DESTITUIÇÃO
SÓCIO GERENTE
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - A destituição de gerente pode ser livremente tomada por decisão unilateral da sociedade, independentemente da existência de justa causa.
II - A inexistência de justa causa fundamentadora de destituição é geradora de responsabilidade civil da sociedade por facto lícito, cabendo ao destituído o direito de indemnização pelos danos que tiverem sofrido com a respectiva deliberação.
II -Existe justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou por outras palavras quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
Eduardo intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra a Sociedade …, Ld.ª”, pedindo que:
Seja declarada nula a deliberação social tomada na assembleia-geral extraordinária de
02.08.2010, pelos factos alegados nos artigos 18º a 53º e 73º;
Seja anulada a mesma deliberação pelos factos a que se alude nos artigos 54º a 74º, 76º
e 77º;
Seja a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de € 31.750,00 a que se alude nos artigos 82º a 88º, acrescida de juros contados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
Seja condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia mensal de € 1.750,00 a que se alude nos artigos 79º e 80º e dos valores referenciados no artigo 81º que venha a apurar-se serem-lhe devidos a partir do mês de Agosto de 2010.

Alegou para tanto que: é um dos quatro sócios da Ré, tendo exercido, durante mais de 30 anos o cargo de gerente, juntamente com os restantes; em assembleia da sociedade Ré realizada no dia 02.08.2010, os sócios Jorge, João e Jerónimo, fizeram aprovar a proposta apresentada pelo sócio João, de destituição do Autor de gerente da Ré; A resolução é inválida, quer por ser prejudicial à sociedade Ré e ao Autor, quer porque o pacto societário consagra no artigo 6º um direito especial à gerência de todos os sócios, quer ainda por não existir justa causa para a destituição do Autor fundada em violação grave de qualquer dos deveres de gerente; por causa da deliberação referida sofreu danos patrimoniais decorrentes da perda do vencimento que auferia e, bem assim, dano de natureza não patrimonial resultante do abalo moral produzido pela “expulsão”, bem como do desprestígio junto de familiares, amigos, funcionários, fornecedores e clientes da Ré.

A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, invocando factos de onde conclui que a destituição em causa se fundou em justa causa.

O Autor apresentou Réplica.

Realizou-se audiência preliminar tendo sido elaborado despacho saneador tabelar, após o qual se procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo
Após decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência:
Condenou a Ré “…, Ld.ª” a “pagar ao Autor Eduardo a quantia global de € 69.400,00 (sessenta e nove mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre a quantia de € 64.400,00 (sessenta a quatro mil e quatrocentos euros) desde a data da citação, e vincendos sobre a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) desde a presente data, em ambos os casos até efectivo e integral pagamento”;
Absolveu a Ré dos demais pedidos formulados pelo Autor.

Inconformados, Autor e Ré interpuseram recurso da sentença.
O primeiro apresentou alegações resultando da em síntese das suas extensas conclusões que:
O valor da indemnização referente aos danos patrimoniais que sofreu por força da deliberação da Ré que o destituiu da sua gerência nos termos do disposto no art.º 257.º n.º 7 do Código das Sociedades Comerciais, deve fundar-se no valor da remuneração que efectivamente recebia como gerente da Ré e não no valor considerado na sentença apelada;
O valor indemnizatório para compensação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência da mesma deliberação, não deve ser inferior a € 1500,00.

A Ré, por sua vez, conclui as suas alegações, que aqui também se sintetizam, nos seguintes termos:
A deliberação de destituição de gerente em causa fundou-se em justa causa;

A sentença apelada condenou para além do pedido no que concerne à indemnização por danos não patrimoniais;
Dos factos apurados não resulta a verificação do prejuízo patrimonial alegado pelo Autor.


Na sequência do recurso interposto pelo Autor, a Ré interpôs recurso subordinado restringido ao segmento da douta sentença que atribuiu ao Autor indemnização por danos não patrimoniais, atendendo a que, no seu recurso independente não recorreu concretamente deste segmento, que constitui objecto do recurso daquele Autor.
Apresentou alegações, concluindo, em síntese, que não ocorriam os pressupostos necessários para se atribuir ao Autor indemnização para compensação de danos não patrimoniais, designadamente que o facto desencadeante da lesão não foi praticado com culpa.

Autor e Ré responderam ás alegações dos recursos independentes.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, as questões a decidir no que respeita ao recurso independente da Ré, são as seguintes:
Se a deliberação de destituição de gerente em causa se fundou em justa causa;
Se dos factos provados se pode concluir pela verificação de prejuízo patrimonial decorrente de tal deliberação;
Se a sentença apelada condenou para além do pedido no que concerne à indemnização por danos não patrimoniais.

Quanto ao recurso do Autor, as questões a decidir são as de saber em que montantes devem fixar-se os montantes indemnizatórios pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados.
Relativamente ao recurso subordinado da Ré, se ocorrem os pressupostos necessários para se atribuir ao Autor indemnização para compensação de danos não patrimoniais.

Os factos provados que fundamentaram a sentença apelada são os seguintes:
1. A Ré “…, Limitada”, é uma sociedade comercial por quotas, constituída por escritura pública de 5 de Dezembro de 1973, lavrada a folhas trinta e três verso até folhas trinta e cinco, do livro de escrituras Diversas A – quarenta e três, do Cartório Notarial de Felgueiras (cfr. alínea A) dos factos assentes);
2. Na data da sua constituição, eram sócios da Ré, Manuel e Manuel Vaz, tendo a sociedade então adoptado a denominação de "F…, Limitada", com o capital social de esc.: 400.000$00 (cfr. alínea B) dos factos assentes);
3. A sociedade e o seu respectivo pacto social vieram a ser objecto de várias alterações, decorrentes das entradas de novos sócios, de saída de outros e das alterações efectuadas ao texto do contrato de sociedade (cfr. alínea C) dos factos assentes);
4. Por escritura lavrada em 17 de Abril de 1975, no Cartório Notarial de Felgueiras, de folhas 40 a folhas 42 do Livro de Escrituras Diversas número A cento e cinquenta e sete, os então sócios da sociedade procederam a nova cessão de quota e à alteração do pacto da sociedade, com a entrada de um novo sócio, Manuel e com a alteração da denominação social para a firma "T…, Limitada" (cfr. alínea D) dos factos assentes);
5. Por escritura lavrada em 29 de Janeiro de 1980 no Cartório Notarial de Fafe, desde folhas catorze e seguintes do Livro de Escrituras Diversas n.º B-163, o Autor e os demais consócios adquiriram, cada um deles, uma quota com valor nominal de cem mil escudos e procederam à elevação do capital social para um milhão e duzentos mil escudos, à alteração da redacção dos artigos 4º e do seu parágrafo único e à alteração do corpo do artigo 6º e do parágrafo primeiro deste artigo (cfr. alínea E) dos factos assentes);
6. Por escritura de 24 de Novembro de 1980, no Cartório Notarial de Felgueiras, desde folhas 1 a folhas 2 verso do livro de Escrituras Diversas número 208-A, os já então sócios, que são ainda os actuais, deliberaram alterar o artigo primeiro do pacto respectivo, passando a sociedade a adoptar a firma “…, Limitada”
(cfr. alínea F) dos factos assentes);
7. O restante clausulado do pacto social, manteve-se e mantém a respectiva redacção intocada, como se alcança do texto que se encontra depositado na Conservatória do Registo Comercial de Felgueiras e junto aos autos de fls. 62 a 63 (cfr. alínea G) dos factos assentes);
8. O parágrafo segundo do artigo sexto do pacto social não foi alterado, nem eliminado em nenhuma das referidas escrituras e nem em deliberações sociais (cfr. alínea H) dos factos assentes);
9. O ora Autor é um dos sócios da Ré, e é titular no seu capital social de, actualmente um milhão de euros, de uma quota com o valor nominal de duzentos e cinquenta mil euros, como o são também todos os demais sócios da sociedade, Jorge, João e Jerónimo, gerentes da sociedade Ré (cfr. alínea I) dos factos assentes);
10. Face à redacção do artigo sexto, parágrafo primeiro e parágrafo segundo, são gerentes da sociedade todos os seus sócios, sendo obrigatória a intervenção ou a assinatura de dois gerentes para obrigar a sociedade (cfr. alínea J) dos factos assentes);
11. No dia 15.07.2010, devido a um desentendimento entre o Autor e o sócio Jorge da Ré, relativo ao sistema de climatização, aquele bateu na cabeça deste com um pau, produzindo-lhe ferimentos (cfr. resposta ao artigo 21º da base instrutória);
12. O Autor e o sócio gerente Jorge não mantêm qualquer tipo de relacionamento entre ambos (cfr. resposta ao artigo 22º da base instrutória);
13. Quando a sociedade Ré tinha necessidade de trabalhar horas extras no sentido de satisfazer as encomendas dos seus clientes, o Autor saía pelas 17:30 / 18:00 horas, deixando um funcionário encarregado de chefiar a produção da empresa e os trabalhadores até à hora de saída destes (cfr. resposta ao artigo 25º da base instrutória);
14. Durante um limitado período de tempo, depois de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica ao coração, o Autor adormecia por vezes no local de trabalho (cfr. resposta ao artigo 26º da base instrutória);
15. Por carta registada com aviso de recepção datada de 2010.07.20, assinada apenas por um dos gerentes, a intitulada "gerência" da empresa ora Ré convocou, nos termos do n.º 3, do artigo 248º do Código das Sociedades Comerciais, e para tanto expediu e fez seguir um aviso convocatório, para uma Assembleia-Geral Extraordinária da sociedade, a realizar no dia 02.08.2010, pelas 11:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: "deliberar a destituição, com justa causa, do gerente Eduardo " (cfr. alínea K) dos factos assentes);
16. A referida Assembleia veio efectivamente a realizar-se no dia 2 de Agosto de 2010, pelas 11:00 (cfr. alínea L) dos factos assentes);
17. Na mesma assembleia de consócios, do Autor, os sócios Jorge, João e Jerónimo, fizeram aprovar a proposta apresentada em Assembleia-Geral pelo sócio João, de destituição do Autor de gerente da Ré (cfr. alínea M) dos factos assentes);
18. Para fundamentarem a apresentação da proposta e o voto de aprovação da mesma, os sócios invocaram que a destituição era efectuada com justa causa, e apresentaram como integrando essa justa causa a factualidade que consta do teor da acta n.º 2/2010, de folhas dois e dois, verso, do respectivo Livro de Actas, reproduzida a fls. 69 dos autos (cfr. alínea N) dos factos assentes);
19. A referida acta foi notificada ao autor por carta datada de 03/08/2010 e foi por ele recepcionada a 04/08/2010 (cfr. alínea O) dos factos assentes);
20. À data da execução da deliberação constante da acta referida no anterior número
17., o Autor chefiava e dirigia, havia mais de trinta anos e desde data anterior à aquisição da sua quota, o sector de fabrico de palmilhas da sociedade Ré (cfr. resposta aos artigos 2º e 3º da base instrutória);
21. Para além do referido na resposta anterior, o Autor fazia controle da produção e mtem conhecimento das técnicas de fabricação dos componentes para calçado da sociedade Ré e vasta experiência de mais de quarenta anos no exercício de tais funções, sempre na sociedade Ré, primeiro como funcionário e depois, há mais de 30 anos, como sócio e gerente (cfr. resposta ao artigo 4º da base instrutória);
22. O Autor exerceu o cargo de gerente na ré desde a sua entrada como seu sócio, há já mais de 30 anos (cfr. alínea R) dos factos assentes);
23. A Ré, durante a actividade do Autor, fabricou um produto final de qualidade que se impôs no mercado do calçado ao longo das últimas três décadas (cfr. resposta ao artigo 5º da base instrutória);
24. A Ré goza de equilíbrio financeiro e que o Autor colaborou na condução da sociedade Ré a uma situação de implantação sólida no mercado da indústria do calçado (cfr. resposta ao artigo 6º da base instrutória);
25. O Autor colaborou na condução da sociedade Ré ao crescimento sustentado, firme e contínuo da Ré no sector (cfr. resposta ao artigo 7º da base instrutória);
26. O Autor intentou Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais em 12.08.2010, cujos autos correram os seus termos com o n.º 1635/10.9TBFLG pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras (cfr. alínea P) dos factos assentes);
27. O Autor recebia uma retribuição mensal de 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) (cfr. alínea Q) dos factos assentes);
28. O único meio de subsistência do Autor é a remuneração que auferia como gerente da referida sociedade (cfr. resposta ao artigo 9º da base instrutória);
29. A destituição do Autor como gerente acarretou a perda do vencimento/remuneração auferida a esse título (cfr. resposta ao artigo 10º da base instrutória);
30. A cônjuge do Autor é doméstica e os seus dois filhos estão ainda dependentes da ajuda do Autor, pois encontram-se ambos ainda a estudar, e também eles não auferem quaisquer rendimentos (cfr. resposta aos artigos 11º e 12º da base instrutória);
31. O afastamento do Autor da sociedade Ré causou e causa ao Autor um profundo abalo moral (cfr. resposta ao artigo 13º da base instrutória);
32. A imagem do Autor junto de familiares, amigos, funcionários, clientes e fornecedores da Ré saiu desprestigiada e abalada (cfr. resposta ao artigo 14º da base instrutória);
33. Por carta de 03.08.2010, recebida a 04.08.2010, foi o Autor notificado de que deveria entregar de imediato todas as chaves das instalações da sociedade que tivesse em seu poder, de que estava impedido de aceder às suas instalações, apenas lhe seria permitido entrar para exercer os seus direitos de sócio, e ainda a entregar as chaves e a viatura automóvel com que se deslocava diariamente (cfr. resposta ao artigo 15º da base instrutória);
34. A destituição do Autor da gerência da sociedade Ré comprometeu, e compromete, a possibilidade de exercício de outras actividades remuneradas a idêntico nível remuneratório (cfr. resposta ao artigo 17º da base instrutória);
35. Por carta datada de 03.08.2010, dirigida ao Autor, cujo teor se reproduz a fls. 70 dos autos, este foi convocado para uma Assembleia Geral Extraordinária da Ré, a realizar na sede social desta pelas 11:00 horas do dia 13.08.2010, tendo como ponto único da ordem de trabalhos “deliberar alterar o artigo 6º do pacto social” de acordo com a proposta reproduzida a fls. 71 dos autos, no sentido de ficarem como gerentes, não todos os sócios, mas apenas as pessoas dos demais consócios, com exclusão do ora Autor (cfr. resposta ao artigo 18º da base instrutória);
36. Na Assembleia Geral realizada no dia 13.08.2010, pelas 11:00 horas, foi aprovada por unanimidade a proposta de que fosse “…dada sem efeito a presente assembleia, até que seja possível pronunciar-se sobre…” o assunto constante da ordem de trabalhos, devido à citação da Ré, no dia 11.08.2010, de que contra ela tinha sido intentada providência cautelar tendo em vista a suspensão da deliberação social tomada na Assembleia Geral do dia 02.08.2010 (cfr. resposta ao artigo 19º da base instrutória).

DECIDINDO
Está em causa nos autos a deliberação, tomada pela Ré, de destituir da sua gerência o Autor, seu sócio e gerente.
Decidiu-se na sentença, que nesta parte não foi impugnada, que tal deliberação não enfermava de nulidade nem da anulabilidade invocadas pelo Autor, sendo por isso válida.
Efectivamente, como decorre do disposto no art.º 257.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, a destituição de gerente, que significa a cessação da relação de “gerência”, por regra, pode ser livremente tomada por decisão unilateral da sociedade, independentemente da existência de justa causa.
A razão deste amplo poder, como refere Raul Ventura, Sociedade por Quotas, 1991, Vol III, pag. 118 reside no facto de a destituição satisfazer o interesse da sociedade, permitindo que esta seja gerida por quem mereça confiança aos sócios detentores da maioria dos votos, o que implica o completo sacrifício dos interesses pessoais do gerente, que deles abdica.
A deliberação de destituição quer com justa causa quer sem qualquer fundamento (ad nutum), é sempre lícita.
Não obstante, a inexistência de justa causa fundamentadora de destituição é geradora de responsabilidade civil da sociedade por facto lícito, cabendo ao destituído o direito de indemnização pelos danos que tiver sofrido com a respectiva deliberação (art.º 257.º n.º 7 do Código das Sociedades Comerciais).

No caso concreto, a procedência ou improcedência do pedido de indemnização do Autor depende, em primeira linha, da existência de justa causa da sua destituição, questão que constitui objecto do recurso da Ré e que conheceremos em primeiro lugar, pois consoante o sentido da decisão que for tomada, pode ou não ficar prejudicado o conhecimento de todas as demais questões objecto dos recursos interpostos.

O Código das Sociedades Comerciais não define concretamente o que deve entender-se por justa causa, apenas exemplificando genericamente que “constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício das normal das respectivas funções (art.º 257.º n.º 6 do Código das Sociedades Comerciais).
Quer a doutrina e a jurisprudência têm procurado concretizar o conceito de “justa causa”, essencialmente na vertente que mais nos interessa, relativa á violação grave dos deveres do gerente, pois não se vislumbra no caso concreto a situação de incapacidade do destituído para o exercício normal das respectivas funções.
Assim, Baptista Machado
“Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pag 21. escreve que, genericamente, a justa causa corresponderá a qualquer circunstância, facto ou situação em face do qual e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação estabelecida; a todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou dificultar a obtenção desse fim; a qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa.
Por sua vez, Pinto Furtado
Das Sociedades em Especial, voii, tomo I pag 70. defende que a ideia de justa causa se reporta a qualquer facto ou comportamento que impeça a gerência por parte do gerente, ou implique um exercício contrário aos interesses da sociedade, havendo que considerar a ideia subjacente ao conceito de justa causa fornecido pela lei laboral, logo, tratar-se-á do comportamento culposo do gerente que pela sua gravidade e consequências torne praticamente impossível a manutenção das suas funções.
Neste sentido, o Acórdão do STJ de 14/02/1995,
Publicado no BMJ n.º 444, pag. 650 e ss. entendeu que a noção de justa causa implica um comportamento ilícito por parte do gerente, censurável em termos de culpa e com certas consequências gravosas para a sociedade.
Escreve-se entre outros no Acórdão da Relação de Lisboa de 16/07/2009,
Proferido no Processo 977/06.2TYLSB.L1-2 relatado pelo Desembargador Vaz Gomes e publicado em www.dgsi.pt e também no mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 22/05/2006, publicado no mesmo sítio. que “Existirá justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou por outras palavras quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.”
O conceito de justa causa na vertente de violação graves os deveres de gerência integra dois elementos essenciais: um de natureza subjectiva que impõe um comportamento negligente ou doloso; outro de cariz objectivo, caracterizado pela insubsistência de uma relação de confiança entre os sócios e o gerente).
Raul Ventura
Sociedade por Quotas, 1991 vol. III, pag 93 entende que integra o dito conceito de justa causa os seguintes casos: o facto de o gerente se ter deixado subornar, em prejuízo da sociedade, de ter praticado um abuso de confiança, de estar insolvente ou fortemente endividado, de fazer concorrência à sociedade, de ficar impossibilitado, por doença, de exercer as suas funções durante um largo período de tempo, a subscrição de uma letra com a firma social para garantir uma dívida pessoal, a falsificação da escrita ou do balanço, a diminuição injustificada do volume de negócios para conseguir a destituição de outros gerentes, a discórdia permanente entre os gerentes que se reflicta na boa marcha dos negócios sociais. Acresce que, os factos, incluídos nas disposições penais do Código das Sociedades Comerciais, que constituem crimes integram “violações graves dos deveres dos gerentes e justificam a destituição”.

No concreto contexto da destituição de gerente há que ter em de conta quais os deveres fundamentais do gerente referidos no art.º 64.º do CSC, ou seja o dever de cuidado e diligência, e, particularmente, o dever de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos como clientes credores e trabalhadores.

Descendo ao caso concreto, vejamos então os factos alegados e provados pela Ré sociedade, a quem incumbe o ónus de provar a existência de justa causa de destituição.
Como decorre da acta da Assembleia onde foi deliberada a destituição do Autor, no dia 15 de Julho de 2010, nas instalações onde labora a Ré, o seu sócio gerente da Ré Jorge, deu uma ordem no sentido de por em funcionamento o sistema de climatização na zona de fabrico da empresa, uma vez que, com o calor que se fazia sentir, seria para os trabalhadores insuportável e penosa a prestação do seu trabalho. Porque o Autor Eduardo entendia que o sistema de climatização não deveria ser accionado e não se conformando com a decisão do sócio gerente Jorge, que entretanto se dirigira para o local onde funcionam os escritórios da empresa, o Autor, munido de um bastão tipo taco de baseball, “ e quando o gerente Jorge se encontrava junto à fotocopiadora, agrediu-o pelas costas, tendo este sido socorrido no Hospital de Felgueira, onde foi suturado em dois ferimentos na cabeça, ficando ainda com hematomas na mão esquerda.”
Ora, provou-se efectivamente que, no dia 15.07.2010, devido a um desentendimento entre o Autor e o sócio Jorge da Ré, relativo ao sistema de climatização, aquele bateu na cabeça deste com um pau, produzindo-lhe ferimentos.
Esta conduta do Autor, não constitui, como alega o Autor, uma altercação menor entre sócios gerentes. Trata-se antes de um comportamento doloso e susceptível de ser punido criminalmente, que ocorreu nas instalações fabris da Ré e que foi motivado, não por questões pessoais entre os sócios intervenientes, mas sim por razões atinentes à gestão corrente da “…Ldª”, relativos ao funcionamento do seu estabelecimento fabril.
Tendo em conta a gravidade deste comportamento, temos de concluir que não é exigível à Sociedade Ré a manutenção da relação contratual de gerência com o Autor, já que este, com o seu comportamento doloso, violou de modo grosseiro os deveres inerentes às suas funções, designadamente os deveres de correcção, respeito, cooperação e até de lealdade que imanam da relação de confiança que o cargo de gerência pressupõe. Estão em causa deveres que devem estar presentes no vínculo da gerência existente entre o gerente e a sociedade, mas que também se repercutem na relação entre o gerente e os demais gerentes e sócios da sociedade.
Podemos pois concluir que, por causa imputável ao Autor, se tornou praticamente impossível a manutenção das suas funções de gerente pela quebra da relação de confiança, em que as mesmas assentam, sendo certo que a continuação da relação pode seguramente pôr em causa boa gestão da Ré, por estar comprometida a leal cooperação entre os sócios gerentes.

Assim e por tudo o exposto, entendemos que a deliberação de destituição do Autor do cargo da gerência da Ré, se funda em justa causa por violação grave dos seus deveres de gerente, não havendo lugar à indemnização prevista no art.º 257.º n.º 7 do Código das Sociedades Comerciais.
Em face do decidido, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões que são objecto dos recursos independentes e subordinados.

Em conclusão:
I - A destituição de gerente pode ser livremente tomada por decisão unilateral da sociedade, independentemente da existência de justa causa.
II - A inexistência de justa causa fundamentadora de destituição é geradora de responsabilidade civil da sociedade por facto lícito, cabendo ao destituído o direito de indemnização pelos danos que tiverem sofrido com a respectiva deliberação.
II -Existe justa causa de destituição de gerente quando se apure a prática de actos que impossibilitem a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe ou por outras palavras quando dos factos apurados resulte uma situação em face da qual segundo a boa-fé não seja exigível à sociedade a continuação da relação contratual com o gerente.

III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação da Ré procedente, julgando improcedente a acção e absolvendo a mesma Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor, revogando em conformidade a sentença apelada.

Custas pelo Autor.
Notifique.
Guimarães, 15.11.2012
Isabel Rocha
Moisés Silva
Ramos Lopes