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ARGUIDO
PRESO
NOTIFICAÇÃO
JULGAMENTO
NULIDADE
Sumário
I) A regular notificação exigida pelo nº 1 do artº 333º do CPP, pressupõe a observância das formalidades contempladas no nº 3 do artº 113 do CPP, tendo além do mais em conta a residência declarada pelo arguido aquando da prestação do TIR.
II) Efetuada assim a notificação a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respetivo conteúdo. III) In casu, encontrando-se o arguido preso, ainda que no âmbito de outro processo e noutra comarca, impunha-se a notificação do recorrente, nos termos do artº 114º, nº 1, do CPP. IV) Não tendo o arguido sido notificado de harmonia com o citado preceito legal, não pode ter-se por regularmente notificado para julgamento, tendo assim, sido cometida a nulidade prevista na alínea c) do artº 119º, do CPP.".
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
* I- Relatório
No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, no âmbito do Processo Comum Singular nº 706/08.6GAFLG., por sentença de 18-11-2011, o arguido Joaquim S..., com os demais sinais dos autos, foi condenado:
a) como autor de um crime de injúrias, p. e p. pelo art. 181.º, nº 1 do Código Penal, agravados, nos termos do art.184.º, com referência ao artigo 132.º, nº 2 alínea l), todos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros);
b) como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143.º e 145.º do Código Penal, na pena 6 (seis) meses de prisão, substituída por igual período de tempo de multa, ou seja, 180 (cento e oitenta) dias à taxa diária de € 7 (sete euros);
c) em cúmulo jurídico, na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a quantia total de € 1.680,00 (mil, seiscentos e oitenta euros).
O arguido foi ainda condenado a pagar ao demandante cível Armandino C..., a quantia global de € 766,99 (setecentos e sessenta e seis euros, e noventa e nove cêntimos, a título de danos Patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal a contar desde a notificação e até efectivo e integral pagamento, e improcedente na restante quantia peticionada.
Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o arguido, pedindo a declaração de nulidade do julgamento efectuado na sua ausência.
O Ministério Público, na 1ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 237.
Nesta Relação, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, após resposta da assistente Lucinda, foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à realização da conferência, tendo havido mudança de relator.
* II- Fundamentação
1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:
A) Factos provados (transcrição)
1) No dia 14/07/2008, pelas 15 horas e 30 minutos, no átrio do Tribunal Judicial de Felgueiras, quando o ofendido Armandino C..., militar da GNR, se encontrava aguardar a sua inquirição como testemunha no âmbito do processo nº 66/06.0FAVNG, o arguido Joaquim S..., dirigiu-lhe, em voz alta, as seguintes expressões “corrupto”, “os seus colegas da Brigada Fiscal é tudo um bando de corruptos”, “vou desgraçá-lo” e “vou-lhe pôr a vida num oito”.
2) Acresce que, em acto contínuo, o arguido desferiu um pontapé no membro inferior direito do ofendido, provocando-lhe dores e a lesão descrita no relatório pericial junto aos autos, a fls. 6 a 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Perante tal situação o ofendido solicitou aos seus colegas, militares da GNR, que ali se encontravam, que procedessem à identificação do arguido.
4) Nesta altura, o arguido dirigiu, mais uma vez, em voz alta, a seguinte expressão ao ofendido: “Corrupto! Vou-te fazer a vida negra! Vou arranjar dois gajos que comprovam que me pediste dinheiro!”.
5) Estas expressões injuriosas, proferidas pelo arguido e dirigidas ao queixoso enquanto militar da GNR no exercício das suas funções, foram ouvidas pelas pessoas que se encontravam no local.
6) O queixoso sentiu-se muito magoado pelas expressões injuriosas de que foi vitima, para além de ficar muito ofendido na sua honra e consideração de cidadão e de militar da Guarda Nacional Republicana, tendo sido humilhado perante as pessoas que se encontravam no local.
7) O arguido agiu deliberadamente, com intenção de insultar e dizer mal do queixoso, tendo proferido e repetido aquelas expressões, de forma audível e explicita perante várias pessoas, para melhor assegurar o êxito das suas intenções, não obstante saber, que dirigiu esses insultos a um agente da Guarda Nacional Republicana, por via do exercício de tais funções, bem como teve a intenção e conseguiu agredi-lo fisicamente.
8) O arguido agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
9) O Arguido, com a actuação acima referida afectou o ofendido na sua honra, no seu bom nome e na sua dignidade, enquanto pessoa e enquanto militar da GNR, função que sempre desempenhou com imparcialidade e zelo, tendo para esse facto recebido 4 louvores do Comando Geral da Guarda Republicana.
10) Em virtude da actuação acima descrita, o arguido ficou triste.
11) O ofendido despendeu a quantia de € 16,99 para pagamento de despesas hospitalares.
12) O Arguido Joaquim:
a) tem a profissão de empresário
b) é divorciado;
e) Do seu CRC constam os antecedentes criminais melhor descritos e discriminados a fls. 151 a 161, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
* B) Factos não provados (transcrição):
«Não se provou que:
1) Em virtude da actuação acima descrita do ofendido, o arguido se tenha tornado depressivo e angustiado, com medo de ser abordado e agredido novamente pelo arguido.
2) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, pedido de indemnização civil, ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.»
* 2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402.º, 403.º, 412.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).
Neste recurso, a única questão a apreciar consiste em saber se ocorre ou não a arguida nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do art. 119.º do CPP, resultante de o julgamento ter decorrido sem que o arguido tenha sido notificado para o mesmo.
* 3. Com relevância para a apreciação da arguida nulidade importa considerar os seguintes factos:
Em 9 de Setembro de 2009, o recorrente Joaquim S..., foi constituído arguido (cfr. fls. 32-33) após o que lavrou Termo de Identidade e residência, no qual indicou como lugar de residência a Urbanização da Conceição, entrada 56, n.º33, em Guimarães (cfr. fls. 34)
Da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova residência pelo arguido bem como a consequência dessa não comunicação.
O despacho de 24-3-2011 que recebeu a acusação e designou data para julgamento foi notificado ao arguido por carta que foi depositada, em 28 de Março de 2011, no receptáculo da morada por ele fornecida no seu TIR (cfr. fls. 137-138 e 150).
A audiência de julgamento teve lugar em 25 de Outubro de 2011, como consta da acta de fls. 162-165, tendo sido o arguido condenado por ter faltado à mesma.
Na ocasião foi proferido o seguinte despacho:
“Dado não ser imprescindível a presença do arguido, proceder-se-à de imediato ao início do julgamento, nos termos do art.º 333.º do C.P.Penal, sendo o arguido representado, para todos os efeitos possíveis, pela sua defensora.”
A audiência de julgamento prosseguiu em 18 de Novembro de 2011, com a leitura da sentença (cfr. acta de fls. 196).
O arguido foi notificado da sentença em 19 de Dezembro de 2011 no Estabelecimento Preisional Regional do Vale do Sousa (cfr. fls. 209).
O arguido encontra-se detido naquele Estabelecimento Prisional, em cumprimento de pena, desde 22 de Março de 2010 (cfr. fls. 228).
Dos autos não consta qualquer comunicação feita pelo arguido acerca da alteração da morada fornecida no TIR.
4. A audiência de julgamento iniciou-se e completou-se na ausência do arguido, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º do CPP.
A regular notificação exigida pelo nº1 do artº 333.º do CPP, pressupõe a observância das formalidades contempladas no nº3 do artº 113.º do CPP, tendo além do mais em conta a residência declarada pelo arguido aquando da prestação do TIR. Efectuada assim a notificação a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respectivo conteúdo.
A lei ordinária prescreve que o arguido e seu defensor sejam notificados do despacho que designa dia para a audiência de julgamento, pelo menos, 30 dias antes da data fixada para essa audiência (artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 2, do CPP, este último na redacção do Decreto –Lei n.º 320 -C/2000, de 15 de Dezembro).
Esta notificação do arguido é feita mediante via postal simples quando o arguido tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução e nunca tiver comunicado a alteração da mesma através de carta registada, conforme dispõe o artigo 313.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto -Lei n.º 320 -C/2000.
Quando o arguido é sujeito a termo de identidade e residência indica a sua residência, local de trabalho ou outro local à escolha para efeito de ser notificado mediante via postal simples, e fica, desde então, obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova morada ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea b), do CPP, na redacção do Decreto -Lei
n.º 320 -C/2000).
O arguido é ainda avisado nesse acto de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada por ele indicada, excepto se ele vier a comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termo (artigo 196.º, n.º 3, c), do CPP, na redacção do Decreto -Lei n.º 320 -C/2000).
E sempre que a notificação do arguido é efectuada por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviado e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia -a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando -se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação (artigo 113.º, n.º 3, do CPP, na redacção do Decreto -Lei n.º 320 -C/2000).
A introdução desta forma de notificação do arguido pelo Decreto –Lei n.º 320 -C/2000, em detrimento da notificação por contacto pessoal, foi assim explicada pelo legislador, no preâmbulo daquele diploma:
“Pretende ajustar -se o Código de Processo Penal…a uma das prioridades da política de justiça, a saber, o combate à morosidade processual.
A aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem algumas causas de morosidade processual que comprometem a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando –se assim imperioso efectuar algumas alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
Para a consecução de tais desígnios, introduz -se uma nova modalidade de notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo –se que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem, à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha e não tenham comunicado a mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou da sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento.
No caso de notificação postal simples, o funcionário toma cota no processo com indicação da data da expedição e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal depositará o expediente na caixa de correio do notificando, lavrará uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto desse depósito, e envia -la -á de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando -se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe -lhe a data e envia -a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
Nestas situações não se justifica a notificação do arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado, todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida de coacção, justifica -se que as posteriores notificações sejam feitas de forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento.
Deste modo, assegura -se a veracidade das informações prestadas à autoridade judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar as suas próprias notificações.”
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria.
Assim, o Ac. do TC n.º 17/2010 declarou “não julgar inconstitucional as normas constantes dos art. 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência”.
Como ali se discorreu:
“(…) a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa (…)
Mas, o TC tem o cuidado de ressalvar que “o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais”.
Também o Ac. do TC n.º 109/2012, assinala que:
Ora, observados os referidos deveres de comunicação por parte do condenado, as cautelas que rodeiam a emissão da carta para notificação por via postal simples com prova de depósito (n.ºs 3 e 4 do artigo 113.º do CPP) tornam esta forma de notificação um meio adequado, segundo a comum experiência, a garantir o conhecimento ou pelo menos a cognoscibilidade da convocatória ou do ato comunicado por parte do destinatário. Acresce que o interessado pode sempre ilidir a presunção de notificação mostrando que não tomou conhecimento da comunicação por motivos alheios ao incumprimento dos deveres em que, nos sobreditos termos, ficou constituído (itálicos nossos).
* 5. Feito este breve excurso facilmente se conclui que a pretensão do arguido não pode deixar de proceder.
Como vimos, a regular notificação exigida pelo nº1 do artº 333º do CPP, pressupõe a observância das formalidades contempladas no nº3 do artº 113º do CPP, tendo além do mais em conta a residência declarada pelo arguido aquando da prestação do TIR.
Efectuada assim a notificação a lei presume que o destinatário da carta depositada pelo serviço postal a recebeu e tomou conhecimento do respectivo conteúdo.
No caso dos autos, o arguido prestou TIR no qual indicou a morada em que residia.
Na sequência do despacho que recebeu a acusação e designou data para julgamento a notificação ao arguido daquele despacho, foi efectuada por carta que foi depositada no receptáculo da morada fornecida pelo arguido no seu TIR.
Ora, da prestação do TIR consta expressamente a obrigação de comunicação de nova residência pelo arguido bem como a consequência dessa não comunicação.
Compulsados os autos não se descortina qualquer comunicação feita pelo arguido acerca da alteração da morada fornecida no TIR pelo que, com a remessa feita para a morada constante do TIR, à primeira vista mostram-se cumpridas as formalidades para a notificação do arguido e, em consequência, deveria o arguido ter-se como regularmente notificado, tal como foi considerado no despacho proferido no inicio da audiência.
No caso em apreço, porém, o arguido encontrava-se preso e, não obstante, a notificação destinada a dar-lhe a conhecer a data e hora do julgamento foi expedida para a sua residência.
Ora, em matéria de notificações desde desde há muito que o legislador teve em consideração a situação especial daquele que se encontra preso.
Assim, o artigo 83.º§§11 do CPP de 1929, introduzido pelo Dec.-Lei n.º 352/76, de 13 de Maio dispunha que “ Quando a pessoa a notificar se encontre presa em qualquer estabelecimento prisional dependente do Ministério da Justiça, o juiz do processo solicitará a diligência, por simples ofício , ao respectivo director , que, por sua vez, a mandará efectuar, com as formalidades legais, pelo funcionário que para o efeito designar”.
Na mesma linha, o nº 1, do artº 114.º do actual CPP determina que “a notificação de pessoa que se encontrar presa é requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado”.
Também o n.º2 do artigo 332.º do mesmo Código dispõe que “O arguido que deva responder perante determinado tribunal, segundo as normas gerais da competência, e estiver preso em comarca diferente pela prática de outro crime, é requisitado à entidade que o tiver à sua ordem”.
A norma constante daquele artigo 114.º é, por conseguinte, uma norma especial [a epígrafe do referido normativo não deixa dúvidas a este respeito:”Casos especiais”] que afasta a aplicação da norma geral constante do artigo 113.º
Sucede, porém, que o arguido não foi notificado por funcionário, nem a sua comparência foi requisitada ao estabelecimento prisional onde se encontrva preso.
É quanto basta para considerar que o arguido não fora “regularmente notificado”(artigo 333.º, n.1 do CPP).
Se o arguido não foi notificado nos termos acima referidos e não compareceu na audiência de discussão e julgamento, tendo sido julgado na sua ausência, verifica-se a nulidade insanável prevista no art. 119º, n.º 1 al. c) do C. P. Penal (cfr. neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 2-5-2007, proc.º n.º 0612305, rel. Augusto Carvalho, in www.dgsi.pt).
Mesmo encarando a questão sob outra perspectiva chegaremos a idêntica conclusão.
Uma vez que se encontrava e permaneceu e permanece preso, o arguido não se encontrava obrigado a comunicar a alteração da morada ou o facto de dela se encontrar ausente, atendendo a que, na verdade, não mudou de residência nem dela se ausentou – simplesmente foi preso.
Dadas as limitações a que se encontra sujeito o recluso não se lhe pode exigir que comunique ao processo ou processos que tem contra si pendentes que se encontra detido.
Assim sendo, mostra-se ilidida a presunção associada à notificação.
Como o Tribunal Constitucional sublinhou e se repete”o interessado pode sempre ilidir a presunção de notificação mostrando que não tomou conhecimento da comunicação por motivos alheios ao incumprimento dos deveres em que, nos sobreditos termos, ficou constituído”(Ac. n.º 109/2012).
Como a Relação do Porto tem vindo a salientar (cfr. por último o ac. de 4-7-2012, proc.º n.º 765/09.4PRPRT.A.P1, rel. por Joaquim Gomes e disponível in www.dgsi.pt:
“A realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido regulamentada no art. 333.º cinge-se apenas a duas situações: i) uma por iniciativa do tribunal, em virtude de ausência voluntária do arguido, que tanto pode ser injustificada como justificada, por estar impossibilitado de comparecer (n.º 1); ii) outra por iniciativa e com o consentimento do arguido (n.º 4).
O mesmo já não se passa se se tratar de uma ausência forçada do arguido, não lhe sendo imputável qualquer falta relevante de diligência, que conforme posicionamento desta Relação corresponde a uma nulidade insanável, ainda que o arguido tenha prestado TIR e sido expedida notificação para a sua residência.
Tal sucede “No caso de o arguido se encontrar preso e sendo essa situação do conhecimento do Tribunal, …, sendo irregular qualquer comunicação efectuada para uma das residências indicadas no TIR, enquanto perdurar essa prisão” [Ac. TRP 2007/Jan./01] ou então se “…. o arguido se encontrar preso, depois de ter sido notificado da data da audiência de julgamento, sendo por essa razão que não comparece a esta” [Ac. TRP de 2009/Out./21]”.
É certo que a prisão do arguido foi ordenada no âmbito de outro processo e noutra comarca e o tribunal a quo não tinha, seguramente, conhecimento desta situação especial em que se encontrava o arguido quando procedeu à sua notificação por aviso postal.
Mas esta circunstância é totalmente irrelevante para a decisão da causa.
Como justamente se observou no douto Ac. da Rel. de Coimbra de 9-2-2011:
É certo que o tribunal não tinha conhecimento desta conjuntura quando enviou a notificação, mas isso em nada altera a situação, uma vez que foi o próprio Estado que, emaranhado nas teias da burocracia que ele próprio desenvolve, não criou as condições para que esse conhecimento estivesse ao alcance do Órgão Tribunal, que era a entidade competente para levar a cabo a mesma. E disso não tem o arguido culpa.
Aliás, o próprio Estado reconhece que, estando alguém preso as regras da notificação têm que sofrer alterações: é o que resulta do nº 1, do artº 114º, onde se determina que “a notificação de pessoa que se encontrar presa é requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado”.
Conclui-se, deste modo, que o arguido não foi notificado para um acto – audiência de julgamento – cuja presença, sem prejuízo das ressalvas contempladas na lei, é obrigatória.
Por isso, foi cometida a nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do artigo 119º. do CPP
Na verdade, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, a ausência do arguido a que se refere o artigo 119.º, nº1, al.c) do CPP não se reporta apenas à mera ausência física, mas também à ausência do acto ou diligência processual (notificação) que coarcte ao arguido a possibilidade de escolha de estar ou não presente em julgamento – neste sentido, cfr., v.g., Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Civil, Lisboa, 2007, pág. 310, os Acs do STJ de 10-1-2001, proc.º n.º 10343/00-3ª, rel. Cons.º Santos Monteiro, in www.pgdlisboa.pt., de 4-10-2006, proc.º n.º 06P2048, Cons.º Silva Flor, e o Ac. da Rel. do porto de 19-4-2006, proc.º n.º 0545429, rel. Isabel Pais Martins, ambos in www.dgsi.pt, ,
Esta nulidade, mesmo que não fosse invocada, deveria ser oficiosamente declarada, sendo certo que essa declaração torna inválido o acto em que se verificou, bem como os que dela dependem (artº122.º, nº1, CPP). o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado (artº 122.º, nº 1).
No mesmo sentido do agora decidido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 9-2-2011, proc.º n.º 522/01.6TACBR, rel. Luís Ramos, os acs da Rel. do Porto de 2-5-2007, proc.º n.º 0612305, rel. Augusto Carvalho, de 17-1-2007, proc.º n.º 0416187, de 21-10-2009, proc.º n.º 225/08.0GBVNG.P1, de 12-1-2011, proc.º n.º 508/10.0GAMA1.P1, de 16-5-2012, proc.º n.º 280/10.3SMPRT.P1, de 4-7-2012, proc.º n.º 765/09.4PRPRT.A.P1, todos rel. por Joaquim Gomes e disponíveis in www.dgsi.pt e o Ac. da Rel. de Lisboa de 23-11-2011, Proc. n.º 322/07.0peoer-A.L1 3ª Secção, rel. Telo Lucas, in www.pgdlisboa.pt.
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III- Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, e, consequentemente:
1) Declara-se nulo o julgamento efectuado na ausência do arguido, bem como todo o processado posterior que com ele está relacionado
2) Determina-se a realização de novo julgamento nos termos legais
*
Sem tributação.
Processo nº 706/08.6GAFLG
Voto de Vencido
Julgaria o recurso improcedente, pois entendo, tal como no projecto que elaborei, que, não só não tem razão o arguido quanto à falta de notificação para audiência mas também quanto ao não ter praticado os factos, pois face à prova produzida, outra não poderia ser a posição do Tribunal sobre os mesmos.
Na verdade, e quanto à questão de fundo, o arguido fica-se pela afirmação gratuita de que não praticou os factos, não apresentando um argumento que seja em sentido contrário ao decidido.
Questão diferente, e que está na origem deste voto de vencido, é a da regularidade ou não da sua notificação.
Como diz o Exmº Procurador-Geral Adjunto, a tese do arguido é reprodução do entendimento do acórdão da Relação de Coimbra de 09-02-2011, pº 522/01.6TACBR, com o qual não concorda e nem eu posso concordar.
Com efeito, sem prejuízo de contextos factuais diferentes, entendo que o que releva no caso presente é a obrigatoriedade de o arguido não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado – artº 196º CPPenal .
Este procedimento é exigível em quaisquer circunstâncias em que o arguido não esteja afectado nos seus poderes de expressão de vontade (coma ou doença que o incapacitasse, por exemplo) e mesmo que seja “forçado” a mudar ou ser mudado para outro lugar ou residência, incluindo para um estabelecimento prisional.
O facto de ter sido ordenada, noutro processo, e noutra Comarca, a prisão do arguido não transfere para o Estado a obrigação de comunicar, urbi et orbi, a sua nova localização.
O arguido, ele sim, é que sabia que tinha em curso o presente processo, no qual tinha, e continuou a ter, obrigação de actualizar a sua localização.
Aliás, no TIR de fls. 34, assinado pelo arguido, consta, não só tal obrigação, como também a advertência expressa de que o seu incumprimento legitima a realização da audiência na sua ausência (artº 333º do CPPenal ), tal como aqui ocorreu.
O arguido, pelo facto de se encontrar detido, acaba até por ter uma posição privilegiada quanto aos demais arguidos, pois que em ambos os processos se encontra representado e pode manter contacto com o advogado (que até pode ser o mesmo).
Mais ainda, e é um direito que lhe assiste, pode entender ser do seu interesse não vir prestar aos autos a informação de que se encontra detido.
Como consequência da tese que fez vencimento, em bom rigor, nenhum julgamento se pode iniciar na ausência do arguido sem que previamente se oficie e obtenha informação junto de todos e cada um dos estabelecimentos prisionais no sentido de saber se por acaso aí não se encontrará o arguido ausente.
E ficará a hipótese de se encontrar detido apenas policialmente, antes ou durante uma validação judicial da detenção.
Questão diferente, de que aqui não cuidamos, seria a hipotética não notificação para o estabelecimento prisional num caso em que o mesmo Tribunal tivesse conhecimento (oficioso, particular, fosse qual fosse a fonte) da prisão.
Nestes termos, com tais fundamentos, e como se disse, decidiria julgar o recurso improcedente.