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CIRE
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
PREJUÍZO
Sumário
Caso se entendesse integrar na previsão da alínea d) do nº 1 do artº 238º do CIRE os prejuízos decorrentes da simples mora no cumprimento de obrigações pecuniárias por parte do insolvente, seria desnecessária e redundante a complementar e autónoma exigência de prejuízo para os credores por força do atraso na apresentação à insolvência, bastando, para fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante a previsão do mero atraso na apresentação à insolvência previsto no proemio da referida norma.
Texto Integral
Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – Relatório.
Os autos de insolvência 2013/12.0TBGMR iniciaram-se com a apresentação à insolvência de F… e de M…, tendo estes, no requerimento inicial requerido a exoneração do passivo restante.
A 18 de Abril de 2012 foi declarada a insolvência dos requerentes.
O Sr. Administrador da Insolvência (AI) pronunciou-se no sentido do deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, mas alguns credores manifestaram posição contrária.[1]
Foi seguidamente proferido despacho de indeferimento liminar de exoneração do passivo restante, porque consideradas verificadas as situações previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artº 238º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).
De tal despacho vieram os requerentes a interpor recurso de apelação, concluindo a sua alegação com as seguintes conclusões:
''I - Vem o presente recurso interposto do despacho proferido (Ref.ª 9435124) nos autos supra referenciados, que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante requerido pelos Apelantes.
II - A decisão recorrida não fez a correcta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, ao dar como preenchidas as alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)
III - A alínea d) do art.º 238 do CIRE no n.º 1 preceitua três requisitos cumulativos:
a - Que o devedor se haja abstido de se apresentar à insolvência nos seis meses posteriores à verificação da sua situação de insolvência;
b - Que dessa abstenção resulte um prejuízo para os credores;
c - Que o devedor saiba (ou pelo menos não possa ignorar sem culpa grave) não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
IV - Pelo que, não basta que os insolventes não se apresentem à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, sendo ainda necessário que daí tenha resultado prejuízo para os credores.
V - Ademais, sempre se exige que o prejuízo para os credores seja sério, relevante e directamente decorrente do atraso na apresentação à insolvência por parte dos devedores.
VI - O simples decurso do prazo de seis meses, e o consequente “prejuízo” dos credores, não pode ser avaliado como um requisito autónomo, sendo certo de que uma vez verificada a situação de “prejuízo”, não pode por si só desencadear o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
VII - E, na decisão recorrida não se evidencia que do atraso na apresentação à insolvência tenha resultado para os credores um especial prejuízo, para além daquele que para estes resultava do não cumprimento atempado dos compromissos em que os Apelantes figuravam como devedores.
VIII - Com efeito, o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu Acórdão de 17-05-2012 (in www.dgsi.pt) refere que “o simples acumular de juros de mora, em acréscimo à dívida de capital, não integra o conceito de “prejuízo” causado pelo retardamento na apresentação à insolvência”
IX - Na verdade, dos autos, facto algum foi provado que os Apelantes ao se absterem de se apresentar à insolvência, prejudicaram gravemente os seus credores,
X - Nem se verifica qualquer elemento donde resulte a demonstração directa de qualquer prejuízo para os credores.
XI - Não ocorrendo qualquer uma destas circunstâncias, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para quer tal aconteça, deve o pedido ser, liminarmente, admitido.
XII - Mais, o Tribunal a quo limita-se a tecer conclusões genéricas à alínea d) do art.º 238.º sem que, em momento algum, indique os factos provados em relação a cada um dos requisitos cumulativos e o motivo pelo qual os considera preenchidos;
XIII - Designadamente, não enuncia factos que permitam concluir pela existência de dolo, culpa grave, a intenção de prejudicar os credores, a intenção de se frustrar a pagar aos credores, o prejuízo dos credores e respectivo nexo causal, e a culpa no agravamento da situação como é exigido na alínea referida no despacho de indeferimento.
XIV - O Tribunal a quo ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante aos Apelantes, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o artigo 238.º, n.º 1, alínea d) do CIRE.
XV - As diversas alíneas do nº 1 do artigo 238.° do CIRE estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, não consubstanciando factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração
XVI - Antes, constituem factos impeditivos desse direito, competindo assim aos credores e ao Administrador de Insolvência a sua alegação e prova, nos termos do nº 2 do artigo 342.º do Código Civil.
XVII - O devedor pessoa singular tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de “expressamente declarar” que “preenche os requisitos” para que o pedido não seja indeferido liminarmente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 236º do CIRE; o que foi feito expressamente pelos Apelantes na sua petição Inicial (Ref.ª 2330592).
XVIII - O Administrador de Insolvência pronunciou-se pelo deferimento da exoneração do passivo restante.
XIX - A credora B…, S.A., opôs-se ao deferimento da exoneração (ref.ª 10733799) e, embora tenha invocado a verificação da sobredita alínea d), não alegou qualquer facto ou explicitou em que medida tal incumprimento determinou para si um efectivo prejuízo;
XX - Acresce que, é ainda sobre os credores que impende o ónus de provar que o devedor sabia ou não podia ignorar, sem culpa grave a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, realidade que não sucedeu.
XXI - De facto, a credora B…, S.A. não trouxe para estes autos qualquer elemento de prova de que se verifique qualquer dos pressupostos de que dependeria o indeferimento liminar do pedido apresentado pelos ora Apelantes, como lhe competia.
XXII - Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelos Apelantes.
XXIII - Ao negar o despacho inicial o pedido de exoneração do passivo restante aos Apelantes, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, o artigo 238.º, n.º 1, alínea d) do CIRE e artigo 342.º, nº 2 do Código Civil.
XXIV - Os Apelantes celebraram um contrato de aluguer operacional com a credora B…, S.A.;
XXV - Tendo a credora B…, S.A. exigido que fosse assinada pela Apelante M… e pelo Apelante F…, como avalista, uma livrança, que seria preenchida pela credora, pelo valor que fosse devido, fixando-lhe a data de emissão e vencimento, em caso de incumprimento e/ou resolução do contrato supra mencionado, conforme se pode constatar do documento n.º 1 e da oposição à exoneração do passivo restante por parte desta credora (Ref.ª 10733799).
XXVI - Facto que, apenas, aconteceu em 29-03-2012.
XXVII - Pelo que, ao contrário do que depreendeu, erroneamente, como se vê, o Tribunal a quo, não foram os Apelantes quem agravaram a sua situação de insolvência.
XXVIII - No entanto, para fundamentar o indeferimento com base no agravamento da situação de insolvência dos Apelantes, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, a decisão recorrida teria que dar como provado a causalidade de que a situação de insolvência foi agravada por essa conduta, não sendo suficiente a constatação objectiva do comportamento, o que não o fez;
XXIX - Violou, pois, o Tribunal a quo, por erro de interpretação, o artigo 238.º, n.º 1, alínea e) do CIRE.
XXX - A matéria de facto constante dos autos, não possibilita o indeferimento liminar com base no disposto no artigo 238.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CIRE, não se justificando, desde logo, a recusa do pedido de exoneração do passivo restante.
XXXI - Por todo o exposto, e no âmbito dos poderes em que este tribunal superior está investido, deve o despacho em crise ser revogado e substituído por outro que defira o pedido de exoneração do passivo restante.''
Concluem pedindo que o recurso seja julgado totalmente procedente, sendo revogado o despacho recorrido e, consequentemente, sendo deferido o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelos Apelantes.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – Questão a decidir.
Questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A números 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil – CPC - na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do mesmo diploma: Saber se estão preenchidos os fundamentos legais de indeferimento do requerimento de exoneração do passivo previstos no artº 238º, nº 1, alíneas d) e e) do CIRE.
3 – Factos considerados relevantes no despacho recorrido (referidos incontestadamente no relatório apresentado pelo Sr. A.I. e/ou documentados nos autos):
''1 - A declaração de insolvência foi requerida por F… e M… no dia 18.05.2012 – fls. 28.
2 - Veio a ser proferida sentença que declarou os devedores insolventes no dia 28.05.2012 – fls. 39 ss.
3 - Os insolventes não têm quaisquer antecedentes criminais (fls. 16 e 17).
4 - O insolvente marido está desempregado, não auferindo subsídio de desemprego.
5 - A insolvente mulher é operadora de costura de 2ª na sociedade “D…, S.A.”, auferindo o salário mensal bruto de € 497,00.
6 - Os insolventes têm um filho menor, com 13 anos, a estudar.
7 - Os insolventes pagam € 350,00 a título de renda mensal, pela habitação.
8 - As dívidas relacionadas e reclamadas ascendem a € 99.957,83.
9 - A sociedade “P…” foi constituída em Novembro de 2007, tendo como finalidade o comércio de produtos de higiene e limpeza.
10 - Os insolventes detêm quotas da sociedade referida em 9) que consubstanciam 53% do respectivo capital social.
11 - Parte das dívidas referidas em 8) foram contraídas em benefício dessa sociedade.
12 - Em 2009 a sociedade “P…” despediu todos os seus funcionários, passando a laborar exclusivamente com o insolvente marido, que era gerente.
13 - A dívida ao “Banco…, S.A.” ascende a € 12.483,35 e respeita a uma livrança subscrita pelos ora insolventes que se venceu em 28.01.2010 e que foi emitida em 20.08.2007, correndo execução com base nesse título desde 29.06.2010.
14 - A dívida ao credor “P…, S.A.” ascende a € 5.313,42, remonta a 19.03.2007, respeitando ao aluguer de um veículo automóvel da marca Peugeot, modelo Partner, tendo sido acordado o prazo de 48 meses para a respectiva vigência, havendo os insolventes cessado os pagamentos em data não concretamente apurada mas anterior a 09.09.2009; foi instaurada execução para cobrança desta dívida em 30.11.2009.
15 - A dívida ao credor “C…, S.A.” ascende a € 6.612,31 e respeita a um contrato de locação financeira celebrado em data não concretamente apurada, reportando-se o incumprimento a data anterior a 08.10.2008.
16 - O crédito do B… ascende a € 871,44 e é relativo a juros em dívida reportados ao período compreendido entre 30.08.2008 e 07.02.2010.
17 - Em 29.03.2012 a insolvente subscreveu uma livrança, que o insolvente marido avalizou, no valor de € 50.217,20, com vencimento em 13.04.2012, letra essa que foi sacada e endossada por “B…, no âmbito de um “Contrato de Aluguer Operacional”, correndo execução com base nesse título.''.
4 – Conhecendo.
O fundamento da indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante radicou na circunstância de os insolventes se terem tardiamente (apenas em Maio de 2011) apresentado à insolvência quando a sua situação era ''claramente de insolvência pelo menos na segunda metade de 2009'' (fls. 89 dos presentes autos), bem como por terem, em 2012, subscrito (o insolvente) e avalizado (a insolvente) uma livrança no valor de € 50.217,20, assim agravando a sua situação de insolvência, em prejuízo de todos os credores, considerando-se, consequentemente, ''verificadas as situações a que aludem as als. d) e e) do nº 1, do art. 238º, do CIRE".
Segundo a mencionada disposição legal:
1 - O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
(…)
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
(…)
2 - O despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência na assembleia de apreciação do relatório, excepto se este for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.
Consta do despacho recorrido a referência detalhada de duas orientações existentes na jurisprudência e na doutrina sobre a questão dos efeitos do atraso na apresentação à insolvência no passivo do insolvente.
Consta do Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de 18.12.2012, proferido no processo 1394/12.0TBGMR-D.G1 [2] onde o aqui relator interveio como adjunto [3] que: ''Atendendo à letra da norma [4], vemos que a lei recusa liminarmente o pedido de exoneração ao devedor insolvente com o seguinte perfil:
1 - Devedor que não cumpriu o dever de apresentação à insolvência ou que, não estando obrigado a apresentar-se à insolvência, absteve-se desta apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;
2 - Devedor que sabia ou não podia ignorar sem culpa grave que não havia perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica.
Mas a norma que estamos a interpretar põe ainda como condição do afastamento do benefício da exoneração que o incumprimento do dever de apresentação ou a abstenção de apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência cause prejuízo aos credores.
Segue-se do exposto que a conduta do devedor, ainda que diga respeito apenas ao impulso do processo de insolvência, pode afastá-lo do benefício da exoneração. Para que tal suceda é necessário, no entanto, que a conduta omissiva (violação do dever de apresentação à insolvência) ou negligente (abstenção de apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência) prejudique os credores.
A solução é compreensível. Havendo um conflito de interesses entre o devedor (interessado em libertar-se das dívidas) e os credores (interessados em verem satisfeitos os seus direitos), a prevalência do interesse daquele (aqui representada pela exoneração do passivo restantes) só é digna de ser atendida se lhe não for possível apontar nenhum comportamento que tenha prejudicado os interesses destes últimos.
Quando é que se pode dizer que o atraso na apresentação à insolvência traz prejuízos para os credores?
A jurisprudência tem dado respostas divergentes a esta questão.
Segundo algumas decisões jurisprudenciais, o incumprimento do dever de apresentação à insolvência ou a apresentação tardia fazem presumir a existência de prejuízo para os credores, pois na generalidade dos casos, quanto maior seja a demora, maior será o prejuízo, seja pelo atraso na cobrança, seja pelo aumento do passivo através do avolumar dos juros de mora, seja pela mais provável depreciação do património do devedor. Tiveram este entendimento, entre outros, os seguintes acórdãos:
O acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 7-09-2010, processo n.º 72/10.TBSEI, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrc;
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-12-2010, processo n.º 326/10.5T2AVR, http://www.dgsi.pt/jtrc;
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2011, processo n.º 7523/10.1T2SNT, http://www.dgsi.pt/jtrl;
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-06-2011, processo n.º 23502/10.6T2SNT, http://www.dgsi.pt/jtrl;
O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12 de Julho de 2010, Colectânea de Jurisprudência Ano XXXV, Tomo III/2010, páginas 294 a 297.
Segundo outro entendimento, o aumento dos juros de mora não constitui prejuízo para efeitos do disposto no artigo 238º, n.º 1, alínea d), do CIRE. O prejuízo pressupõe a prova de um efectivo e concreto prejuízo, resultante designadamente de actos de extravio ou dissipação do património ou de contracção de novas dívidas.
A título de exemplo citam-se os seguintes acórdãos:
1 - O acórdão do STJ de 22-03-2011, proferido no processo n.º 570/10.5TBMGR, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj.
2 - O acórdão do STJ de 3-11-2011, proferido no processo n.º 85/10.1TBVCD, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj.
3 - O acórdão do STJ de 24-01-2012, proferido no processo n.º 152/10.1TBBRG, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj.
4 - O acórdão do STJ de 19-04-2012, proferido no processo n.º 434/11.5TJCBR, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj.
5 - O acórdão o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-09-2011, processo 2786/10. 5TBVIS, http://www.dgsi.pt/jtrc;
6 - O acórdão do Tribunal da relação de Coimbra, de 13-09-2011, processo n.º 579/11.1TBVIS, http://www.dgsi.pt/jtrc;
7 - O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7-06-2011, processo n.º 460/10.1TBESP, http://www.dgsi.pt/jtrc;
8 - O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Maio de 2011, processo n.º 883/10.6T2AVR, http://www.dgsi.pt/jtrc;
9 - O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-04-2011, processo n.º 885/10.2T2AVR, http://www.dgsi.pt/jtrc;
10 - O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-02-2010, processo n.º 1793/09.5.TBFIG, http://www.dgsi.pt/jtr.
11 - O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-06-2011, proferido no processo n.º 1189/10.6TYLSB, http://www.dgsi.pt/jtrl;
12 - O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-03-2011, processo n.º 444/10.0TBPNT, http://www.dgsi.pt/jtrl;
13 - O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-12-2010, processo n.º 2575/09.0TBALM, http://www.dgsi.pt/jtrl;
14 - O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-04-2011, processo n.º 3271/10.TBMAI, http://www.dgsi.pt/jtrp.
Na doutrina, Catarina Serra pronuncia-se sobre esta questão começando por reconhecer que "o atraso na apresentação à insolvência conduz invariavelmente a um conjunto de consequências nefastas para os credores: o activo reduz-se por força das execuções singulares dos credores e, em princípio, desvaloriza-se com o decurso do tempo; em contrapartida, o passivo aumento, seja em virtude da contracção de novas dívidas, seja do decurso de juros, seja da constituição do devedor na obrigação de pagamento de custas judiciais que fiquem a seu cargo como parte vencida" [...]. A autora interroga-se, no entanto, perante a alusão (autónoma) da alínea d), do n.º 1, do artigo 238.º do CIRE, ao "prejuízo para os credores", se é suficiente, para se configurar o prejuízo (mediante o funcionamento da presunção ou a produção de prova), a ocorrência de alguma das consequências nefastas que indicou. E a resposta que dá a esta questão é a seguinte (página 140): "para que a norma se aplique será preciso, …, que entre a não apresentação atempada à insolvência e o prejuízo para os credores se verifique um nexo de causalidade".
Nesta controvérsia, este tribunal perfilha do entendimento de que o preceito em exame, ao dispor que "o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência, ou não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores" , não consente a interpretação de que a lei presume que os credores são prejudicados com o incumprimento do dever de apresentação à insolvência ou com a apresentação tardia.
Se assim fosse, ficaria sem sentido, como assinalam a autora acima citada e as decisões indicadas em segundo lugar, a referência "ao prejuízo para com os credores".
A favor do entendimento que perfilhamos depõe ainda o seguinte argumento retirado da unidade da ordem jurídica [artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil]. Quando o CIRE recorre a presunções, di-lo expressamente, como sucede, por exemplo, nos artigos 18.º, n.º 3, 39.º, n.º 9, 120.º, n.º 3, e 186.º, n.º 3.
Segue-se do exposto que o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 238.º do CIRE, pressupõe a prova de que o devedor causou prejuízo aos credores, ou a alguns credores, por não ter cumprido o dever de apresentação à insolvência ou por se ter apresentado tardiamente.
Além disso, considerando a norma do artigo 13.º do CIRE, segundo a qual "no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados", a decisão do juiz sobre a questão do prejuízo pela apresentação tardia à insolvência ou sobre a questão de saber se o devedor tinha conhecimento ou não podia ignorar, sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, só pode ser tomada com base em factos que tenham sido alegados pelo requerente, pelos credores e pelo administrador, aquando da audição prevista no n.º 2 do artigo 238.º, do CIRE, ou com base em factos notórios ou de que o tribunal tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções [no sentido de que os factos que servem de base à decisão carecem de ser alegados administrador pelos credores da insolvência pronunciou-se o acórdão do STJ de 6-07-2011, processo 7295/08.TBRG, http://www.dgsi.pt/jstj. Por seu turno, Adelaide Menezes Leitão, em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2010, no processo n.º 995/09, Cadernos de Direito Privado, 35, página 68, afirma que o ónus de alegação dos factos que configuram causas impeditivas da admissão da exoneração do devedor cabe aos credores e ao administrador de insolvência].
Interpretando o disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, com o sentido e o alcance expostos, é bom de ver que ele não dá guarida à decisão recorrida.
Na verdade, a decisão recorrida, embora tenha interpretado a norma citada no sentido de que a omissão do dever de apresentação ou o atraso na apresentação à insolvência não eram suficientes só por si para indeferir o pedido de exoneração, entendeu, no entanto, que a norma consentia a presunção do prejuízo, que tanto podia consistir no aumento do valor da dívida decorrente da acumulação de juros, como na provável diminuição do património, como nos custos associados ao incumprimento junto do Banco de Portugal, quando estivessem em causa instituições bancárias.
Para a decisão recorrida justificava-se, no caso, a invocação da presunção do prejuízo para os credores, tendo em conta que o atraso na apresentação à insolvência havia sido muito acentuado, que a insolvente não dispunha de qualquer património susceptível de apreensão, que o seu vencimento correspondia ao salário mínimo e que havia instituições bancárias afectadas pelo atraso na apresentação à insolvência, obrigadas a suportar provisões legais junto do Banco de Portugal, como havia sido alegado pelo credor C….
Pese embora o respeito que nos merece a decisão recorrida, a fundamentação que dela consta não tem apoio nem na lei nem nos factos apurados.
Em primeiro lugar, como se escreveu acima, a alínea d) do artigo 238.º não consente a interpretação segundo a qual está ínsito na apresentação tardia à insolvência o prejuízo para os credores.
Em segundo lugar, o vencimento de juros no período da "mora na apresentação à insolvência" não pode considerar-se prejuízo, para efeitos do disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea d), pois eles sempre se venceriam ainda que a requerente se tivesse apresentado tempestivamente à insolvência. Neste caso, seriam considerados créditos subordinados (artigo 48º, alínea b), do CIRE [a favor deste entendimento cita-se acórdão do STJ de 21-10-2010, processo n.º 3850/09.9TBVL http://www.dgsi.pt/jstj].
Em terceiro lugar, não há o mais leve indício de que tenha havido diminuição do património da requerente entre o momento em que ela se tornou insolvente e aquele em que ela se apresentou à insolvência.
Em quarto lugar, não está provada a alegação da C… segundo a qual o atraso na apresentação à insolvência obrigou-a à constituição de provisões legais por força do agravamento do crédito, designadamente dos juros. A verdade é que ainda que estivesse, a constituição de provisões não constituiria prejuízo que tivesse como causa o atraso na apresentação à insolvência. Como se escreveu no acórdão do STJ de 19-04-2012, proferido no processo n.º 434/11.5TJCBR, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj, "a cativação de verbas que as instituições bancárias estão obrigadas a fazer junto do Banco de Portugal, face aos incumprimentos, não pode ser considerada um prejuízo, nos termos acima assinados. Trata-se, manifestamente, de uma consequência automática do incumprimento em relação a essa instituições, excluindo, portanto, qualquer possibilidade de haver um juízo ético com base nele sobre a conduta do devedor".
Por último, nem sequer se pode dizer que o atraso na apresentação à insolvência tenha atrasado a liquidação do património da insolvente e a repartição do respectivo produto pelos credores, pois a insolvente, para além dos rendimentos provenientes do trabalho, não tem quaisquer outros bens.
A verdade é que, mesmo que a insolvente fosse titular de bens móveis ou imóveis e o atraso na apresentação à insolvência retardasse a liquidação do património e a repartição do produto obtido pelos credores, este prejuízo, enquanto consequência necessária da apresentação tardia à insolvência, não é tido em vista pela alínea d), do n.º 1, do artigo 238.º, pois, de contrário, a mera apresentação tardia implicaria sempre o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, o que tornaria inútil, como se escreveu acima, a referência que no preceito é feita ao prejuízo que a apresentação tardia causa aos credores.''
Acresce que, continuando-se a citar o referido Acórdão "se acaso o legislador pretendesse abarcar com tal previsão [a da alínea d) do nº 1 do artigo 238.º do CIRE] os prejuízos decorrentes da simples mora no cumprimento de obrigações pecuniárias, seria desnecessária a expressa alusão à causação de danos por força do atraso na apresentação à insolvência, bastando apenas que previsse o atraso na apresentação à insolvência para que tais danos fossem contemplados. Neste quadro normativo, ao autonomizar a provocação de danos consequentes do retardamento na apresentação à insolvência, afigura-se-nos que o legislador terá tido em vista algo mais do que os simples juros advindos da mora no cumprimento de obrigações pecuniárias. Tendo em conta a teleologia subjacente ao instituto de exoneração do passivo restante, parece que tal requisito visará a prática pelo devedor de actos que levem à dissipação do património ou à contracção de novas responsabilidades após a verificação da situação de insolvência." [5]
Considerando tudo o supra-exposto, que se subscreveu e que aqui se reitera, entendemos inexistir fundamento para se indeferir a exoneração do passivo restante ao abrigo da citada alínea d).
Também é invocado, como acima referimos, o disposto na alínea e) desse mesmo nº 1 para fundamentar o indeferimento.
Sobre tal fundamento, sublinha-se que o que se sanciona no artº 238º, nº 1, alínea e) do CIRE é a conduta culposa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º.
Ora, nada nos autos indica ou, pelo menos, indicia com toda a probabilidade, que os insolventes agiram com culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência, considerando-se para o efeito o previsto nesse artigo 186º [6].
Nestes termos, a alínea e) do nº 1 do artº 238º do CIRE também não permite o indeferimento da pretensão dos insolventes.
5 – Dispositivo.
Pelo exposto, os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida, admitindo-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
Custas pela massa insolvente. (artigos 303º e 304º do CIRE)
Guimarães, 22 de Janeiro de 2013
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[1] Cfr. fls. 68/77 e 80.
[2] Relatado pelo Sr. Desembargador Beça Pereira e, tanto quanto é do nosso conhecimento, não publicado.
[3] Reproduzindo-se, por seu turno, o texto do Acórdão da Relação de Coimbra de 29-05-2012 proferido no processo 1252/11.6TQAVR, relatado pelo Sr. Desembargador Emídio Santos.
[4] A alínea d) do n.º 1 do citado artigo 238.º.
[5] Acórdão da Relação de Coimbra de 13.09.2011 proferido no Processo 579/11.1TBVIS-D.C1, disponível em www.gde.mj.pt.
[6] Que, recorde-se, no nº 2 dispõe que:
2 - Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º.
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Edgar Gouveia Valente
Paulo Duarte Barreto
Filipe Nunes Caroço