EMPREITADA
DEFEITOS
ELIMINAÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
ACÇÃO JUDICIAL
Sumário

1. No caso de existência de defeitos, por força dos artºs 1221º e 1222º, do Código Civil, à dona da obra assistiria de imediato o direito a exigir da empreiteira a sua eliminação ou nova construção (se não pudessem ser eliminados).
2. E no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, enquanto dona da obra poderia ainda exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornassem a obra inadequada ao fim a que se destina.
3. Todavia, não é necessário o prévio recurso à via judicial para fazer valer tais direitos, designadamente o direito à eliminação dos defeitos, podendo logo o dono da obra demandar judicialmente o empreiteiro para reclamar deste o pagamento do custo das obras de eliminação dos defeitos ou reconstrução, a levar a cabo, por si ou por outrem, quando haja um incumprimento definitivo dessa obrigação por parte do empreiteiro.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

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I – Relatório;

Apelante: “ Restaurante e Hotelaria, Unipessoal, Lda.” (Autora);
Apelada: “Construções, Lda.” (Ré);


A apelante/autora intentou o presente processo comum sob a forma ordinária contra a apelada/ré, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma indemnização na quantia total de €56.852,00 (cinquenta e seis mil, oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondendo o valor de €51.852,00 (cinquenta e um mil, oitocentos e cinquenta e dois euros), a título de danos patrimoniais, e o valor de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, indemnização essa acrescida de juros de mora, calculados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.
Em síntese, alegou o cumprimento defeituoso do contrato por parte da ré, o incumprimento da ré na reparação das deficiências apontadas e recusa em eliminá-las, bem como o custo dessa eliminação, constituindo-a na obrigação de a indemnizar por todos os prejuízos resultantes daquele incumprimento, prejuízos esses de natureza patrimonial e não patrimonial.
Citada, a ré não apresentou contestação válida.
Veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré “Construções Lda.” a pagar à autora “ Restaurante e Hotelaria, Unipessoal, Lda.” a quantia de €500,00 (quinhentos euros), acrescida juros de mora, a partir do momento da prolação desta decisão actualizadora, à taxa legal em vigor em cada momento, sendo actualmente a definida na Portaria nº597/2005, de 19 de Julho (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nº1, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil), até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré do restante pedido.


Inconformada com o julgado, interpôs a autora o presente recurso de apelação, cuja alegação sintetiza nas seguintes conclusões:

I - O Meritíssimo Juiz a quo considerou que a nossa lei civil impõe uma ordem sequencial para o exercício dos direitos do dono da obra e que tal ordem não foi cumprida pelos Autores.
II - A sentença recorrida entendeu que a não eliminação dos defeitos ou a não repetição da prestação pelo empreiteiro não confere ao dono da obra o direito de por si, ou por intermédio de terceiro, num ato auto tutelar, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra, reclamando, posteriormente, daquele, o pagamento das despesas efectuadas com esses trabalhos, ou exigindo-lhe antecipadamente o adiantamento dessa quantia.
III - O dono da obra só poderia obter esse resultado através da via judicial, percorrendo toda a via-sacra processual acima descrita – obtenção de sentença condenatória em acção declarativa, seguida de requerimento de cumprimento do objectivo da condenação por terceiro, no respectivo processo executivo.
IV – Assim, o dono da obra tem que dar ao empreiteiro a oportunidade de eliminar os defeitos da obra ou de realizar nova construção, não podendo, sem mais efectuar essa reparação – por si ou por terceiro.
V - Essa oportunidade deve ser dada através duma interpelação judicial ou extrajudicial do empreiteiro para efectuar as obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução.
VI - E não tendo sido adoptada a solução proposta por Vaz Serra, mesmo encontrando-se o empreiteiro em mora no cumprimento daquelas obrigações, continua o dono da obra a não poder efectuar por ele ou através de terceiro as obras de reparação, a não ser no momento previsto no artigo 936º do Código de Processo Civil, no caso de ter recorrido à via judicial para exercer o seu direito.
VII - No entanto, na hipótese de se verificar um incumprimento definitivo daquelas obrigações, imputável ao empreiteiro, já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento dos custos dessas obras.
VIII - Na verdade, as consequências do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos da obra ou de reconstrução, não se encontrando especialmente previstas, são naturalmente as constantes do regime do incumprimento das obrigações em geral.
IX - A isso não obsta o disposto no nº1 do citado artigo1222º que determina que “ não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”, pois aí não se pretende estabelecer consequências especificas para o não cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos e de reconstrução, mas apenas conferir ao dono da obra direitos subsidiários, para a hipótese do direito de eliminação dos defeitos ou de reconstrução não terem sido satisfeitos.
X - O accionamento dos mecanismos previstos para o incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, imputável ao empreiteiro, é alternativo, relativamente à utilização dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato de empreitada.
XI - O dono da obra, tendo-se verificado um incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-las, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer ou falhou no cumprimento, deve poder optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato (artigo 1222º), ou a efectuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos.
XII - Na verdade, o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito de ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (artigo 798º do código Civil), o que neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas ou a efectuar pelo dono da obra, ou por terceiros contratados por este.
XIII - Esta possibilidade do dono da obra proceder por si, ou utilizando terceira pessoa, à eliminação dos defeitos da obra ou à sua reconstrução, não se traduz em qualquer situação de auto-tutela do direito, inadmissível no nosso sistema jurídico, na medida em que ele apenas está a exercer os seus poderes de administração sobre uma coisa que lhe pertence, tendo-se já extinguido, por incumprimento definitivo da respectiva prestação, o “direito a cumprir” do empreiteiro que lhe tolhia o exercício daqueles poderes.
XIV - O recurso ao percurso jurídico-processual acima assinalado apenas se justifica quando se pretenda utilizar esse meio para efectuar a interpelação do empreiteiro para efectuar as obras de eliminação dos defeitos, ou em que exista uma situação se simples mora, mas nunca para as situações de incumprimento definitivo, imputáveis ao empreiteiro, nomeadamente as que resultam de uma recusa peremptória de realização dessas obras, como é aqui manifestamente o caso.
XV - No caso de incumprimento definitivo da obrigação de reparação dos defeitos ou reconstrução da obra imputável ao empreiteiro ou no caso de a urgência desses trabalhos justificar que o dono da obra os realize, este pode realizar, por si ou através de terceiros, as obras necessárias àquela reparação ou reconstrução e instaurar acção judicial para ser ressarcido pelo custo dessas obras realizadas ou a realizar.
XVI – Mostra-se provado nos autos tal situação de incumprimento definitivo imputável à ré empreiteira, pelo que deveriam ter sido julgados procedentes os pedidos formulados pela Autora.

Não houve contra alegações da ré.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas são, em suma:

a) Defeitos e incumprimento definitivo do contrato de empreitada;
b) Direito a indemnização por danos pelo dono da obra;


III – Fundamentos;

1. De facto;

São os seguintes os factos dadas como provados na sentença:

1. A autora “… Restaurante e Hotelaria, Unipessoal, Lda.”, dedica-se à restauração, tendo para o efeito um restaurante, denominado “Castelinho…”, a laborar no prédio urbano sito no Lugar de Areia, da freguesia de Apúlia, do concelho de Esposende, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 3….
2. A ré “Construções …, Lda.” dedica-se à actividade de construção civil.
3. Em 12 de Março de 2010, autora e ré celebraram um contrato de empreitada, nos termos do qual, mediante o preço global de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), esta última obrigou-se a fornecer os materiais, realizar os trabalhos de construção civil e mão-de-obra no referido prédio sito no Lugar de Areia, da freguesia de Apúlia, fornecendo ainda os equipamentos necessários à realização e concretização da empreitada.
4. A ré ficou obrigada a realizar todas as artes na obra uma vez que a mesma foi adjudicada tipo “chave-na-mão”, compreendendo a realização de todos os trabalhos de construção civil, prestação de serviços, fornecimento de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução, incluindo demolições, estruturas, betonagens, coberturas, revestimentos, instalações técnicas, equipamentos e tudo o mais que se revelasse necessário e indispensável à concretização dos referidos objectivos.
5. O referido preço seria pago à ré da seguinte forma: a) €13.000,00 (treze mil euros) com a assinatura do contrato; b) €13.000,00 (treze mil euros) no prazo de 1 (um) mês após o inicio da obra e com o bom andamento da mesma; c) €39.000,00 (trinta e nove mil euros) com a conclusão da obra; d) €16.250,00 (dezasseis mil, duzentos e cinquenta euros), no prazo de 1 (um) mês após a conclusão da obra; e) €16.250,00 (dezasseis mil, duzentos e cinquenta euros), no prazo de 2 (dois) meses após a conclusão da obra; f) €16.250,00 (dezasseis mil, duzentos e cinquenta euros), no prazo de 3 (três) meses após a conclusão da obra; g) €16.250,00 (dezasseis mil, duzentos e cinquenta euros), no prazo de 4 (quatro) meses após a conclusão da obra.
6. A autora procedeu ao pagamento à ré da quantia global de €86.250,00 (oitenta e seis mil, duzentos e cinquenta euros), à medida que a obra ia sendo realizada.
7. No decorrer da empreitada foram sendo realizados novos trabalhos de reforço da estrutura do prédio, que foram integralmente pagos pela autora à ré.
8. Apesar de no contrato a data de conclusão das obras ser 31 de Maio de 2010, a mesma só ficou concluída em Outubro de 2010.
9. Sucede que, desde Novembro/Dezembro de 2010, a autora verificou que a obra realizada pela ré apresentava vários vícios e defeitos.
10. Paralelamente, a autora constatou que a ré não deu cumprimento ao contrato por elas celebrado, não aplicando alguns materiais acordados.
11. De facto, estava contratada a aplicação de tinta de 1ª qualidade da marca “CIN” e foi aplicada tinta de qualidade inferior e de marca incerta.
12. Não foi correctamente executado o emassamento de paredes (em algumas superfícies nem sequer foi feito o emassamento).
13. Não foi utilizado qualquer anti-fúngico nas zonas húmidas.
14. Os gradeamentos exteriores não foram pintados com primário anti-corrosivo apropriado, tipo “SELF ETCHING PRIMER FILER”.
15. Nos alumínios, os reforços e parafusos não são em aço inox e as vedações não foram executadas com o material mástique tipo “SIKAFLEX”, como acordado.
16. Por outro lado, surgiram infiltrações de águas pluviais pelos alumínios, paredes, janelas, portas, tectos e cobertura, o que provocou danos no soalho, rodapés, na caixilharia de madeira interiores, nas pinturas de paredes e tectos.
17. As infiltrações ocorrem devido à má execução do tratamento das juntas, à deficiente impermeabilização das mesmas, à má aplicação das telas nas coberturas, bem como à má aplicação de toda a caixilharia de alumínio, para além dos defeitos de vedação que estes apresentam (resultantes do mau esquadrejamento na sua execução).
18. Devido às infiltrações surgiram posteriormente sintomas de humidade nas paredes, tectos, parapeitos da janela e portas.
19. Estas manifestações de humidade resultam em manchas de várias dimensões, visíveis pela mudança de cor e revestimento, sendo acompanhadas do aparecimento de bolor em zonas junto aos vãos de janelas e portas, bem como nos cantos e tectos.
20. Por todo o exposto, a autora solicitou de início à ré, de forma verbal, a reparação dos vícios e defeitos do edifício.
21. A ré agendou data para realizar a reparação, mas no dia e hora designados
não compareceu, tendo a autora suspendido os pagamentos e enviado carta àquela, em 12 de Janeiro de 2011, comunicando-lhe o seguinte:
“Exmos. Senhores: Serve a presente para comunicar formalmente a V. Exas. que a obra executada no edifício sito no Lugar de Areia, Apúlia, Esposende, a que se refere o contrato de empreitada celebrado em 12 de Março de 2010, apresenta os seguintes vícios e defeitos: - Infiltração de água pelos alumínios, paredes, janelas, portas, tectos e estrutura. - Danificação do soalho, pladur, pintura e carpintaria em consequência das infiltrações. Nos termos da cláusula 2.ª e 5.ª do referido contrato, V. Exas. obrigam-se a realizar a obra nos exactos termos previstos quer no contrato, quer no orçamento em anexo, com um prazo de garantia de 5 anos. Ora, sucede que decorridos 2 meses após a abertura do estabelecimento, são já manifestos e patentes os defeitos supra referidos, com os consequentes prejuízos daí decorrentes. Assim, têm V. Exas. um prazo razoável de 15 dias para proceder à integral eliminação dos defeitos e ressarcimento dos danos sofridos. Comunica-se por último que ficam suspensos os pagamentos, aliás ainda não vencidos, até efectiva eliminação dos aludidos defeitos, nos termos do artigo 428.º do Código Civil. Aguardando uma resposta, Atentamente,”.
22. A ré enviou carta à autora, em 03 de Março de 2011, remetendo-lhe as facturas e a solicitar os seus pagamentos, não dizendo nada acerca da reparação dos vícios e defeitos.
23. A autora, em 17 de Março de 2011, enviou carta registada à ré, com o seguinte conteúdo:
“Exmos. Senhores: Na posse da V/ carta datada de 03/03/2011, pela presente exponho o seguinte: - Como já foi referido na m/ carta de 12/01/2011, a obra realizada por V. Exas. apresenta inúmeros defeitos que têm que ser eliminados. - Como já foi comunicado, os pagamentos estão suspensos até efectiva eliminação dos aludidos defeitos e reparação dos danos deles resultados, nos termos do artigo 428.º do C.C. - Desta forma, e como V. Exas. insistem em não reparar a obra, desde já informo que irei dar entrada da respectiva acção judicial. Sem outro assunto, Atentamente,”.
24. Na sequência desta carta, o gerente da ré telefonou à autora para marcar uma visita ao estabelecimento para determinar quais os vícios e defeitos.
25. Aquando da visita ao local, em Abril de 2011, a ré verificou a existência de todos os vícios e defeitos, tendo pormenorizadamente analisado um a um, assumido a sua responsabilidade, prontificando-se a repará-los.
26. De facto existem os seguintes vícios e defeitos:
Exterior:
- Má execução das telas das coberturas (torreão, cobertura principal e
varandim);
- Má execução do tratamento de juntas;
- Má aplicação dos alumínios;
- Não aplicação de primário no gradeamento, que se encontra em processo
de corrosão.
Interior:
Copa:
- Humidade nos tectos e paredes
Hall de Entrada:
- Entrada de água pela cobertura, que escorre pelo tecto, paredes e armário;
- Entrada de água pela caixilharia de alumínio;
- Humidades no armário, tectos e paredes;
Sala do R/C:
- Entrada de água por todas as janelas (aros exteriores e caixilharia);
- Humidade nas ombreiras, padieiras e peitoris, com descascamento da
pintura e das massas;
Escadas:
- Entrada de humidades pela parte nascente;
Escritório:
- Entrada de água pelo tecto, paredes e janelas (aros exteriores e caixilharia
de alumínio)
- Humidades nos tectos, paredes, ombreiras, padieiras e peitoris, com
descascamento da pintura e das massas.
Sala do 1.º andar:
- Entrada de água pelas janelas (aros exteriores e caixilharia de alumínio) e
soleira da porta poente;
- Humidades nas paredes, ombreiras, padieiras e peitoris, com
descascamento da pintura e das massas;
- Levantamento do soalho e rodapés.
Escada do 1.º para o 2.º andar:
- Rachadela da parede do lado nascente;
- Entrada de água pelo tecto e paredes;
- Humidades nas paredes e no tecto.
Torreão:
- Entrada de água pelo tecto e janelas;
- Humidades nas paredes e janelas.
27. Nessa altura, a ré fez uma experiência, aplicando uma tela líquida nas juntas, tendo, contudo, chegado à conclusão que esta não iria ser solução para resolver as infiltrações.
28. A partir desse dia a ré nada fez para reparar os defeitos.
29. Apesar das várias interpelações, a ré recusa-se a realizar as obras.
30. Assim, a autora solicitou a elaboração de um orçamento à firma “Abel Festas & Filhos, Lda.” de forma a determinar quais os trabalhos que têm de ser efectuados para eliminar os vícios e defeitos do seu estabelecimento, sendo necessário:
- Remoção de argamassas de regularização existentes nas coberturas planas, incluindo transporte dos produtos sobrantes a vazadouro, recolocação de novas argamassas de regularização com betão Leça para a criação de novas pendentes, colocação de duas camadas de telas asfálticas do tipo “IMPERALUM” incluindo sobre os elementos verticais, aplicação de lajetas do tipo cimenteira do Louro colocadas sobre apoios ou ripas de cimentos;
- Picar e remover as juntas de cimento existentes na alvenaria de pedra das fachadas de forma a ficarem refundadas, aplicação de “ARGAMASSA TIPO WEBER DRY KG”, execução de juntas da alvenaria de pedra com argamassa de cimento e areia devidamente hidrofugada com hidrofugante tipo “HED” da “LABO FRANCE”.
- Remoção e recolocação de caixilharias de alumínio existentes no edifício, reparação das ombreiras, padieiras e peitoris, incluindo todos os trabalhos e materiais existentes.
31. Para tanto, terá a autora que pagar a quantia global de €41.852,00 (quarenta e um mil, oitocentos e cinquenta e dois euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
32. Terá ainda que proceder à pintura de todo o interior do edifício, pelo que terá que pagar a quantia de €10.000,00 (dez mil euros).
33. Por outro lado, como consequência directa e necessária das fendas e das infiltrações, bem como do comportamento da ré, deixou o representante da autora em elevado estado de tensão e nervosismo.
34. De facto, ao ver o tecto e as paredes do seu estabelecimento a ficarem rachadas e manchadas, o soalho e portas danificadas, a autora ficou preocupada e ansiosa por descobrir de onde provinham aquelas rachadelas, humidades e infiltrações.
35. E também por se tratar de um restaurante novo, que tentava angariar clientes, pelo que as humidades e infiltrações e também os danos causados a nível de soalho, pintura, portas e carpintaria dão uma péssima imagem do restaurante a quem lá entra.
36. Quando se apercebeu que as fendas, manchas, infiltrações eram defeitos de construção, a autora viu-se na situação sempre incómoda de ter de reclamar a resolução daqueles problemas e encetar diligências para essa resolução.
37. Sucede que a ré recusa-se a realizar as obras, o que agravou o estado de ansiedade e nervosismo em que já se encontrava a autora.
38. Acrescido do desgosto de ver o seu estabelecimento, com apenas 2 (dois) meses de construção, todo ele rachado, remendado e manchado, o que lhe provoca um estado de tensão e ansiedade.
39. Situação que ainda hoje se mantém.

2. De direito;

a) Defeitos e incumprimento definitivo do contrato de empreitada;
b) Direito a indemnização por danos pelo dono da obra;


A apelante recorre da sentença apenas quanto à matéria de direito, pelo que temos como assente a factualidade dada como provada na 1ª instância.
As duas questões jurídicas acima enunciadas estão interligadas e prendem-se com a problemática da indemnização reclamada pelo dono da obra por via dos custos a suportar com a eliminação dos defeitos da obra.
Segundo o tribunal recorrido, apesar da existência de defeitos da obra, o dono desta deve reclamar judicialmente a sua eliminação, não lhe assistindo o direito de exigir o pagamento do custo da reparação, a levar a cargo por si ou por outrem.
Ora, tal abordagem, que em tese se aceita, não se coaduna com a materialidade fáctica que resulta dos autos nem com a subsunção jurídica que decorre desta.
Em súmula, está provado o seguinte:
- Por contrato de empreitada, celebrado entre as partes, a Ré obrigou-se perante a Autora à execução de uma obra de construção civil, a qual foi adjudicada tipo “chave na mão”.
- A obra apresenta deficiências.
- A autora solicitou de início à ré, de forma verbal, a reparação dos vícios e defeitos do edifício.
- A autora enviou cartas à Ré denunciando formalmente os vários defeitos da obra e solicitou a sua reparação.
- Apesar das várias interpelações, a Ré recusa-se a realizar as obras (ponto nº 29 dos factos assentes).

É, assim, inquestionável a existência de defeitos, a sua não eliminação pela empreiteira/ré e a recusa desta em repará-los.
Por força dos artºs 1221º e 1222º, do Código Civil (doravante CC), à apelante, dona da obra, assistiria de imediato o direito a exigir da empreiteira/apelada a sua eliminação ou nova construção (se não pudessem ser eliminados).
No caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, a apelante, enquanto dona da obra, poderia ainda exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornassem a obra inadequada ao fim a que se destina.
Simplesmente, se é certo que tais mecanismos legais (e sua relação de subsidiariedade) reconhecidos ao dono da obra perante o empreiteiro visam afastar ab initio uma autonomia e auto tutela do dono da obra na defesa dos seus interesses (salvo no caso de urgência das obras, fazendo accionar o instituto da acção directa), entende-se No mesmo sentido, vide, entre outros, os Acórdãos desta RG de 16.06.2011 e 12.03.2011, procs. 29121/09.2YIPRT.G1 e 31182/11.5YIPRT.G1, in dgsi.pt que não é necessário o prévio recurso à via judicial para os fazer valer, podendo logo o dono da obra demandar judicialmente o empreiteiro para reclamar deste o pagamento do custo das obras de eliminação dos defeitos ou reconstrução, a levar a cabo, por si ou por outrem, quando haja um incumprimento definitivo dessa obrigação por parte do empreiteiro.
Conforme posição de João Cura Mariano, in “Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra”, 2004, págs. 147 e sgs., - e que perfilhamos – i indicado “percurso judicial justifica-se para os casos em que se pretenda utilizar esse meio para efectuar a interpelação do empreiteiro para efectuar as obras de eliminação de defeitos, ou em que exista uma situação de simples mora, mas nunca para situações de incumprimento definitivo, imputáveis ao empreiteiro, nomeadamente as que resultam de uma recusa peremptória de realização dessas obras, do não acatamento do prazo admonitório, nos termos do art.º 808.º, n.º 1 do C.C., ou duma tentativa frustrada de eliminação dos defeitos ou de reconstrução da obra”.
Com efeito, afirma o mesmo autor ( op. cit. pp. 154 a 156) que “O dono da obra, tendo-se verificado um incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-las, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer, falhou no seu cumprimento, ou deixou que a realização da sua prestação perdesse interesse, deve poder optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do art. 1222º do CCivil, ou a efectuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios, ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos (…). Esta indemnização não se enquadra na prevista no art. 1223º (…). Esta possibilidade do dono da obra proceder por si, ou utilizando terceira pessoa (…) não se traduz em qualquer situação de autotutela do direito (…). Ele apenas está a exercer os seus poderes de administração sobre uma coisa que lhe pertence, tendo-se já extinguido, por incumprimento definitivo da respectiva prestação, o direito a cumprir do empreiteiro que lhe tolhia o exercício daqueles poderes (…).”.

No caso em análise, importa considerar que está devidamente demonstrado que, não só a dona da obra interpelou mais do que uma vez a empreiteira para eliminar as deficiências da obra (vide pontos de facto provados nºs 20, 21, 23 supra), como a ré reconheceu tais defeitos (ponto de facto nº 25), mas sobretudo se recusa a realizar as obras de reparação (ponto de facto nº 29) – o que traduz um inequívoco incumprimento da obrigação a que estava adstrita.
Na verdade, estando provado que a ré foi interpelada para suprir as anomalias, sendo-lhe concedido prazo para esse efeito, e se recusa a realizar as obras de eliminação dos defeitos (facto provado nº 29), não se justifica a necessidade de interpelação, por via judicial, já que tal recusa de cumprimento, afastando qualquer mora, traduz um verdadeiro incumprimento definitivo.
Como ensina Antunes Varela “ in” Das Obrigações em Geral, volume II, 7º edição, página 42, há incumprimento definitivo de um contrato, independentemente de mora ou de interpelação, quando um dos contraentes, mantendo-se a prestação ainda possível, declara ao outro, inequívoca e categoricamente, que não cumprirá com a sua prestação.
Do exposto podemos concluir que, tendo-se apurado que a obra tem defeitos que importa corrigir e que a sua eliminação orça em €: 51.852,00, acrescidos de IVA, a custear pela dona da obra, é a autora detentora, no quadro da responsabilidade civil contratual, de um crédito indemnizatório sobre a ré, nos termos dos artºs 798º e 562º, do CC, sendo operante a compensação, nos termos do artº 847º, do CC, peticionada pela autora, sobre o montante de €: 43.750,00 (conforme confissão expressa na petição inicial), em dívida à ré.
A favor da autora resta, assim, o crédito de €: 8.102,00 (51.852,00 – 43.750,00), ao qual acrescem os juros de mora peticionados, desde a citação.
Procede nestes termos a apelação.

Sintetizando:
1. No caso de existência de defeitos, por força dos artºs 1221º e 1222º, do Código Civil, à dona da obra assistiria de imediato o direito a exigir da empreiteira a sua eliminação ou nova construção (se não pudessem ser eliminados).
2. E no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, enquanto dona da obra poderia ainda exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornassem a obra inadequada ao fim a que se destina.
3. Todavia, não é necessário o prévio recurso à via judicial para fazer valer tais direitos, designadamente o direito à eliminação dos defeitos, podendo logo o dono da obra demandar judicialmente o empreiteiro para reclamar deste o pagamento do custo das obras de eliminação dos defeitos ou reconstrução, a levar a cabo, por si ou por outrem, quando haja um incumprimento definitivo dessa obrigação por parte do empreiteiro.



IV – Decisão;

Em face de todo o exposto, acordam os Juízes da 1ª secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação da autora e, por consequência, decide-se:
a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de €: 8.102,00 (oito mil, cento e dois euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.
b) Manter no mais a decisão recorrida.

Custas pela apelada/ré.

Guimarães, 25.10.2012
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva