CONTRATO
MÚTUO
NULIDADE
FALTA DE FORMA LEGAL
EFEITOS
TAXA DE JURO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário

I - Declarada a nulidade do contrato de mútuo por falta de forma, o efeito retroactivo do vício estende-se a todo o conteúdo do contrato, incluindo a taxa de juros que foi ajustada.
II - Daqui que tudo o que foi entregue como juro tenha que ser repristinado ao mutuário, da mesma forma que tudo o que a este foi entregue a título do empréstimo tenha de ser repristinado ao mutuante.
III - Os juros pagos não podem ser vistos como uma obrigação natural, uma vez que é de entender que o cumprimento de uma prestação fundada em negócio nulo não pode valer como tal, dado o regime específico estabelecido no art. 289º do CC.
IV - Não pode considerar-se o pagamento de juros civis remuneratórios à taxa de 10% como uma expressão de um dever de ordem moral ou social, ou que corresponda a um dever de justiça.

Texto Integral

Processo nº 3229/09.2TBBCL.G1
Apelação

Tribunal recorrido: Tribunal da Comarca de Barcelos, 4º Juízo Cível

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Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães:

Manuel … intentou, pelo Tribunal Judicial de Barcelos, ação com processo na forma ordinária contra Manuel … e mulher Maria …, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora.
Alegou para o efeito, em síntese, que, por duas vezes, emprestou dinheiro aos Réus, que emitiram confissão de dívida, empréstimos que totalizaram a dita quantia de €50.000,00. Sucede que os empréstimos não revestiram a forma devida, pelo que são nulos. Tem assim o Autor direito a ver declarada a nulidade e a receber dos Réus o que lhes entregou, acrescido de juros de mora.
Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência parcial da ação.
Disseram, em síntese, que foi o pai do Autor quem lhes emprestou as quantias em causa. O pai do Autor informou depois que o dinheiro era pertença do Autor, na sequência do que os Réus assinaram as confissões de dívida ao Autor que foram apresentadas. A título de juros os Réus entregaram ao pai do Autor e ao Autor €32.490,97, quantia que deve ser imputada no pagamento reclamado pelo Autor.
Seguindo o processo seus termos, veio a final a ser proferida sentença que, em procedência parcial da ação, declarou a nulidade dos contratos de mútuo subjacentes às confissões de dívida emitidas e condenou os Réus a restituírem ao Autor a quantia de €33.750,00, acrescida de juros de mora desde 6 de Julho de 2008.

Inconformados com o assim decidido, apelam os Réus.
O Autor recorre subordinadamente.

Da sua alegação extraem os Réus as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão final que pôs termo ao processo em 1ª Instância.
2. Deve ser alterada a decisão de facto proferida quanto à resposta aos quesitos 12º) e 13º) da base instrutória.
3. A testemunha Manuel …, pai do A., confessou que foi ele quem emprestou dinheiro aos RR., sendo cinco mil contos em 5 de Maio de 2000 e vinte e cinco mil euros em 12 de Abril de 2002.
4. A mesma testemunha confessou ainda que estipulou com os RR. que esses empréstimos venceriam juros à taxa anual de 10%, a pagar semestralmente.
5. A mesma testemunha confessou ainda que desde a data dos empréstimos até à data de emissão das confissões de dívida em favor do A. esses juros foram sempre pagos pontualmente pelos RR.
6. Desse modo, ao invés de dar o quesito 12º) como não provado, dever-se-ia ter respondido a esse quesito da seguinte forma: Provado que relativamente à quantia referida em 5º)-a os réus pagaram ao pai do autor a quantia de €11.240,97”.
7. Da mesma forma, ao invés de dar o quesito 13º) como não provado, dever-se-ia ter respondido a esse quesito da seguinte forma: Provado que relativamente à quantia referida em 5º)-c os réus pagaram ao pai do autor a quantia de €5.000,00”.
8. Tal como os RR. alegaram na sua contestação, pagaram pelos empréstimos contraídos em 5 de Maio de 2000 e 12 de Abril de 2002 um total de € 32.490,97, assim descriminados:
a) € 16.250,00 pagos directamente ao A. após a emissão das confissões de dívida, conforme alínea D) dos factos assentes;
b) € 11.240,97 pagos ao pai do A. pelo empréstimo de 5 de Maio de 2000, entre esta data e a data de emissão da confissão de dívida correspondente; e
c) € 5.000,00 pagos ao pai do A. pelo empréstimo de 12 de Abril de 2002, entre esta data e a data de emissão da confissão de dívida correspondente.
9. Os factos provados revelam que na origem da emissão das declarações de dívida de 12 de Abril de 2004 e 5 de Novembro de 2004 estiveram as entregas feitas aos RR. em 5 de Maio de 2000 e 12 de Abril de 2002.
10. Subjacente às duas declarações de dívida emitidas em nome do A. estiveram esses dois contratos de mútuo.
11. Os contratos de mútuo foram considerados nulos, por falta de forma, porquanto à data das entregas de dinheiro (05.05.2000 e 12.04.2002) o mútuo das quantias em questão carecia de ser celebrado por escritura pública.
12. A nulidade dos contratos de mútuo, em face do efeito retroactivo do vício, estende-se a todo o conteúdo do contrato, incluindo a taxa de juros estipulada pelas partes; o mesmo é dizer que pelo princípio da acessoriedade, a nulidade do mútuo desencadeia também a nulidade da obrigação de juros.
13. Uma vez que os RR. apenas pagaram, relativamente aos empréstimos contraídos, os juros semestrais acordados, sem restituir capital, a verdade é que lhes assistiria o direito de pedir a devolução dos montantes pagos; ou, como pediram, que fossem esses montantes imputados / deduzidos no capital em dívida.
14. Por via da modificação da matéria de facto pela qual se pugna nesta sede de recurso, dever-se-á concluir, sem margem para dúvidas, que foi pago um total de € 32.490,97 de juros por parte dos RR., relativamente aos mútuos contraídos e declarados nulos.
15. Todo esse montante deve ser abatido ao capital em dívida, ficando desse modo os RR. obrigados a restituir ao A. a quantia de € 17.509,03.
16. Se a nulidade dos mútuos é reportada à data das entregas de capital e se a decisão final é reportada à data das entregas de capital, então inevitavelmente têm de ser levados em linha de conta todos os juros pagos pelos RR. desde as datas em que os mútuos foram contraídos.
17. Devem ser abrangidos pela retroactividade decorrente da nulidade dos mútuos e consequente obrigação de restituição (alterada, por opção expressa dos RR., para abatimento ao capital em dívida ao A.) todos os juros pagos desde 5 de Maio de 2000 e 12 de Abril de 2002 e não apenas os liquidados ao A. após a emissão das suas declarações de dívida.
18. Destarte, foi violado o artigo 289º, n.º 1, do Código Civil, que impõe que no âmbito da retroactividade decorrente da declaração de nulidade deve ser restituído tudo quanto tiver sido prestado.

Terminam dizendo que a sentença recorrida deverá ser substituída por outra decisão que, mantendo a declaração de nulidade, por vício de forma, dos dois contratos de mútuo celebrados, decida que os RR. apenas devem restituir ao A. a quantia de €17.509,03, acrescida dos respectivo juros.

Da sua alegação extrai o Autor as seguintes conclusões:

I- Em 5 de Novembro de 2004 o A. emprestou aos RR. a quantia de €25.000,00, conforme consta do documento referido na alínea A) dos Factos Assentes.
II- Em 12 de Abril de 2004, do mesmo modo, o A. emprestou aos RR. a quantia de € 25.000,00 referidos na alínea B) dos Factos Assentes.
III- Em 6 de Junho de 2008 os RR. foram interpelados pelo A. para no prazo de 8 dias proceder ao pagamento dos € 50.000,00 que o A. lhe havia emprestado, conforme I e II destas conclusões.
III (repetido) - Foi acordado entre RR. e A. que os dois empréstimos constantes dos documentos da alínea A) e B) dos Factos Assentes venceriam juros à taxa de 10% ao ano, a pagar de 6 em 6 meses, conforme resposta dada ao quesito 15.
IV- Os RR. apenas pagaram ao A. a quantia de € 16.250,00, conforme alínea D) da Especificação.
V- Tais quantias foram pagas, espontaneamente, ao A. a título de juros, conforme resposta ao quesito 16 da Base Instrutória.
VI- Com tais pagamentos os RR. cumpriram pelo menos uma obrigação natural, não podendo por esse facto repetir o que, espontaneamente, lhe pagaram, imputando tais pagamentos a título de capital.
VII- Os RR., em 19 de Junho de 2008, e em resposta ao pedido de pagamento, referido na alínea C) dos Factos Assentes, reconhecem que deviam ao A. a quantia de € 50.000,00, conforme documento assinado pela Ré esposa junto aos autos no dia anterior ao julgamento.
VIII- Uma vez que os RR. foram interpelados pelo A. para pagarem a quantia de € 50.000,00 em 06/06/2008, estes devem-lhe, a partir desta data, juros legais calculados à taxa de 4% ao ano.

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Não foram oferecidas contra-alegações.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal ad quem e que importa conhecer de questões e não de razões ou fundamentos.

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Quanto à matéria das conclusões 2ª a 7ª da apelação dos Réus:

Impugnam os Réus o julgamento que foi feito dos factos insertos nos quesitos 12º e 13º.
Nada impede que esta Relação escrutine tal julgamento, uma vez que se verifica a hipótese prevista na al. a) do nº 1 do art. 712º do CPC.
Esclarece-se que, pese embora a transcrição feita pelos Réus, se procedeu, para uma apreciação o mais cabal e conscienciosa possível, à revisitação (mediante a respetiva audição) dos dois depoimentos testemunhais prestados e gravados.
E o que temos a dizer sobre o assunto é que os Réus têm razão.
Aliás, e bem vistas as coisas, a declaração de prova, nos termos pretendidos pelos Réus, dos factos em causa começa logo por ser como que uma inevitabilidade, isto em face da resposta que foi dada ao quesito 8º. Bem se haverá que as respostas que foram dadas aos quesitos 12º e 13º não se harmonizam com a resposta dada ao quesito 8º.
Mas seja como for, do depoimento da testemunha Manuel …, pai do Autor e pessoa que interagiu com os Réus na qualidade de prestamista do dinheiro, decorre com toda a evidência que os Réus sempre lhe entregaram, semestralmente e até ao momento em que foram emitidas as confissões de dívida constantes dos autos, as quantias correspondentes aos juros ajustados (taxa de 10%) e entretanto vencidos. A testemunha afirmou expressamente que nada ficou por pagar a título de juro até àquele momento da emissão das confissões.
Donde, e considerando que por força do empréstimo feito em 12 de Abril de 2002 resultaram juros que totalizam a quantia de €11.250,00 e que o Autor (como confessou no artigo 25º da réplica e decorre da alínea D) dos Factos Assentes) recebeu €6.250,00 a título de juros, segue-se apoditicamente que o pai do Autor foi recebedor da quantia remanescente de €5.000,00. E considerando que por força do empréstimo feito em 5 de Maio de 2000 resultaram juros que totalizam a quantia de €16.240,97 e que o Autor (como confessou no artigo 26º da sua réplica e decorre da alínea D) dos Factos Assentes) recebeu €5.000,00, segue-se apoditicamente que o pai do Autor foi recebedor da quantia remanescente de €11.240,97.
E assim sendo, como é, a resposta que o quesito 12º merece é bem a seguinte: provado que relativamente à quantia referida em 5º)-a os Réus pagaram ao pai do Autor, a título dos juros ajustados, a quantia de €11.240,97.
E a resposta que o quesito 13º merece é bem a seguinte: provado que relativamente à quantia referida em 5º)-c os Réus pagaram ao pai do Autor, a título dos juros ajustados, a quantia de €5.000,00.
Modifica-se pois nestes termos a matéria de facto.
Procedem assim as conclusões em destaque.


Quanto à matéria das demais conclusões da apelação dos Réus e quanto à matéria das conclusões do recurso subordinado do Autor:

Está aqui em causa a questão de direito.

Vejamos:

Estão provados os factos seguintes:

a) Os réus assinaram o documento cuja cópia consta de fls. 12, datado de 12 de Abril de 2004, designado de “Confissão de Dívida”, do qual consta, além do mais, o seguinte “Manuel … e mulher Maria … (…) confessam-se devedores a Manuel … (…) da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), importância esta que os aqui confessos se comprometem a pagar logo que o credor, Manuel …, o exija” (alínea B) dos factos assentes);
b) Os réus assinaram o documento cuja cópia consta de fls. 11, datado de 5 de Novembro de 2004, designado de “Confissão de Dívida”, do qual consta, além do mais, o seguinte “Manuel … e mulher Maria … (…) confessam-se devedores a Manuel … (…) da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), importância esta que os aqui confessos se comprometem a pagar logo que o credor, Manuel …, o exija” (alínea A) dos factos assentes);
c) Os réus solicitaram ao Sr. Manuel …, pai do autor, que este lhes emprestasse dinheiro (resposta ao número 4 da base instrutória);
d) O pai do autor anuiu e entregou-lhes:
1. a quantia de Esc.: 5.000.000$00 em 5 de Maio de 2000;
2. a quantia de Esc.: 5.000.000$00 em 20 de Outubro de 2000;
3. a quantia de € 25.000,00 em 12 de Abril de 2002 (resposta ao número 5 da base instrutória);
e) O pai do autor impôs como condição ser remunerado em 10% ao ano relativamente a todas essas três quantias (resposta ao número 6 da base instrutória);
f) Ficou acordado entre os réus e o pai do autor que aqueles lhe pagariam semestralmente os juros convencionados (resposta ao numero 7 da base instrutória);
g) Até ao ano de 2004 os réus pagaram ao pai do autor os valores semestrais acordados (resposta ao número 8 da base instrutória);
h) Os réus subscreveram as declarações referidas em a) e b) a solicitação do pai do autor porque este os informou que o filho passava a ser o credor das quantias que ele lhes tinha entregue em 05.05.00 e 12.04.02. (resposta aos números 9 e 10 da base instrutória);
i) Aquando da subscrição das declarações referidas em a) e b) manteve-se a condição referida em e) e f) (resposta ao número 15 da base instrutória);
j) Os réus restituíram uma quantia no valor total de € 16.250,00 (alínea D) dos factos assentes);
l) A quantia a que se alude em j) foi entregue pelos réus ao autor a título de pagamento de juros (resposta ao número 16 da base instrutória).
m) O autor remeteu aos réus as cartas cujas cópias constam de fls. 13 e 14, solicitando-lhes o pagamento da quantia de € 50.000,00 no prazo de 8 dias, tendo as mesmas sido recepcionadas pelos demandados no dia 6 de Junho de 2008 (alínea C) dos factos assentes).
n) Relativamente à quantia referida em 5º)-a os Réus pagaram ao pai do Autor, a título dos juros ajustados, a quantia de €11.240,97 (resposta ao quesito 12º).
o) Relativamente à quantia referida em 5º)-c os Réus pagaram ao pai do Autor, a título dos juros ajustados, a quantia de €5.000,00 (resposta ao quesito 13º).

Quid juris?
Estamos perante mútuos nulos por falta de forma, e disto nenhum dos recorrentes dissente. Aliás, a pretensão do Autor funda-se, para o bem e para o mal, precisamente e exclusivamente nessa nulidade.
Ao abrigo dos mútuos, a título de juros convencionados, os Réus entregaram ao Autor e seu pai as quantias de €16.250,00 (correspondente ao somatório das quantias de €5.000,00, €5.000,00 e €6.250,00), de €11.240,97 e de €5.000,00, tudo num total de €32.490,97.
Observa-se na sentença recorrida, e passamos a citar, que «declarada a nulidade do contrato de mútuo, a produção dos efeitos próprios é excluída “ex tunc”, voltando-se ao “statu quo ante”. Significa isto que a invalidade e o efeito retroactivo do vício estende-se, naturalmente, a todo o conteúdo do contrato, incluindo a taxa de juros, a data da restituição do capital e a eventual compensação nele prevista. Ou seja, a nulidade, por falta de forma, engloba, igualmente, a nulidade da cláusula onde se convencionaram juros: A autonomia do crédito de juros – cfr. art. 561 – não faz perder à obrigação de juros a sua acessoriedade em relação a uma obrigação de capital, não podendo nascer ou constituir-se sem esta. Por isso, se for nulo o contrato de mútuo, o princípio da acessoriedade desencadeia a nulidade da obrigação de juros. Desta feita, no nosso caso, sendo nula, por virtude da nulidade dos contratos, a cláusula onde as partes convencionaram o pagamento de juros, sabendo-se que os réus entregaram ao autor a título de pagamento de juros a quantia de €16.250,00, impor-se-ia determinar a devolução àqueles desse montante. Mas aqui chegados verifica-se que os réus não pedem essa devolução. De facto, o que os réus pretendem é que o referido montante seja imputado naquele crédito (€50.000) do autor. Tal pretensão é, a nosso ver, viável. Note-se que não estamos aqui perante duas obrigações, com origem em títulos diversos, de forma a podermos afirmar que o autor e os réus são reciprocamente credor e devedor para que as duas obrigações, num encontro de contas, se extingam (a dos réus parcialmente e a do autor totalmente). Ao invés, estamos perante a figura da imputação ou dedução, que consiste em abater o montante do crédito do autor dos valores entregues pelos réus, para o reduzir à sua justa expressão numérica».
Ora, esta forma de ver as coisas é sem dúvida a forma legal, pelo que não pode deixar de ser subscrita.
E assim, perante a nulidade dos contratos, não vale a cláusula de juros que foi estabelecida, e daqui que tudo o que foi prestado a tal título tem que ser repristinado aos Réus, da mesma forma que tudo o que lhes foi entregue a título dos empréstimos tem que ser repristinado ao Autor. Procedendo à imputação ou dedução visada pelos Réus, temos que a quantia a restituir por estes é de €17.509,03 (€50.000,00 - €32.490,97). Acrescem os juros de mora, à taxa e desde a data definidas na sentença recorrida, assunto que aliás não vem posto em causa nos recursos.
Donde, improcede o recurso subordinado do Autor. Acrescente-se apenas que, contra o que ex novo (pois que se trata de matéria não colocada à decisão do tribunal recorrido) quer o Autor, os juros pagos não podem ser vistos como uma obrigação natural, uma vez que é de entender que o cumprimento de uma prestação fundada em negócio nulo não pode valer como tal, dado o regime específico estabelecido no art. 289º do CC (neste sentido, v. Antunes Varela/Pires de Lima, Código Civil Anotado, I, anotação ao art. 402º). De resto, e a nosso ver, não pode considerar-se o pagamento de juros civis remuneratórios à taxa de 10% (aliás em grande parte [desde 1 de Maio de 2003, atento o disposto nos art.s 1146º e 559º do CC e na Portaria nº 291/2003] até usurários) como uma expressão de um dever de ordem moral ou social, ou que tal concreto pagamento corresponda a um dever de justiça (comutativa).
E, pelo que também ficou dito, procede inteiramente a apelação dos Réus.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar:

a) Improcedente o recurso subordinado interposto pelo Autor;
b) Procedente a apelação interposta pelos Réus e, revogando nessa parte a sentença recorrida, condenam os Réus a restituir ao Autor a quantia de €17.509,03 (acrescendo juros de mora nos termos definidos pela sentença) e absolvem-nos do mais pedido.

Regime de custas:

Custas da 1ª instância por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Custas da apelação e do recurso subordinado pelo Autor.

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Sumário (art. 713º nº 7 do CPC):
I - Declarada a nulidade do contrato de mútuo por falta de forma, o efeito retroactivo do vício estende-se a todo o conteúdo do contrato, incluindo a taxa de juros que foi ajustada.
II - Daqui que tudo o que foi entregue como juro tenha que ser repristinado ao mutuário, da mesma forma que tudo o que a este foi entregue a título do empréstimo tenha de ser repristinado ao mutuante.
III - Os juros pagos não podem ser vistos como uma obrigação natural, uma vez que é de entender que o cumprimento de uma prestação fundada em negócio nulo não pode valer como tal, dado o regime específico estabelecido no art. 289º do CC.
IV - Não pode considerar-se o pagamento de juros civis remuneratórios à taxa de 10% como uma expressão de um dever de ordem moral ou social, ou que corresponda a um dever de justiça.

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Guimarães, 20 de Setembro de 2012
José Rainho
Carlos Guerra
Conceição Bucho