circunstância de a Ré não ter pedido o consentimento da sociedade torna inaplicável o disposto no artigo 231º, n.ºs 1 e 2, a) CSC.
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São s seguintes os factos considerados provados:
1. encontra-se matriculada no registo comercial, sob o n.º 500232725, a sociedade “R… – Indústria Têxtil, Ldª”;
2. tem o capital social de 673.377,15, dividido em cinco quotas:
- uma, com o valor nominal de 589.579,11 euros, pertencente em comum e sem determinação de parte ou direito, a Maria …, Belmiro …, Jaime Manuel Martins do Vale, Carla … e Ana …;
- quatro, com o valor nominal de 20.940,51 euros cada, pertencem a Belmiro …, Jaime …, Ana … e a Carla …, que a transmitiu, por escritura de 09.06.2010, aos seus filhos menores Pedro … e Carlota …;
3. encontra-se matriculada no registo comercial, sob o n.º 500600139, a sociedade “E…– Indústria de Debruns, Ldª”;
4. tem o capital social de 598.557,49 euros, dividido em sete quotas:
- duas, com o valor nominal de 164.603,31 euros, pertencentes em comum e sem determinação de parte ou direito, a Maria …, Belmiro …, Jaime …, Carla … e Ana …;
- uma, com o valor nominal de 29.927,87 euros, pertencente em comum e sem determinação de parte ou direito, a Maria …, José …, Alexandrina …e Sandra Francisca …;
- quatro, com o valor nominal de 59.855,75 euros cada, pertencentes a Belmiro …, Jaime …, Ana … e a Carla …, que a transmitiu, por escritura de 09.06.2010, aos seus filhos menores Pedro … e Carlota …;
5. do artigo 5º do pacto social da sociedade “R… – Indústria Têxtil, Ldª”, consta que “Só entre sócios são permitidas as cessões de quotas totais ou parciais, dependendo as outras do consentimento da sociedade e, depois de autorizadas, ainda da opção, em primeiro lugar, da sociedade, em segundo lugar dos restantes sócios, à base dos valores resultantes dum balanço a realizar para o efeito.”;
6. do artigo 4º do pacto social da sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª”, consta que “É livre a cessão de quotas entre os sócios; a cessão a estranhos fica dependente do consentimento dos restantes sócios, aos quais, em qualquer caso, é concedido o direito de preferência na aquisição da quota a ceder.”;
7. por escritura de 09.06.2010, a Ré Carla declarou que doava aos seus filhos menores Pedro … e Carlota … em comum e partes iguais, uma quota de valor nominal de 20.949,51 euros, de que é titular na sociedade “R… – Indústria Têxtil, Ldª” uma quota de valor nominal de 59.855,75 euros, de que é titular na sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª”;
8. através da inscrição “Dep 2503/2010-07-19”, foi registada a transmissão de quotas operada na sociedade “R… – Indústria Têxtil, Ldª”, titulada pela escritura referida em 7.;
9. através da inscrição “Dep 2510/2010-07-19”, foi registada a transmissão de quotas operada na sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª”, titulada pela escritura referida em 7);
10. por cartas datadas de 07.09.2010, a Ré e Luís …, na qualidade de legais representantes dos filhos Pedro … e Carlota …, comunicaram às Autoras que a primeira havia transmitido as suas quotas nominais através de escritura pública de doação aos seus filhos menores desligando-se, assim, total e definitivamente das sociedades Autoras;
11. em face disso, as Autoras convocaram assembleias gerais com a seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto Um. Análise, face ao pacto social, do conteúdo da carta enviada pela sócia Carla … recebida no dia 15 de setembro de 2010;
Ponto Dois. Tomada de decisão, face ao pacto social, do conteúdo da carta enviada pela sócia Carla … recebida no dia 15 de setembro de 2010.”;
12. à Ré foram enviadas cartas registadas indicando a realização das assembleias gerais, no dia 06.10.2010 a da sociedade “R…” e no dia 12.10.2010, a da sociedade “E…”;
13. no dia 06.10.2010, na Assembleia Geral da sociedade “R…”, posta à votação a “autorização da cessão da quota da sócia Carla …”, foi aprovada pelos sócios Belmiro … e Carla … e não foi aprovada pelos sócios Maria …, Jaime …e Ana …;
14. no dia 12.10.2010, na Assembleia Geral da sociedade “E…”, posta à votação a “autorização da cessão da quota da sócia Carla …”, foi aprovada pelos sócios Belmiro … e Carla … e não foi aprovada pelos sócios Maria …, cabeça de casal representante das duas quotas indivisas, Jaime … e Ana …;
15. nas assembleias gerais acima referidas, a Ré declarou o seguinte:
“Participo nesta Assembleia Geral no âmbito do exercício do poder paternal e assim na qualidade de representante dos meus filhos menores, Pedro … e Carlota …, a quem cedi as participações sociais que detinha no capital social desta sociedade e, por isso, atualmente sócios da mesma.”;
16. por carta datada de 20.10.2010, a sociedade “R…” comunicou à Ré que, “pela deliberação constante da ata n.º 65, cuja cópia se anexa, não foi aprovada a cessão de quotas efectuada por V. Exa. a favor dos filhos – Pedro … e Carlota …” e que, “Atenta a deliberação acima referida, desde já se solicita que se digne proceder à regularização da cessão da quota, devendo a mesma ser mantida no nome de V. Exa.”;
17. por carta datada de 19.10.2010, a sociedade “E…” comunicou à Ré que, “pela deliberação constante da ata n.º 44, cuja cópia se anexa, não foi aprovada a cessão de quotas efetuada por V. Exa. a favor dos filhos – Pedro … e Carlota …” e que, “Atenta a deliberação acima referida, desde já se solicita que se digne proceder à regularização da cessão da quota, devendo a mesma ser mantida no nome de V. Exa.”;
18. as sociedades Autoras ou os seus sócios não deram o seu consentimento para que as cessões de quotas efectuadas pela Ré fossem realizadas;
19. quando comunicaram à Ré a recusa do consentimento, não incluíram nas comunicações efectuadas qualquer proposta de aquisição ou amortização da quota;
20. as quotas que a Ré detinha nas sociedades “R… - Indústria Têxtil, Ldª” e “E…– Indústria de Debruns, Ldª” estavam na sua titularidade, respectivamente, desde 24.02.1999 e 03.07.1992.
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I. Começando por averiguar se o contrato da sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª” dispõe validamente no sentido de exigir o seu consentimento para todas ou algumas cessões referidas no artigo 228º, n.º 2 parte final do Código da Sociedades Comerciais (CSC) comecemos por delinear o enquadramento jurídico em que a questão se enquadra.
Dispõe aquela norma:
A cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendente ou entre sócios.
Por seu lado, o artigo 229º, n.º 3 do CSC dispõe:
O contrato de sociedade pode exigir o consentimento desta para todas ou algumas das cessões referidas no artigo 228º, n.º 2, parte final.
E o artigo 229º, n.º 5:
O contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, mas pode condicionar esse consentimento a requisitos específicos, contanto que a cessão não fique dependente:
a) Da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoa estranha, salvo tratando-se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a permanência de certos sócios;
… … … …
Desta forma e citando a sentença em recurso:
O regime da cessão de quotas pode ser, nesta perspectiva, resumido da seguinte forma.
Em princípio, a cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta.
Assim não será quando se trate de cessão entre cônjuges, ascendentes e descendentes ou entre sócios, caso em que, por regra, fica dispensado o consentimento.
O contrato de sociedade pode, no entanto, exigir o consentimento desta, mesmo para a hipótese de cessão entre cônjuges, ascendentes e descendentes ou entre sócios.
Em caso algum o contrato de sociedade poderá subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, não podendo ficar dependente, designadamente, da vontade individual de um ou mais sócios.
Será nula a cláusula que estabelecer tal requisito.
Está assente que, por escritura de 09/06/2010, a Ré Carla … declarou que doava aos seus filhos menores Pedro … e Carlota …, em comum e partes iguais, uma quota de valor nominal de 59.855,75 euros, de que é titular na sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª” sendo que, por carta datada de 07/09/2010, a Ré e Luís …, na qualidade de legais representantes dos filhos Pedro … e Carlota …, comunicaram a essa sociedade que a primeira havia transmitido a sua quota nominal através de escritura pública de doação aos seus filhos menores desligando-se, assim, total e definitivamente das sociedades Autora.
Está-se, pois, perante uma cessão de quota entre ascendente e descendentes e, por isso, só não produzirá efeitos para com a sociedade se assim o dispuser o respectivo contrato social, nas condições acima mencionadas.
Ora, do artigo 4º do pacto social da sociedade “E… – Indústria de Debruns, Ldª”, consta que “É livre a cessão de quotas entre os sócios; a cessão a estranhos fica dependente do consentimento dos restantes sócios, aos quais, em qualquer caso, é concedido o direito de preferência na aquisição da quota a ceder.”.
De novo com a sentença recorrida, dir-se-á que, inequivocamente, a cláusula 4ª do pacto social da “E… – Indústria de Debruns, Ldª” subordina a eficácia da cessão de quotas entre cônjuges, entre ascendentes e descendente ao consentimento dos restantes sócios, ao arrepio do disposto no citado artigo 229º, n.º 2, a) do CSC sendo, por isso, nula nessa parte, tendo plena aplicação o artigo 228º, n.º 2, parte final, do CSC –tratando-se de cessão entre ascendentes e descendentes, a cessão havida produzirá efeitos para com a sociedade independentemente do consentimento desta, assim se confirmando a sentença nesta parte.
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II. Em relação à cessão da quota da sociedade “R… Indústria Têxtil, Ldª”, do artigo 5º do respectivo pacto social consta que “Só entre sócios são permitidas as cessões de quotas totais ou parciais, dependendo as outras do consentimento da sociedade e, depois de autorizadas, ainda da opção, em primeiro lugar, da sociedade, em segundo lugar dos restantes sócios, à base dos valores resultantes dum balanço a realizar para o efeito.”.
Encontra-se, assim, no contrato social estabelecido, como requisito de eficácia para com a sociedade da cessão de quotas a outras pessoas que não os sócios, a coberto dos artigos 228º, n.º 2 e 229º, n.º 3 do CSC, o consentimento da própria sociedade.
E o certo é que está assente que a sociedade, reunida em assembleia geral, recusou o seu consentimento, que comunicou à Ré.
Porém, o artigo 231º, n.º 1 do CSC, sob a epígrafe dispõe que “Se a sociedade recusar o consentimento, a respectiva comunicação dirigida ao sócio incluirá uma proposta de amortização ou de aquisição da quota; se o cedente não aceitar a proposta no prazo de 15 dias, fica esta sem efeito, mantendo-se a recusa do consentimento” e o n.º 2 do mesmo artigo prescreve que a cessão para a qual o consentimento foi pedido se torna livre se, entre outros casos, for omitida a referida proposta – alínea a) – sendo certo que a recusa comunicada pela sociedade omitiu qualquer proposta de amortização ou de aquisição da quota cedida pela Ré.
Objecta a Recorrente que esta norma apenas se aplica nos casos em que é pedido o consentimento prévio da sociedade.
Mas não nos parece que assim seja.
Com efeito, em parte alguma a lei impõe ao sócio que pretenda ceder a sua quota numa sociedade comercial a terceiro que formule um pedido de consentimento prévio da sociedade para o efeito; o que estabelece é que a cessão não será eficaz, isto é, não produz quaisquer efeitos para com a sociedade, tudo se passando em relação a ela como se não tivesse havido qualquer cessão, enquanto não for consentido por ela, o que transmite claramente a ideia que o consentimento pode ser concedido depois de efectuada a cessão.
O que a lei parece permitir é que seja uma vez mais o contrato de sociedade a tornar o pedido de consentimento prévio obrigatório e, assim, cominar as penalidades para o caso de a cessão ser efectuada sem esse consentimento prévio – artigo 229º, n.º 6.
Da mesma sorte, também o artigo 231º, n.º 1 do CSC não faz depender a obrigatoriedade da inclusão da proposta de amortização ou de aquisição da quota de ter havido pedido de consentimento prévio mas tão só de haver recusa de consentimento.
E não se diga que com isso se impede a sociedade ou os sócios de exercerem o seu direito de preferência na alienação da quota porquanto, como é bom de ver, a concretização da cessão não impede que o direito seja exercido a posteriori.
Como assim e de novo com a sentença em recurso, a comunicação da recusa deveria conter uma proposta de amortização ou aquisição da quota. Como não o foi, a cessão tornou-se livre e eficaz para com a sociedade, uma vez que resulta também dos factos provados que as quotas transmitidas estavam na titularidade da Ré há mais de três anos – artigo 231º, n.º 3.
Pelo que fica exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e se confirma a sentença recorrida.
Custas pelas Apelantes.
Guimarães, 20.09.2012
Carvalho Guerra
Antero Veiga
Raquel Rego