SENTENÇA
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE DO DIREITO DE PROPRIEDADE
POSSE
USUCAPIÃO
Sumário


1- As nulidades da sentença são vícios formais, tipificados e taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, traduzindo vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão. Erros de julgamento, sejam de facto ou de direito, não integram tais nulidades;

2- As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito;

3- Há nulidade da sentença quando o seu dispositivo está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das parte, mas não adotou;

4- O Juiz não tem de se pronunciar sobre todas as questões que, eventualmente, se possam levantar nem de rebater todos os argumentos aduzidos pelas partes, mormente quando a solução a que chegou os exclui necessariamente;

5- Impugnada que seja a matéria de facto e cumpridos que se mostrem os ónus consagrados no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC, o Tribunal da Relação, verdadeiro e autêntico Tribunal de substituição, procede a novo julgamento de facto, sem que esteja condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, devendo reapreciar todos os elementos probatórios carreados para os autos;

6- A nova lei processual civil conferiu às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, fins últimos que sempre se devem almejar e que são queridos pelo Estado, neles verdadeiramente interessado;

7- Porém, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados;

8- Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação;

9- Na ação de reivindicação, tem legitimidade ativa quem seja titular de um direito real que atribua a posse da coisa mas não tenha a sua posse e tem legitimidade passiva quem seja possuidor ou detentor da mesma mas não seja titular do direito real;
10- O esquema da ação de reivindicação preenche-se através de duas finalidades, que correspondem aos dois pedidos que integram e caracterizam a ação (comum) de reivindicação (sujeita ao regime previsto nos artigos 1311º e segs, do C. Civil): um, o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), outro, a restituição da coisa (condemnatio);

11- A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. Ao reivindicante cabe o ónus de alegação e o, correlativo, ónus da prova de que é proprietário da coisa e de que esta se encontra em poder do réu;

12- Pese embora a probatio diabolica característica das ações de reivindicação, onerando-se os peticionantes com uma prova extremamente difícil de, em concreto, realizar, a tarefa dos mesmos é facilitada, pela consagração legal de presunções, designadamente: a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no nº1, do art. 1268º, e a presunção de titularidade derivada do registo predial, prevista no art. 7º, do Código de Registo Predial;

13- Colidindo estas duas presunções – possessória e registral – prevalece a presunção mais antiga e em caso de igual antiguidade a posse possessória (2ª parte do nº1, do art. 1268º, do C. Civil);

14- Entre os modos de aquisição do direito de propriedade conta-se a sucessão por morte e a usucapião (art. 1316º, do C. Civil);

15- A noção de usucapião consta do artº 1287º, do C. Civil, que consagra que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação;

16- A usucapião, prescrição positiva ou aquisitiva tem sempre na sua génese uma situação possessória, que pode derivar de constituição ex novo ou de posse anterior;

17- A posse surge como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – artº 1251º, do C. Civil;

18- A usucapião produz uma aquisição originária que opera com efeitos retroativos, reportados ao início da posse (artº 1288º, do C. Civil), não podendo ocorrer na detenção, exceto se o detentor tiver invertido o título de posse, caso em que o prazo para usucapir só corre desde a inversão do título – artº 1290º, do C. Civil;

19- Quem exerce a posse em nome alheio só poderá adquirir o direito de propriedade se, a dado momento, ocorrer a inversão do título da posse (a interversio possessionis), nos termos dos artigos 1265º e 1290º, do C. Civil;

20- A eficácia da oposição referida no art.º 1265.º, do C. Civil, depende da prática de atos inequivocamente reveladores de que o detentor quer atuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa;

21- A inversão do título de posse supõe a substituição de uma posse precária (em nome de outrem) por uma posse em nome próprio, necessário se tornando, a tal, que o detentor tenha expressado diretamente à pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de atuar como titular do direito;

22- Na ausência de exteriorização da vontade de possuir em nome próprio, revelada por atos positivos de oposição ao proprietário, sobrepondo-se à aparência representada pelo arrendamento ou comodado, é vedado adquirir por usucapião. A oposição deve, além disso, ser dirigida contra a pessoa em nome de quem o opositor detinha a coisa e tornar-se dela conhecida;

23- A presunção estabelecida no nº2, do art.º 1252.º, do C. Civil, só atua em caso de dúvida, e não quando se trate de uma situação definida, que exclua a titularidade do direito;

24- A dúvida não existe – e, por isso, a presunção legal não funciona – se se provou que sempre os R.R. e seus antecessores tiveram consciência de que os prédios em causa nunca pertenceram a seus antecessores e, consequentemente, a si, tendo adquirido o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ficando numa situação de meros detentores.

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Herança aberta por óbito de A. M., A. S., C. M., M. A., AMM., M. F., C. S., I. S., M. C., O. M., AMS., M. G., António (TT), Manuel, J. M., José, M. M. e L. S., sendo estes todos os herdeiros daquela, propuseram a presente ação, sob a forma de processo comum, contra A. J e esposa C. R., D. T., L. M. e esposa Maria, M. B. e marido J. B., JMM e esposa M. P., Joaquim e esposa L. F., OMM e esposa CC pedindo:

- relativamente aos R.R. A. J e esposa C. R. e ao R. D. T.:

a) A sua condenação a reconhecerem os A.A. como proprietários, com exclusão de outrem, do prédio rústico identificado na alínea A, do art. 4º, da p.i.;
b) A entregarem-no aos A.A. livre e alodial e em bom estado de conservação;
c) Que sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as escrituras de justificação notarial e doação outorgadas no Cartório Notarial da Dra. M. R., exaradas no livro …-A, a fls. 96;
d) Que seja cancelado o registo do referido prédio na CRP, feito a favor dos R.R.;
e) Que sejam os referidos R.R. condenados a pagarem aos A.A. uma indemnização, a liquidar em execução de sentença.

Pedem, também, relativamente aos demais R.R.:

a) A sua condenação a reconhecerem os A.A. como proprietários, com exclusão de outrem, dos prédios rústicos identificados nas alíneas B a F, do art. 4º, da p.i.;
b) A entregarem-nos aos A.A. livres e alodiais e em bom estado de conservação;
c) Que sejam cancelados os registos dos referidos prédios na CRP, feito a favor dos R.R.
d) A sua condenação a pagarem aos A.A. uma indemnização, a liquidar em execução de sentença.

Alegam, para tanto e em síntese, que:

Seis prédios rústicos, que ali identificam, foram propriedade de António (TT), que os possuiu de 1930 até à data da sua morte, ocorrida cerca de 1958, sendo que, tendo ido para o Brasil, os deixou entregues a terceiros, cobrando as rendas dos mesmos;
Desde que António (TT) faleceu, A. M., filha daquele, que partilhou com os seus irmãos a herança de seu pai, passou a possuir tais prédios e sobre eles exerceu, de modo ininterrupto ao longo de mais de 60 anos atos de posse, até ao seu óbito, ocorrido em 2008 (sendo os A.A. seus únicos herdeiros), cultivando-os, fazendo neles obras de conservação e benfeitorias, pagando contribuições e taxas, comodatando-os e dando-os de arrendamento, recebendo em seu proveito as respetivas rendas, quer a título pessoal quer por intermédio de procurador, sempre na convicção de exercer um direito próprio, de boa fé, pública e pacificamente, sem violência ou oposição de quem quer que fosse, tendo adquirido a propriedade dos mesmos por usucapião;
Em 2011, os R.R. A. J. e mulher justificaram notarialmente um desses prédios e doaram-no ao R. D. T., que registou a respetiva aquisição a seu favor, pese embora sabedores de que tal prédio lhes não pertencia;
Já os demais R.R., registaram, também, a aquisição a seu favor dos demais prédios, cientes de que os mesmos lhes não pertenciam.
Os R.R. detêm os prédios e não os entregam aos A.A., o que lhes vem causando danos.
Contestaram os R.R. A. J e esposa e D. T. e deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que:
O R. A. J herdou o prédio identificado na alínea A, do art. 4º, da p.i., de seus pais, em partilha verbal efetuada com os seus irmãos, prédio este que há mais de 70 anos que vem sendo possuído por si e pelos seus pais, adquirindo assim o respetivo direito de propriedade por usucapião.
O R. A. J. e esposa doaram tal prédio ao R. D. T., que ali fez uma vacaria, convicto de que tal prédio pertencia ao seu avô, onde gastou cerca de € 50.000,00, sendo que o valor do terreno onde foi implantada a vacaria era de € 11,01.

Em consequência, pedem que:

a) Seja o R. D. T. declarado proprietário do prédio identificado no art. 12º, da p.i., com a descrição do art. 19º da contestação, por o ter recebido por doação, de seus avós, outorgada em 19-10-2011, no Cartório Notarial sito na Praça …, Chaves, que eram os seus donos e legítimos possuidores;
b) Caso não proceda o pedido principal, que seja julgada verificada a acessão industrial, e, se declare que o R. D. T. adquiriu a propriedade da parcela matriculada sob o art. …, atualmente englobada no art. … da união das freguesias de X e Y, mediante pagamento do valor desse prédio, anterior à obra efetuada.
Contestaram os R.R. L. M. e esposa Maria, Amélia, M. B. e marido J. B., JMM e esposa M. P., Joaquim e esposa L. F. e ainda OMM e esposa CC invocando:
A ilegitimidade ativa, na medida em que A. M. não era a única herdeira de António (TT), tendo, consequentemente, de estar na ação os demais herdeiros deste.
Os prédios cuja aquisição se mostra registada a favor dos R.R., advieram ao seu património por os haverem herdado de seus pais PP e E. M., que por sua vez os haviam herdado por óbito dos seus pais E. M., que os haviam comprado a António (TT).
Os avós e pais dos R.R. e os R.R. têm estado na posse dos prédios há mais de 70 anos, adquirindo, assim, o respetivo direito de propriedade por usucapião.

Em consequência, pedem que se declare que:

O prédio R-16.. tem como legítimo proprietários os R.R. L. M. e Amélia, na proporção de metade para cada um;
O prédio R-32.. tem como legítima proprietária a R. M. B.;
O prédio R-39.. tem como legítimo proprietário o R. JMM;
O prédio R-44.. tem como legítimo proprietário o R. Joaquim;
O prédio R-45.. tem como legítimo proprietário o R. OMM;
Replicaram os A.A., impugnando a matéria reconvencional invocada pelos reconvintes, alegando que os prédios em causa foram arrendados por António (TT) aos antecessores dos R.R., dos quais cobrou as respetivas rendas, e que os R.R. e antecessores foram meros arrendatários ou comodatários dos prédios, nunca tendo atuado com o animus de serem seus proprietários, mais tendo alegado que, após a morte de António (TT), foram feitas partilhas verbais entre os seus filhos, que acordaram em que ficassem para A. M. todos os bens daquele em Portugal.
Foi realizada audiência prévia (cfr fls 455 e segs) onde, nomeadamente, se homologou a desistência dos pedidos formulados em E de fls 73 e D de fls. 74, se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade, se admitiram as reconvenções e se fixaram o objeto do litígio e os temas da prova.
Os A.A. reduziram o pedido formulado na alínea a), contra os primeiros R.R., no sentido de serem reconhecidos proprietários, com exclusão de outrem, da superfície de 5.600 m2, do prédio inscrito na matriz predial da freguesia do planalto de W sob o art. …, proveniente do art. …, da extinta freguesia de X que, por sua vez, proveio dos arts. … com a superfície de 5.600 m2 e do art. 2087, com a superfície de 2.160 m2; e reduziram o pedido formulado na alínea c), contra os primeiros R.R., no sentido de serem declaradas nulas e sem efeito as escrituras de justificação notarial e doação, apenas nos que diz respeito ao prédio rústico inscrito na primitiva matriz predial rústica sob o art. ….

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Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença a:

a) Julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência, a:

- Reconhecer e condenar os R.R. A. J e esposa C. R. e o R. D. T. a reconhecerem, os A.A. como proprietários, com exclusão de outrem, do prédio identificado em 1, A, dos factos provados, que agora integra o prédio inscrito na matriz da freguesia do Planalto de W sob o art. …;
- Condenar os referidos R.R. a entregarem o prédio, livre e alodial, aos A.A.;
- Declarar ineficaz a escritura de justificação notarial e nula a escritura de doação, exaradas no Livro …-A, a fls. 96 e ss, quanto ao prédio identificado em 1, A, dos factos provados;
- Determinar o cancelamento do registo do referido prédio a favor dos R.R.;
- Reconhecer e condenar os demais R.R., a reconhecerem os A.A. como proprietários, com exclusão de outrem, dos prédios identificados no art. 4º, B a F, da p.i.;
- Condenar os referidos R.R. a entregarem os prédios, livres e alodiais, aos A.A.;
- Determinar o cancelamento do registo dos prédios a favor dos R.R.;
- Absolver os R.R. do demais peticionado;
b) Julgar as reconvenções improcedentes, e, em consequência, a absolver os A.A. dos pedidos reconvencionais.
c) Julgar improcedentes os pedidos de condenação de A.A. e R.R. como litigantes de má fé.
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Os 1º, 2ª e 3º Réus, A. J e mulher e D. T. apresentaram recurso de apelação, pugnando por que a sentença seja julgada nula, por violação das normas processuais e de forma, ou revogada e substituída por outra, elaborada com base nos factos que, nas alegações, consideram provados e não provados, julgando-se procedentes os pedidos reconvencionais.
Formularam os referidos recorrentes, as seguintes

CONCLUSÕES:

I – Na petição inicial a causa de pedir é a herança aberta por óbito de A. M. e da sentença recorrida é a sua parte na sucessão do pai, o que constitui alteração unilateral da causa de pedir.
II – Na réplica, os AA. somente podem responder à matéria da reconvenção, ou seja, à posse conducente à aquisição originária do R. A. J. e aos fundamentos da ação imobiliária industrial.
III – A descrição do prédio mencionado na alínea A) da pág. 4, só com o artigo matricial …, é incompleta.
IV – É indispensável para a boa decisão da causa, que a descrição seja mais completa, designadamente:
“Prédio rústico inscrito na primitiva matriz predial rústica da freguesia de X, sob o artigo …, que esteve no património de M. J., A. J. e D. T., neto do A. J. e bisneto de Manuel”.
V – A matéria do ponto 3 dos factos provados deve considerar-se simplesmente não provada, porque é notória a inexistência da partilha.
Assim, ficaria:
3 – Anos após a morte de António (TT), por volta do ano de 1976, foram feitas partilhas verbais entre os seus “herdeiros”, que acordaram em que ficassem para A. M. (considerada filha de António (TT)) todos os bens daquele em Portugal.”

Não provado

VI – A redação do ponto 16 dos factos provados deve fazer-se do seguinte modo: A. M. pagou algumas contribuições a partir do ano de 1996.
VII – Anteriormente a 1996 os documentos de cobrança das contribuições eram emitidas em nome de António (TT) como por ex. doc. de fls 126 – ano de 2002, 149 – ano de 1982, 150 - ano de 1985, 151 – ano de 1988, juntos pelos AA. com a p.i..
VIII – A relação material de 60 anos do R. A. J. e seu pai sobre o prédio que lhe diz respeito, inscrito na matriz sob o art. … da freguesia de X, conforme prova do ponto 17, combinada com as declarações e depoimentos transcritos a fls. 3v a fls. 5 determina que o ponto 22 dos factos provados deva transitar para os factos não provados do seguinte modo:
“Sempre os RR. e seus antecessores tiveram consciência de que os prédios em causa nunca pertenceram a seus antecessores e consequentemente a si.” – Não Provado.
IX – Os pontos 4, 5 e 6 dos factos não provados dever ser considerados provados.
X – O R. A. J. e seus pais possuíram o prédio rústico inscrito na respetiva freguesia de X sob o art. …, a que se refere a alínea A) durante mais de 60 anos, colhendo para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição e continuadamente, com a convicção de que o prédio lhes pertencia, como verdadeiro dono.
XI – O R. D. T. que sempre assistiu ao cultivo do prédio pelo seu avô, tendo este lhe dito que o prédio era seu, comportando-se como verdadeiro proprietário, nunca teve dúvida alguma que o prédio lhe pertencia e quando passou para si e o utilizou na sua obra, não lesava quem quer que fosse.

Assim, devem considerar-se provados:

4 – O R. A. J. e seus pais M. J. e esposa Amélia, cortaram árvores e arbustos no prédio identificado em 1, A. - Provado
5 – O R. A. J. e seus pais M. J. e esposa Amélia, atuaram com a convicção de exercerem um direito próprio. – Provado
6 – O R. D. T. atuou na convicção de que o prédio pertencia ao seu avô A. J. e posteriormente a si e de que não lesava direitos alheios. – Provado
XII – A decisão em recurso fundamenta-se sobretudo nos relatos que os autores fazem uns dos outros tendo como tema principal a viagem de um deles ao Brasil, como se reconhece nos autos (fls. 7).
XIII – Tais declarações de parte tendo em atenção a ausência de intervenção direta dos respetivos autores e o seu desconhecimento direto dos factos, não pode ser atendida na construção da aludida decisão.
XIV – Acresce que os documentos descritos, bem como os depoimentos produzidos e transcritos, não revelam elementos demonstrativos da razão de ser da sua pretensão, pelo menos, no que respeita aos recorrentes.
XV - O Tribunal não interpretou adequadamente a contestação dos RR., designadamente o art. 2.º, porquanto nunca confessaram que o seu prédio, art. 2086 da freguesia de X, tivesse sido de António (TT), antes dos seus antepassados.
XVI – Os RR. pretenderam apenas denunciar a forma deficiente como os AA. retrataram António (TT), esquecendo a demais família e nem sequer mencionam a data certa do seu óbito. (dizem 1958 em vez de 1951)
XVII – Os conceitos, jurídicos e de facto da propriedade, trave mestra da sentença em apreço, não tem aplicação relativamente ao prédio que foi do R. A. J. e hoje é do R. D. T., que foi inscrito sob o art. … da freguesia de X.
XVIII – No caso concreto, nem António (TT), de algum modo, transmitiu a alguém o regime em que ficaram os seus bens, nem na aldeia de W conhecem os regimes de cada prédio, que vão desde o simples abandono ao arrendamento.
XIX – Na situação sub judice está em causa a avaliação da situação de facto do prédio do R. A. J. com vista à declaração da propriedade originária.
XX – Das declarações e das testemunhas dos AA. não decorre uma definição comum que abarque algum conjunto de prédios da TT.
XXI – Nem tão pouco às rendas se sabe quem inicialmente pagava e quem nunca pagou, sendo certo que até 1976 alguém pagou aos procuradores da família, eram quem enviavam o valor dessas rendas para o Brasil.
XXII – O Tribunal sem qualquer razão aparente insiste em fazer confusão entre o prédio doado pelo avô A. J. ao neto D. T. e a compra e venda de 4 prédios aos AA. três anos depois, dizem que os prédios se encontravam nas mesmas condições, quando assim, nunca foi.
XXIII – O prédio doado proveio do património de M. J. para o filho A. J. que, após o ter possuído dezenas de anos, o deu ao neto D. T., ao passo que a compra e venda dos prédios três anos depois constitui um negócio independente daquele, entre A. J. e os AA..
XXIV – Quem continuou a posse dos bens de António (TT), falecido em 1951, foi a mulher e os filhos então existentes, que mantiveram os seus procuradores cá em Portugal até 1976, que lhes enviavam os rendimentos obtidos.
XXV – Quando A. M. foi declarada filha de António (TT) em 1989, este já não tinha nem podia exercer posse alguma pelo simples facto de ter falecido e a posse se ter transmitido aos familiares em 1951.
XXVI – Na sequência do estabelecimento da filiação, A. M. podia ter sido compossuidora com os seus irmãos do Brasil dos bens subsistentes, todavia jamais exerceu a posse sobre quaisquer bens, até ao seu decesso em 2008, conforme consta dos factos não provados.
XXVII – A. M. podia ter feito uma divisão amigável ou litigiosa dos bens de seu pai, todavia não o fez, mantendo-se assim, a comunhão hereditária do que existe de António (TT).
XXVIII – M. J., primeiro e depois seu filho A. J. possuíram o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de X sob o art. …, duma forma pública, pacífica, colhendo para si todas as utilidades produzidas, durante mais de 60 anos, gozando, deste modo, da presunção legal da titularidade do direito de propriedade.
XXIX – Para obviar a dificuldade da prova do animus, a lei prevê que, em caso de duvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, como sucede no caso concreto.
XXX – Em conformidade com a escritura de justificação junta aos autos pelos AA. A. J. e mulher, de seguida à justificação doaram ao neto D. T., terceiro em relação aos atos praticados, o prédio em causa.
XXXI – O R. D. T., beneficia da presunção de posse de boa fé, por ter recebido o prédio por doação e da presunção decorrente da inscrição na C.R.P..
XXXII – A decisão recorrida encerra grave e insanável contradição, que consiste, por um lado em considerar a posse de A. M. decorrente da partilha feita em 1976 e por outro, considerá-la resultante da sua filiação, declarada por sentença transitada em 1989.
XXXIII – Os AA. violaram, entre outras, as seguintes disposições 265.º, n.º 1 e 584, n.º 1 do C.P.C., 7.º e 116.º do C.R.P., 80.º do C.N., 220.º, 956.º, , 1252.º, 1255.º, 1259.º, 1260.º, 1263.º a) e 1268.º, 1311.º, 1316.º, 1317.º, 1333.º todos do C.C..
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Os Réus L. M., Amélia, M. B., J. B., JMM, M. P., Joaquim, L. F. e OMM, apresentaram recurso de apelação, pugnando por que a sentença seja julgada nula, por violação das normas processuais e de forma, ou revogada e substituída por outra, elaborada com base nos factos aqui considerados provados e não provados, julgando-se procedentes os pedidos reconvencionais.
Formularam os referidos recorrentes, as seguintes
CONCLUSÕES:

I – Os RR. na réplica procederam a uma alteração da causa de pedir que foi atendida julga-se de forma ilegal. Na réplica, os AA. somente podem responder à matéria da reconvenção. Com a réplica os RR. modificaram a causa de pedir, atribuindo-a a uma partilha verbal que alegadamente foi celebrada entre os aqui AA. e os demais herdeiros de António (TT) (primitivo proprietário dos prédios em crise). A validade jurídica da alegada partilha verbal, não foi objecto de apreciação pelo Tribunal, e isto porque a mesma, a ter existido é nula, já que deveria obedecer a forma jurídica de escritura pública, não o tendo sido, a mesma seria sempre nula e de nenhum efeito, o que deixa em crise de forma irreversível a legitimidade dos AA. de que se requereu apreciação e foi desconsiderada pelo tribunal.
Tendo em conta que os direitos invocados pelos RR. teriam aquela génese (a partilha verbal em finais dos anos 70), significa que reconhecer-se que os AA. são donos e legítimos possuidores, teria que ter na sua origem uma causa originária de aquisição da propriedade, nomeadamente a usucapião.
Para tal, pressuposto era que os AA. tivessem provado a posse, coisa que não lograram fazer. Ao invés, os RR. demonstraram que a posse lhes pertence desde a ida do António (TT) para o Brasil nos anos 30.
Há, assim, ilegitimidade activa.

II – Na petição inicial a causa de pedir é a herança aberta por óbito de A. M. e da sentença recorrida é a sua parte na sucessão do pai, o que constitui alteração unilateral da causa de pedir.
III - O elenco constante do ponto 1 B a F dos factos provados, omite um elemento importante, que é a notícia de que os mesmos se encontram registados e registados a favor dos RR.. Com efeito,
- O R-16.. (proveniente do artigo … da extinta freguesia de X), está registado a favor dos RR. L. M. e Amélia na proporção de metade para cada um conforme descrição ….
- R- 32.. (proveniente do artigo .. da extinta freguesia de X), está registado a favor da R. M. B. pela descrição …
- R- 39.. (proveniente do artigo … da extinta freguesia de X), está registado a favor do R. JMM pela descrição ….
- R- 44.. (proveniente do artigo … da extinta freguesia de X), está registado a favor do R. Joaquim.pela descrição ..
- R- 45.. (proveniente do artigo … da extinta freguesia de X), está registado a favor do R. OMM pela descrição nº ..
VI - Todos estes prédios foram levados à matriz no ano de 1957, e inscritos a favor de E. M. e mulher PP, pais dos aqui RR. Por ocasião da sua morte e porque a PP foi a última a falecer, por ocasião da entrega da relação de bens, foi alterada a titularidade para herdeiros de PP.
V- Desde 1957 que estes prédios se encontram com matriz em nome dos RR., sendo por isso falso o referido no ponto 16 dos factos provados.
Quanto a estes RR. não é verdade que a A. M. tenha pago qualquer tipo de contribuição deles.
VI- É certo que a matriz é um elemento essencialmente fiscal e sem relevância para atribuição de propriedade. Mas é igualmente certo que, na mente pessoas, equivale ao mesmo. Com efeito, é do conhecimento público que, quando um prédio está na matriz em nome de alguém, é porque esse alguém tem direitos sobre o prédio. É culturalmente assim.
VI - Neste aresto, não pode deixar de se considerar este elemento, um factor determinante para considerar invertido animus de posse, já pelos pais dos RR., dado importando para considerar uma resposta inversa a dar ao ponto 22 dos factos provados.
VI - Estão ainda em causa de prédios registados. Por aquisição em via de sucessão hereditária, mediante inventário judicial. Este elemento é determinante para apurar de quem é o ónus de prova. A existência de registo, faz presumir a propriedade e como tal nenhum dever de prova incumbe aos RR.. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo inverte esta regra, enunciando a tese de que, sendo a posse dos AA. anterior ao registo, a primeira sobrepõe-se. Mas tal argumento é contrariado pelo ponto 21 dos factos provados, com o que há contradição. É que os AA. e os seus antecessores nunca foram possuidores. Uma coisa é alegarem a posse, outra coisa é terem-na. E não a têm como nunca a tiveram, assim resultando violados os artigos 1268 do CC e 7º do código do registo predial. Como toda a decisão de direito assenta na presunção de propriedade derivada deste normativo, corrigindo-se este entendimento, impõe-se pois a alteração da decisão no sentido inverso.
IX - São pois inequívocos os actos de posse, juntamente com a convicção de que se é dono que deverá constituir em última instância, uma inversão da qualidade da posse. Num primeiro momento, aquando da morte dos avós dos RR. os filhos procederam a partilhas dos bens deixados. Nos bens partilhados foram incluídos os prédios aqui em crise e foram partilhados como tal, isto é como sendo propriedade desta família, e ficaram adjudicados a E. M., pais dos RR.
X - Este ponto de crucial importância e ocorrido há mais de 50 anos, constitui um marco muito importante para que se considere que efectivamente a partir daí, há uma elemento de prova inequívoco que demonstra a qualidade de proprietário pelos antepassados dos RR. Após isso, e provado que igualmente ficou a ausência do pagamento de qualquer tipo de renda por estes, nenhuma prova nesse sentido foi feita, resta constatar que, estamos perante uma posse continuamente exercida há mais de 75 anos, retirando de forma exclusiva destes prédios todas as utilidades que são susceptíveis de dar, de forma pública porque há vista de toda a gente, pacífica porque nunca perturbada por qualquer terceiro e exercida pelos RR. e antes deles pelos seus pais com de boa fé porque convencidos que os mesmos foram integrados no património da família já pelos avós nos anos 40 do século XX.
XI – Outro elemento relevante de posse, demonstrativo da convicção de propriedade é que estes prédios foram levados à matriz em 1957 e desde então encontram-se matriciados em nome dos RR. e seus antepassados.
XII - É inequívoco que a inclusão destes prédios com o património da família marques é uma realidade de há dezenas e dezenas de anos, na descrição indicada e que resultou provada e é substancialmente relevante para se ajuizar da sua propriedade, e que justificam resposta diferente nos pontos 7 a 9 dos factos não provados que confirme o acima dito, deverá ser levada aos facto provados.
XIII – A descrição dos prédios mencionado nas alíneas B a F) do ponto 1 dos factos provados, só com o artigo matricial, é incompleta. Não vem mencionado e como tal não foi valorado que estes prédios foram levados à matriz em 1957, omite também a existência de registo a favor dos RR.
XIV – A matéria do ponto 3 dos factos provados deve considerar-se simplesmente não provada, porque é notória a inexistência da partilha. Assim, ficaria: “3 – Anos após a morte de António (TT), por volta do ano de 1976, foram feitas partilhas verbais entre os seus “herdeiros”, que acordaram em que ficassem para A. M. (considerada filha de António (TT)) todos os bens daquele em Portugal.” – Não provado
XV – A redação do ponto 16 dos factos provados deve fazer-se do seguinte modo: A. M. pagou algumas contribuições a partir do ano de 1996.
XVI – Anteriormente a 1996 os documentos de cobrança das contribuições eram emitidas em nome de António (TT) como por ex. doc. de fls 126 – ano de 2002, 149 – ano de 1982, 150 - ano de 1985, 151 – ano de 1988, juntos pelos AA. com a p.i..
XVII – A sucessão hereditária dos prédios dos RR., os actos de posse e os factos demonstrativos de animus, traduzida ao longe de mais de 75 anos pelos RR, combinada com as declarações e depoimentos transcritos determina que o ponto 22 dos factos provados deva transitar para os factos não provados do seguinte modo: “Sempre os RR. e seus antecessores tiveram consciência de que os prédios em causa nunca pertenceram a seus antecessores e consequentemente a si.” – Não Provado.
XVIII – Os pontos 8 e 9 dos factos não provados dever ser considerados provados porque contrariados pela generalidade da prova produzida e até por confissão dos AA. em declarações de parte. E por contradição com o ponto 22 dos factos provados, contradição essa insanável.
XIX – Os RR. HH e antes deles os seus pais possuíram os prédio rústicos inscrito, a que se referem as alíneas B a F) do ponto 1 dos factos provados durante mais de 75 anos, colhendo para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição e continuadamente, com a convicção de que lhes pertencia, como verdadeiros donos. Aquando da morte dos avós dos RR. foram sujeitos a partilha em igualdade de circunstâncias dom o demais património do acervo hereditário, em 195 foram participados à matriz, foram por este trabalhados, zelados, colhendo todos os seus frutos, com exclusão de qualquer terceiro e desde a morte dos pais dos RR. por eles próprios, tudo de forma ininterrupta, sem oposição de qualquer terceiro e conscientes de que exerciam um direito próprio.
. XX – Os RR. que sempre auxiliaram os seus pais no cultivo dos prédios, inclusivamente neles plantando castanheiros, tendo este dito que os prédios eram seus, comportando-se como verdadeiro proprietário, nunca teve ou manifestou qualquer dúvida alguma que os prédios lhe pertenciam e quando os seus pais falecerem, sujeitaram igualmente estes prédios a partilhas entre os RR. e demais herdeiros que os passaram para si e até hoje os utilizam zelando e colhendo os seus frutos, conscientes de não lesarem quem quer que fosse. Assim, devem considerar-se provados: 7- A. F. e B. M., incorporaram no seu património os prédios identificados em 1 B a F antes de 1940 – Provado 8 – Inicialmente A. F. e B. M., depois o filho destes E. M. e após os RR, taparam muros e portais, limparam regos e cortaram estrumes nestes prédios – Provado 9 – A. F. e B. M. e o filho destes E. M. e os RR atuaram na convicção de exercerem um direito próprio – Provado
XXI – A decisão em recurso fundamenta-se sobretudo nos relatos que os autores fazem uns dos outros tendo como tema principal a viagem de um deles ao Brasil, como se reconhece nos autos (fls. 7), baseando-se numa alegada partilha verbal cujo seu valor jurídico é nulo.
XXII – Tais declarações de parte tendo em atenção a ausência de intervenção direta dos respetivos autores e o seu desconhecimento direto dos factos, não pode ser atendida na construção da aludida decisão.
XXIII – Acresce que os documentos descritos, bem como os depoimentos produzidos e transcritos, não revelam elementos demonstrativos da razão de ser da sua pretensão, pelo menos, no que respeita aos recorrentes.
XXV – Os RR. pretendem denunciar a forma deficiente como os AA. retrataram António (TT), esquecendo a demais família e nem sequer mencionam a data certa do seu óbito. (dizem 1958 em vez de 1951)
XXV – Os conceitos, jurídicos e de facto da propriedade, trave mestra da sentença em apreço, não tem aplicação relativamente aos prédios que é dos RR., nem se pode aceitar que lhe caiba a estes o ónus de prova, portadores que são de um registo que aliado ao tempo de posse (mais de 60 anos – ponto 21 dos factos provados), é só por si suficiente para adquirir por usucapião, ainda que de má fé.
XXVI – No caso concreto, nem António (TT), de algum modo, transmitiu a alguém o regime em que ficaram os seus bens, nem na aldeia de W conhecem os regimes de cada prédio, que vão desde o simples abandono ao arrendamento. Certo é que havia muitos prédios e cada um em regime específico. Nenhuma prova concreta contrariou os factos aquisitivos da propriedade elencados nos autos e aqui resumidos.
XXVII – Na situação sub judice está em causa a avaliação da situação de facto dos Recorrente com vista à declaração da propriedade originária.
XXVIII – Das declarações e das testemunhas dos AA. não decorre uma definição comum que abarque algum conjunto de prédios da TT.
XXIX – Nem tão pouco às rendas se sabe quem inicialmente pagava e quem nunca pagou, sendo certo que até 1976 alguém pagou aos procuradores da família, que enviavam o valor dessas rendas para o Brasil. Mas certo e seguro é que desde 1976 ninguém mais pagou e toda a gente, inverteu a característica da sua posse, passando pelo menos a partir daí a arrogar-se proprietário. E contra isso, até á presente acção, nenhum acto contrário existiu.
XXX – No prédio de LL (ponto C dos factos provados), tratase de uma propriedade hoje reunida em um único artigo matricial, mas era primitivamente composto por 3 sortes. Só uma delas veio do António (TT) na proporção de 1/3. Os outros dois terços foram adquiridos por E. M., pai dos RR., um por troca e outro por compra. Não aludindo a douta sentença sequer a este facto
. XXXI – Quem continuou a posse dos bens de António (TT), falecido em 1951, foi a mulher e os filhos então existentes, que mantiveram os seus procuradores cá em Portugal até 1976, que lhes enviavam os rendimentos obtidos. O primeiro procurador que teve foi o avô dos RR. A. F.. Falecido este, a sua esposa B. M., entregou todas as propriedades que não lhes pertenciam ao procurador seguinte (R.L.). As propriedades aqui em crise, mantiveram-se na sua posse, havendo prova segura que a propriedade se havia transferida para esta família. Tanto que, a partir desse momento, iniciam acto de posse, altamente indiciadores de que estavam convictos de que erma proprietários. Foram partilhados duas vezes, foram levados à matriz, plantaram castanheiros. Em prédio alheio ou em que se tem a consciência que é alheio, vai contra a lógica plantar este tipo de árvores, ainda hoje essencial à subsistência.
XXXII – Quando A. M. foi declarada filha de António (TT) em 1989, este já não tinha nem podia exercer posse alguma pelo simples facto de ter falecido e a posse se ter transmitido aos familiares em 1951.
XXXIII – Na sequência do estabelecimento da filiação, A. M. podia ter sido compossuidora com os seus irmãos do Brasil dos bens subsistentes, todavia jamais exerceu a posse sobre quaisquer bens, até ao seu decesso em 2008, conforme consta dos factos não provados.
XXXIV – A. M. podia ter feito uma divisão amigável ou litigiosa dos bens de seu pai, todavia não o fez, mantendo-se assim, a comunhão hereditária do que existe de António (TT).
XXXV – A. F., primeiro e depois seu filho E. M. e depois os seus filhos aqui RR. possuíram os prédios rústicos inscrito elencados nas al. B9 a F) do ponto 1 dos factos provados, duma forma pública, pacífica, colhendo para si todas as utilidades produzidas, durante mais de 75 anos, gozando, deste modo, da presunção legal da titularidade do direito de propriedade, que lhe resulta igualmente garantida pelo facto de tais prédios se encontrarem registados a seu favor.
XXXVI – Para obviar a dificuldade da prova do animus, a lei prevê que, em caso de duvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, como sucede no caso concreto.
XXXVII – Os RR., beneficiam da presunção de posse de boa fé, por terem recebido os prédios por sucessão hereditária e da presunção decorrente da inscrição na C.R.P..
XXXVIII – A decisão recorrida encerra grave e insanável contradição, que consiste, por um lado em considerar a posse de A. M. decorrente da partilha feita em 1976 e por outro, considerá-la resultante da sua filiação, declarada por sentença transitada em 1989.
XXXIX – Resultam violadas entre outras, as seguintes disposições 265.º, n.º 1 e 584, n.º 1 do C.P.C., 7.º e 116.º do C.R.P., 80.º do C.N., 220.º, 956.º, , 1252.º, 1255.º, 1259.º, 1260.º, 1263.º a) e 1268.º, 1311.º, 1316.º, 1317.º, 1333.º todos do C.C..
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Os Autores/Recorridos ofereceram as suas alegações pugnando por que sejam julgados improcedentes os recursos apresentados e se mantenha inalterada a sentença recorrida e, sem prejuízo, no âmbito da ampliação do recurso a requerimento dos Recorridos, seja a matéria de facto alterada nos termos constantes das conclusões aqui formuladas em U) a GG).
Formulam as seguintes

CONCLUSÕES:

A) Apresentaram recurso e correspondentes alegações os Réus M. B. e marido, JMM e mulher, Joaquim e mulher, e OMM e mulher.
B) No caso vertente estamos em presença de uma coligação de réus, discutindo cada casal interesses patrimoniais que estão determinados nos autos, podendo muito bem ter havido o vencimento da ação relativamente a uns e não a outros. Representam, por isso, os pressentes autos, assim configurados por razões de economia processual, um caso de coligação passiva, não aproveitando aos donos de prédios de valor inferior, o valor de outros de valor superior ao da alçada de comarca.
C) Quanto a estes Recorrentes a sentença não admite qualquer recurso, porque os imóveis que dizem respeito a cada um têm um valor inferior ao da alçada dos tribunais de primeira instância. Valor afirmado por prova pericial destinada a apurar o valor da causa, que não foi contestado pelas partes.
D) A causa de pedir dos Recorridos assentou na usucapião, ainda que tendo alegado sobre a forma como os bens vieram à posse de A. M., autora da herança. Como sabemos, a partilha verbal a que se alude é nula e de nenhum efeito, mas explicativa da forma como se iniciou a posse da autora da herança. Não se verifica, por isso, qualquer alteração da causa de pedir que se baseou sempre na usucapião, já que a partilha verbal não é titulo de posse, mas apenas meramente explicativa da forma como os bens vieram à posse de A. M., que os possuiu entre 1976 e a sua morte e depois desta ter ocorrido ficaram na posse de deus herdeiros durante muito mais de trinta anos.
E) O prédio descrito na alínea A do artigo 1.º da petição inicial encontra-se descrito pelos Recorridos de acordo com o que consta da certidão matricial e nos termos que sempre constaram da matriz predial.
F) Não será por iniciativa da parte contrária que essa matéria poderá ser alterada e, muito menos, impondo-lhe que conste que o prédio esteve no património de M. J., mais tarde de seu filho A. J. e depois do neto D. T.. M. J. sempre pagou renda do prédio que lhe foi cobrada pelo pai de E. M. e das testemunhas D. M., GG e BB de nome A. F..
G) Quanto ao ponto 22 dos factos provados. Nada justifica qualquer alteração a este ponto. Porque é que o Recorrente A. J. comprou quatro prédios aos Recorridos?
Porque é que, por mais de duas e três vezes, falou com A. S. e seu cunhado Alcino para comprar o prédio da alínea a) do artigo 1.º da petição inicial, apenas não o tendo feito por desacordo relativamente ao preço? Porque é que o Recorrente A. J. foi pedir à A. M. autorização para utilização do prédio para a zona associativa de caça?
H) Do confronto do depoimento das testemunhas dos Recorridos constante da douta sentença recorrida constam vários depoimentos nesse sentido. Claro que tudo isto traduz a consciência por parte do Recorrente A. J. e o reconhecimento do direito de propriedade da A. M. e dos filhos, seus sucessores.
I) Não há razão alguma para que este ponto não se mantenha. Dão-se por reproduzidos os depoimentos das testemunhas indicadas pelos Recorridos, descritos na douta sentença recorrida. Lamentam-se as transcrições parciais dos depoimentos, truncadas e descontextualizadas que induzem o Tribunal ad quem em erro. Nenhum outro facto merece ser alterado de acordo com os numerosos depoimentos. Para os Recorrentes só é verdade o que lhes interesse, mas para o Tribunal a quo, que dissecou toda a prova de forma imparcial, foi importante o essencial que esteve na origem da procedência da ação.
J) Sobre as questões da posse nada a dizer, porque a douta sentença é muito clara. Possuíram em nome alheio e sem a convicção de exercerem direito próprio e ainda sem o reconhecimento das pessoas como seus donos. Toda a gente sabia na aldeia que os prédios eram da TT, incluindo os próprios Recorrentes.
K) Por isso, quando os pais do E. M. faleceram, a família recusou partilhar os prédios por saber não lhe pertencerem. Se os prédios fossem dos nossos pais nós também teríamos direito a eles”. Asseverou o irmão de E. M., D. M..
L) Quanto ao ponto 21 dos factos provados. Os atos aí descritos não representam nada que qualquer arrendatário e ou comodatário não façam de igual modo. Todos estes atos foram sempre praticados na convicção de que os prédios não lhe pertenciam.
Tanto assim que ficou demonstrado que pagavam renda ao R.L. até 1976 e, antes deste ser procurador do António (TT), ao próprio A. F. que também foi seu procurador.
M) Estes atos são de mera detenção porque lhes falta o animus. Nunca agiram com a convicção de serem donos sabendo muito bem estes detentores e toda a aldeia que os prédios não lhe pertenciam.
N) Quanto ao ponto 22 dos factos provados. Este ponto é a chave da decisão. Mera detenção dos prédios sim, posse em nome próprio nunca. Esta consciência de os prédios pertencerem à TT era a dos Recorridos, a dos Recorrentes e a de toda a comunidade de W.
O) Só isso pode explicar a razão de 49 prédios terem sido entregues aos herdeiros da A. M. logo após a sua morte. Todos os detentores dos prédios exerciam sobre os mesmos iguais atos de posse sabendo, como bem vem refiro que não lhes pertenciam.
P) Quanto ao ponto 23 dos factos provados. É verdade que não entregaram os prédios, como é verdade que tudo fizeram para os comprar, reconhecendo de modo inequívoco não serem seus donos. Quanto a este ponto nada a acrescentar:
Q) Quanto ao ponto 7 dos factos não provados. Toda a gente sabe que isto é de facto falso. A testemunha D. M., nesta altura com 86 anos e uma lucidez e memória invejáveis, filho de A. F. e B. M., irmão do E. M. e tio do Recorrentes foi perentório a afirmá-lo: O meu pai nunca comprou terrenos ao António (TT).
R) Quanto ao ponto 8 dos factos não provados. Não se provou de facto que assim fosse, embora tais atos, a terem sido praticados nada acrescentam ao que já sabemos: eram detentores dos prédios detendo-os em nome alheio.
S) Quanto ao ponto 9 dos factos não provados. Este ponto é o contrário da matéria do ponto 22 dos factos provados. Quanto ao A. F. e B. M., aquele falecido em 1940 e procurador do António (TT) sempre pagou renda. Disso não pode haver dúvidas sendo o próprio filho D. M. quem o confirma. Quanto ao D. M. pagou renda até 1976 e depois usou os prédios como comodatário com a vigilância da herdeira do António (TT) e proprietária, sua filha A. M..
Sobre este ponto já dissemos mais do que o suficiente. Nunca atuaram como donos mas sim como arrendatários/comodatários.
T) Nos termos do artigo 636.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), os Recorridos impugnam parcialmente a matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida, prevenindo assim a hipótese de procedência de alguma das questões suscitadas pelos Recorrentes.
U) Quanto ao Ponto 17, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: O réu A. J. e os seus pais M. J. e esposa, Amélia, cultivaram o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo …, colheram para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição, continuamente, durante mais de 60 anos, sempre com o consentimento da autora A. M. e seus antepossuidores, verdadeiros donos dos prédios, a quem sempre reconheceram como tal.
V) Quanto ao Ponto 18, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: No prédio foi construído pelo D. T. parte de um armazém não se tendo apurado a superfície de construção nem o seu valor.
W) O Recorrente D. T. construiu uma vacaria no prédio que anexou o artigo … a um outro. Ora, não se apurou se a vacaria ficou construída nos dois prédios, não se apurou qual a superfície do artigo … ocupada nem sequer se foi ocupada. Para poder apurar-se esses factos seria necessário um levantamento topográfico dos prédios rústicos onde estivessem demarcados e sobre esse levantamento sobrepor a construção do armazém. Ora, nada disso foi feito.
X) Quanto ao Ponto 19, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: O prédio tinha um valor antes das obras não concretamente apurado.
Y) Deve ser desconsiderado qualquer valor relativamente a este prédio rústico. Com efeito, a perícia foi feita por perito singular para efeitos exclusivamente de determinação do valor da ação. Para que este valor pudesse ter relevo deveria a peritagem ter sido requerida pelas partes com a indicação dos respetivos quesitos, sempre sujeita ao contraditório e eventuais pedidos de esclarecimento. A peritagem realizada não deve assumir qualquer relevo nos autos na parte que excede a sua determinação para efeitos de custas.
Z) Quanto ao Ponto 20, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: No prédio foi construído parte de um armazém não se tendo apurado a superfície de construção nem o seu valor.
AA) Cabia aos Recorrentes provar qual a superfície do prédio dos Recorrentes verdadeiramente ocupada pelo armazém, já que a obra se encontra implantada, ao que parece, em ambos os prédios que se fundiram num só após anexação. Não se apurou, nem foi alegado, que a obra ocupou x metros quadrados do prédio dos Recorridos e que esse espaço construído tem um determinado valor. Este facto é essencial para determinação do valor das obras e do terreno.
BB) Deve ser acrescentado o seguinte ponto a matéria de facto, que seria o Ponto 24: Em 28 de Fevereiro de 2003 a Associação de Caçadores do W pediu à autora da herança A. M. autorização para caçar em todos os seus prédios.
CC) Esta matéria resulta do documento junto com a petição inicial não impugnado. Nesse documento encontram-se enumerados todos os prédios reivindicados nos presentes autos ainda com os artigos da matriz predial da extinta freguesia de X, estando devidamente assinado pelo herdeiro – já falecido – José em representação de sua mãe. Esta matéria foi alegada a artigos 36.º e 37.º da petição inicial.
DD) Deve ainda ser acrescentado o seguinte ponto a matéria de facto, que seria o Ponto 25: A autorização foi assinada por José, filho da autora da herança já falecido, que autorizou em representação daquela a que os mesmos prédios integrassem a zona de caça que faz parte da Associação de Caçadores W.
EE) Esta matéria está provada através do documento junto com a petição inicial. Parece-nos de grande relevância porque foi o Recorrente A. J. uma das pessoas que solicitou essa autorização.
FF) Deve ainda ser acrescentado o seguinte ponto a matéria de facto, que seria o Ponto 26: No dia 24 de Fevereiro de 2014 os representantes da herança de A. M. formalizaram uma escritura de compra e venda por meio da qual venderam aos corréus A. J. e mulher os seguintes prédios rústicos todos pertencentes ao acervo da herança: artigo … proveniente do artigo …, lameiro no lugar de …; artigo … proveniente do artigo …, terra no lugar de LL; artigo … proveniente do artigo …, terra no lugar de …; artigo … proveniente do artigo …, terra no lugar de ….
GG) Esta matéria foi alegada no artigo 17.º da petição inicial, tendo sido provada por meio de documento autêntico junto aos autos, no caso vertente, escritura pública de compra e venda. Assume para nós toda a relevância esta parte porque o Recorrente A. J., que cultivava cinco prédios propriedade da herança, exercia sobre eles atos de posse em tudo idênticos. Não se percebe porque adquiriu por compra estes e se apossou do artigo reivindicado nestes autos.
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Ouvidos os Réus M. B. e marido, JMM e esposa, Joaquim e esposa e OMM Marques e esposa, sobre a alegada inadmissibilidade do recurso que interpuseram, os mesmos pronunciaram-se nos termos constantes de fls 599, tendo sido proferido despacho, a fls 601 e segs, transitado em julgado, a julgar inadmissíveis os recursos interpostos por tais Réus M. B. e marido, JMM e esposa, Joaquim e esposa e OMM e esposa e a não os admitir, atento o valor dos prédios, pois tendo os Réus sido demandados em coligação uns com os outros e com os demais Réus é diferente a causa de pedir e os pedidos formulados relativamente a cada um dos Réus em causa e relativamente aos demais, tendo, apenas, sido admitidos os recursos interpostos pelos Réus:
- A. J., C. R. e D. T.,
- L. M. e Amélia.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito dos recursos interpostos pelos Réus A. J., C. R. e D. T. e, ainda, pelos Réus L. M. e Amélia (demandados em coligação com os demais, no que se reporta ao interesse individualizado - relativo ao prédio R-16.. (proveniente do artigo …, da extinta freguesia de X (cfr fls 73 e 336), o que se passa a fazer, sendo que quando nos reportamos aos RR. Recorrentes ou apelantes, sem outra referência, é apenas a estes Réus).
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II. OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1ª - Da nulidade da sentença e da ilegitimidade ativa (por falta de apreciação da questão da nulidade da partilha (verbal), nulidade esta que gera ilegitimidade dos AA., e por a decisão recorrida encerrar contradição, pois, por um lado, considera a posse de A. M. decorrente da referida partilha feita em 1976 e, por outro, considera-a resultante da sua filiação, declarada por sentença transitada em 1989);
2ª - Determinar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, e, consequentemente, se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo referido Tribunal quanto aos pontos mencionados pelas recorrentes: referentes aos “factos provados” nº 1, 3, 16 e 22 e aos “factos não provados” nº 4 a 9.
3ª – Da titularidade do direito de propriedade sobre os imóveis.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos que foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa:

1 - Os seguintes prédios foram “propriedade” de António (TT), que, tendo ido para o Brasil, os entregou aos antecessores dos R.R., para que estes os pudessem explorar, em contrapartida do pagamento de uma “renda” ou a título gratuito:
A - Prédio rústico inscrito na primitiva matriz predial rústica da freguesia de X, sob o artigo 20..;
B - Prédio rústico composto de terra de cultivo com castanheiros e pastagem sito no lugar de … com a superfície de 11.750 m2, a confrontar pelo norte com NN e outros, do sul com VV, do nascente com, SS e do poente com QQ, inscrito na matriz predial sob o artigo nº … (proveniente da extinta freguesia de X sob o artigo nº …), que estivera inscrito na matriz sob o art. 20.., com o valor patrimonial de 54.18 €;
C- Prédio rústico composto de terra de cultivo sito no lugar do LL com a superfície de 5.320 m2 a confrontar pelo norte com AB, do sul com AB, do nascente com, SS e do poente com Caminho público, inscrito na matriz predial sob o artigo nº … (proveniente da extinta freguesia de X sob o artigo nº …), com o Valor patrimonial de 20.04 € €;
D - Prédio rústico composto de terra de cultivo com castanheiros sito no lugar de …, com a superfície de 2.280 m2, a confrontar pelo norte com AD, do sul com AF, do nascente com, AK e do poente com Herdeiros de AL, inscrito na matriz predial sob o artigo nº … (proveniente da extinta freguesia de X sob o artigo nº …), com o valor patrimonial de 9.40 €;
E - Prédio rústico composto de terra de monte sito no lugar de …, com a superfície de 2.120 m2, a confrontar pelo norte com Junta de Freguesia, do sul com Junta de Freguesia, do nascente com, SS e do poente com DS, inscrito na matriz predial sob o artigo nº … (proveniente da extinta freguesia de X sob o artigo nº …), com o valor patrimonial de 1.86 €;
F - Prédio rústico composto de carvalhada, sito no lugar de …, com a superfície de 3.500 m2, a confrontar pelo norte com DF, do sul com M. J., do nascente com KK e do poente com NN e outros, inscrito na matriz predial sob o artigo nº … (proveniente da extinta freguesia de X sob o artigo nº …), com o valor patrimonial de 7.67€;
2 - António (TT) faleceu em 1951;
3 - Anos após a morte de António (TT), por volta do ano de 1976, foram feitas partilhas verbais entre os seus “herdeiros”, que acordaram em que ficassem para A. M. (considerada filha de António (TT)) todos os bens daquele em Portugal;
4 - Por sentença proferida pelo T. J. do Barreiro em 17-02-1989 e transitada em julgado em 12-04-1989, A. M. foi declarada filha de António (TT);
5 – Por escritura de habilitação de herdeiros, outorgada no dia 12-04-2013, perante J. G., notário no Cartório Notarial sito na Rua Dr. …, em Rio Tinto, A. S. declarou que, no dia 04-09-2008, faleceu a sua mãe A. M., no estado de viúva de SA, que a falecida não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os seguintes dez filhos e oito netos:
Filhos:
A. S.;
L. S.;
B. J.;
C. M.;
José;
M. A.;
AMM.;
M. F.;
C. S.;
I. S.;
Netos, filhos do seu filho pré-falecido SF:
M. C.;
O. M.;
AMS.;
M. G.;
António (TT);
Manuel;
J. M.;
José;
Não havendo outras pessoas que, segundo a lei, com eles pudessem concorrer na sucessão à herança da falecida;
6 – Por escritura de habilitação de herdeiros, outorgada no dia 29-08-2014, na Conservatória do Registo Civil, M. M. declarou que, no dia 03-08-2014, faleceu o seu marido SV, que não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros: M. M. e L. S., não havendo quem lhes preferisse ou com elas pudesse concorrer na sucessão;
7 - Por escritura de justificação e doação outorgada no dia 19-10-2011, no Cartório Notarial sito na Praça …, em Chaves, perante a notária M. R., A. J e esposa C. R. declararam serem donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes prédios: prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de X sob o art. 20.. e prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de X sob o art. 20..;
Que iniciaram a posse do primeiro desses prédios no ano de 1980, ano em que o adquiriram em adjudicação que foi feita ao primeiro, na partilha verbal feita com os demais interessados da herança aberta por óbito de seus pais M. J. e mulher Amélia.
Que desde aquela data, sempre têm usufruído o prédio, cultivando-o e colhendo os respetivos frutos, ocupando-os com pertences, limpando e extraindo mato, fazendo melhoramentos e benfeitorias, pagando as contribuições por ele devidas, fazendo essa exploração com a consciência de serem seus únicos donos, à vista de todo e qualquer interessado, sem qualquer tipo de oposição, há mais de 20 anos.
Mais declaram que, pela escritura em causa, doavam a D. T., seu neto, o prédio em causa. E este declarou aceitar a doação;
8 - No processo de inventário n º 404/08.0TBCHV, do 2º juízo do T. J. de Chaves, em que foram inventariados PP e E. M., foi adjudicado ½ a favor de L. M. e ½ a favor de Amélia, do prédio inscrito na matriz da freguesia de X sob o art. …; foi ainda adjudicado a favor de M. B., o prédio inscrito na matriz da freguesia de X sob o art. ..; foi adjudicado a favor de JMM, o prédio inscrito na matriz da freguesia de X sob o art. …; foi adjudicado a favor de Joaquim, o prédio inscrito na matriz da freguesia de X sob o art. …; e foi adjudicado a favor de OMM, o prédio inscrito na matriz da freguesia de X sob o art. …;
9 - Pela Ap. 2032 de 25-11-2011, foi registada a aquisição, por doação de A. J e C. R., a favor de D. T., do prédio descrito na Conservatória do registo Predial, pela freguesia de X, sob o n º … e inscrito na matriz sob o art. …;
10 - Pela Ap. 4500 de 12-02-2009, foi registada a aquisição, por partilha da herança de PP e E. M., de ½, a favor de L. M., do prédio descrito na Conservatória do registo Predial, pela freguesia de X, sob o n º …. Pela Ap. 4683 de 12-02-2009, foi registada a aquisição, por partilha da herança de PP e E. M., de ½, a favor de Amélia, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial, pela freguesia de X, sob o nº … e inscrito na matriz sob o art. …;
11 - Pela Ap. 4567 de 12-02-2009, foi registada a aquisição, por partilha da herança de PP e E. M., a favor de M. B., do prédio descrito na Conservatória do registo Predial, pela freguesia de X, sob o n º … e inscrito na matriz sob o art. …;
12 - Pela Ap. 4377 de 12-02-2009, foi registada a aquisição, por partilha da herança de PP e E. M., a favor de JMM, do prédio descrito na Conservatória do registo Predial, pela freguesia de X, sob o n º … e inscrito na matriz sob o art. …;
13 - Pela Ap. 4186 de 12-02-2009, foi registada a aquisição, por partilha da herança de PP e E. M., a favor de Joaquim, do prédio descrito na Conservatória do registo Predial, pela freguesia de X, sob o n º inscrito na matriz sob o art.
14 - Pela Ap. 4061 de 12-02-2009, foi registada a aquisição, por partilha da herança de PP de Jesus e E. M., a favor de OMM, do prédio descrito na Conservatória do registo Predial de Chaves, pela freguesia de X, sob o n º inscrito na matriz sob o art.
15 - O prédio matriciado sob o atual art. … da união de freguesias de X e Y, proveio do art. 3519 da extinta freguesia de X e resultou da anexação de dois prédios, com os artigos matriciais 20.. e 20.., da freguesia de X;
16 – A. M. pagou algumas contribuições de alguns dos prédios em causa, nomeadamente, dos identificados em 1, A, B, C e D;
17 - O R. A. J. e os seus pais M. J. e esposa Amélia, cultivaram o prédio inscrito na matriz predial sob o art. 20.., colheram para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição, continuamente, durante mais de 60 anos,
18 - O R. D. T. construiu uma vacaria no referido prédio;
19 - O valor do prédio antes das obras realizadas no mesmo pelo R. D. T. era de cerca de € 5.162,24;
20 - O valor das obras realizadas pelo R. D. T. no prédio ascende a pelo menos € 50.000,00;
21 - Inicialmente A. F. e B. M., depois o filho destes E. M. e após os R.R., cultivaram os prédios identificados em 1, B a F, semearam-nos, cortam árvores e arbustos, colheram para si os frutos, pagaram algumas das suas contribuições, o que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição, com a convicção de não lesarem direitos alheios, continuamente, durante mais de 60 anos;
22 - Sempre os R.R. e seus antecessores tiveram consciência de que os prédios em causa nunca pertenceram a seus antecessores e consequentemente a si;
23 - Os R.R. não entregam os prédios aos A.A.
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Foram os seguintes os factos considerados não provados:

1 - Após o decesso de António (TT), A. M., de modo ininterrupto, ao longo de cerca de 60 anos, até 2008, cultivou os prédios em causa, neles fez obras de conservação, “emprestou-os” e deu-os de “arrendamento”, recebendo em seu proveito as respetivas rendas;
2 - Sem oposição, “publicamente”, de “boa fé” e com a convicção de exercer direito próprio;
3 - O valor do prédio identificado em 1, A, antes das obras realizadas no mesmo pelo R. D. T. era de € 11,01;
4 - O R. A. J. e os seus pais M. J. e esposa Amélia, cortaram árvores e arbustos no prédio identificado em 1, A.;
5 - O R. A. J. e os seus pais M. J. e esposa Amélia atuaram com a convicção de exercerem um direito próprio;
6 - O R. D. T. atuou na convicção de que o prédio pertencia ao seu avô A. J. e posteriormente a si e de que não lesava direitos alheios.
7 - A. F. e B. M. compram verbalmente os prédios identificados em 1, B a F, a António (TT), antes de 1940.
8 - Inicialmente A. F. e B. M., depois o filho destes E. M. e após os R.R., taparam muros e portais, limparam regos e cortaram estrumes nesses prédios.
9 - A. F. e B. M. e o filho destes E. M. e os R.R., atuaram com a convicção de exercerem um direito próprio.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Das nulidades da sentença e da ilegitimidade ativa

Invocando os apelantes nulidade da sentença, tal questão é a que primeiro cumpre apreciar, pois que, contendendo com a validade da própria decisão, só se concluirmos pela sua validade se passa à apreciação das demais questões suscitadas, o que de outro modo fica prejudicado.
Os 1º, 2ª e 3º Réus, A. J e mulher e D. T. entendem ser a sentença nula, por violação das normas processuais e de forma, concluindo que na petição inicial a causa de pedir é a herança aberta por óbito de A. M. e na sentença recorrida é a sua parte na sucessão do pai, o que constitui alteração, unilateral, da causa de pedir, e por a decisão recorrida encerrar grave e insanável contradição, que consiste em, por um lado, considerar a posse de A. M. decorrente da partilha feita em 1976 e, por outro, em considerá-la resultante da sua filiação, declarada por sentença transitada em 1989. Sustentam, ainda, que, na réplica, os AA. somente podem responder à matéria da reconvenção, ou seja, à posse conducente à aquisição originária do R. A. J. e aos fundamentos da acessão.
Também os Réus L. M. e Amélia consideram que os AA., na réplica, procederam a uma alteração da causa de pedir, que foi atendida de forma ilegal, pois que, na réplica, estes somente podiam responder à matéria da reconvenção, sendo que, neste articulado, modificaram a causa de pedir, atribuindo-a a uma partilha verbal que alegadamente foi celebrada entre os aqui AA. e os demais herdeiros de António (TT) (primitivo proprietário dos prédios em crise) e que a validade jurídica da alegada partilha verbal não foi objeto de apreciação e a ter existido é nula, já que deveria obedecer a forma de escritura pública e, não o tendo sido, sempre será nula e de nenhum efeito, o que deixa em crise de forma irreversível a legitimidade dos AA., de que se requereu apreciação e foi desconsiderada pelo tribunal. Entendem haver ilegitimidade ativa pois, tendo em conta que os direitos invocados pelos RR. teriam aquela génese (a partilha verbal em finais dos anos 70), significa que reconhecer-se que os AA. são donos e legítimos possuidores, teria que ter na sua origem uma causa originária de aquisição da propriedade, nomeadamente a usucapião, e para tal, pressuposto era que os AA. tivessem provado a posse, coisa que não lograram fazer.
Os Autores/Recorridos sustentam que a causa de pedir assentou na usucapião, ainda que tendo alegado, também, a forma como os bens vieram à posse de A. M., autora da herança. Não se verifica qualquer alteração da causa de pedir, que se baseou, sempre, na usucapião, sendo a partilha verbal meramente explicativa da forma como os bens, possuídos por seu pai, vieram à posse de A. M., que os possuiu a partir de 1976 e até a sua morte e depois desta ter ocorrido ficaram na posse de seus herdeiros durante muito mais de trinta anos.

O nº1, do art.º 615º, do CPC, que consagra as causas de nulidade da sentença, estabelece que é nula a sentença é nula quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito(1).
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Há nulidade da sentença quando o seu dispositivo está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das parte, mas não adotou.
Alegam os apelantes que a sentença não conheceu de questão que lhe cumpria apreciar. Não ocorre, porém, omissão de pronúncia, pois o Juiz não tem de se pronunciar sobre todas as questões que eventualmente se possam levantar ou argumentos aduzidos pelas partes e rebatê-los, mormente quando a solução a que chegou os exclui necessariamente.
O cometimento do vício de omissão de pronúncia supõe que a questão cujo conhecimento se omitiu seja relevante para a composição do concreto litígio, o que exclui a relevância de argumentos e de matérias despiciendas para o propósito ou cujo conhecimento se tenha por prejudicado pela solução dada ao litígio (2)
Concluímos que a sentença não padece das apontadas nulidades já que a apreciação da validade da partilha (que entendem nula por ter faltado escritura pública) nenhuma relevância tem dado que o que está em causa é a apreciação da titularidade do direito de propriedade de uma herdeira - A. M. - sobre os imóveis, que eram do falecido pai, fundada na sua aquisição originária - a usucapião - e na apreciação da existência de posse, sendo essa a causa de pedir, tendo-se concluído pela positiva e por subsunção do caso na presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse e não fundada em partilhas.
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Quanto à exceção dilatória da ilegitimidade ativa, invocada por alguns dos Réus, ela foi conhecida e julgada improcedente no despacho saneador com os seguintes fundamentos:
No dizer de Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, pag. 129, “Ser parte legítima na acção é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida”.
Regulando o referido pressuposto processual de legitimidade, diz o art. 30º, n º 1, do C.P.C., que: “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
No n º 2, prevê que: “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
E no n º 3, consagra que: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Os A.A. alegaram na p.i. que, os prédios em causa nos autos foram propriedade de António (TT) e que vieram à posse de A. M., sua filha, que os possuiu durante 60 anos, e na réplica esclareceram que, tais prédios vieram à sua posse porquanto foram feitas partilhas verbais entre os filhos daquele, que acordaram entre si em ficarem para A. M. todos os bens de António (TT) situados em Portugal.
Ora, o facto de haver mais filhos de António (TT) para além de A. M., como alegado pelos R.R., não torna a herança de A. M. parte ilegítima, pela necessidade de estarem na acção os demais irmãos da referida A. M..
Isto porque, a legitimidade se afere em função dos sujeitos da relação material controvertida tal como configurada pelos A.A.
E os A.A. configuram a acção querendo, basicamente, ver reconhecido o direito de propriedade de determinados terrenos, tendo por causa de pedir a partilha havida entre os herdeiros de António (TT) e a posse de A. M. sobre os mesmos e respectiva aquisição por usucapião.
Tal como os A.A. configuram a acção, em ordem a assegurarem a sua legitimidade, não têm de estar na acção os alegados irmãos de A. M., porquanto, os A.A. não alegam que os irmãos de A. M. também herdaram os prédios em causa, mas sim que, apenas ela os herdou e apenas ela os possuiu.
Tal como os A.A. configuram a acção, os irmãos de A. M. não têm interesse em demandar, não retirariam utilidade da procedência da acção (negrito e sublinhado nosso).
Na verdade, tal questão foi apreciada e, efetivamente, a causa de pedir da ação é a aquisição originária, por usucapião, (cfr., para além do mais, arts 6º e 7º, da p.i), embora seja alegado como se iniciou a posse (da Autora da herança, A. M.) dos bens imóveis que eram propriedade de António (TT) e por ele possuidos.
A partilha verbal apenas releva para explicar a forma como se iniciou a posse da autora da herança e se manteve em si e depois nos seus herdeiros, durante muito mais de trinta anos.
Assim, não foi, efetivamente, apreciada a validade da partilha verbal por tal questão não fazer parte diretamente do objeto do litígio e nenhuma relevância tendo a apreciação da mesma para a decisão da causa. A aquisição que vem invocada pelos Autores é a originária, por usucapião, sendo essa a única a analisar e a decidir.
Foi, pois, bem apreciada e decidida a exceção da ilegitimidade ativa, nenhuma nulidade existindo, designadamente a fundada em omissão de pronúncia e em contradição.
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2. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Cabe, em primeiro lugar, apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No que se reporta à atividade jurisdicional que, quanto a tal, deve ser levada a cabo por este Tribunal de Segunda Instância, cumpre referir que o nº1, do art. 640º, do CPC, consagra que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O n.º 2, do referido artigo acrescenta que:

a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (3).
Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os referidos requisitos legais. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, fins que sempre se devem almejar e que são queridos pelo Estado, também verdadeiro interessado neles.
Contudo, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou-se afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (4)
Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras.
Em suma, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (5).
Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito.
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In casu, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, indicam os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que fundam o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso, cumpre relembrar que se não vai realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.
O art. 662º, nº1 do CPC, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) .
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (6) (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (7). A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (8)
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental), conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada.
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (9), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento (10) (negrito nosso).
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Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, conforme citado no Douto Acórdão deste Tribunal, no Processo nº3300/15.1.T8GMR-J.G1 (11), relatado pelo ilustre Desembargador Pedro Alexandre Damião Cunha, vejamos, agora, se assiste razão aos Apelantes, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por eles pretendidos.
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Comecemos, então, por apreciar a argumentação dos Recorrentes (quer dos 1º a 3º RR., quer a dos RR. L. M. e Amélia) quanto às suas pretensões de alteração da decisão da matéria de facto. Sustentam eles que a sentença proferida nos autos julgou incorretamente os seguintes pontos referentes quer a factos provados quer aos não provados:
A) - Os 1º, 2ª e 3º Réus, A. J e mulher e D. T., concluem que a descrição do prédio mencionado na alínea A) da pág. 4, só com o artigo matricial 2086, é incompleta, sendo necessário para a boa decisão da causa, que a descrição seja mais completa - “Prédio rústico inscrito na primitiva matriz predial rústica da freguesia de X, sob o artigo 20.., que esteve no património de M. J., A. J. e D. T., neto do A. J. e bisneto de Manuel”.
Os Autores/Recorridos concluem que o referido prédio se encontra descrito por si de acordo com o que consta da certidão matricial e nos termos que sempre constaram da matriz predial, não devendo a descrição ser alterada por forma a constar o que os referidos recorrentes pretendem.
Quanto a tal questão cumpre, desde já, referir que é evidente que a descrição do prédio não pode ser feita como os referidos Recorrentes pretendem, pois que, e desde logo, a referência a ter estado em patrimónios não é matéria de facto, mas mera conclusão que, depois de analisada toda a prova produzida, nem corresponde à convicção com que o Tribunal ficou, como veremos, nem descreve prédios, cuja descrição é feita, na verdade, pelo que consta da matriz predial.

B) - Os Réus L. M. e Amélia sustentam que o elenco constante do ponto 1 B a F dos factos provados, omite um elemento importante, que é a notícia de que os mesmos se encontram registados a favor dos RR., designadamente, e no que à presente decisão interessa, o R-1691 (proveniente do artigo 492 da extinta freguesia de X), está registado a favor dos RR. L. M. e Amélia na proporção de metade para cada um conforme descrição ….
Afirmam que todos estes prédios foram levados à matriz no ano de 1957, e inscritos a favor de E. M. e mulher PP, pais dos aqui RR e, desde então, se encontram com matriz em nome dos RR., sendo, por isso, falso o referido no ponto 16 dos factos provados. Quanto a estes RR. não é verdade que a A. M. tenha pago qualquer tipo de contribuição deles. São, pois inequívocos os atos de posse, juntamente com a convicção de que se é dono, sendo elemento relevante de posse, demonstrativo da convicção de propriedade que estes prédios foram levados à matriz em 1957 e desde então encontram-se matriciados em nome dos RR. e seus antepassados. A descrição dos prédios só com o artigo matricial, é incompleta. Não vem mencionado e como tal não foi valorado que estes prédios foram levados à matriz em 1957 e omite-se também a existência de registo a favor dos RR.
Ora, na verdade, como bem referem os referidos Réus, o que consta da matriz nada releva em termos de prova de direito de propriedade e o que consta da matriz e do registo predial já se encontra selecionado nos factos provados – cfr. designadamente, f.p. nº1 e 10, nada mais sendo de acrescentar.

C) - Os Réus A. J e mulher, D. T., L. M. e Amélia concluem que a matéria do ponto 3 dos factos provados - Anos após a morte de António (TT), por volta do ano de 1976, foram feitas partilhas verbais entre os seus “herdeiros”, que acordaram em que ficassem para A. M. (considerada filha de António (TT)) todos os bens daquele em Portugal. - deve ser considerada não provada, porque é notória a inexistência da partilha.
Quanto a tal ponto entendemos não se verificar o referido. Antes ficamos com a convicção que resultou para o Tribunal a quo. Questão diversa é a da validade da partilha verbal, mas isso não é matéria de facto e como tal nenhuma relevância tem para a resposta a dar.

D) - Os referidos RR sustentam que a redação do ponto 16 dos factos provados deve fazer-se do seguinte modo: A. M. pagou algumas contribuições a partir do ano de 1996. Anteriormente a 1996 os documentos de cobrança das contribuições eram emitidas em nome de António (TT) como por ex. doc. de fls 126 – ano de 2002, 149 – ano de 1982, 150 - ano de 1985, 151 – ano de 1988, juntos pelos AA. com a p.i..
Ora, independentemente da questão de os documentos de cobrança das contribuições serem emitidos em nome do falecido António (TT), o certo é que tal não invalida a resposta dada. Na verdade, conforme decidido pelo Tribunal a quo e pelo referido por este, ficamos com a convicção de que A. M. pagou algumas contribuições dos prédios em causa, nomeadamente dos identificados em 1 A e B.

E) - Os Réus A. J e mulher, D. T., L. M. e Amélia concluem que a relação material de 60 anos do R. A. J. e seu pai sobre o prédio que lhe diz respeito, inscrito na matriz sob o art. 2086 da freguesia de X, a sucessão hereditária dos prédios destes últimos RR., os actos de posse e os factos demonstrativos de animus, traduzida ao longo de mais de 75 anos por estes RR, combinada com as declarações e depoimentos transcritos determina que o ponto 22 dos factos provados - Sempre os RR. e seus antecessores tiveram consciência de que os prédios em causa nunca pertenceram a seus antecessores e consequentemente a si - deva transitar para os factos não provados.
Os Autores concluem quanto ao ponto 22 dos factos provados que nada justifica qualquer alteração a este ponto. Questionam e afirmam “Porque é que o Recorrente A. J. comprou quatro prédios aos Recorridos? Porque é que, por mais de duas e três vezes, falou com A. S. e seu cunhado Alcino para comprar o prédio da alínea A) do artigo 4.º da petição inicial), apenas não o tendo feito por desacordo relativamente ao preço? Porque é que o Recorrente A. J. foi pedir à A. M. autorização para utilização do prédio para a zona associativa de caça? Do confronto do depoimento das testemunhas dos Recorridos constante da douta sentença recorrida constam vários depoimentos nesse sentido. Claro que tudo isto traduz a consciência por parte do Recorrente A. J. e o reconhecimento do direito de propriedade da A. M. e dos filhos, seus sucessores. Não há razão alguma para que este ponto não se mantenha. Dão-se por reproduzidos os depoimentos das testemunhas indicadas pelos Recorridos, descritos na douta sentença recorrida. Lamentam-se as transcrições parciais dos depoimentos, truncadas e descontextualizadas que induzem o Tribunal ad quem em erro. Nenhum outro facto merece ser alterado de acordo com os numerosos depoimentos. Para os Recorrentes só é verdade o que lhes interesse, mas para o Tribunal a quo, que dissecou toda a prova de forma imparcial, foi importante o essencial que esteve na origem da procedência da ação. Sobre as questões da posse nada a dizer, porque a douta sentença é muito clara. Possuíram em nome alheio e sem a convicção de exercerem direito próprio e ainda sem o reconhecimento das pessoas como seus donos. Toda a gente sabia na aldeia que os prédios eram da TT, incluindo os próprios Recorrentes. Por isso, quando os pais do E. M. faleceram, a família recusou partilhar os prédios por saber não lhe pertencerem. Se os prédios fossem dos nossos pais nós também teríamos direito a eles”. Asseverou o irmão de E. M., D. M.. Quanto ao ponto 21 dos factos provados. Os atos aí descritos não representam nada que qualquer arrendatário e ou comodatário não façam de igual modo. Todos estes atos foram sempre praticados na convicção de que os prédios não lhe pertenciam. Tanto assim que ficou demonstrado que pagavam renda ao R.L. até 1976 e, antes deste ser procurador do António (TT), ao próprio A. F. que também foi seu procurador. Estes atos são de mera detenção porque lhes falta o animus. Nunca agiram com a convicção de serem donos sabendo muito bem estes detentores e toda a aldeia que os prédios não lhe pertenciam. Quanto ao ponto 22 dos factos provados. Este ponto é a chave da decisão. Mera detenção dos prédios sim, posse em nome próprio nunca. Esta consciência de os prédios pertencerem à TT era a dos Recorridos, a dos Recorrentes e a de toda a comunidade de Vila Nova de W. Só isso pode explicar a razão de 49 prédios terem sido entregues aos herdeiros da A. M. logo após a sua morte. Todos os detentores dos prédios exerciam sobre os mesmos iguais atos de posse sabendo que não lhes pertenciam. Quanto ao ponto 23 dos factos provados. É verdade que não entregaram os prédios, como é verdade que tudo fizeram para os comprar, reconhecendo de modo inequívoco não serem seus donos.
Efetivamente, como referem os Autores, pelas razões e fundamentação que consta da decisão da matéria de facto, como veremos abaixa, é de manter a resposta dada no f.p. nº 22, pois que sempre os Réus e seus antecessores tiveram consciência de que os prédios em causa nunca lhes pertenceram, bem sabendo a quem pertenciam.

F) - Os 1º, 2ª e 3º Réus, A. J e mulher e D. T. concluem que os pontos 4 a 6 dos factos não provados devem ser considerados provados, pois que o R. A. J. e seus pais possuíram o prédio rústico inscrito na respetiva freguesia de X sob o art. 2086, a que se refere a alínea A) durante mais de 60 anos, colhendo para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição e continuadamente, com a convicção de que o prédio lhes pertencia, como verdadeiro dono. O R. D. T. que sempre assistiu ao cultivo do prédio pelo seu avô, tendo este lhe dito que o prédio era seu, comportando-se como verdadeiro proprietário, nunca teve dúvida alguma que o prédio lhe pertencia e quando passou para si e o utilizou na sua obra, não lesava quem quer que fosse. Concluem que devem, assim, considerar-se provados os seguintes factos: 4 – O R. A. J. e seus pais M. J. e esposa Amélia, cortaram árvores e arbustos no prédio identificado em 1, A.; 5 – O R. A. J. e seus pais M. J. e esposa Amélia, atuaram com a convicção de exercerem um direito próprio; 6 – O R. D. T. atuou na convicção de que o prédio pertencia ao seu avô A. J. e posteriormente a si e de que não lesava direitos alheios.

G) – Por sua vez, os Réus L. M. e Amélia sustentam que os pontos 7 a 9 dos factos não provados dever ser considerados provados porque são contrariados pela generalidade da prova produzida e até por confissão dos AA. em declarações de parte e, ainda, por contradição com o ponto 22 dos factos provados, contradição essa insanável. Concluem que os RR. Marques e antes deles os seus pais possuíram os prédios rústicos inscritos, a que se referem as alíneas B a F) do ponto 1 dos factos provados durante mais de 75 anos, colhendo para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição e continuadamente, com a convicção de que lhes pertenciam, como verdadeiros donos. Aquando da morte dos avós dos RR. foram sujeitos a partilha em igualdade de circunstâncias dom o demais património do acervo hereditário, em 1957 foram participados à matriz, foram por este trabalhados, zelados, colhendo todos os seus frutos, com exclusão de qualquer terceiro e desde a morte dos pais dos RR. por eles próprios, tudo de forma ininterrupta, sem oposição de qualquer terceiro e conscientes de que exerciam um direito próprio. Os RR. que sempre auxiliaram os seus pais no cultivo dos prédios, inclusivamente neles plantando castanheiros, tendo este dito que os prédios eram seus, comportando-se como verdadeiro proprietário, nunca teve ou manifestou qualquer dúvida que os prédios lhe pertenciam e quando os seus pais falecerem, sujeitaram igualmente estes prédios a partilhas entre os RR. e demais herdeiros que os passaram para si e até hoje os utilizam zelando e colhendo os seus frutos, conscientes de não lesarem quem quer que fosse. Assim, devem considerar-se provado que: 7- A. F. e B. M., incorporaram no seu património os prédios identificados em 1 B a F antes de 1940; 8 – Inicialmente A. F. e B. M., depois o filho destes E. M. e após os RR, taparam muros e portais, limparam regos e cortaram estrumes nestes prédios; 9 – A. F. e B. M. e o filho destes E. M. e os RR atuaram na convicção de exercerem um direito próprio.
Os Autores/Recorrido concluem:
Quanto ao ponto 7 dos factos não provados. Toda a gente sabe que isto é de facto falso. A testemunha D. M., nesta altura com 86 anos e uma lucidez e memória invejáveis, filho de A. F. e B. M., irmão do E. M. e tio do Recorrentes foi perentório a afirmá-lo: O meu pai nunca comprou terrenos ao António (TT).
Quanto ao ponto 8 dos factos não provados. Não se provou de facto que assim fosse, embora tais atos, a terem sido praticados nada acrescentam ao que já sabemos: eram detentores dos prédios detendo-os em nome alheio.
Quanto ao ponto 9 dos factos não provados. Este ponto é o contrário da matéria do ponto 22 dos factos provados. Quanto ao A. F. e B. M., aquele falecido em 1940 e procurador do António (TT) sempre pagou renda. Disso não pode haver dúvidas sendo o próprio filho D. M. quem o confirma. Quanto ao D. M. pagou renda até 1976 e depois usou os prédios como comodatário com a vigilância da herdeira do António (TT) e proprietária, sua filha A. M.. Nunca atuaram como donos mas sim como arrendatários/comodatários.
Os Recorridos, concluem, ainda, que, nos termos do artigo 636.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, impugnam a matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida, prevenindo a hipótese de procedência de alguma das questões suscitadas pelos Recorrentes:
Quanto ao Ponto 17, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: O réu A. J. e os seus pais M. J. e esposa, Amélia, cultivaram o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo ..., colheram para si todas as utilidades produzidas, à vista de toda a gente, sem oposição, continuamente, durante mais de 60 anos, sempre com o consentimento da autora A. M. e seus antepossuidores, verdadeiros donos dos prédios, a quem sempre reconheceram como tal.
Quanto ao Ponto 18, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: No prédio foi construído pelo D. T. parte de um armazém não se tendo apurado a superfície de construção nem o seu valor. O Recorrente D. T. construiu uma vacaria no prédio que anexou o artigo … a um outro. Ora, não se apurou se a vacaria ficou construída nos dois prédios, não se apurou qual a superfície do artigo … ocupada nem sequer se foi ocupada. Para poder apurar-se esses factos seria necessário um levantamento topográfico dos prédios rústicos onde estivessem demarcados e sobre esse levantamento sobrepor a construção do armazém. Ora, nada disso foi feito.
Quanto ao Ponto 19, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: O prédio tinha um valor antes das obras não concretamente apurado. Deve ser desconsiderado qualquer valor relativamente a este prédio rústico. Com efeito, a perícia foi feita por perito singular para efeitos exclusivamente de determinação do valor da ação. Para que este valor pudesse ter relevo deveria a peritagem ter sido requerida pelas partes com a indicação dos respetivos quesitos, sempre sujeita ao contraditório e eventuais pedidos de esclarecimento. A peritagem realizada não deve assumir qualquer relevo nos autos na parte que excede a sua determinação para efeitos de custas.
Quanto ao Ponto 20, deve o mesmo passar a ter a seguinte redação: No prédio foi construído parte de um armazém não se tendo apurado a superfície de construção nem o seu valor. Cabia aos Recorrentes provar qual a superfície do prédio dos Recorrentes verdadeiramente ocupada pelo armazém, já que a obra se encontra implantada, ao que parece, em ambos os prédios que se fundiram num só após anexação. Não se apurou, nem foi alegado, que a obra ocupou x metros quadrados do prédio dos Recorridos e que esse espaço construído tem um determinado valor. Este facto é essencial para determinação do valor das obras e do terreno.
Deve ser acrescentado o seguinte ponto a matéria de facto, que seria o Ponto 24: Em 28 de Fevereiro de 2003 a Associação de Caçadores de W pediu à autora da herança A. M. autorização para caçar em todos os seus prédios. Esta matéria resulta do documento junto com a petição inicial não impugnado. Nesse documento encontram-se enumerados todos os prédios reivindicados nos presentes autos ainda com os artigos da matriz predial da extinta freguesia de X, estando devidamente assinado pelo herdeiro – já falecido – José em representação de sua mãe. Esta matéria foi alegada a artigos 36.º e 37.º da petição inicial.
Deve ainda ser acrescentado o seguinte ponto a matéria de facto, que seria o Ponto 25: A autorização foi assinada por José, filho da autora da herança já falecido, que autorizou em representação daquela a que os mesmos prédios integrassem a zona de caça que faz parte da Associação de Caçadores de W. Esta matéria está provada através do documento junto com a petição inicial. Parece-nos de grande relevância porque foi o Recorrente A. J. uma das pessoas que solicitou essa autorização.
Deve ainda ser acrescentado o seguinte ponto a matéria de facto, que seria o Ponto 26: No dia 24 de Fevereiro de 2014 os representantes da herança de A. M. formalizaram uma escritura de compra e venda por meio da qual venderam aos corréus A. J. e mulher os seguintes prédios rústicos todos pertencentes ao acervo da herança: artigo … proveniente do artigo …, lameiro no lugar …; artigo … proveniente do artigo …, terra no lugar de LL; artigo … proveniente do artigo …, terra no lugar de …; artigo … proveniente do artigo …, terra no lugar de ….. Esta matéria foi alegada no artigo 17.º da petição inicial, tendo sido provada por meio de documento autêntico junto aos autos, no caso vertente, escritura pública de compra e venda. Assume para nós toda a relevância esta parte porque o Recorrente A. J., que cultivava cinco prédios propriedade da herança, exercia sobre eles atos de posse em tudo idênticos. Não se percebe porque adquiriu por compra estes e se apossou do artigo reivindicado nestes autos.
*
Atenta, toda a prova produzida, cumpre analisar da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Após audição dos depoimentos prestados e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento.
Vejamos.
Na verdade, apresentou o Mmo Juiz a quo a seguinte fundamentação de facto, minuciosa e detalhada, que se cita e subscreve por traduzir, também, a nossa convicção
O tribunal deu os factos supra referidos como provados e não provados, em função da confissão das partes, da prova documental junta aos autos, da prova pericial e das declarações de parte de A.A. e R.R. e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, analisados tais elementos de prova à luz da normalidade das coisas, em circunstâncias idênticas, de acordo com as regras da experiência comum.
Tiveram-se em conta essencialmente os seguintes documentos:
Escritura de habilitação de herdeiros de A. M., de fls. 78 a 82;
Escritura de habilitação de herdeiros de B. J., de fls. 83 a 85;
Certidões prediais e matriciais dos prédios em questão, de fls. 86 a 100;
Escritura de justificação e doação outorgada pelo R. A. J. e esposa e pelo R. D. T., de fls. 101 a 104;
Declaração de fls. 113 a 114, relativa à cedência do direito de exploração cinegética, relativa aos prédios em questão;
Certidão emitida pelo Serviço de Finanças, relativa à titularidade da inscrição dos prédios em causa e sua situação fiscal, de fls. 115 a 141 e 149 a 153.
Certidão relativa ao processo 69/77 do TJ do Barreiro, em que A. M. foi declarada filha de António (TT), de fls. 237 a 259;
Informação do Serviço de Finanças, comprovativa do emparcelamento efectuado pelo R. D. T., de fls. 260 a 265;
Certidão do processo de inventário n º 404/08.0TBCHV, em que foram inventariados PP e E. M., de fls. 367 a 387;
Informação tributária de fls. 389 e 390;
Declaração emitida pela Junta de Freguesia de X, de fls. 391;
Informação tributária de fls. 478.
Foram tomadas declarações aos A.A. e R.R. A. J., D. T., JMM, António (TT), C. M., AMM e O. M..
A. J. relatou essencialmente os actos que os seus pais praticaram sobre o prédio em questão, bem como os que ele praticou e os que praticou o seu neto D. T..
D. T. relatou fundamentalmente os actos que viu o seu avô A. J. praticar no prédio em causa (a convicção que tal lhe gerou quanto ao direito de propriedade do prédio), bem como os que ele ali praticou desde que lhe foi doado pelo avô e a quantia que ali gastou na construção de uma vacaria.
JMM relatou essencialmente os actos que os seus pais praticaram nos prédios em causa, bem como os actos que os R.R. ali praticaram.
António (TT) relatou o acordo de partilha que o seu irmão José lhe relatou que fizera no Brasil com os herdeiros de António (TT), segundo o qual, os bens daquele em Portugal ficavam para a sua mãe A. M..
Quanto aos actos que sua mãe ou irmãos hajam praticado nos prédios em causa, sabia essencialmente o que sua mãe lhe contara.
C. M. relatou a ida do seu irmão José ao Brasil, e o acordo de partilha que referiu ali ter obtido com os seus tios, no sentido de os bens de António (TT) em Portugal ficarem para a sua mãe A. M..
Relatou que o próprio A. J. lhe relatou que o prédio em litígio era de António (TT) e que o E. M. também lhe referiu que, o prédio sito em … era de António (TT).
AMM relatou o acordo de partilha que o seu irmão José lhe relatou ter feito com os tios no Brasil.
Relatou ter ido com o seu irmão José receber rendas ao E. M. até por volta de 1990, altura em que deixou de pagar as rendas.
A PP dizia-lhe que os prédios em causa eram do avô.
O R. A. J. foi a sua casa pedir para poderem caçar nos prédios em questão.
O. M. relatou essencialmente ter ido 2 ou 3 vezes cobrar rendas com o seu tio José.
Quanto a testemunhas, foram inquiridas as seguintes: A. R., D. M., MN, HJ, MO, GJ, JC, JK, MQ, EB, DM, FB, LJ, VP, GG, AT e MN.
A. R., filho do antigo procurador de António (TT) em Portugal, prestou um depoimento com pouca relevância para a decisão da causa, por não ter conhecimento da matéria controvertida em litígio.
D. M., filho de A. F., avô dos R.R., e, portanto, tio destes, relatou que o seu pai nunca comprou terrenos ao António (TT).
Os terrenos em causa estavam arrendados. Era o procurador de António (TT) que até 1976 cobrava as rendas dos prédios. A partir dessa altura deixou de as ir cobrar e nunca mais ninguém pagou rendas dos prédios.
Embora o seu pai, a sua mãe, ele, e seguidamente o seu irmão, tenham cultivado os terrenos em causa ao longo dos anos, sabiam que os mesmos eram TT.
MN relatou essencialmente que, a A. M. lhe dizia que o seu pai António (TT) tinha terrenos na aldeia e que era tudo dela.
HJ relatou que o António (TT) tinha os terrenos arrendados e que até 1975/1976 toda a gente pagava rendas dos prédios.
Toda a gente sabia que os terrenos eram do António (TT).
MO, marido da A. Aurora, relatou essencialmente o acordo de partilha que o seu cunhado relatou ter feito no Brasil com os seus tios, e o facto de o próprio A. J. ter ido pedir autorização à A. M. para criarem associativa para poderem caçar nos prédios em causa.
GJ relatou que era dito que os terrenos em causa eram TT.
Antigamente todo o mundo pagava rendas ao António (TT) e depois que o seu procurador deixou de as vir cobrar, deixaram de as pagar.
JC relatou a ida do seu “marido” ao Brasil e o acordo que ali fez com os seus tios, assim como o pedido que foi feito ao seu marido para poderem caçar nos prédios em causa.
JK, sobrinha do R. A. J., relatou que o terreno onde está a vacaria nunca foi do seu avô, que quando ali construíram a vacara sabiam que o terreno era TT. O seu avô e a sua mãe sempre disseram que o terreno em causa era do António (TT).
Toda a gente sabia que aquele terreno, assim como os demais, eram do António (TT).
MQ, que casou com um neto da A. M., relatou as conversas que teve com esta acerca da partilha realizada dos terrenos em Portugal e das rendas que esta dizia cobrar.
EB relatou nunca ter ouvido que pagassem rendas dos prédios em causa e quem os cultivava.
DM, filho do R. A. J., relatou quem praticava actos no terreno registado em nome do R. D. T..
FB relatou os actos que eram praticados no terreno e quem os praticava.
LJ relatou quem tratava do terreno em causa.
VP, tio dos R.R., relatou que os prédios em causa eram do António (TT), que foi embora e os deixou entregues ao seu pai A. F..
Foi sempre a sua família que cultivou os terrenos, que ficaram na posse da família porque ninguém apareceu a saber deles.
GG relatou que se dizia (o seu irmão mais velho D. M.) que os prédios em causa eram do António (TT).
AT relatou quem praticava actos nos terrenos.
AF relatou que nunca foram cobradas rendas pelos terrenos e que aquilo era tudo de borla.
Feita uma abordagem sintética às declarações de parte prestadas e aos depoimentos testemunhais, importa agora analisar criticamente as provas produzidas, nomeadamente aquelas que se apresentam mais controvertidos e se prendem com aspectos nucleares para a decisão da causa.
Os R.R. confessaram nos seus articulados que, os terrenos em litígio, antes de serem dos seus antepassados, foram propriedade de António (TT) (veja-se nomeadamente os arts. 2º, da primeira contestação e os arts. 14º, 15º e 30º, da segunda contestação).
Embora “propriedade” seja um conceito jurídico, cremos que, na medida em que todas as partes consideraram que António (TT) foi proprietário dos prédios em causa, não sendo tal objecto de litígio, o conceito em questão também pode ser encarado como um conceito de facto, e por isso o levámos aos factos provados.
É também o que resulta dos depoimentos da generalidade das testemunhas inquiridas, nomeadamente as mais velhas, de que os prédios em causa foram de António (TT).
É também inequívoco que, a certa altura, António (TT) emigrou para o Brasil.
Então, como é natural, terá deixado, como estamos absolutamente convencidos que deixou, os seus prédios entregues a várias pessoas, como alegaram os A.A., algo conclusivamente, no art. 5º, da p.i., e como esclareceram, nomeadamente, nos arts. 2º, 8º, 11º a 13º, 25º, e 50º, 51º e 55º, do seu último articulado, como referem também os R.R. nos seus articulados e como resulta dos depoimentos da generalidade das testemunhas inquiridas (foram entregues prédios TT a várias das testemunhas ou seus antepassados, como é o caso das testemunhas D. M., HJ, JK, LJ e AT).
E cremos que foi também o que António (TT) fez com os prédios em litígio, independentemente de os ter entregue aos cuidados dos antepassados dos R.R., a troco de uma renda ou a título gratuito, do que não ficámos bem seguros (e o que também não se apresenta de grande relevância para a decisão da causa).
É isso, desde logo, o que se apresenta com mais lógica e coerência.
Depois, António (TT) referiu nas suas declarações de parte que, o R.L. (que foi um dos procuradores que António (TT) teve em Portugal, quando estava emigrado no Brasil, para que lhe cobrasse as rendas dos terrenos que deixou entregues a várias pessoas), mencionava que recebera rendas do R. A. J..
C. M. relatou que chegou a ver o R.L. a vir cobrar rendas ao E. M. (pai do R. A. J.) (sendo que, o R. A. J. disse que nunca foi paga renda alguma, quer dos prédios que comprou aos António (TT), quer do prédio em litígio).
AMM relatou que os prédios que foram vendidos ao R. A. J. e o prédio que está registado a favor do R. D. T. estavam arrendados ao R. A. J., tendo visto o R.L. cobrar as respectivas rendas.
O. M. relatou ter visto o R.L. a vir cobrar rendas inclusive ao pai do R. A. J..
D. M., que nos pareceu absolutamente isento, sem nada a perder ou a ganhar e que tanto foi favorável no seu depoimento para com os autores como para com os réus, e com manifesta razão de ciência, até pela sua longa idade, relatou que era paga renda ao R.L. do prédio onde o R. D. T. instalou a vacaria.
Quanto aos demais prédios em litígio, disse que os “trazia” a sua família, os seus pais e ele e os seus irmãos. Tal palavra “trazia” tem o significado de estarem deles entregues, mas serem do António (TT), como referiu expressamente a testemunha.
Mais referiu: toda a gente pagava renda até 1976, altura em que o R.L. deixou de as ir cobrar.
Resulta inequívoco das declarações da testemunha que, o António (TT) entregou os terrenos em litígio aos antepassados dos R.R., para que os explorassem, e até que os mesmos lhes estariam arrendados por aquele.
Também GJ relatou que antigamente todo o mundo pagava renda ao António (TT), até que o R.L. deixou de as vir cobrar.
VP relatou também que, os prédios em causa (os de 1, B a F dos factos provados) eram do António (TT) e que ele foi embora e os deixou “entregues” ao seu pai e à sua mãe.
Depois, várias testemunhas (como abaixo melhor especificaremos) relataram que era sabido que os terrenos em litígio eram do António (TT) (mais abaixo apreciaremos mais pormenorizadamente que os R.R. e seus antepassados não tinham a convicção de que os prédios eram seus, remetendo-se a fundamentação do constante de 1 dos factos provados também para essa apreciação).
Neste contexto e de acordo com a normalidade das coisas, é nossa firme convicção que, António (TT), que era proprietário dos prédios em litígio, quando foi para o Brasil, os “entregou” aos antecessores dos R.R., para que os cultivassem/explorassem, a troco de uma renda ou a título gratuito.
A matéria constante de 2 e 4 dos factos provados, decorre dos documentos de fls. 237 a 259.
Demos como provada a factualidade constante de 3, com base nas declarações prestadas pelos A.A., que, ao menos nesta parte, nos pareceram sérias, e que foram reforçadas nomeadamente, pelos depoimentos de MO, casado com a A. Aurora; JC, “esposa” do filho de A. M. que foi ao Brasil fazer a partilha com seus tios; MQ, que foi casada com um neto de A. M. da qual era confidente e ainda MN, a quem A. M. contou que o seu pai tinha terrenos na aldeia e que era tudo dela.
Acresce não ter sido produzida qualquer prova, por mínima que fosse, que apontasse em sentido diferente do dado como provado.
Os factos provados de 5 e 6, decorrem dos documentos de fls. 78 a 85.
A matéria dada como provada em 7, decorre do documento de fls. 101 a 104.
Os factos de 8, resultam do documento de fls. 367 e seguintes.
A matéria de 9 a 14, decorre dos documentos de fls. 93 a 100.
Os factos de 15, resultam dos documentos de fls. 87, 101 a 104, 206 a 265 e de confissão, bem como das declarações dos R.R. A. J. e D. T..
O facto de 16, advém essencialmente da prova documental de fls. 115 a 153, mas também das declarações do A. António (TT).
A matéria de 19, decorre da prova pericial junta aos autos.
A matéria de 17, 18, 21 e 23, resulta de forma manifesta da prova testemunhal produzida e das declarações de parte prestadas, não se havendo produzido qualquer prova que fosse controvertida, sendo toda a prova produzida em igual sentido, acerca desta matéria, que é inclusivamente parcialmente admitida pelos A.A. na p.i.
A matéria de 20 decorre das declarações de parte do R. D. T., que, nesta parte, nos mereceram credibilidade, até porque também não foram, nesta parte, postas minimamente em crise por qualquer outro meio de prova e ainda da prova pericial, cujo relatório está junto aos autos.
Quanto à matéria de 22 dos factos provados, e 5, 6 e 9, dos factos não provados, a prova apresentou-se algo controvertida.
É inequívoco que, ao longo de dezenas de anos, foram os R.R. e seu familiares antecessores que foram praticando actos materiais nos prédios.
Porém, a prova produzida permitiu-nos formar convicção segura de que, embora os R.R. e seus familiares antecessores cultivassem e tratassem dos prédios há décadas, não tinham a convicção de que exerciam um direito sobre os mesmos, concretamente, de que eram seus proprietários.
Desde logo, os 2º R.R. alegaram que os terrenos registados em seu nome advieram à sua titularidade porque foram comprados pelos seus avós a António (TT).
Ora, absolutamente nenhuma prova dessas vendas se produziu, senão uma breve referência à mesma por parte de JMM Marques, interessado, que até começou por dar conta de uma doação, que depois, perante a chamada de atenção do seu mandatário, corrigiu para venda.
Não se produziu também prova de qualquer outra forma de transmissão da titularidade do direito de propriedade sobre os prédios em questão de António (TT) (que é pelos R.R. reconhecido como tendo sido proprietário dos prédios antes de o terem sido os seus familiares, o que é também relatado por várias testemunhas inquiridas) para os antecessores dos R.R.
A que título é que então os R.R. e seus antecessores vêm cultivando/explorando os prédios em litígio ao longo de várias dezenas de anos?
Como já acima referimos, cremos firmemente que, António (TT), quando foi para o Brasil, deixou os seus prédios “entregues” a várias pessoas, a título de arrendamento ou outro, sendo o que também aconteceu com os prédios em litígio.
É o que tem lógica, sendo que nenhuma outra explicação foi aventada em termos de prova, para a transmissão da titularidade do direito de propriedade sobre os prédios em causa de António (TT) para os antecessores dos R.R.
É também o que também resulta para nós, de forma manifesta, da prova produzida.
Embora os R.R. e seus antecessores cultivassem os terrenos e praticassem neles todos os actos de “posse”, cremos firmemente que o faziam sem a convicção de que fossem seus, antes o faziam na convicção de que pertenciam “aos António (TT)”.
O depoimento de D. M., que até é tio dos R.R., com quem se dá bem e que portanto não quereria prejudica-los, com razão de ciência, deixou inequívoco que, os terrenos em litígio eram do António (TT), de tal forma que, à morte de seu pai A. F., não procederam à partilha dos referidos prédios, precisamente porque não eram da família.
Referindo-se a esses terrenos disse: “Trazíamo-los nós, mas eram do António (TT)”, “eles não eram nossos”, “o meu pai não comprou terrenos ao António (TT)”.
Referindo-se ao terreno onde foi construída a vacaria disse também que, por ele era paga renda ao R.L. (procurador do António (TT)).
Relatou também que, toda a gente pagava rendas e que só deixaram de as pagar a partir de 1976, quando o R.L. deixou de as ir cobrar.
A testemunha elaborou também ao A. António (TT), uma lista dos prédios da herança de sua mãe, ali incluindo os prédios em litígio, como foi referido por um e outro.
JK, sobrinha do R. A. J., de quem a sua mãe é irmã, portanto, com razão de ciência, com boas relações com o seu tio, relatou que, os terrenos em causa eram do António (TT), e que, o seu avô, pai do R. A. J., e a sua mãe, irmã do R. A. J., diziam que o terreno onde hoje está a vacaria era do António (TT).
Referiu também que, quando os avós da testemunha faleceram, os seus tios e mãe partilharam os bens de seus pais, mas não partilharam os terrenos em causa, e que os seus pais disseram que, os terrenos em causa não eram do pai e por isso não os queriam.
O depoimento de VP, tio dos R.R., é também sintomático no sentido em causa, ao dizer que, os prédios eram do António (TT), este foi embora e deixou-os entregues ao seu pai e à sua mãe e ficaram na posse da família porque ninguém apareceu a saber deles.
Importa dizer que, depois de referir o supra exposto, ainda disse que pensavam que os terrenos eram deles (da família), tendo-o, porém, dito sem qualquer convicção, e fundamentando essa “convicção” de que os terrenos eram da família, no facto de ser a família que os cultivou durante muitos anos.
Também GG, tio dos R.R., relatou ter crescido a ouvir dizer que os terrenos eram do António (TT).
AF teve uma expressão sintomática, daquelas que saem e dizem pouco, mas ao mesmo tempo dizem muito: “Era tudo de borla”, querendo referir-se a que não eram pagas rendas pelos prédios em causa. Ora, porque é que haveria de ser “tudo de borla” se os prédios eram dos R.R.? Esta expressão aponta no sentido de que, os prédios eram de terceiros e não dos R.R. e que estes os traziam sem pagarem nada por eles.
Os A.A. interpelaram também ultimamente o R. A. J., a fim de negociarem com ele a venda do terreno da vacaria e a descrição que os A.A., que relataram tal episódio, fazem dessa conversa, deixa também antever algo do que era a consciência do R. A. J. quanto a ser proprietário do terreno, já que, num primeiro momento, terá admitido a possibilidade de poder vir a negociar a compra do prédio, como nos disseram António (TT) e C. M..
Se o prédio era do R. A. J. e ele tinha essa consciência, o normal era que rejeitasse liminarmente e inequivocamente qualquer possibilidade de compra do terreno.
Acresce que, o R. A. J. comprou quatro terrenos aos António (TT), terrenos estes que trazia nas mesmas condições que o terreno agora em litígio, pelo que, a realidade dos terrenos seria toda a mesma.
O R. A. J. terá também ido pedir autorização ao filho de A. M. (em representação de sua mãe), para a associação de caça poder caçar nos terrenos em causa (fls. 113 e 114), como referido por exemplo por António (TT) e AMM, o que não se compadece com o facto de o R. A. J. considerar que os terrenos em questão eram seus.
C. M. relatou também que, quando andava à caça com o R. A. J., este lhe dizia quais os terrenos que eram do avô da testemunha, entre eles o terreno que está agora em causa, o mesmo que já lhe dizia o pai do R. A. J..
Várias testemunhas, de que são exemplo HJ, GJ e JK, que nada tinham a ver com o conflito em causa, relataram que a convicção que havia na aldeia era a de que os prédios eram TT.
Algumas testemunhas que afirmaram pensarem que os prédios eram dos antepassados dos R.R., ou eram interessados ou formaram pessoalmente essa convicção com base no simples facto de verem, ao longo dos anos, os antepassados dos R.R. a cultivarem os terrenos.
Da prova produzida resultou para nós manifesta convicção de que, os R.R. sabiam que os prédios em causa eram TT, e que, embora praticassem nos mesmos actos de “posse”, o faziam sem a convicção de ao assim actuarem o fazerem enquanto titulares do direito de propriedade sobre tais prédios, antes o faziam convictos de que tais prédios não lhes pertenciam.
Embora o R. D. T. haja referido que estava convencido que o prédio em causa era de seu avô, era sobre ele que impendia o ónus da prova de tal facto, porquanto o mesmo poderia permitir concluir pela sua actuação de boa fé na construção da vacaria, pressuposto constitutivo da aquisição do direito de propriedade do prédio por acessão, e a verdade é que não ficámos convencidos de que assim fosse, isto porque cremos seriamente que era do conhecimento do avô do R. D. T. que o prédio em causa não era dele e porque o R. D. T. e o avô, bem como a mãe deste, tinham relações muito estreitas, como disse a testemunha LJ, e assim sendo, o normal seria que também o R. D. T. soubesse que o prédio em causa era TT.
A reforçar esta nossa convicção, temos o depoimento de JK, tia do R. D. T., irmã da mãe deste, que referiu expressamente que, o R. A. J. e o R. D. T. sabiam que o terreno era do António (TT).
Discutiu-se também, se a partir de 1976 foram cobradas rendas por parte de A. M., relativamente aos prédios em causa.
Embora os A.A. tenham prestado depoimentos que apontavam no sentido da cobrança de rendas por parte de A. M. a partir de 1976, mais nenhuma prova se produziu nesse sentido e o depoimento de várias testemunhas, de que é paradigma o depoimento de D. M., aponta claramente no sentido de que, a partir de então, não foram cobradas mais rendas dos terrenos.
Não se produziu qualquer prova da demais matéria de 1 e 2 dos factos não provados, ou seja, de que A. M. haja cultivado os terrenos (sendo toda a prova produzida em sentido contrário, ou seja, de que quem cultivou foram os R.R. e seus antepassados), de que a mesma ali haja feito obras, que ela tenha emprestado ou arrendado os terrenos.
Os demais factos não provados, assim se consideraram por deles não ter sido produzida qualquer prova e a produzida relativamente a alguns dos factos até apontar em sentido oposto.
Efetivamente, como supra referido, analisando, de modo crítico, conjunto e conjugado toda a prova produzida outra resposta não pode ser dada à matéria de facto impugnada, bem espelhando a douta decisão a convicção com que também ficamos.
Quanto à matéria tida como não provada, importa referir que não adveio ao conhecimento do Tribunal qualquer elemento que permita afirmar a sua verificação. Assim, as respostas negativas ficaram a dever-se a ausência de prova que permitisse dar respostas diversas.
Na verdade, cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas e declarações de parte, não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada, conforme foi feito na decisão da matéria de facto efetuada em primeira instância, não pode este Tribunal divergir do juízo probatório efetuado pelo Tribunal a quo.
É inequívoco que o julgamento fáctico realizado pelo Tribunal Recorrido quanto a esta factualidade se mostra alicerçado nos meios de prova produzidos.
Tanto basta para considerar que o Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quer quando considerou a factualidade como provada quer no que concerne à que considerou não provada, esta, por, evidente, falta de prova suficientemente credível e convincente que permitisse resposta diversa, subscrevendo-se, na íntegra, a fundamentação da matéria de facto aduzida pelo Tribunal Recorrido quanto aos pontos da matéria de facto impugnados, mostrando-se o decidido conforme às regras da experiência comum.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova produzida, e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados (e que por nós foram, não obstante com prejuízo da direta oralidade e da imediação, integralmente reanalisados) qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, como bem analisa o Tribunal a quo, sendo, portanto, de manter a factualidade provada, no que concerne aos f.p.snº 1, 3, 16 e 22, e não provada – pontos 4 a 9 -, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que, compulsados os elementos de prova e conjugando toda a prova produzida, não podem restar dúvidas que a matéria de facto se deve manter inalterada e a análise crítica efetuada pelo Tribunal de 1ª Instância quanto a esta factualidade tem de ser confirmada.
Não se tendo verificado os pretensos erros de julgamento, antes se nos afigurando ponderada, acertada e respeitável a decisão recorrida sobre a matéria de facto, tem, em consequência, de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.

3. DA TITULARIDADE DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Comecemos por analisar da procedência da ação, sendo essa a ordem formal, material e natural, já que a reconvenção é uma ação que os Réus vieram cruzar na dos autores e a procedência desta pode implicar, desde logo, a improcedência da ação reconvencional.
A ação de reivindicação constitui uma ação declarativa de condenação sujeita a um regime especial previsto nos artigos 1311º e seguintes do Código Civil, diploma de onde serão todos os preceitos a citar sem a indicação de origem. É uma ação petitória, a que, adjetivamente, não corresponde qualquer forma de processo especial, caindo, assim, na forma comum.
Consagra o nº1, do referido artigo, que O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n º 1, se preenche o esquema da acção de reivindicação (quanto à primeira finalidade, tem-se entendido que, se o reivindicante se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, deve este pedido considerar-se implícito naquele (…). Nada impede, no entanto, que, ao abrigo das regras válidas no domínio do direito processual civil (….), o autor da reivindicação junte aos dois pedidos referidos no artigo 1311º um pedido de indemnização (vg., dos danos causados na coisa pelo demandado ou do valor do uso que este dela fez): vide Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jur., anos 115º, pág. 272, nota 2, e 116º, pág. 16, nota 2 (12).
Deste modo, a ação de reivindicação, que tem como finalidade afirmar o direito de propriedade e fazer cessar as situações ou atos que o violem, tem um objetivo inicial - a declaração de existência do direito e, subsequentemente, visa realizar o direito declarado, com a condenação na restituição da coisa.
Na sua estrutura identificam-se dois elementos: o pedido de reconhecimento do direito e o pedido de restituição da coisa objeto desse direito. Processualmente, entendemos que não terá, necessariamente, de existir uma cumulação de pedidos, antes a demonstração da titularidade será havida como integrante da causa de pedir na ação, fundamentando o pedido de condenação na restituição. (13)
A ação de reivindicação tem como causa de pedir o ato ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade (ou outro direito real – cfr art. 1315º) na esfera jurídica do peticionante e, ainda, os factos demonstrativos da violação desse direito. O reivindicante tem de alegar e provar que é proprietário da coisa, e que esta se encontra em poder do réu, a si cabendo, pois, o ónus de alegação e o da prova.
Por sua vez, ao réu, detentor da coisa e caso pretenda evitar a restituição, cabe, em sua defesa, o ónus de alegar e provar o facto jurídico em que assenta a sua detenção legítima (cfr. art. 342º, do Código Civil, que estabelece as regras do ónus da prova, sendo que àquele que invoca um direito cabe fazer a prova do direito alegado e àquele contra quem a invocação é feita cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito). Assim, apesar de o Autor da reivindicação demonstrar o seu direito, pode não lograr obter a restituição da coisa se o Réu invocar na contestação (em defesa por exceção ou mediante reconvenção) e demonstrar que dispõe de título que legitime a sua detenção, conforme dispõe o nº2, do art. 1311º.
Podendo, nos termos do nº1, do referido artigo, o proprietário exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, Só tem legitimidade activa para recorrer à reivindicação quem seja titular de um direito real que atribua a posse da coisa, mas não tenha a posse. Por sua vez, tem legitimidade passiva para a acção de reivindicação quem seja possuidor ou detentor da coisa, mas não seja titular do correspondente direito real. (14)
À procedência da ação de reivindicação é necessária a prova da titularidade do direito real. Para esse efeito, não basta, porém, a demonstração de uma aquisição derivada do direito, uma vez que nada garante que o autor adquiriu a coisa ao seu legítimo proprietário. Para proceder a acção de reivindicação, é assim necessária a demonstração de uma aquisição originária do direito, como a usucapião, por parte do autor ou de anterior titular do direito, a quem aquele tenha adquirido (15).
Assim, para fazer valer o seu direito sobre a coisa, o autor tem duas possibilidades:
- ou alega e demonstra a aquisição originária, por si ou por algum dos seus antepossuidores, do direito de propriedade sobre a coisa;
- ou invoca aquisição derivada e terá de provar as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária, sendo que na aquisição derivada, o adquirente, apenas e tão somente, adquire o direito de que o transmitente seja titular.
Pedem os Autores o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os imóveis invocando um dos modos previstos na lei (cfr. art. 1316º), a usucapião.
Invocam, ainda, que os prédios eram propriedade de António (TT), pai da Autora da herança, A. M., e avô e bisavô dos seus representantes que os possuiu (durante mais de 20 anos ininterruptos e até à data do seu óbito), e que, após o óbito daquele, ocorrido na década de 50, os mesmos passaram para a posse da sua referida filha (cfr art. 5º e 6º, da petição inicial) alegando, ainda, que os prédios que faziam parte do acervo da herança eram cerca de sessenta rústicos e urbanos e que os seus detentores, quer tenham sido comodatários ou arrendatários, os entregaram aos herdeiros sem que tenham posto em causa o direito de propriedade (cfr. arts. 8º e segs da p.i.) apenas os Réus, à revelia da falecida e dos AA., procederam ao registo dos prédios a seu favor, bem sabendo que nunca foram seus proprietários.
Refira-se, também e desde já, para que dúvidas não restem, que, sempre, qualquer dos herdeiros do falecido António (TT) podia pedir a restituição da totalidade dos bens do falecido em poder dos demandados, nos termos do nº1, do art. 2075º e do nº1, do art. 2078º, sem que o terceiro lhe pudesse opor que tais bens lhe não pertenciam por inteiro.
O artigo 1316º consagra os modos de aquisição do direito de propriedade, contando-se entre eles a sucessão por morte e a, invocada, usucapião, fixando o art. 1317º o momento da aquisição (que no caso de usucapião é o do início da posse - v. al. c), sendo que, nos termos do art. 1288º, a aquisição do direito correspondente à posse que se exerceu e a correlativa extinção de qualquer direito real pré-existente é retroativa ao início da posse prescricional, isto é posse pública e pacífica).
No caso concreto, como referimos, está em causa a aquisição originária do direito de propriedade pela autora da herança (de que os demais Autores são todos os herdeiros) e, por isso, também, a posse (inerente àquele modo de aquisição), sendo aquela herdeira do falecido proprietário e possuidor dos bens.
A noção de usucapião, prescrição positiva ou aquisitiva consta do art. 1287º, que estatui que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação.
Assim, a usucapião é a aquisição do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo por efeito da posse nos termos desse direito, mantida por certo lapso de tempo. O objeto da aquisição por via da usucapião é, pois, constituído pelos direitos reais de gozo…(16)

A aquisição de um direito real por usucapião exige a ocorrência, simultânea, de vários requisitos:

a) - posse prescricional ou posse boa para usucapião (é aquela que é pacífica, pública e efetiva. A exigência no sentido de que se tenha possuído publica e pacificamente resulta do art. 1297º, a contrario. A posse efetiva é a que tem correspondência na situação de facto, enquanto efetivo exercício de poderes de facto sobre uma coisa nos termos de um direito real de gozo, o que resulta da ratio da usucapião);
b) – decurso de certo lapso de tempo (a posse deve manter-se com os carateres referidos de modo contínuo, durante todo o período de tempo necessário para a usucapião, sendo que o prazo de tempo exigido varia consoante a coisa, a existência ou não de título e de registo, a posse ser de boa ou má fé –cfr. arts 1294º a 1299º);
c) – ato de vontade de adquirir o direito (manifestação de vontade de adquirir o direito).
A usucapião constitui uma forma voluntária de aquisição de certos direitos reais que necessita de uma posse com certas características e mantida pelos prazos legais. São requisitos da aquisição do direito de propriedade por usucapião: a posse e que ela revista as características de:
- Pública, por exercida à vista de toda a gente;
- Contínua, por exercida de forma ininterrupta;
- Pacífica, por exercida sem oposição de ninguém.
Para além da materialidade da posse, tem de resultar também o animus e que a posse se tenha mantido durante um lapso de tempo suficiente para permitir a aquisição do direito de propriedade.
A usucapião tem, sempre, na sua génese uma situação possessória, que pode derivar de constituição ex novo ou de posse anterior.
Pese embora a probatio diabolica característica das ações de reivindicação, em que tem de se fazer a demonstração da aquisição originária do direito, onerando-se os peticionantes com uma prova extremamente difícil de realizar em concreto, a tarefa dos mesmos é facilitada, tornando-se menos diabólica, pela existência de presunções, concretamente, no que ao caso interessa:
- a presunção de titularidade do direito de propriedade derivada da posse, prevista no nº1, do art. 1268º, sendo a usucapião, forma de aquisição originária que se basta com a demonstração da cadeia de transmissões até perfazer o prazo de 20 anos (prazo máximo para usucapião) e, usando a possibilidade de acessão na posse prevista no art. 1256º;
- a presunção de titularidade derivada do registo predial (art. 7º, do Código de Registo Predial) pois que estando o direito do reivindicante inscrito no registo em seu nome, o mesmo goza da presunção de titularidade, ficando dispensado da prova do facto presumido.
Temos, assim, legalmente consagradas duas presunções legais;
- uma resultantes da posse, prevista no nº1, do art. 1268º;
- outra resultante do registo, prevista no art. 7º, do Código de Registo Predial.
E como quem tem a seu favor a presunção legal fica dispensado de provar o facto que a ela conduz – nº1, do art. 350º - cabe analisar se os A.A. beneficiam das presunções legais anteriormente mencionadas, se delas beneficiam os Réus ou se colidem as duas presunções.
Estabelece o art. 7º, do Código de Registo Predial, que O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
É manifesto que os Autores não beneficiam de presunção derivada do registo e que dela beneficiam os RR, presumindo-se que os direitos registados existem e pertencem aos titulares inscritos, tendo, porém, os Autores posto em causa a presunção tantum iuris, quanto à existência do direito de propriedade dos titulares inscritos.
Verificando-se presunção de titularidade do direito dos RR. fundada no registo (art. 7º, do Código de Registo Predial), vejamos se os A.A. são possuidores dos prédios em causa, pois que se o forem, gozarão da presunção de titularidade do referido direito de propriedade, nos termos do art. 1268º.
Estabelece este artigo que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.
Cumpre, pois, analisar o que é a posse, se são os Autores os possuidores e se a sua posse se iniciou antes dos registos efetuados (que fundamentam a presunção de titularidade do direito dos Recorrentes fundada nos registos).
A distinção entre posse e detenção feita no direito moderno surge, desde logo, no âmbito do Direito Romano, em que ao lado da possessio civilis está a possessio naturalis, consoante quem exerce o controlo material sobre a coisa beneficie ou não dos efeitos da posse. Em relação à distinção entre posse e detenção, continua a ter atualidade a contraposição entre a teoria subjetivista de Savigny e a objetivista de Jhering.
São, assim, duas as teorias fundamentais sobre o que integra a posse:
- uma, a subjetiva, entende ser a posse constituída por dois elementos: o corpus e o animus, só ganhando sentido o primeiro quando acompanhado do último. Considera que, para haver posse, para além de um elemento material (corpus) terá de haver a intenção (animus) de submeter a coisa a um direito real correspondente. Considera esta tese que a posse é simultaneamente um facto e um direito;
- outra, a objetiva, dá importância não à vontade, mas aos atos materiais de detenção. Considera que o que importa é o poder de facto sobre a coisa e não o animus, o que não quer dizer que se suprima o elemento vontade, já que sem este não há posse, porém, entende-se que aquela está implicitamente contida no poder de facto exercido sobre o objeto, havendo posse sempre que o poder de facto se exerce voluntariamente sobre uma coisa.
O art. 1251º, consagra que Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
A posse é, assim, na verdade e desde logo, um poder de facto sobre a coisa e quando o direito falha na ordenação dos bens servir-se-á do poder de facto como sua própria explicação. A mesma permite a integração de lacunas na ordenação definitiva dominial. Em caso de dúvida, conforme dispõe o nº2, do art. 1252º, é o poder de facto que releva. A posse constitui, também, como vimos, presunção de titularidade do direito, tende a permitir a ordenação definitiva dos bens, sendo via para uma autêntica dominialidade, através do instituto jurídico da usucapião.
A lei portuguesa inspirou-se na doutrina subjetivista de Savigni, defendendo a maioria da Doutrina e a Jurisprudência essa solução. Na verdade, o art. 1253º, al. a) e c) introduzem no âmbito da detenção o exercício do poder de facto sem intenção de agir como beneficiário do direito, e o exercício da posse em nome alheio, o que corresponde à exigência do animus domini para caracterizar a posse, qualificando como detenção os casos em que não se tem intenção de possuir a coisa, designadamente quando a intenção é de a possuir para outrem (nomine alieno) o que corresponde à formulação subjectivista (17).
A lei, ao distinguir-se posse de mera detenção envereda pela conceção subjetivista de posse, embora se apresente, contudo, a estender a tutela possessória a alguns casos de posse precária, ou seja, em que não há animus possidendi, como previsto nos nº2, do art. 1307º, n º 2, do art. 1125º, n º 2, do art. 1133º e n º 2 do art. 1188º.
Quando o artigo 1253º diz que a posse é “um poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, tem alguma doutrina (subjetiva) entendido que “quem não pode exercer algum daqueles direitos, por não ser dele titular, só pode actuar por “forma correspondente” ao seu exercício” mas para tal tem de “agir em tais termos que permitam, em abstracto, a vontade de criar, em seu benefício, uma titularidade aparente (…), ou seja o animus possendendi” Penha Gonçalves, cit, p. 244). Este animus é precisamente relevado na al. a) do art. 1253º que se limita a dizer que na falta de intenção de agir como beneficiário do direito desvaloriza a situação existente para mera detenção (18).
Na decisão recorrida sustenta-se que a posse é fundamentalmente poder de facto, estável, mas o “corpus” não pode estar desconexionado do animus, pois só na medida em que os atos materiais que se praticam indicam um animus é que se pode, nomeadamente, dizer que se possui como proprietário (ou noutra qualidade).
A posse pode ser adquirida pelas formas previstas nos art.s 1255º e 1263º.
Dispõe este último artigo que a posse adquire-se:
a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito;
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor;
c) Pelo constituto possessório;
d) Por inversão do título da posse.
e o primeiro dos artigos citados que por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa (negrito nosso).
Decorre deste preceito que a posse é transmissível em caso de morte do seu titular, sem necessidade de atos materiais de apossamento por parte dos sucessores. A posse dos sucessores é a mesma do de cujos e a sucessão por morte dá-se ipso facto, com a morte, independentemente quer da apreensão efetiva do herdeiro, quer mesmo do seu conhecimento. Ou seja: não há uma posse jacente, sem titular, enquanto não houver aceitação da herança. Mesmo que esta não ocorra, a posse transmite-se para os sucessores, até contra a sua vontade. (19)
Sendo a posse uma situação jurídica patrimonial, a mesma pode ser objeto de sucessão nos termos gerais (art. 2024º), determinando a lei que, no caso de morte, a sucessão na posse é automática, e ocorre independentemente da apreensão material da coisa (art. 1255º).
Vejamos, agora, se os AA. são possuidores dos imóveis em causa.
Resultou provado que António (TT), proprietário dos prédios em litígio, foi seu possuidor, entregando-os aos antecessores dos R.R., para que estes os pudessem explorar, em contrapartida do pagamento de uma renda ou a título gratuito, o que estes fizeram ao longo de anos.
E os antecessores dos R.R. e os R.R. não possuíram os prédios em causa. Foram meros detentores dos mesmos, já que lhes faltava o animus de atuarem como titulares do direito de propriedade, bem sabendo a quem eles pertenciam.
Os Réus têm o corpus possessório mas não o animus possidendi estando numa situação de meros detentores.
Não tendo os antecessores dos R.R. e os R.R. possuído os prédios em litígio, não podem ter adquirido o direito de propriedade sobre os mesmos por usucapião, já que, esta forma de aquisição exige a posse, e a esta, por sua vez, é necessário o animus – art. 1287º - o que, como vimos, não resultou demonstrado terem.
Quem possuiu foi António (TT) por si, primeiro, e, depois, através de terceiros, concretamente, através dos antecessores dos R.R. e dos R.R. - art. 1251º e nºs 1 e 2, do art. 1252º.
Por morte deste, a posse continuou nos seus sucessores e tal verificou-se desde o momento da sua morte, independentemente da apreensão material dos prédios – art. 1255º.
A. M. é sucessora (herdeira) de António (TT), sendo que, ainda que declarada como filha daquele, posteriormente à morte de seu pai, já existia e já o era antes da declaração e, obviamente, antes da morte do pai, acrescendo que tal estabelecimento da filiação tem eficácia retroativa – nº2, do art. 1797º, do C.C.
Deste modo, mesmo que A. M. não tivesse praticado atos materiais nos prédios em causa, foi possuidora dos mesmos, tendo sucedido na posse de seu pai, continuando os antecessores dos R.R. e os R.R. a ser seus detentores.
E fruto do acordado com os demais herdeiros de seu pai, independentemente da validade formal de tal acordo, António (TT) tornou-se, efetivamente, na prática, a única possuidora dos prédios, e, por morte desta, e por força do que dispõe o artigo 1255º, os seus sucessores, os A.A.
Por força da referida posse, os A.A. gozam da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre os prédios, nos termos do nº1, do art. 1268º.
Apesar de os R.R. beneficiarem da presunção de titularidade do direito de propriedade derivada do registo – art. 7º, do CRP - na medida em que os A.A. beneficiam da presunção da posse consagrada no nº1, do art. 1268º e o registo é (muito) posterior ao início da posse (de várias décadas), a presunção derivada da posse prevalece sobre a presunção derivada do registo.
O sistema português não adopta a regra “posse vale título”, não atribuindo assim a propriedade apenas em função da posse de boa fé das coisas móveis. No entanto, o facto de alguém estar na posse de uma coisa implica que a lei presuma que ele é igualmente titular do direito sobre a mesma, dispensando-o de ter que provar essa titularidade para exercer a posse (possideo quia possideo).Consequentemente, a menos que se prove a existência de um direito real sobre a coisa, o possuidor verá conservada a sua posse. A posse implica assim a presunção da propriedade, o que dá uma importante vantagem ao possuidor. Como se refere num célebre adágio da velha common law inglesa “possession is 9/10 of the law”. (20)
A presunção da titularidade do direito, afirmada no preceito acima referido, é o efeito mais importante da posse. A presunção da titularidade do direito significa que quem tem a posse tem o direito correspondente.
O direito que se presume é o de propriedade.(…)
Mas se a posse tem como efeito a presunção da titularidade do direito, todavia não é apenas a exteriorização do exercício de um direito que faz presumir a titularidade do direito. Também o registo, para além de dar publicidade à existência de um direito, faz presumir a titularidade do direito correspondente v. art. 7º, do CRP- presunção, essa, do mesmo modo, ilidível.
Colidindo as duas presunções – possessória e registral – o que é que acontece? Prevalece sempre a presunção mais antiga nos termos da 2ª parte, do nº1 deste artigo…e… se …forem de igual antiguidade… prevalece a posse possessória, pois a posse fundada em registo apenas goza de prevalência quando o registo é “anterior ao início da posse”. (21)
Assim, a presunção de propriedade derivada da posse só não se aplicará se outrem tiver registado a sua aquisição com data anterior ao início da posse, pois, neste caso, a presunção conferida pelo registo prevalecerá sobre a presunção conferida pela posse.
Esta é a orientação da Doutrina, o mesmo caminho seguindo a Jurisprudência.
Como se cita na decisão recorrida, no Ac. do STJ de 21-06-2016, em www.dgsi.pt: conclui-se “nada parece obviar a que (talqualmente sucede no caso da presunção fundada no registo) uma ação tendente ao reconhecimento do direito de propriedade, como é a ação ora em causa proposta pelos Autores, seja fundamentada na presunção estabelecida no nº 1 do art. 1268º do C. Civil e que, consequentemente, seja nela (ação) reconhecido o correspondente direito de propriedade (e feita restituir a coisa, se disso se tratar)”.
Os Réus, nas conclusões, referem, como causa de aquisição da sua posse, a inversão do título da posse.
A inversão do título de posse, interversio possessionis, vem prevista no art. 1265º e consiste na passagem de uma situação de detenção (posse em nome alheio), a uma situação de verdadeira posse. Em relação ao possuidor primitivo, a inversão do título de posse traduz-se num esbulho da coisa … o detentor pratica actos que contradizem a situação de estar a possuir em nome alheio, opondo-se assim à posse daquele em cujo nome possuía (22).
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 17/11/2009, processo 106/06.2TBFCR.C1, a usucapião produz uma aquisição originária que opera com efeitos rectroactivos, reportados ao início da posse respectiva – artº 1288º do C.Civ. -, mas que, relativamente ao direito possuído, não pode verificar-se nos detentores ou possuidores precários, excepto achando-se invertido o título de posse, caso em que o prazo para usucapir só corre desde a inversão do título – artº 1290º C. Civ.. (…) A inversão do título de posse (a interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio (não basta que a detenção se prolongue para além do termo do título que lhe servia de base; necessário se torna que o detentor expresse directamente junto da pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de actuar como titular do direito).(…) Na ausência de exteriorização de uma vontade categórica de possuir em nome próprio, revelada por actos positivos de oposição ao proprietário, sobrepondo-se à aparência representada pelo arrendamento, é vedado adquirir por usucapião.(…)Em caso de dúvida, a posse presume-se em quem exerce o poder de facto – artº 1252º, nº 2, C. Civ. -, isto é, presume-se o exercício do animus naquele que detém o corpus, presunção a que subjaz a dificuldade de provar o dito animus (23).
Também no Acórdão do STJ, de 20/3/2014, Processo 3325/07.0TJVNF.P1S2 se sumaria a presunção estabelecida no art.º 1252.º, n.º 2, do CC só actua em caso de dúvida, e não quando se trate de uma situação definida, que exclua a titularidade do direito. (…) Quem exerce a posse em nome alheio só poderá adquirir o direito de propriedade se entretanto ocorrer a inversão do título da posse, nos termos dos art.ºs 1265.º e 1290.º do CC. (…) A eficácia da oposição referida no art.º 1265.º do CC depende da prática de actos inequivocamente reveladores de que o detentor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa. (…) A oposição deve, além disso, ser dirigida contra a pessoa em nome de quem o opositor detinha a coisa e tornar-se dela conhecida. (24)
Escreve-se no referido acórdão “a posse em nome próprio do promitente comprador pressupõe a prova da inversão do título da posse em que se encontrava, a efectuar por oposição ao promitente vendedor e levada ao seu conhecimento. É o que determina o artº 1290º do CC, em conjugação com os artºs 1263º, d), e 1265º, todos do CC, como justamente se esclarece no acórdão do STJ de 16.6.09 (Proc.º 240/03.0TBRMR.S1), citado na nota 2, assim sumariado:
- Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse (“interversio possessionis”) – art. 1263º d) do Código Civil – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua, inequivocamente, como titular daquele direito;
- Tal inversão também pode ocorrer por acto de terceiro, hábil para transferir a posse;
- Não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários; importa, isso sim, que essa “inversão”, inequivocamente, seja direccionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de actos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal actuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa proclamada inversão do título possessório, o que seria de todo violador das regras da boa-fé;
- Tal como a posse relevante para usucapião, a par de outros requisitos, deve ser pública, também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.
No mesmo sentido o Dr. Durval Ferreira, na sua obra “Posse e Usucapião”, apoiando-se no ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, Orlando de Carvalho e Oliveira Ascensão, afirma que com o requisito da oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía o artº 1265º pretende significar que é necessário e suficiente o detentor tornar “directamente” conhecida daquele, quer judicial, quer extrajudicialmente, “a sua intenção de actuar, no plano dos factos e empiricamente, “como sendo” titular do direito” (pág. 188); e acrescenta, mais adiante: “Não bastam, pois, meras “palavras”; é preciso que o inversor passe das palavras aos “actos” e que os actos sejam uma oposição “directa” e “como sendo dono”, ao possuidor. Mas basta, é suficiente, se o “acto” é a notificação do novo animus: um notum facere (uma declaração notificativa)” (pág. 190). Pode assim dizer-se, em conclusão, que não chega para se verificar a inversão do título da posse que tenha havido por parte do detentor precário a intenção de o inverter; exige-se que a oposição se concretize em actos materiais ou jurídicos inequivocamente reveladores de que o opositor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa e que essa actuação se dirija contra a pessoa em nome de quem detinha e dela se torne conhecida. Na hipótese dos autos, contudo, é bem evidente que nada se provou quanto ao conhecimento, pelos autores, da mudança de convicção da ré, pois esta nunca lhes comunicou, judicial ou extrajudicialmente, e de forma categórica, a sua intenção de passar a actuar como titular do direito de propriedade sobre a garagem. Deste modo, porque não se deu a inversão do título da posse, a ré nunca se tornou verdadeira possuidora em nome próprio do imóvel e, consequentemente, não o adquiriu, nem podia adquirir, por usucapião, desde logo porque o tempo necessário para tal efeito nem sequer começou a correr (artº 1290º CC). Contra isto não vale argumentar, como faz a recorrente, com o disposto no artº 1252º, nº 2. Na verdade, a presunção estabelecida neste preceito só actua, como nele se diz, em caso de dúvida, e não quando se trate de uma situação definida, que exclua a titulari­dade do direito invocado. Assim decidiu o STJ nos acórdãos de 22/3/74 [4] (BMJ 235º, 285) e de 24.6.10, já citado (Proc.º 106/06.2TBFCR.C1.S1)”.
O R. A. J. e esposa justificaram, notarialmente, um direito que, efetivamente, não tinham, já que, não tinham animus, que lhes permitiria justificar a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre o prédio identificado no ponto 1, A, dos factos provados, a poder, até, revelar má fé.
Consequentemente, não sendo titulares do direito de propriedade sobre o prédio em causa, com o antigo artigo matricial …, não podiam transmitir, como não transmitiram, ao seu neto D. T., um direito que não tinham, tratando-se de doação, nesta parte, de coisa alheia e, por isso, nula – art. 956º, n º 1, do C.C, como bem decidiu o tribunal a quo.
Deste modo, é ineficaz a justificação e é nula a doação, do prédio em causa.
Por sua vez, a adjudicação aos demais R.R., apelantes, em inventário, do prédio que referem, identificado em 1-B, dos factos provados, também não teve a virtualidade de transmitir aos referidos R.R. o direito de propriedade sobre o mesmo, na medida em que, não podiam suceder aos seus antecessores num direito que estes não tinham.
Não sendo os R.R., apelantes, titulares do direito de propriedade sobre os prédios em causa, com fundamento, respetivamente, em doação e em sucessão hereditária, os registos de tais direitos a seu favor, com tais fundamentos, terão de ser cancelados – arts. 7º, 13º, do C.R.P.
Assim, e como bem foi decidido, presume-se que os A.A. são proprietários dos prédios em causa, identificados em 1 – A e B, dos factos provados.
E bem se decidiu, também, quando se considerou que o R. D. T. não adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio identificado em 1, A, dos factos provados, com fundamento em acessão industrial imobiliária.
Na verdade, o direito de propriedade pode adquirir-se por acessão – art. 1316º -que se dá quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia – art. 1325º.
Tais pressupostos verificam-se, na medida em que, ao prédio que é propriedade dos A.A., se uniu e incorporou uma vacaria do R. D. T., de modo que, a separação deles não será possível, ou sendo-o, dela resultará prejuízo para alguma das partes.
Estaremos perante acessão industrial, na medida em que, ocorreu por facto do homem, e é imobiliária, dada a natureza imóvel das coisas em causa – nº 1 e 2, do art. 1326º e n º 1, do art. 1333º.
Nessas circunstâncias, a lei permite que o dono daquele que for de maior valor, faça seu o objeto adjunto, desde que indemnize o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente – nº1, do art. 1333º.
Contudo, a lei faz depender a aquisição do direito de propriedade por acessão da atuação de boa fé – art. 1333º, parte inicial – daquele que une objeto seu a um alheio, consistindo ela em o autor da obra desconhecer que o terreno é alheio ou lhe ter sido autorizada a incorporação pelo dono do terreno - art. 1340º, n º 1.
Caso sejam realizadas obras … em terreno alheio com materiais … próprios haverá que distinguir se o autor da incorporação estava de boa ou de má fé. Nos termos do art. 1340º, nº4, “entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, …, desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno”. De acordo com a configuração ética da boa fé subjectiva, que temos sustentado, deve entender-se que não basta para existir boa fé o simples desconhecimento da alienidade do terreno, devendo exigir-se ainda que esse desconhecimento não seja culposo (25)
In casu, não se provou que o R. D. T. estivesse de boa fé.
Em consequência, não pode proceder a pretensão do R. D. T. de ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre a parcela matriciada sob o art. …, com fundamento em acessão industrial imobiliária.
Na verdade, se o autor da incorporação estiver de má fé, a lei atribui ao dono do terreno o direito de exigir que a obra, … seja desfeita e o terreno seja restituído ao seu primeiro estado às custas do seu autor, ou se o preferir, o direito de ficar com a obra,… pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1341º) (26).
Pode, deste modo, concluir-se serem, também, os A.A. proprietários do prédio identificado em 1, A, dos factos provados.
Os R.R., em ordem a fundamentarem a legitimidade da sua detenção, invocaram serem possuidores e proprietários dos prédios, com fundamento em usucapião e acessão industrial imobiliária.
Sucede que, a factualidade provada não permite concluir que os R.R. ou os seus antecessores tenham possuído os prédios, pois que não se provou que tivessem atuado com o animus de proprietários nem que se encontrassem preenchidos os pressupostos da acessão industrial imobiliária.
Assim, e na verdade, como decidido, não há fundamento legítimo para que os R.R. detenham os prédios e os não entreguem aos A.A..Têm, pois, de lhos entregar livres e alodiais, como pedido e determinado na decisão recorrida.
Ora, ponderadas as questões, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, podendo, aqui, manter-se, na íntegra, a fundamentação de direito que o Tribunal de 1ª Instância bem desenvolveu na sentença que proferiu.
Conclui-se, pois, pela improcedência do Recurso.
*
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer normativos invocados pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*

IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar as apelações improcedentes e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
*
Custas pelos apelantes, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Guimarães, 16 de Novembro de 2017


(Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha)
(Des. José Manuel Alves Flores)
(Des. Sandra Maria Vieira Melo)


1. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
2. Cfr. Ac. do STJ de 7/4/2016, Processo 6500/07: Sumários, Abril/2016, pag 18
3. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags 155-156
4. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pag. 153
5. Ibidem, pags 155, 156 e 159
6. Ac. de Relação de Coimbra de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003,in CJ, anos XXV, 4º, pag. 28 e XXVIII 3º, pag 26
7. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pag. 348.
8. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
9. Ac. da Relação do Porto de 19/9/2000, in CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3, cujo relator foi o Ilustre Desembargador Dr. Ataíde das Neves
10. Acórdão da Relação de Coimbra de 3/6/2003, in CJ, 2003, 3º, 26 e Apelação Processo nº 5453/06.3, relator pelo Ilustre Desembargador Dr. Ataíde das Neves .
11. Acórdão da Relação de Guimarães de 16-02-2017 Processo nº3300/15.1.T8GMR-J.G1, in www.dgsi.net
12. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, pag. 113, Coimbra Editora
13. Ana Prata (Coord.) e outos, Código Civil Anotado, vol II, 2017, Almedina, pag 108.
14. Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direitos Reais, 6ª Edição, 2017, Almedina, pag 228.
15. Ibidem, pag 228
16. Ana Prata (Coord.) e outos, Código Civil Anotado, vol II, 2017, Almedina, pags 68,69
17. Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direitos Reais, 6ª Edição, 2017, Almedina, pags 105-106.
18. Ana Prata (Coord.) e outos, idem, pag 18-19.
19. Ana Prata (coord), idem, pag 30
20. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, 6ª edição, 2017, pag 138
21. Ana Prata(Coord) e outros, idem, pag 54 e seg.
22. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, idem, pag 127.
23. Acórdão da Relação de Coimbra de 17/11/2009, processo 106/06.2TBFCR.C1, dgsi.net
24. Acórdão do STJ de 20/3/2014, Processo 3325/07.0TJVNF.P1S2, dgsi.net
25. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, idem, pag 218.
26. Ibidem, pag 219.