SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRAZO
NATUREZA JURÍDICA
Sumário

O requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho, assim como para pagamento em regime de prestações, só pode ser atendível se apresentado dentro do prazo de 15 dias previsto nos artºs 490 nº 1, 489º nº 1 e 2 do CPP.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal deste Tribunal:

RELATÓRIO
No processo comum singular n.º 171/09.0TAAVV do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, por despacho judicial de 17/2/2012, foi indeferido, por extemporaneidade, requerimento do condenado JOAQUIM C... para substituição de pena de multa por dias de trabalho nos termos do art. 48 do CP (pena de 60 dias de multa à razão diária de € 5,00 aplicada por sentença de 4/11/11 transitada, por crime de desobediência p. no art. 348 nº 1 do CP) e decretada conversão da pena de multa em 40 dias de prisão subsidiária.
Inconformado, o condenado dele recorreu, alegando, em suma, que o requerimento foi tempestivo porque, ainda que apresentado já decorrido o prazo p. no art. 490 nº 2 do CPP, o foi antes da conversão em prisão subsidiária e, sem prejuízo, que no caso deve ter lugar suspensão de execução da prisão subsidiária nos termos do nº 3 do art. 49 do CP.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido ofereceu resposta pugnando pela total improcedência do recurso.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da tempestividade do requerimento em causa e procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
DESPACHO RECORRIDO
-transcrição-
“… No que concerne a este requerimento de substituição da pena de multa por dias de trabalho, constata-se desde logo que este requerimento é manifestamente extemporâneo(cf. fls. 95, 96, 97 e 98) –art.s 490 nº 1 e 489 nº 1 e 2 do CPP…”.
“O arguido JOAQUIM C... foi condenado por sentença de fls. 91-92, na pena de 60 (sessenta) dias de multa á taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante total de € 300 (trezentos) euros, pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348 nº 1 b) do CP.
Atendendo a que a pena não foi integralmente paga voluntária ou coercivamente, tem o arguido, nos termos do art. 49 nº 1 do CP de cumprir prisão subsidiária pelo tempo que infra será fixado.
È que o arguido desde logo não requereu o pagamento da multa em prestações, sendo que apenas requereu a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, mas não o fez em devido tempo (como resulta da primeira parte do despacho) i. e. o mesmo não pagou o montante da pena de multa e não apresentou justificação válida para tal, tendo apenas extemporaneamente, vindo requerer a sua substituição por trabalho a favor da comunidade após a sua notificação para se pronunciar sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária (cf. fls. 125, 126-127, 133-134 e 136-137).
Desta forma, o arguido não provou que a razão do não pagamento lhe não era imputável, pelo que não é aplicável ao caso vertente o disposto no art. 49 nº 3 do CP.
POR conseguinte e ao abrigo do disposto no art. 49 nº 1 do CP, decide-se: converter a pena de 60 dias de multa em 40 dias de prisão subsidiária.
Notifique e após trânsito em julgado, passe e entregue mandados de detenção afim do arguido …cumprir a pena de prisão subsidiária…”,
(…)

APRECIANDO
O âmbito de um recurso é delimitado pelas conclusões extraídas das motivações do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 412 nº 1 e 403 nº 1 do CPP; Ac. nº 7/95 do STJ in Dr de 28/12 1ª série), pelo que no caso, se colocam as seguintes questões:
---saber se um requerimento para substituição de pena de multa por dias de trabalho nos termos do art. 48 do CP, ainda que apresentado quando já decorrido o prazo p. nos art.s 490 nº 1 e 489 nº 1 e 2 do CPP, é tempestivo porque apresentado antes da conversão da pena de multa em prisão subsidiária;
---saber se no caso, sem prejuízo, deve ser decretada a suspensão da execução da prisão subsidiária nos termos do nº 3 do art. 49 do CP.

DO REGIME APLICÁVEL
Dispõe o art.º 489 do CPP, no seu nº 1, além do mais : “A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado…”, no seu nº 2 “O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito” e no nº 3 “O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações”.
O art. 47 do CPenal no seu nº 3 prevê a possibilidade do tribunal “…autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou o pagamento em regime de prestações, não podendo a última delas ir para além de dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da condenação”.
O art. 48 nº 1 do mesmo diploma prevê a possibilidade de “A requerimento do condenado…o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
O art. 490 nº 1 do CPP, por sua vez, impõe que o requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho seja “…apresentado no prazo previsto nº 2 e 3 do art. anterior …” (cf. supra).
O art. 49 do CPenal, dispõe, no nº 1, além do mais: “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão…”, no nº 2 “O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte, a multa em que foi condenado” e no nº 3 “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa….”
Conhecemos orientação jurisprudencial no sentido de que requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho ou para pagamento da multa em prestações possa ser feito para além do prazo estabelecido para o pagamento voluntário da multa cf. respectivamente Ac. TRP de 5/7/2006 in proc.n.º 0612771; Ac. TRP de 30/9/2009 in proc.n.º 344/06.8; Ac. TRG de 6/06/2011 in proc. nº 328/10.1GTBRG-A.G1 e Ac. TRP de 4/03/2009 in proc. nº 690/05.8GBMTS-A in www.dgsi.pt.
Na esteira da orientação dominante nesta Relação, sufragamos o entendimento de que o requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho, assim como para pagamento em regime de prestações, só pode ser atendível se apresentado dentro do prazo de 15 dias previsto no art. 490 nº 1, 489 nº 1 e 2 do CPP.
Aqui se configura prazo de natureza peremptória. Decorrido, implica a preclusão do direito de tal requerer.
Face aqueles textos legais, que são claros e de interpretação inequívoca, não se vislumbra que haja necessidade de, ao abrigo do disposto no art. 9 nº 1 do CCivil, reconstituir um diverso pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, mormente a evolução no sentido de evitar as penas detentivas de liberdade, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada, pois sempre o condenado poderá evitar a sua prisão pelo pagamento da pena de multa nos termos do art. 49 nº 2 do CP.
“Há que dar prevalência a penas de multa quando as mesmas sejam suficientes para satisfação das finalidades da punição, mas também se configura muito importante que os prazos legais claramente expressos na Lei sejam observados e que no caso de não o serem, sejam extraídas consequências, sob pena de jamais se lograr um sistema jurídico suficientemente seguro e eficaz–cf. Ac. que relatamos em 2/11/11 no proc. nº 583/08.7PABCL nesta Relação.
E ora aqui subscrevemos F. Monterroso no Ac.TRG de 12/11/07 in www.dgsi.pt/jtrg “ O normal e o que a Lei exige, é que o cidadão condenado mostre activo interesse e preocupação em efectivamente cumprir a pena (criminal) no prazo fixado”. “A Lei não pretendeu proteger relapsos”. “A substituição da multa por trabalho prevista no art. 48 do CPenal não é uma “tábua de salvação” para quando estiver eminente a conversão da multa em prisão subsidiária (ou até depois desta conversão operada)”.
Temos assim resposta negativa para a primeira questão dos autos.
A pena de multa tem de ser paga no prazo de 15 dias a partir da notificação para tanto, prazo durante o qual pode o condenado, ou pagar, ou requerer o seu pagamento em regime de prestações ou requerer a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
Decorrido tal prazo, sem pagamento voluntário ou coercivo e sem requerimento para um destes fins, ou estes indeferidos, importa equacionar a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo certo que em obediência ao principio da audição do condenado, tem este de ser notificado para se pronunciar para efeitos do disposto no art. 49 nº 1 a 3 do CP.
Eventual prova de que a falta de pagamento no prazo lhe não é imputável, pode justificar que, convertida a pena de multa em prisão subsidiária, se decrete a suspensão da respectiva execução.
Operada tal conversão, o condenado pode, a todo o tempo, evitar a prisão, pelo pagamento da pena de multa, na medida em que se mostre em falta.

NO CASO
O condenado, dentro do prazo de que dispunha, fosse para pagamento da pena de multa, fosse para requerimento para pagamento em regime de prestações, fosse para requerimento para substituição para trabalho a favor da comunidade, nada disso fez.
Só depois de expirado o prazo e notificado para efeitos do art. 49 do CP---como aliás, o próprio refere no recurso---, requereu substituição da pena de multa por dias de trabalho.
Bem andou o Juiz “a quo” quando considerou tal requerimento manifestamente extemporâneo à luz do disposto nos art.s 490 nº 1 e 489 nº 1 e 2 do CPP e nos termos do art. 49 nº 1 do CP operou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, sendo que a consequência da não-observância do prazo em causa pelo condenado, não compromete a unidade do sistema jurídico, mormente na prevalência que este pretende dar a penas não detentivas de liberdade, pois sempre aquele pode evitar a sua prisão pelo pagamento da pena de multa nos termos do art. 49 nº 2 do CP.
Porém, encontra-se, no caso, claro fundamento para decretar uma suspensão da execução daquela prisão subsidiária, não se podendo acompanhar a mera afirmação, sem qualquer tipo de desenvolvimento, constante no despacho recorrido, no sentido de que o condenado “não provou que a razão do não pagamento lhe não era imputável, pelo que não é aplicável ao caso vertente o disposto no art. 49 nº 3 do CP”.
A situação de carência económica do condenado mostra-se já fartamente conhecida e reconhecida nos autos, logo desde a fase de Inquérito (aquando de incumprimento de injunção de pagamento) e na recente sentença condenatória e ora notificado para efeitos do art. 49 nº 1 a 3 do CP, afinal mais uma vez, veio apresentar-se como o desempregado que vem sendo, com encargos com duas filhas menores e renda de casa de € 125,00.
Nesta nossa actual sociedade em que o número de desempregados só vem aumentando, ao invés dos salários que de facto até baixam, configura-se verdade que o condenado, mantendo-se sem emprego e rendimentos certos e regulares, vem tendo fraca situação económica com a inerente impossibilidade de arcar, para além dos pessoais e familiares, com outros encargos, mormente pena de multa que ascende ao montante relevante de € 300,00.
Atento o exposto, neste Tribunal Superior, importa confirmar o indeferimento por extemporaneidade do requerimento para substituição da pena de multa aplicada por dias de trabalho e a conversão da pena de multa aplicada em 40 (quarenta) dias de prisão subsidiária, mas importa, por outro lado, considerar que, ao invés do referido no despacho recorrido, o condenado apresentou justificação válida para o não-pagamento da pena de multa, contendo os autos já suficiente prova de que a razão do não-pagamento não lhe é imputável, decretando-se, nos termos do art. 49 nº 1 e 3 e 52 nº 1 c) do CP, a suspensão de execução de 40 dias de prisão subsidiária, pelo período de 1 ano, subordinada às regras de durante tal período não praticar crime e de se inscrever/manter inscrição em Centro de Emprego.

DISPOSITIVO
Atento o exposto, os Juízes deste Tribunal acordam pela parcial procedência do recurso, decretando a suspensão de execução da prisão subsidiária de 40 dias, pelo período de 1 ano, sob regras de, durante tal período, o condenado não praticar crime e se inscrever/manter inscrição em Centro de Emprego, sob pena de execução nos termos dos art.s 49 nº 1 e 3, 52 nº 1 c) do CP.

Sem custas.

Guimarães, 22 de Outubro de 2012

Lígia Moreira (por venc da Exma Rel)
Isabel Cerqueira (junta voto)
Tomé Branco

Declaração de voto
Daria provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando a apreciação do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (por tempestivamente apresentado), porque na esteira entre outros do Acórdão do TRP de 4/03/99, Relator Melo Lima, entendo que só esta interpretação do art.º 489º n.º 2 para o qual remete o n.º 1 do 490º do CPP, é coerente e garante a unidade do nosso sistema jurídico, cuja evolução tem sido sempre no sentido de um progressivo evitar das penas detentivas da liberdade.
Na verdade, e embora a interpretação que fez vencimento nestes autos tenha em seu apoio a letra da lei que parece apontar para o carácter peremptório dos prazos previstos nos art.ºs 489º n.º 2 e n.º 1 do 490º, ambos do CPP, mas porque a interpretação da lei não se deve cingir apenas à sua letra, “…mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.”, entendo que o requerimento para a substituição da multa por trabalho pode ser feito depois de decorrido o prazo previsto no n.º 2 do art.º 489º do CP (no mesmo sentido, vide acórdão deste tribunal de 6/06/2011, Relatora Desembargadora Luísa Arantes, e a minha declaração de voto no P. 583/08.7PABCL.G1, embora este último relativo ao pedido de pagamento da multa em prestações).