INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
CONTRATO-PROMESSA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário

I. A celebração do contrato promessa de partilhas ocorrida na pendência do processo de inventário, não obstante a sua validade, não constitui obstáculo ao prosseguimento do inventário judicial, dado que não lhe retira razão de ser.
II. Pelo contrato promessa de partilha as partes contratantes prometem realizar a partilha dos bens comuns do casal.
III. Assim, só a escritura prometida realizar poderia pôr termo definitivo à comunhão dos bens do casal.
IV. Não tendo essa escritura de partilha sido feita, não poderá o contrato promessa constituir obstáculo ao prosseguimento do inventário, não lhe retirando razão de ser.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No presente processo de inventário para partilha de bens em caso de divórcio, em que é Requerente A…. e cabeça de casal B…., veio a ser proferido o seguinte despacho judicial:
“Ao contrário do que parece ser entendimento do cabeça-de-casal, a outorga de contrato-promessa de partilha não inutiliza a presente lide, pois que enquanto não estiver partilhado o património comum do casal existirá sempre o que partilhar.
Também a questão do valor dos bens relacionados se não encontra ultrapassada, pois que no mencionado documento as partes não acordaram na fixação de um valor concreto aos bens, a valer igualmente em sede de inventário, mas sim em, no futuro, fazerem as partilhas de uma determinada maneira, adjudicando os bens relacionados pelos respectivos valores patrimoniais.
Como tal, renovo integralmente o despacho de 122”.
Inconformado com este despacho, recorreu o interessado B…., o qual formulou na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:

1. Em 02/12/2011, na pendência do processo de inventário, os interessados B…. e A…., respectivamente como segundo e primeira contratantes, entenderam-se quanto à partilha dos bens comuns e outorgaram notarialmente um contrato promessa de partilha;
2. Conforme resulta, quer da relação de bens, quer do contrato promessa de partilha, os bens imóveis relacionados, a cuja partilha se procede nos presentes autos, correspondem exactamente àqueles objecto da promessa, sendo reconhecidos por ambos os interessados como os únicos bens comuns do casal (cfr. cláusula segunda do contrato promessa, que aqui se dá como inteiramente reproduzido);
3. O contrato promessa de partilha não foi resolvido, sendo, por isso válido, além de que foram pagas e recebidas tornas, e foram adjudicados bens a um e a outro promitentes, os quais entraram, inclusive na posse dos bens adjudicados;
4. Em 6 de Setembro do corrente ano, alegando justamente a existência do contrato promessa, o recorrente requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quando o não fosse por efeito de transacção, nos termos do artigo 287.º, alínea e), do C. Civil, e que melhor decorrem da peça de fls., que aqui pretende, igualmente, como inteiramente reproduzida;
5. Havendo discordância quanto a valores de imóveis, na mesma peça o recorrente mais requereu a dispensabilidade da avaliação dos mesmos em face de posterior acordo quanto a essa matéria no contrato promessa de partilha;
6. Não obstante, a Mma. Juiza a quo, entendeu que não havia motivo para a extinção da instância com o fundamento de que. enquanto não estiver partilhado o património comum do casal existirá sempre o que partilhar, e que no contrato promessa as partes não acordaram na fixação de um valor concreto aos bens, a valer em sede de inventário, mas sim em, no futuro, fazerem as partilhas de uma determinada maneira, adjudicando os bens relacionados pelos respectivos valores patrimoniais..
7. Consequentemente ordenou o prosseguimento dos autos e o acto de avaliação;
8. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo parece não ter razão, porquanto:
9. Subjacente ao contrato promessa de partilha existe um acordo extrajudicial dos sujeitos processuais que intervêm no processo judicial de partilha, que o mesmo é dizer, inerentemente a ele, coexiste o contrato de transacção previsto no artigo 1248.º do C. Civil;
10. Por efeito do contrato promessa, a regulamentação jurídica respeitante à partilha dos bens do casal acha-se, agora, transferida para o domínio do cumprimento ou não cumprimento do contrato promessa (de partilha);
11. Os motivos acima indicados determinam, individualmente e no seu conjunto, a extinção da presente lide, nos termos previstos no artigo 287.º, alíneas d) e e), do C. P. Civil;
12. Com a extinção da lide, por efeito do contrato promessa de partilha, inútil se torna também o acto de avaliação dos bens em sede de inventário.

Contra-alegou a interessada A… defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Para o conhecimento do recurso relevam os factos expostos no relatório, a que acrescem: Por meio de contrato celebrado em 2 de Dezembro de 2011, no Cartório Notarial de Guimarães, o cabeça de casal e a requerente A…. prometeram proceder à partilha dos bens relacionados nos autos, nos termos que se extraem do documento junto a fls.
Com a junção aos autos do contrato-promessa de partilha pelo cabeça de casal este requereu que se julgasse extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artº 287º, al. e) do CPC.
Na sequência deste requerimento veio a ser proferido o despacho objecto do presente recurso, determinando o prosseguimento dos autos, com a consequente avaliação dos imóveis sujeitos a partilha, em sede de inventário.

O Direito
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes ((artºs 684º,3 e 685º-A, do CPC) a única questão a decidir no recurso é a de saber se com a junção do contrato-promessa de partilha, deveria o tribunal ter julgado extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artº 287º al. e) do CPC.
Vejamos.
O contrato promessa consiste na convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (artº 410º do CC). E cria a obrigação de contratar, isto é, a obrigação de emitir uma declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. Trata-se de uma obrigação de facto positivo.
Com o contrato promessa para partilha dos bens comuns do casal, os ex-cônjuges obrigam-se efectivamente a proceder à partilha duma certa forma.
Estabelece o artigo 1788º do CC que o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte… O divórcio é, pois, equiparado, em princípio, à dissolução do casamento por morte dos cônjuges. De resto, estabelece o artigo 1688º que “as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução…do casamento”. A dissolução consiste efectivamente na extinção da relação matrimonial, com as consequências que daí decorrem. E “cessadas as relações patrimoniais ente os cônjuges, estes…recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum...”(artº 1689º).
Poderão, então, os ex-cônjuges proceder à partilha dos bens comuns. E esta será feita extrajudicialmente (desde que haja acordo nesse sentido) ou através de inventário (artºs. 2101ºe 2102º do CC e 1404º do CPC).
A celebração do contrato promessa de partilhas (no caso vertente, ocorrida na pendência do processo de inventário) não obstante a sua validade, não constitui obstáculo ao prosseguimento do inventário judicial, dado que não lhe retira razão de ser. É certo que o contrato promessa impõe às partes a celebração do contrato prometido, ou seja, neste caso, a formalização da partilha nos termos acordados. Dele resulta a prestação de facto positivo: a obrigação de, no futuro, proceder à partilha nos termos acordados.
Pelo contrato promessa de partilha foi prometido realizar a partilha dos bens comuns do casal, que é o acto adequado a pôr termo à universalidade de direito que constitui a comunhão de bens do casal.
Mas, um contrato promessa de partilha não pode titular e legitimar uma partilha - não passa de uma simples promessa que pode ou não ser cumprida ( cfr. Acórdão nº 99B978 de Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Janeiro de 2000, acessível em www.dgsi.pt).
Assim sendo, só a escritura prometida realizar poderia pôr termo definitivo à comunhão dos bens do casal.
Porém, essa escritura de partilha não foi feita.
Daí que o contrato promessa de partilha não constitua obstáculo ao prosseguimento do inventário judicial, não lhe retirando razão de ser.

Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 14 – 02 - 2013

Relator: Amílcar Andrade
Adjuntos: Manso Rainho
Carvalho Guerra