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ACIDENTE DE VIAÇÃO
PEDIDO CÍVEL
ILEGITIMIDADE
ARGUIDO
Sumário
I) Estando em causa danos ocorridos em resultado de acidente provocado pelo condutor de um veículo em circulação, o pedido de indemnização civil deverá ser formulado contra a seguradora, desde que o mesmo se contenha dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório e exista seguro válido. II) No caso vertente, encontrando-se a indemnização peticionada dentro dos limites do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório [cf. art.12.º do DL n.º 291/2007, de 21/8] e sendo os danos decorrentes da actuação do arguido quando conduzia o veículo automóvel, existindo seguro, apenas a seguradora deve ser demandada para pagamento de tais danos.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO
No processo comum (com intervenção do Tribunal Singular) n.º830/09.8GAEPS do 2ºJuízo do Tribunal Judicial de Esposende, por sentença proferida em 1/2/2012 e depositada no mesmo dia, foi decidido, além do mais, declarar o demandado Jacques F... parte ilegítima e consequentemente absolvê-lo da instância relativamente a ambos os pedidos de indemnização civil contra si deduzidos pelo assistente Manuel D... e pelo “Hospital de Santa Maria Maior, EPE”, nos termos dos arts.288.º n.º1 al.d), 494.º al.e) e 495.º , todos do CPC.
Inconformado com esta decisão, o assistente/demandante Manuel D... interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1-Por sentença proferida a 01 de Fevereiro de 2012, foi o Arguido/Recorrido condenado pela prática:
2-de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 24, n.º1 e n.º 3, 25º, n,º1 als. f) e i), e n.º 2, 145º, alínea e) e 147º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada, que foi causal de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo Art. 148, n.º 1 do Código Penal;
3-E ainda pela prática de um crime de omissão de auxílio, previsto e punido pelo Art. 200º, n.º 1 e 2 do Código Penal.
4-E foi absolvido da instância quanto ao Pedido de Indemnização Cível contra si deduzido pelo Assistente, por ser considera do na sentença recorrida parte ilegítima.
5-Porquanto à data dos factos o Arguido/Recorrido tinha a responsabilidade civil, decorrente de acidente de viação, transferida para uma companhia de seguros, e beneficiava, à data, de seguro válido.
6-Ora, quanto a tal absolvição da instância do Arguido entendemos de modo diferente, já que não há fundamento legal para isso.
7-Na verdade, à luz do nosso Código de Processo Penal vigora o princípio da adesão ou interdependência, consagrado pelo Art. 71º, que reveste natureza obrigatória, no sentido de que o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode, em princípio, ser exercido no próprio processo penal.
8-Ou seja, o recurso às excepções previstas no Art. 72º do C.P.P. depende da vontade do lesado/Assistente.
9-Mais, a norma actualmente em vigor ao referir, expressamente, que “ o pedido de indemnização cível fundado na prática de um crime é deduzido contra o Arguido…” 10-Nessa senda, o aqui Assistente deduziu Pedido de Indemnização Cível contra o Arguido, e só contra ele, por este após o embate com o motociclo daquele, ter abandonado o local sem prestar qualquer auxílio ou providenciar para que o mesmo fosse prestado à pessoa do aqui Assistente/Recorrente,
11-Cuja integridade física, maxime, sua vida, se encontrava seriamente ameaçada e em perigo,
12-Até, porque, como se apurou e resulta provado, com o choque o Assistente foi projectado pelo ar indo embater contra as chapas de protecção (raile), acabando por ficar prostrado entre a berma e a via de trânsito, sujeito a ser atropelado.
13-E foi por estes factos, anote-se dados como provados na sentença recorrida, que o Assistente/Recorrente deduziu Pedido de Indemnização Cível contra o Arguido, com vista a ser ressarcido, primordialmente, pelos danos não patrimoniais, por este causados com a sua conduta ilícita, no valor de €50.000 (cinquenta mil euros).
14-Assim, provado que está, o crime de omissão de auxílio, deve o aqui Assistente ser ressarcido pelos danos decorrentes de tal conduta ilícita do Arguido,
15-Uma vez que, o nosso legislador previu a ressarcibilidade às vitimas de crimes, sob pena de tal direito ser denegado ao aqui Assistente.
16-Por outro lado, e para que se façam cumprir as necessidades de prevenção geral positiva que, no caso sub júdice, se revelam acentuadas, face aos consideráveis, e de toda a gente conhecidos, índices de sinistralidade rodoviária,
17-E dada a falta de consciência cívica e desrespeito, quer pelos valores sociais, quer pelos bens jurídicos tutelados, deve o Arguido ser condenado no pagamento de uma indemnização cível, pelo menos, por danos não patrimoniais.
18-Saliente-se que quem comete o presente tipo de crime, omissão de auxílio, tem um dever de garante, nos termos do Art. 10º, n.º2 do Cód. Penal.
19-Trata-se, pois, de um tipo legal de crime que sanciona o ataque ao valor da solidariedade social quando esse ataque se manifesta, como se verifica no caso presente, através de uma conduta socialmente inadmissível.
20-Isto é, através de uma conduta que denota reprováveis sentimentos de egoísmo e desrespeito em relação ao bem jurídico VIDA, dever de garante esse que o Arguido não zelou, muito pelo contrário, como até se diz na sentença recorrida.
21-E, nessa conformidade, esse dever de garante estende-se ao pagamento de uma indemnização, ao Assistente/Recorrente, por essa conduta culposa e danosa independente da que tem de ser atribuída pelo acidente em si,
22-Ou seja, um Pedido de Indemnização Cível que se refere só, como é evidente, ao crime de abandono, primordialmente, danos não patrimoniais pela omissão de auxílio.
23-Ou seja, temos, nesta sede, duas condutas distintas:
24-A conduta negligente do Arguido enquanto condutor do seu veículo automóvel em desrespeito pelas regras estradais,
25-E a conduta dolosa do Arguido, praticada a título de dolo eventual, de total denegação pelo bem jurídico VIDA
26-Ora, quanto esta segunda conduta do Arguido como é que é possível que seja uma seguradora a ressarcir o Assistente/Recorrente, quando a lei, expressamente, diz que o Arguido deve indemnizar o Assistente pelos danos decorrentes da prática do crime
27-E, então, como se atingem, no caso sub judice, as finalidades de prevenção geral positiva?
28-Como incutir ao Arguido o dever de respeito pela vida humana, pelo bem jurídico violado – o da solidariedade social,
29-Quando este, na tese da decisão de que se recorre, pode lançar mão de um seguro de responsabilidade civil para acidentes de viação para se furtar às responsabilidades sociais e se eximir a prestar auxilio a um ser humano.
30- Tudo isto a significar que, contrariamente, ao decidido na sentença recorrida, o Arguido/Demandado não é parte ilegítima relativamente ao pedido de indemnização cível contra si deduzido, nos termos supra referidos,
31-Já que quanto a este pedido não há litisconsórcio necessário passivo, não sendo de fazer aqui intervir no processo-crime a seguradora Companhia de Seguros G..., por esta não ser responsável civil com relação a tal crime de omissão de auxílio.
32-E, como bem se sabe, o litisconsórcio necessário caracteriza-se, fundamentalmente, pela natureza da relação jurídica material invocada como fundamento da acção, e tem carácter excepcional, destinando-se a evitar decisões praticamente inconciliáveis (v. Art. 28º, n.º 2 do C.P.C).
33-Ora, a natureza da relação jurídica em causa, no caso sub judice, que se fundamenta na prática pelo demandado de um crime de omissão de auxílio, afasta um litisconsórcio necessário,
34-Não se estando em presença de uma situação excepcional que o justifique, e não se correndo o risco de sem ele serem proferidas decisões inconciliáveis.
35-Em suma, devem, V/Exas. Venerandos Desembargadores, decidir que o Arguido/Recorrido é parte legítima quanto ao Pedido de Indemnização Cível, formulado pelo aqui Assistente/Recorrente,
36-Revogando, nessa conformidade, a sentença recorrida que o julgou parte ilegítima, julgando, pelo menos, parcialmente procedente o Pedido de Indemnização Cível,
37-Ou seja, condenar o Arguido/Recorrido no pagamento ao Assistente/Recorrente de indemnização no montante de €77.441,58 (setenta e sete quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), e juros pedidos, por danos não patrimoniais decorrentes da omissão de auxílio.
38-Com que farão, como sempre, inteira justiça!
Termos em que e nos melhores de Direito devem, V/Exas. Venerandos Desembargadores, proferir decisão no sentido de
A)Julgar o Arguido/Recorrido parte legítima quanto ao Pedido de Indemnização Cível, formulado pelo aqui Assistente/Recorrente;
B) Revogar, nessa conformidade, a sentença recorrida que o julgou parte ilegítima.
C) Condenar o Arguido/Recorrido no pagamento ao Assistente/Recorrente de indemnização no montante de €77.441,58 (setenta e sete quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta e oito cêntimos), e juros pedidos, por danos não patrimoniais decorrentes da omissão de auxílio
e) Com custas e procuradoria a favor do Assistente/Recorrente.
O arguido/demandado respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.602 a 606].
Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação.
Nesta instância, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta mencionou que, dizendo o recurso respeito a matéria cível, o Ministério Público não tem interesse em contradizer.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida
A decisão recorrida, na parte com relevância no presente recurso, tem o seguinte teor: “Questão Prévia: O arguido/demandado contestou a fls. 360 e seguintes, quer a acusação, quer o pedido civil formulado pelo Assistente, alegando para tanto, no que respeita à parte cível que se declare que o demandado e arguido é parte legítima, relativamente à instância cível, porquanto o arguido à data do acidente tinha a responsabilidade transferida, através de contrato seguro de responsabilidade civil para a Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS G... IARD. Mais alega que esse facto resulta já da participação de acidente junta aos autos. Mais impugnando os factos relativos ao acidente, bem como os atinentes às lesões alegadas. Por despacho de fls. 364 foi ordenado que os demandantes civis tivessem conhecimento da contestação junta e que fossem notificados para se pronunciarem, querendo, em 10 dias. Sucede que os Demandantes regularmente notificados nada disseram. Após, a 1/4/2011, deu entrada nestes autos um requerimento da “G... COMPANHIA DE SEGUROS, S.PA”, onde se requer a passagem de certidão da sentença aqui proferida, tendo a mesma com fim a junção aos autos n.º 1142/10.0tbeps que corre termos no 1º Juízo desta comarca. Cumpre apreciar e decidir. Como é sabido, a regra é a da obrigatoriedade de dedução do pedido cível no processo penal – artigo 71.º − desrespeitando-se este princípio, há uma preclusão do direito à indemnização pois fica-se impossibilitado, no futuro, de se recorrer aos meios civis para obtenção do ressarcimento dos prejuízos sofridos. O artigo 72.º consagra, porém, as excepções ao princípio da adesão obrigatória, que podem ser agrupados nas seguintes categorias: - protelamento ou arrastamento excessivo do processo penal (a), por não haver acusação passados oito meses sobre a notícia do crime ou por o processo estar sem andamento por igual período; - arquivamento ou suspensão provisória do processo penal, ou extinção do procedimento antes do julgamento; - procedimento dependente de queixa ou acusação particular, caso em que a prévia dedução do pedido perante a jurisdição civil vale como renúncia ao direito de queixa ou de acusação (n.º 2); - ausência de danos no momento da acusação, ou desconhecimento da sua existência ou extensão; - silêncio da sentença penal quanto ao pedido formulado, por o juiz ter remetido as partes para os meios comuns, nos termos do art.º 82.º, n.º 3; - diferente espécie dos tribunais passíveis de intervir na parte criminal e civil, por o valor do pedido cível permitir, se deduzido no foro civil, a intervenção do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante o tribunal singular; - forma especial, sumária ou sumaríssima, em que deva ocorrer o processo penal; - falta de informação do lesado acerca do direito de formular o pedido cível no processo penal, em violação do dever de informação que consta do art.º 75.º, ou falta de notificação do despacho de acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, para, querendo deduzir o pedido, em violação do art.º 77.º, n.º 2; e, - ter o pedido cível sido deduzido contra o arguido e responsáveis civis, ou somente contra estes haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido. No caso em apreço e pese embora existir seguro de responsabilidade civil obrigatório perfeitamente válido e em vigor à data do acidente, conforme resulta da própria participação de acidente junta a fls.18 e carta “verde” junta a fls. 115, o aqui Assistente dirigiu o seu pedido de indemnização civil no âmbito dos presentes autos, e concomitantemente dirigiu pedido civel contra a seguradora do aqui demandado no âmbito do proc. n.º 1142/10.0tbeps. Face a tal factualidade, logo na contestação veio o demandado/arguido requerer que se declare que é parte ilegítima relativamente à instância cível enxertada no âmbito dos presentes autos. Quid iuris? Dispõe o art. 29 do DL n.º 522/85, de 31/12: No n.º 1 al. a): “1.As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a)Só contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório;” No n.º 3: “3.Quando, por razão não imputável ao lesado, não for possível determinar qual a seguradora, aquele tem a faculdade de demandar directamente o civilmente responsável, devendo o tribunal notificar oficiosamente este último para indicar ou apresentar documento que identifique a seguradora do veículo interveniente no acidente”. No n.º 6: “6.As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”. Analisando o regime consagrado neste artigo, Lopes do Rego [Regime das Acções de Responsabilidade Civil por Acidentes de Viação Abrangidos pelo Seguro Obrigatório, in Revista do Ministério Público, Ano 8, n.º 29, p. 61 e segs.] salienta três aspectos fundamentais no regime das acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil derivada dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro obrigatório: - o princípio da legitimação exclusiva da seguradora, quando o pedido se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório; - o regime de litisconsórcio necessário passivo da seguradora e do civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar os referidos limites; - a extensão deste regime à própria acção civil exercida no âmbito do processo penal. No caso em apreço, os demandantes deduziram os pedidos de indemnização civil unicamente contra o lesante, sem fazer qualquer referência à existência de seguro. O pedido contém-se dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório (cfr. art. 6, n.º 1 do DL n.º 522/85, de 31/12). Com o Acórdão da R.P de 20/12/2000, in www.dgsi.pt, somos do entendimento que incumbia aos demandantes alegar, no requerimento em que deduz o pedido, factos que mostrem que desconhece sem culpa a existência do seguro, a qual, de resto, constitui a regra, dada a obrigatoriedade deste. Na verdade, resulta claro, do art. 29, n.º 1 al. a) e n.º 3 do DL n.º 522/85, de 31/12, que ao demandante incumbe alegar no requerimento em que deduz o pedido factos que mostrem que desconhece sem culpa a existência do seguro, a qual, de resto, constituirá a regra, dada a obrigatoriedade deste. Como escreve Lopes do Rego, no estudo citado, p. 85, “Tal alegação constitui, pois, verdadeira circunstância impeditiva ao regime geral da legitimação exclusiva da seguradora, ou ao princípio do litisconsórcio necessário passivo, consagrados no art. 29, n.º 1”. Não tendo a lesada feito essa alegação, e sendo certo de que na própria participação do acidente é feita referência à existência de seguro, a qual consta dos autos desde 31 de Agosto de 2009, carece o lesante de legitimidade para figurar inicialmente na acção cível enxertada na acção penal como único demandado. Donde, e atento todo exposto nesta questão prévia, é forçoso concluir pela verificação in casu da excepção dilatória alegada pelo próprio demandado, declarando-se o demandado parte ilegítima, e consequentemente absolvo o demandado da instância, relativamente a ambos os Pedidos de Indemnização Cível contra si deduzidos, tudo nos termos expressos dos arts. 288, n.º 1 al. d), 494, al. e) e 495 do Cód. de Proc. Civil. Custas pelos demandantes civis. Notifique.”
Apreciação
De harmonia com o disposto no art.412.º n.º1 do C.P.Penal, o âmbito do recurso está delimitado pelo teor das conclusões extraídas da respectiva motivação, só podendo o tribunal ad quem apreciar as questões aí sintetizadas, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como são as nulidades da sentença ou os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
No presente recurso, a questão central reconduz-se a saber se o demandado/arguido é ou não parte legítima no pedido de indemnização civil apenas contra si deduzido.
O assistente deduziu pedido de indemnização civil apenas contra o arguido - acusado pela prática, em 19/8/2009, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 24.º n.º1 e n.º3, 25.º n.º1 alíneas.f) e i) e n.º2, 145.º alínea.e) e 147º n.º1 e 2, todos do C.Estrada, um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo artigo 148.º n.º1 do C.Penal e um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200.º n.º1 e 2 do C.Penal - peticionando a sua condenação a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de €77.441,58, acrescida de juros de mora, desde a notificação até efectivo pagamento, tendo discriminado os montantes parciais do seguinte modo:
-€50.000, quantia relativa aos danos não patrimoniais sofridos.
-€332,50, quantia que o assistente despendeu em despesas médicas (consultas), medicamentosas e em deslocações para aquelas consultas.
€4.217,71, quantia que o assistente despendeu na aquisição de roupa e objectos pessoais que ficaram totalmente destruídos com o acidente.
€9.391,37, quantia que o assistente vai ter de despender a reparar o motociclo.
-€10.000, a título de privação do uso do motociclo com a sua paralisação.
-€3.500, a título de desvalorização comercial do motociclo. No art.71.º do C.P.Penal está consagrado o princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal, segundo o qual, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com a prática do ilícito criminal, deve ser exercido no processo penal respectivo.
E o art.73.º do mesmo diploma legal prevê que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.
Nos termos do art.129.º do C.Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
No caso concreto, os factos que geram a responsabilidade civil do arguido foram por ele produzidos ao volante do seu veículo e o pedido de indemnização civil foi deduzido apenas contra o arguido, não tendo o assistente invocado desconhecer a existência de seguro automóvel.
Dispõe o art.64.º n.º1 al.a) do DL n.º291/07, de 21/8 [diploma que prevê o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, revogando o DL n.º522/85, de 31-12] que as “acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório.”
No caso vertente, encontrando-se a indemnização peticionada dentro dos limites do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório [cf. art.12.º do DL n.º 291/2007, de 21/8] e sendo os danos decorrentes da actuação do arguido quando conduzia o veículo automóvel, existindo seguro, apenas a seguradora deve ser demandada para pagamento de tais danos.
No entanto, sustenta o recorrente que, sendo os danos não patrimoniais peticionados decorrentes da omissão dolosa de auxílio e não da condução negligente, deve ser demandado tão-só o arguido.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos não assistir razão ao recorrente.
Desde logo, os danos invocados não são apenas morais mais ainda os patrimoniais resultantes da condução negligente de veículo por parte do arguido. Por outro lado, a omissão de auxílio, dolosa, foi levada a cabo pelo arguido igualmente quando conduzia o seu veículo automóvel.
Prevê o art. 27.º n.º 1, al.d) do citado DL [Direito de regresso da empresa de seguros], que satisfeita a indemnização, a empresa de seguros tem direito de regresso contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado, ou quando haja abandonado o sinistrado.
Deste último preceito, é forçoso concluir que cai no âmbito da responsabilidade das seguradoras o pagamento das indemnizações devidas por acidentes em que tenha havido abandono de sinistrado, que foi o que sucedeu no caso em apreço.
Se a conduta integradora do crime de omissão de auxílio não estivesse coberta pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, não teria qualquer sentido a parte final da alínea d) do n.º1 do art.27.º do DL n.º291/2007. Ora, de harmonia com o disposto no art.9.º n.º3 do C.Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por outro lado, como tem vindo a entender a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, sendo o objectivo central do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel garantir a protecção das vítimas de acidentes de viação, assegurando da forma mais alargada possível o ressarcimento dos danos por elas sofridos, o conceito de “acidente” tem de ser perspectivado a partir da vítima, do lesado. Como consta do sumário do Ac. do STJ de 18.12.08 (Pº 08P3852): “VIII - Para o lesado, todo o acontecimento resultante da circulação de um veículo com motor que lhe cause danos pessoais ou materiais, e a cuja génese ou domínio foi estranho, constitui um acidente («acidente de viação»), no sentido de ocorrência exógena e não esperada (inesperada), ou, do seu plano e perspectiva, fortuita. IX - Deste ponto de vista, de que parte o regime da garantia de seguro obrigatório (protecção e centralidade do lesado), a ocorrência voluntariamente provocada pelo condutor de um veículo, em circulação ou em condições de circulação, na via pública, em movimento, em circunstâncias aparentemente típicas de circulação, constitui, neste sentido, um «acidente (…).”– no mesmo sentido, cfr.Ac.STJ de 07-05-2009, processo nº 09A0512, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira e Ac. STJ de 6/7/2011, proc. nº 3126/07.6TVPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque.
Face ao exposto, tendo os danos ocorrido em resultado de acidente provocado pelo condutor de um veículo em circulação, deveria o pedido de indemnização civil ter sido formulado contra a seguradora, dado que o pedido se continha dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório e existia seguro, cujo conhecimento da sua existência o ora recorrente não põe em causa.
Nesta conformidade, ao abrigo do art.64.º n.º1 al.a) do DL n.º291/2007, de 21/8, o arguido é parte ilegítima para ser demandado civilmente, pelo que a decisão recorrida não merece censura ao absolvê-lo da instância cível, embora tenha aplicado, mal, legislação que já se encontra revogada.
Improcede, assim, o recurso.
III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso improcedente.
Custas pelo recorrente.
(texto elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias)