INJUNÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário

I- Não quadra em fundamento admissível de oposição à execução baseada em injunção a invocação da prescrição presuntiva da obrigação exequenda sustentada em factos anteriores ao processo de injunção – relativamente a um tal fundamento, não poderia a oposição ser liminarmente admitida pelo que, tendo sido admitida, a circunstância do fundamento invocado não se ajustar ao disposto no art. 814º do CPC determina a sua improcedência.
II- A alegação, por parte do executado/opoente, que não residia na morada em cujo receptáculo de correio foi depositada a carta simples para sua notificação no processo declarativo de injunção (quer porque aí já não reside há mais de 40 anos, quer porque está emigrado há mais de 10 anos), e que da injunção só tomou conhecimento depois de notificado para a execução, constitui fundamento admissível de oposição a execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória (a arguição da falta de notificação no procedimento de injunção é fundamento enquadrável no art. 814º, nº 1, d) e 2 do CPC).
III- Tal matéria, a provar-se, demonstra que o executado/opente, por facto que lhe não é imputável, não tomou conhecimento do acto de notificação.
IV- Tratando-se de matéria controvertida (porque expressamente impugnada), não pode apreciar-se e conhecer-se de tal fundamento de oposição no despacho saneador, antes havendo os autos de prosseguir os seus termos a fim de, em julgamento, se apurar da sua veracidade.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

Apelante: Francisco …(executado/opoente).
Apelada: António … & Cª, Ldª (exequente/oponida).

Tribunal Judicial de Barcelos – 3º Juízo Cível.
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Intentou a apelada contra o apelante execução comum para pagamento de quantia certa baseando-se em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, solicitando o pagamento da quantia de 9.081,49€, acrescida de juros.

Apresentou-se o apelante a deduzir oposição, pugnando pela extinção da execução.
Além de invocar a prescrição da dívida exequenda (pois que tendo o alegado último fornecimento alegado pela requerente da injunção e agora exequente sido realizado em Fevereiro de 2003, para construção da sua, ali requerido e agora executado, moradia particular, já se mostravam decorridos, à data da instauração da injunção, em 2010, mais de nove anos, o que importa a prescrição, nos termos do art. 317º, b) do CC), alega o executado/opoente que só agora, citado para a execução, tomou conhecimento do processo de injunção, sendo a sua citação no processo de injunção ‘nula’, uma vez que depois de ter sido devolvida a carta registada com a/r enviada para sua citação, foi depositada carta na morada indicada no requerimento de injunção, morada na qual não reside há mais de 40 anos, estando emigrado no Reino Unido há mais de uma década (sendo que a sua residência no Reino Unido está noticiada em vários processos em que é parte e que correm no T. J. de Barcelos).

Contestou a apelada exequente, impugnando a matéria alegada pelo executado (designadamente que este resida no estrangeiro e não na morada em que, na injunção, foi depositada a carta para a sua notificação) e sustentando ter sido o mesmo legalmente notificado (foi notificado na morada que consta na base de dados, sendo sua obrigação solicitar a actualização desta). Defende ainda não se verificar a invocada excepção da prescrição. Concluiu pela improcedência da oposição.

Terminados os articulados, foi proferida decisão (saneador sentença) que julgou totalmente improcedente a oposição à execução.

Inconformado com a decisão, apela o executado/opoente, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que conheça ‘da nulidade de citação e da prescrição’, julgando extinta a execução ou, quando muito, que ordene o prosseguimento dos autos, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1ª- Considerando que a norma do artigo 244 do CPC apenas obriga a consulta da base de dados se se não souber a última residência, seria na morada das facturas que a citação deveria proceder, mesmo por depósito.
2ª- Essa casa, mesmo estando despejada por decisão judicial, tinha o oponente invocado direito de retenção.
3ª- Mas o oponente nunca teve casa na Esparrinha, tendo apenas aí vivido na sua juventude.
4ª- Por isso não podia aí ser citado, tanto mais que existem outras moradas da Direcção Geral dos Impostos e Direcção Geral de Viação.
5ª- Como existindo morada de Inglaterra em diversas acções judiciais (como acção de despejo, oposição a entrega de casa e mesmo inventário) não se percebe que critério de Justiça existe se se avança para citação num local onde não se vive há 40 anos em vez de se usar o local referenciado em todas essas acções.
6ª- Nenhuma obrigação aliás tem o oponente de actualizar uma base de dados que aliás desconhece que morada tem.
7ª- Nenhuma contradição existe ainda quando se alega que se foi há mais de uma década empreiteiro e que entretanto se fez uma casa própria, e que se gastou do mesmo fornecedor que, a quando deste último fornecimento, acordou em desconto de 10% considerando aqueles anos de fornecimentos como empreiteiro.
8ª- Não há qualquer contradição porque dos próprios documentos que fundamentam a acção se conclui que o pedido se funda claramente no fornecimento indicado de materiais para a casa própria, nenhuma dívida existindo aliás enquanto empreiteiro.
9ª- Foram violadas as normas dos artigos 238 nº 1 e 2, 244º do CPC, 317º, alínea b) do CC, e 814º, alíneas a), d) e g) do CPC.

Contra-alegou a exequente/oponida em defesa da decisão recorrida, pugnando pela sua manutenção e improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso
Considerando as conclusões das alegações (que, como é sabido, delimitam o poder cognitivo do tribunal de recurso – salvo no que concerne às questões de oficioso conhecimento), submete o apelante à apreciação desta Relação as seguintes questões:
- a sua falta ou nulidade de citação para a acção declarativa (injunção) na qual foi proferida a decisão dada à execução;
- a invocada prescrição do crédito exequendo.

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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Os factos a considerar são os seguintes:
1º- Deu a exequente à execução requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, no qual pretendia haver do executado a quantia global de 8.991,57€, acrescida de juros.
2º- No requerimento de injunção (onde se referiu não existir domicílio convencionado) foi indicado como domicílio do ali requerido (aqui executado/opoente/apelante) o Lugar de …, Arcozelo, Barcelos.
3º- Foram enviadas para notificação do requerido (aqui executado/opoente/apelante) as seguintes cartas:
a) carta registada com a/r, em 26/03/2010 dirigida para a Rua … Aldão, Vila Frescainha de S. Martinho, Barcelos, devolvida ao remetente, com a menção (em 29/03/2010) de ‘mudou-se’;
b) notificação via postal simples, dirigida para Lugar de Aldão, Vila Frescainha, S. Martinho, Barcelos, devolvida ao remetente, com as notas (em 16/04/2010) de ‘não haver receptáculo’ para depositar a carta e de ‘mudou-se’;
c) notificação via postal simples, dirigida para Lugar …, Arcozelo, Barcelos, depositada em 16/04/2010 no receptáculo postal domiciliário da morada descrita;
4º- No dia 21/05/2020 foi aposta fórmula executória no requerimento apresentado, ao abrigo do disposto o artigo 14 do regime anexo ao DL 269/98, de 1/09.
5º- Na oposição à execução o executado alegou (além do mais):
- nunca ter sido citado no processo de injunção;
- apenas agora tomou conhecimento, em Inglaterra, onde foi citado, teve conhecimento daquele processo;
- que, no seguimento, apurou ter sido enviada carta registada, devolvida, sendo que perante essa devolução foi feito o depósito de carta na morada indicada no requerimento de injunção (Lugar da …, Arcozelo, Barcelos) onde o executado não vive há mais de 40 anos, sendo que há mais de uma década está emigrado no Reino Unido;
- que tem a correr no Tribunal de Barcelos outros processos, onde consta a sua morada no Reino Unido.
- que os materiais fornecidos (e que são fundamento do pedido formulado na injunção) foram aplicados na sua habitação, verificando-se assim que tendo ocorrido o último dos invocados fornecimentos em Fevereiro de 2003 já se mostravam decorridos mais de nove anos no momento em que foi proposta a injunção, razão pela qual, nos termos do art. 317º, b) do CC, invoca a prescrição.
6º- Na sua contestação à oposição, a exequente impugnou expressamente que os materiais adquiridos pelo executado tenham sido aplicados na moradia particular deste e bem assim que o mesmo resida há mais de dez anos no Reino Unido ou que não resida na morada indicada no requerimento executivo há mais de 40 anos.
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Fundamentação de direito

Da circunstância do título dado à execução constituir requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória – doutrinariamente designado como título judicial impróprio Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, pp. 63/64. –, resulta um importante reflexo na acção executiva: como decorre do nº 2 do art. 814º do CPC Redacção introduzida pelo DL 226/2008, de 20/11, aplicável às acções intentadas a partir de 31/03/2009, como ocorre no caso dos autos (atente-se que a injunção foi introduzida em juízo no ano de 2010)., os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória estão taxativamente elencados no nº 1 do art. 814º do CPC, como resulta do advérbio ‘’ utilizado no proémio Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª edição, p. 174., ficando por isso a admissão liminar da oposição dependente do fundamento invocado se ajustar aos fundamentos ali previstos, como resulta do disposto no art. 817º, nº 1, b) do CPC.
Tais fundamentos de oposição à execução fundada em sentença ou injunção podem ser agrupados em três categorias: oposição por falta de pressupostos processuais gerais da acção (os referidos nas alíneas c) e f) do nº 1 do art. 814º do CPC), oposição por falta de pressupostos específicos da acção executiva (alíneas a), b) d) e e) do nº 1 do preceito) e oposição por motivos substanciais (alínea g) do preceito) Amâncio Ferreira, obra citada, pp. 175 a 177, louvando-se na lição de Anselmo de Castro..
No que se refere à oposição por motivos substanciais, o executado só pode (como fundamento de oposição à execução fundada em sentença ou injunção), invocar factos extintivos da obrigação que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração (art. 814º, nº 1, g) do C.P.C.) – os factos anteriores a esse momento estão atingidos por preclusão e, por isso, não podem ser alegados na posterior acção executiva (eles podiam e deviam ter sido alegados no processo de injunção).
No que concerne à oposição por falta de pressupostos específicos da acção executiva (ou mesmo à oposição por falta de pressupostos processuais gerais da acção), tal limitação não tem cabimento, pois que não se trata então de atacar o direito exequendo, antes de apurar da verificação dos pressupostos positivos (imprescindíveis para se afirmar a existência do dever do juiz apreciar o litígio, e por isso concernentes ao estabelecimento duma válida relação processual) ou da inexistência de pressupostos processuais negativos (factos que impedem o juiz de entrar na apreciação do litígio).

De tal regime se conclui ser patente que a oposição deduzida pelo executado com fundamento na prescrição da obrigação não se ajusta ao disposto no nº 1 do art. 814º do CPC (designadamente à alínea g) do preceito) e, por isso, não devia sequer ter sido, nessa parte, liminarmente admitida (art. 817º, nº 1, b) do CPC).
Efectivamente, a invocação da prescrição (prescrição presuntiva, diga-se – que não prescrição extintiva) sustenta-a o executado/opoente/apelante em factos anteriores ao processo de injunção, e não já em factos ocorridos posteriormente à aposição da fórmula executória no requerimento de injunção (ou, pelo menos, posteriores ao termo do prazo para contestar, no procedimento de injunção, a pretensão aí deduzida).
Tanto basta para que se afirme que, relativamente a tal fundamento, a oposição tinha (e tem) de ser julgada improcedente (tendo sido liminarmente admitida, a circunstância do fundamento invocado não se ajustar ao disposto no art. 814º do CPC determina a sua improcedência – a oposição só poderia proceder se a matéria em causa fosse posterior à aposição da fórmula executória ou, no mínimo, posterior ao termo do prazo para contestar o requerimento de injunção).

Diversamente se impõe considerar relativamente ao outro fundamento de oposição suscitado pelo executado/opoente/apelante (fundamento também esgrimido na presente apelação) – a falta ou nulidade da sua citação no âmbito do processo de injunção.
Quadra esse fundamento na alínea d) do nº 1 do art. 814º do CPC, constituindo por isso fundamento de oposição por falta de pressupostos específicos da acção executiva.
Adaptando (por força do nº 2 do art. 814ºdo CPC) o disposto nessa alínea aos casos em que a oposição é deduzida a execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, ela aplicar-se-á nas situações em que se verifique a falta ou nulidade da notificação para o processo de injunção, quando o requerido não tenha intervindo nesse processo.
Enquanto a nulidade da citação (ou da notificação para deduzir oposição à injunção – art. 12º do DL 269/98, de 1/09) ocorre quando na realização do acto não tenham sido observadas as formalidades prescritas na lei (art. 198º, nº 1 do CPC) e constitui vício subtraído ao oficioso conhecimento do tribunal, a falta de citação (no caso, falta de notificação para deduzir oposição à injunção), que é de oficioso conhecimento (podendo por isso fundar rejeição oficiosa da execução), ocorre quando, entre outras hipóteses que à economia da apelação não interessa, se demonstre que o destinatário não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que lhe não seja imputável (art. 195º, nº 1, e) do CPC).
A estrutura dialéctica ou polémica do processo, ou seja, a sua fisionomia contraditória, está expressamente consagrada no art. 3º do CPC.
Desta fisionomia contraditória comunga o processo de injunção, pois que nele se prevê expressamente a necessidade do requerido ser chamado ao processo para apresentar a sua defesa – apresentar as suas razões e discretear sobre as razões que apresente o requerente.
No processo de injunção é através de notificação que se dá ao requerido conhecimento de que contra ele foi instaurado o procedimento e se chama o mesmo ao processo para se defender (art. 228º do CPC e arts. 12º e 13º do DL 269/98, de 1/09).
Este acto, atenta a sua particular relevância, merece especial atenção da lei – condicionando o exercício do direito de defesa, justificam-se plenamente as cautelas que a lei entendeu fazer observar, importando sobremaneira que seja acto ‘sério e eficiente, isto é, que ao réu seja dado conhecimento da existência do pleito e colocado assim em condições de se defender’; importando que seja um acto tanto quanto possível rápido, obstando-se a manobras ou estratagemas susceptíveis de evitar ou retardar a citação, interessa proteger o demandado de um ‘simulacro de citação’ que o deixe, de facto, na ignorância da existência do pleito, por não ter existido uma citação real e verdadeira J. A. dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, 1945, p. 617..
Vale, pois, também quanto à notificação no processo de injunção, a cláusula geral constante da alínea e) do nº 1 do art. 195º do CPC (e, por isso, se aplica também no processo de injunção a consequência estabelecida no art. 194º, a) do CPC para os casos em que o demandado não haja sido notificado) – seria, aliás, inconstitucional (desde logo por directa violação do art. 20º da CRP, que consagra o direito de defesa do réu – uma tutela judicial efectiva) qualquer outra interpretação que significasse ter-se por realizada uma notificação, aparente e formalmente realizada no processo de injunção, no caso do notificando demonstrar que, sem culpa, não pôde ter conhecimento do acto.
Assim, nos casos em que se tenha frustrado a funcionalidade do acto, por o notificando não ter podido, sem culpa sua, tomar dele conhecimento, terá de concluir-se pela falta de notificação (art. 195º, nº 1, e) do CPC).
Ao citando/notificando incumbe o ónus de prova do desconhecimento do acto, por motivo ou facto que lhe não seja imputável Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 155.

Alegou o executado/opoente/apelante factos tendentes a demonstrar que, sem culpa sua, não tomou conhecimento da notificação que lhe foi dirigida no processo de injunção.
Na verdade, alegou:
- só com a notificação para a execução tomou conhecimento do processo de injunção (artigo 6º da oposição);
- não foi citado na injunção, tendo agora (depois de notificado para a execução) tomado conhecimento que na injunção foi endereçada carta registada com a/r para sua notificação, devolvida, e que perante essa devolução foi feito depósito de uma carta na morada indicada no requerimento de injunção (artigos 7º a 9º da oposição);
- que não vive na referida morada (Lugar da …, Arcozelo, Barcelos) há mais de 40 anos, estando emigrado no Reino Unido há uma década (artigos 10º a 12º da oposição);
- que no tribunal de Barcelos correm processos (desde 2005) em que intervém, aí constando a sua morada em Inglaterra, não se percebendo como é que na base de dados não consta essa referência (artigos 13º a 17º e 24º da oposição).
Tais factos, a comprovaram-se em juízo, são susceptíveis de demonstrar que o aqui apelante, por razões que lhe não são imputáveis, não tomou conhecimento do acto de notificação.
Apurando-se que o notificando não residia na morada em cujo receptáculo de correio foi depositada a carta simples para sua notificação, fácil será concluir que não foi por culpa sua (por facto a si imputável) que não tomou conhecimento do acto de citação. A esta mesma conclusão se chegará se o aqui apelante provar que há mais de uma década (e por isso também no momento em que foi depositada a carta na caixa de correio da moradia sita no Lugar da …, Arcozelo, Barcelos) está emigrado no Reino Unido, pois que também então a não tomada de conhecimento da notificação não lhe poderá ser assacada.
Tendo presente que a todos é garantida a liberdade de circulação e emigração e, consequentemente, a liberdade de alteração de domicílio e residência (art. 44º da CRP), não pode ser imputado ao aqui apelante o facto de não ter tomado conhecimento da notificação, por lhe ter sido deixada carta a tal destinada em caixa de correio de moradia onde não reside (ou, pelo menos, onde habitualmente não reside, pois que emigrado).
Não podemos, pois, acompanhar a decisão recorrida, quer quando sustenta que sobre o executado impedia a obrigação de proceder à actualização do seu local de residência na base de dados, quer quando defende que o executado assume ter duas residências, uma em Portugal, outra no Reino Unido e, que, sendo notificado na residência em Portugal, se há-de considerar válida tal notificação.
Na verdade, não impende sobre os cidadãos a obrigação genérica de proceder à actualização da sua residência em qualquer organismo oficial para efeitos de receber citações ou notificações atinentes a processos judiciais cíveis (excluímos os casos de domicílio convencionado, previstos nos arts. 237º-A do CPC e 12º-A do DL 269/1998, pois que não foi feita tal convenção, como logo alegado pelo agora apelado no requerimento de injunção – aliás, estas normas especiais demonstram precisamente a inexistência de qualquer regra geral que obrigue os cidadãos a proceder a qualquer comunicação da sua mudança de domicílio ou residência para efeitos de recebimento de citações ou notificações em casos de eventuais litígios).
Depois, mesmo que se pudesse concluir que o apelante tinha residência quer em Portugal, quer em Inglaterra, certo é que o apelante alega que na residência em que foi deixada a carta para sua notificação já não reside há mais de 40 anos.
Ademais, ainda que a residência em cuja caixa de correio foi deixada a carta para a sua notificação corresponda à sua morada em Portugal, certo é que o executado alegou estar emigrado – ou seja, que pelo facto de estar ausente dessa residência, não chegou a tomar conhecimento do acto de notificação.
Qualquer que seja a situação, terá de se considerar que a matéria alegada pelo apelante é suficiente para que o tribunal possa concluir, desde que provada, que ele não tomou conhecimento do acto de notificação e que tal ocorreu por motivo que lhe não é imputável – ou seja, que por facto que lhe não é imputável, não chegou à sua esfera de disponibilidade a carta de notificação dando-lhe conhecimento da injunção e intimando-o para contestar, informando-o das consequência da falta de contestação.
Provando o executado apelante os factos alegados e acima referidos (seja que não tem residência, há mais de 40 anos, na morada em que foi deixada a carta para notificação – ou pelo menos que não tinha aí residência ao tempo em que foi deixada essa carta –, seja que está emigrado no Reino Unido há uma década – ou pelo menos que estava ali emigrado ao tempo dessa notificação), terá de concluir-se pela sua falta de notificação para o processo de injunção (art. 195º, nº 1, e) do CPC), o que importará a nulidade de tudo o que se processou nesse procedimento declarativo após a apresentação do requerimento inicial (art. 194º, a) do CPC) e bem assim, adquirido que não teve intervenção no processo de injunção, a procedência da oposição, com a consequente extinção da execução.
Os referidos factos mostram-se controvertidos – pois que o exequente apelado os impugnou expressamente.
Porque assim, impõe-se que ao executado seja dada a possibilidade de os provar, donde resulta a necessidade de revogar o saneador-sentença, na parte em que também por esse fundamento (falta de notificação para o procedimento de injunção – art. 814º, nº 1, d) e nº 2 do CPC) julgou improcedente a oposição à execução, pois que o estado dos autos não permite desde já, e sem mais provas, a apreciação desse fundamento da oposição (art. 510º, nº 1, b), ex vi arts. 787º e 817º, nº 2, todos do CPC), impondo-se determinar que os autos prossigam os seus normais termos (designadamente com a prolação de despacho sobre a base instrutória ou despacho que a dispense, com posterior julgamento da matéria controvertida – designadamente os factos alegados pelo executado nos artigos 6º, 11º e 12º da oposição)

Em resumo:
- tem de manter-se a decisão recorrida (ainda que por diferentes fundamentos) na parte em que julgou improcedente a oposição à execução com fundamento na invocada prescrição da obrigação exequenda;
- deve revogar-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a oposição à execução com o fundamento previsto na alínea d) do nº 1 do art. 814º do CPC, havendo que determinar o prosseguimento dos autos, possibilitando-se ao executado/opoente/apelante que demonstre judicialmente a veracidade dos factos alegados (designadamente nos artigos 6º, 11º e 12º da oposição), pois caso prove tais factos terá de concluir-se pela sua falta de notificação no procedimento declarativo de injunção (ou seja, que por facto a si não imputável não tomou conhecimento do acto de notificação para contestar o referido procedimento que lhe foi dirigido) e, dessa forma, pela procedência da oposição.

Dando cumprimento ao preceituado no nº 7 do art. 713º do CPC, extrai-se da retórica argumentativo do acórdão o seguinte sumário:
I- Não quadra em fundamento admissível de oposição à execução baseada em injunção a invocação da prescrição presuntiva da obrigação exequenda sustentada em factos anteriores ao processo de injunção – relativamente a um tal fundamento, não poderia a oposição ser liminarmente admitida pelo que, tendo sido admitida, a circunstância do fundamento invocado não se ajustar ao disposto no art. 814º do CPC determina a sua improcedência.
II- A alegação, por parte do executado/opoente, que não residia na morada em cujo receptáculo de correio foi depositada a carta simples para sua notificação no processo declarativo de injunção (quer porque aí já não reside há mais de 40 anos, quer porque está emigrado há mais de 10 anos), e que da injunção só tomou conhecimento depois de notificado para a execução, constitui fundamento admissível de oposição a execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória (a arguição da falta de notificação no procedimento de injunção é fundamento enquadrável no art. 814º, nº 1, d) e 2 do CPC).
III- Tal matéria, a provar-se, demonstra que o executado/opente, por facto que lhe não é imputável, não tomou conhecimento do acto de notificação.
IV- Tratando-se de matéria controvertida (porque expressamente impugnada), não pode apreciar-se e conhecer-se de tal fundamento de oposição no despacho saneador, antes havendo os autos de prosseguir os seus termos a fim de, em julgamento, se apurar da sua veracidade.
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
- em manter a decisão recorrida (ainda que por diferentes fundamentos) na parte em que julgou improcedente a oposição à execução com fundamento na invocada prescrição da obrigação exequenda;
- em revogar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a oposição à execução com fundamento na invocada falta de notificação do executado para contestar a injunção, determinando o prosseguimento dos autos com vista a apurar da matéria por ele alegada a esse propósito, designadamente nos artigos 6º, 11º e 12º da oposição.
Custas da apelação pela parte vencida a final.

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Guimarães, 15/11/2012
Ramos Lopes
Manuel Bargado
Helena Melo