SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
FACTO NEGATIVO
Sumário

Verificado o incumprimento da obrigação de non facere, pode o exequente requerer, no âmbito da execução para prestação de facto negativo, a fixação de sanção pecuniária compulsória.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

M…, residente na Rua…, Guimarães, veio interpor recurso da decisão que fixou o montante da sanção pecuniária compulsória no âmbito da presente execução para prestação de facto.
Pede a respectiva revogação.
Funda-se nas seguintes conclusões:
1ª – A decisão ora em crise fixou em €25,00, a quantia, a título de sanção pecuniária compulsória, devida pelos executados, in casu pela recorrente, desde a data de citação até à data da prestação.
2ª - Face às oposições deduzidas, fácil é de ver que não houve oposição à realização das obras legitimadas pela sentença condenatória, mas sim oposição à realização de outras obras.
3ª - Oposição essa, levada a cabo na estreita medida e na absoluta convicção de que a realização dessas outras obras poriam em causa o direito da executada
4ª – A sanção pecuniária compulsória visa compelir o devedor a cumprir, no mais reduzido espaço temporal, porque só deste modo o credor conseguirá a satisfação plena do seu interesse.
5ª – Considerando a natureza da prestação controvertida, prestação de facto negativo, depende da vontade dos recorridos o exercício do seu direito (prestação de facto positivo), e consequentemente o cumprimento da prestação pela recorrente (prestação de facto negativo).
6ª - Aos executados não é legítimo exigir que os exequentes façam as obras e por via da efectivação dessa exigência porem fim à sanção compulsória que lhes foi aplicada, por outro lado, estes últimos sempre poderão dizer que não realizam tais obras porque são impedidos pelos executados.
7ª – No âmbito das execuções para prestação de facto negativo, impõe-se ao Juiz que dê ao executado uma ordem com a expressa advertência de que o seu não acatamento o fará incorrer em crime de desobediência, que por sua vez é fundamento da aplicação do instituto da sanção pecuniária compulsória.
8ª – Ao juiz do tribunal a quo impunha-se que ordenasse à executada o cumprimento da prestação a que estava obrigada perante os recorridos, advertindo-a que o seu não acatamento poderia dar origem à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, garantindo a assistência judicial necessária.
9ª – A não verificar-se o exposto na conclusão anterior, impunha-se ao tribunal recorrido que fixasse uma data para o início da obra pretendida pelos recorridos e consequentemente para a recorrente cumprir com a sua obrigação, no mais reduzido espaço temporal, satisfazendo, aqueles, o seu interesse.
10ª - Por outro lado, o quantum da sanção compulsória é manifestamente desproporcional face ao objecto da execução.
11ª - O Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto no art.º 829º-A do CC.
F…, residente na Rua…, Guimarães, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão.
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Os autos resumem-se como segue:
A… e F... intentaram acção executiva, para prestação de facto, contra M… e J…, peticionando ainda a fixação de uma sanção pecuniária diária no montante de €50,00 por cada dia de atraso.
Citados os executados, vieram deduzir oposição à execução em separado.
Por sentenças proferidas aos 11.10.2011, as oposições foram julgadas improcedentes, por não provadas, e, em consequência, determinado o prosseguimento da execução nos seus trâmites legais subsequentes.
Após pronúncia de ambas as partes, foi proferida decisão que fixou em €25,00 [vinte e cinco euros] a quantia a título de sanção pecuniária devida pelos executados, desde a data de citação até à data da prestação, no mais se indeferindo o requerido pelos exequentes.
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Das conclusões que constam acima extraem-se duas questões a decidir:
1ª - No âmbito da execução para prestação de facto negativo não tem lugar a aplicação da sanção pecuniária compulsória?
2ª – O quantitativo da sanção é manifestamente desproporcional?
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Para além dos que já constam do relatório acima exarado, são os seguintes os factos relevantes:
1 – A Recrte. (e outro) foi condenada, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, a abster-se de toda e qualquer oposição á pretensão dos AA. (ora exequentes) de elevarem o muro que separa o arrendado do não arrendado, na frente do logradouro da sua casa do lado direito, e de culminarem o muro de trás do arrendado, no logradouro da mesma casa do lado direito, entre as escadas de acesso ao andar e à parede do rés-do-chão e com o alinhamento já lá existente na parte maior do muro construído.
2 – No âmbito da presente execução alegou-se que no dia 5/09/09 um empreiteiro, incumbido pelos exequentes de realizar as obras, foi impedido pelos executados de as fazer.
3 – Foi proferida decisão que julgou verificado o incumprimento e, após, outra decisão, que fixou em 25,00€ a quantia a título de sanção pecuniária devida pelos executados desde a data de citação até à data da prestação.
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A 1ª questão que importa dilucidar é a do bem fundado da fixação de sanção pecuniária compulsória no âmbito de execução para prestação de facto negativo.
Sustenta a Recrte. que está obrigada ao cumprimento de uma prestação de facto negativo, dependendo da vontade dos Recrdºs. o exercício do seu direito e, consequentemente, o cumprimento da prestação por aquela. Assim, não tendo controlo material da prestação desenvolvida pelos Recrdºs., não se lhe pode impor a sanção. O que seria exigível era que o juiz lhe desse uma ordem com a expressa advertência de que o seu não acatamento o fará incorrer em desobediência e, por força dela, se justifica uma sanção pecuniária compulsória.
Não sufragamos esta tese.
Desde logo porque o título executivo continua a ser a sentença acima referenciada, sendo, a partir dela, que se determinam os limites e fins da execução (Artº 45º/1 do CPC).
Assim, só haverá lugar ao pagamento da sanção se a Recrte. praticar actos violadores da sua obrigação de abstenção. Ou seja, a executada, devedora da obrigação de non facere, tem a liberdade de a cumprir. Cumprindo-a, obviamente não será sancionada.
Tal como se salientou na decisão recorrida, citando Lebre de Freitas, pode-se mesmo dizer que a sanção pecuniária compulsória confere ao credor resultados semelhantes aos que são proporcionados pela execução específica da prestação de facto fungível por outrem.
Por outro lado, e não despiciendo, a sentença, transitada em julgado, impõe-se por si mesma, tendo, para as partes, força dentro e fora do processo (Artº 671º/1 do CPC). Donde, nenhum outro acto é devido pelo tribunal para que a força da sentença se imponha.
Por outro lado ainda, sendo claro que estamos em presença de uma obrigação para prestação de facto negativo – non facere – tem aplicação o disposto no Artº 941º do CPC.
Prescreve-se aí que quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene (a) a demolição de obra eventualmente realizada, (b) a indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido e o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter ma execução.
No caso concreto, alegando os exequentes que não chegou a iniciar as obras pretendidas devido á conduta da executada, que impediu o empreiteiro, sustentou não haver lugar à verificação por meio de perícia, entendimento que veio a ser acolhido nos autos.
Assim, e tendo sido proferida uma decisão que julgou verificado o incumprimento da obrigação – sobre a qual não incidiu oposição –, não havendo qualquer obra a demolir – porque não realizada –, nem tendo sido efectuado pedido de indemnização pelo prejuízo – porque inexistente –, resta ao exequente, socorrer-se da sanção pecuniária compulsória. A que já tenha sido previamente fixada na acção declarativa, ou a que requeira no âmbito da acção executiva.
Como é sabido, e decorre do que se dispõe no Artº 829ºA/1 do CC, nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo,...o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quanta pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção.
No caso concreto, tratando-se, como também foi dito na decisão recorrida, de uma obrigação de natureza infungível, nada obsta, pois, à fixação da sanção.
O comportamento aqui levado a cabo está, pois, em sintonia com os dispositivos legais (incluindo o processual civil) que citámos, não se vendo como sustentar o procedimento pretendido pela Recrte..
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A 2ª questão que enunciámos prende-se com a desproporcionalidade da sanção.
Sobre esta questão não tece a Recrte. qualquer argumento que possa ser apreciado, pelo que, sem dependência de alegação das razões da desproporção, e sendo verdade que, vindo reclamada uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 50,00€, se reduziu tal valor para 25,00€, sob pretexto de maior razoabilidade, improcede a questão.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recrte.
Notifique.
Manuela Fialho
Edgar Valente
António Beça Pereira