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RESPONSABILIDADE CIVIL BANCÁRIA
REVOGAÇÃO DE CHEQUE
RECUSA DE PAGAMENTO
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário
1- No prazo de oito dias, após a apresentação de cheque a pagamento, a contar da data da emissão indicada no mesmo, ao abrigo do disposto no do artigo 32 da LUCH, é ilegítima qualquer recusa de pagamento, mesmo por indicações do sacador, excepto se envolver justa causa. 2 – Neste caso, o sacador terá de alegar factos concretos, integradores da justa causa, que o banco sacado terá de analisar com prudência, espírito crítico dum profissional qualificado na matéria, ao abrigo das instruções do Banco de Portugal, sobre a revogação de cheques. 3 – Só deve recusar o pagamento com base na justa causa invocada se se convencer, indiciariamente, pela probabilidade séria de que a versão apresentada corresponde à realidade. 4 - O dano há-de corresponder ao valor da prestação a que o tomador dos cheques tem a receber aquando da sua apresentação a pagamento, independentemente do fundamento de não pagamento. 5 - O nexo de causalidade há-de traduzir-se na relação entre a recusa ilegítima do pagamento e o não recebimento da prestação incorporada nos cheques.
Texto Integral
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães
A autora C…, SRL., com sede em …, Pisa, Itália, intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra o réu BANCO…, SA., com sede …, no Porto, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €18.769,31 (dezoito mil setecentos e sessenta e nove euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos que calcula na quantia de € 1.487,44 (mil quatrocentos e oitenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos) e vincendos a calcular à taxa legal supletiva desde a propositura da acção até integral pagamento.
Na pendência da causa foi admitida a intervenção acessória provocada da interveniente C…, LDª para acautelar o eventual direito de regresso do réu.
Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a elaboração da base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal.
A final foi proferida decisão que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Inconformada com o decidido, a autora interpôs recurso de apelação, formulando conclusões.
Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.
Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões, a saber:
1 – Se foi legítima a recusa de pagamento dos cheques apresentados a pagamento pela autora à ré.
2 – Se a ré agiu com culpa.
3 – Se o cancelamento causou danos à autora e se há nexo causal entre o dano e a recusa.
Vamos fixar a matéria de facto consignada na decisão recorrida, que passamos a transcrever:
A interveniente C…, L.da entregou à autora os seguintes cheques:
Número Data de Emissão Valor
2959123052 20.01.2009 € 4.483,75
2059123053 30.01.2009 € 4.483,75
1159123054 15.02.2009 € 4.483,75
0259123055 28.02.2009 € 4.483,75
9059123056 15.03.2009 € 4.483,75
Total € 22.418,75
2. Estes cheques eram sacados sobre uma conta aberta no réu;
3. Estes destinavam-se a entregar à autora a quantia relativa a produtos que esta forneceu à interveniente;
4. No prazo de oito dias após a data de emissão, a autora apresentou estes cheques a pagamento;
5. Estes cheques foram apresentados a pagamento no Banco… e apresentados a compensação no Banco de Portugal;
6. No dia 4 de Novembro de 2008, a interveniente apresentou junto do réu cinco declarações de extravio relativas aos cheques que tinha entregue à autora;
7. Estas declarações de extravio foram apresentadas através da plataforma informática denominada B…;
8. O réu devolveu estes cheques à autora com a indicação de extravio;
9. Os cheques não foram extraviados;
10. Poucos dias antes da declaração de extravio destes cheques, a interveniente havia apresentado junto do réu uma declaração de extravio de outros três cheques no valor de € 5.090,55;
11. No mês de Junho de 2010, a interveniente apresentou junto do autor uma declaração de extravio de outro cheque no valor de € 1.500,00;
12. No dia 26 de Novembro de 2008, a autora enviou ao réu uma carta em que informava que as declarações de extravio dos cheques não correspondiam à verdade e que se tratava de uma forma de a interveniente não entregar as quantias que lhe eram devidas;
13. Esta carta foi acompanhada de uma carta que a interveniente enviou à autora no dia 7 de Novembro de 2008 em que informava que considerava que esta não tinha cumprido as obrigações que havia assumido e tinha dado ordens de cancelamentos de todos os pagamentos pendentes;
14. Após ter recebido a carta que foi enviada pela autora, o réu solicitou informações junto da interveniente;
15. A interveniente informou que os cheques que tinha entregue à autora no valor de € 4.483,75 cada um não estavam incluídos na referência às ordens de cancelamento que fez na carta que enviou à autora no dia 7 de Novembro de 2008;
16. Na Execução Comum nº692/09.5TBRG da Vara de Competência Mista deste tribunal, a autora obteve a quantia relativa aos três cheques no valor de € 5.090,55 cada um;
17. No dia 10 de Setembro de 2010, a interveniente foi declarada insolvente por sentença proferida no Processo de Insolvência nº5323/10.8TBBRG do 3º Juízo Cível deste tribunal;
18. Neste processo de insolvência, a autora não conseguiu obter da interveniente a quantia de € 18.593,06.
Vamos conhecer das questões enunciadas.
1 e 2 – A decisão recorrida assentou na licitude da recusa do pagamento dos cheques por parte da ré, porque houve um extravio que foi comunicado pela sacadora, que não está abrangido pelo disposto artigo 32 da LUCH. E o comportamento da ré não é censurável, na medida em que pediu esclarecimentos à sacadora sobre o extravio.
Por sua vez, a autora defende que o tribunal recorrido fez uma interpretação errada do acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2008 de 4 de Abril publicado no DRSI n.º 67, que prevê a obrigação de pagamento dos cheques apresentados a pagamento no prazo de oito dias após a sua emissão, e durante esse período de tempo não pode haver revogação por parte do sacador, ao abrigo do disposto no artigo 32 da LUCH.
Vamo-nos centrar na legitimidade ou não da revogação, se se torna vinculativa para o banco sacado e se o seu comportamento é ou não censurável.
Depois de emitido um cheque por parte do sacador a dar ordens ao banco sacado, o tomador do mesmo pode apresentá-lo a pagamento a qualquer momento, mesmo antes da data que nele conste como de emissão, e o banco sacado deve pagá-lo desde que a conta tenha provisão. Pois o cheque é um título de crédito pagável à vista, como o refere o artigo 28 da LUCH. Porém, se for apresentado a pagamento, antes da data considerada de emissão, e for recusado o pagamento por falta de provisão, o tomador do cheque não fica com qualquer garantia jurídica da recusa de pagamento, não podendo demandar o sacador nos termos do artigo 40 e 41 da LUCH. E isto porque o não apresentou em tempo útil, isto é, dentro do prazo de 8 dias a contar da data que nele consta como de emissão nos termos do artigo 29 do referido diploma. Só apresentado neste período e confirmado pelo sacado que não foi pago por falta de provisão, ou através de protesto, ou duma declaração de uma câmara de compensação, é que o tomador está munido dum título de crédito que lhe possibilita demandar o sacador nos termos do artigo 40. E o que se passa com a apresentação anterior a este prazo de oito dias ocorre, relativamente, a uma apresentação posterior, mesmo que seja uma reapresentação. Na verdade, enquanto o título não for pago, o seu portador é titular dum crédito, que pode ser pago a qualquer altura, depois de recusado uma ou mais vezes, desde que o banco sacado tenha fundos disponíveis na respectiva conta e não haja ordem de revogação eficaz.
E, além disso, o sacado está obrigado a comunicar ao sacador da devolução do cheque por falta de provisão, quando apresentado, em tempo útil, impondo-lhe um prazo para regularizar a situação, e se o não fizer nesse período, deve resolver a convenção de cheques, solicitando ao sacador a entrega de todos os cheques que tenha em seu poder e comunicar ao Banco de Portugal a sua decisão, para que este faça circular por todos os bancos do país que o sacador está na lista de utilizadores de risco (conferir DL. 459/91 de 28 de Dezembro com as várias alterações, entretanto introduzidas pelo DL. 316/97 de 19/11, DL. 323/2001, de 17/12 e DL. 83/2003 de 24/04). Estes diplomas visam tutelar o cheque de molde a criar confiança na sua utilização por parte dos agentes económicos, convencendo-os de que o cheque é um meio de pagamento seguro. E isto consegue-se também pela tutela penal e administrativa, esta dirigida aos bancos para que sejam mais criteriosos na escolha dos seus clientes, com quem celebrem acordos sobre o uso de cheques, obrigando-os a rescindir os respectivos acordos, se algum cliente não regularizar o cheque ou cheques no prazo determinado, como o já referimos.
E o banco sacado, por força do acordo de uso de cheques, está obrigado a acatar as ordens do sacador relativamente ao não pagamento do cheque, isto é, quando este declare de forma expressa ou inequívoca que o quer revogar. Levanta-se a questão de saber quando é que revogação é eficaz, produz efeitos e vincula o sacado, e quando é que o não é, apesar de ter sido emitida.
Isto tem a ver com a interpretação do artigo 32 da LUCH. Esta questão tem sido discutida na doutrina e jurisprudência, estando divida em duas correntes. Uma que defende que o sacado não é responsável perante o portador, mas antes face ao sacador, seja qual for a posição que tome perante a revogação de cheques, no período de apresentação, fundamentando-se na revogação tácita do artigo 14 do Decreto 13004 de 12 /1/27, com a entrada em vigor da Lei Uniforme de Cheques, que, no seu artigo 32, regulou a matéria desse normativo, e que deve ser interpretado no sentido de que o sacado pode livremente aceitar ou não a revogação dos cheques (conferir – Ac. STJ. 22/10/43, Boletim Oficial ano II, pag. 409; Ac. STJ. 20/12/77, BMJ. 272/217; Ac. STJ.10/5/89, BMJ. 387/589; Ac. RP. 5/4/90, CJ. 1990, Tomo II, pag. 227; Filinto Elísio, Revista O Direito, ano 100, pag. 450 e segts.; Ferrer Correia e António Caeiro, Revista Direito Economia, n.º 4, 1978;
A outra defende, por sua vez, que o artigo 32 da L.U.C. não revogou, tacitamente, a 2ª parte do corpo do artigo 14 do Decreto 13004, e que deve ser interpretado no sentido de que o sacado lhe deve obediência, cuja violação implica um acto ilícito, porque ilegal. Daí que, durante o período de apresentação do cheque a pagamento, a revogação do sacador não possa ser acatada pelo sacado, sob pena de praticar um acto ilícito. E isto, porque, segundo aquele normativo, a revogação é ineficaz, o que significa que não produz efeitos, é como se não fosse emitida. Porém, se o sacado a acatar, recusando-se a pagar o cheque, frustrando a ordem de pagamento, está a transformar um acto que se quer ineficaz em eficaz, isto é, a produzir os efeitos não queridos pela norma. E, como esta norma visa proteger a circulação do cheque, patenteada na tutela da confiança do portador do cheque, que espera que o mesmo seja pago pelo sacado, salvo falta de provisão, a sua violação, sem qualquer sanção, implica a negação do próprio sistema, que tem como finalidade última, a circulação do cheque como moeda. Colocará no arbítrio do sacado o pagamento ou não do cheque emitido, com consequências nefastas para a segurança da circulação do cheque, como título de crédito, que necessita de credibilidade. E não será concebível, que o sistema bancário, no exercício da sua actividade, possa pôr em crise a segurança geral do cheque de forma lícita e impune, para proteger clientes. Terá de acatar a norma a quem se dirige, cuja violação implica ilicitude da sua actuação e responsabilidade extracontratual.
Pois, os fundamentos desta responsabilidade não assentam na relação cambiária, nem na convenção de cheques. Emerge dum acto ilícito que, produzindo danos, deverão ser reparados segundo as regras da responsabilidade aquiliana. E é em face disto, que o portador do cheque poderá demandar o sacado caso este viole o artigo 32, conjugando-o com a 2ª parte do corpo do artigo 14 do Decreto 13004 e o artigo 483 e seguintes do C.Civil. Esta responsabilidade faz parte da ordem jurídica, do direito comum, e não da L.U.C., pelo que não contraria os seus princípios (conferir – Ac. RP. 24/4/90, CJ. 1990, Tomo II, pag.238; Assento n.º 4/2000, DR. I Série A, n.º 40, pag. 570 e segts, de 17/02/2000; Ac. Rc. 28/11/2000, CJ. 2000, Tomo V, pag. 24; Ac. STJ. 5/7/2001, CJ (STJ), 2001, Tomo II, pag. 146, para além de outros).
E julgamos que esta corrente jurisprudencial, a que aderimos, é a que melhor se adequa aos fundamentos da tutela do cheque, enquanto título de crédito, que necessita de segurança, para criar a confiança do portador, no sentido do dinamismo das relações comerciais. Se o portador não tiver confiança no sistema bancário, afasta-se do cheque, acabando este por não desempenhar as funções que lhe são peculiares. Para tal, é necessário que o portador sinta que o sacado pode ser demandado quando acate a revogação do sacador, no período de apresentação do cheque a pagamento, como foi decidido pelo Ac. STJ, 4/2008 publicado no DR. Série 1 n.º 67, de 4 de Abril, funcionando como acórdão uniformizador de jurisprudência, onde defende que no período de 8 dias a contar da data de emissão do cheque, isto é, dentro do período de apresentação em que o sacador é obrigado a dispor de fundos suficientes para o pagamento do cheque, o sacado não pode recusar o pagamento com fundamento na ordem de revogação. Durante este período o portador do cheque goza de segurança suficiente para o apresentar, sabendo que, se não tiver fundos disponíveis, pode demandar o sacador civil ou criminalmente, e ainda pode contar com o não acatamento do sacado perante alguma revogação, sob pena de vir a ser responsabilizado extracontratualmente.
O que quer dizer que a revogação do cheque só pode produzir os seus efeitos a partir do termo dos oito dias, considerados de apresentação a pagamento, com as consequências acima aludidas. É o que resulta do disposto na segunda parte do artigo 32 da LUCH. Segundo este segmento da norma, o sacado pode pagar o cheque depois de findo este prazo, se não tiver havido revogação.
E é também com a proibição legal de acatamento da revogação por parte do sacado, geradora de responsabilidade civil extracontratual para este, que se consegue dar e manter a confiança necessária ao portador do cheque, para que este possa circular e realizar o seu fim económico.
Nos fundamentos do acórdão uniformizador de jurisprudência 4/2008 admite-se a oposição por parte do sacador, no sentido de sustar o pagamento de algum cheque que tenha saído da esfera jurídica contra a sua vontade, de acordo com as instruções do Banco de Portugal, devendo, para tal, indicar, em termos concretos, os motivos que levam à oposição de pagamento, para que o banco sacado possa analisar, nos termos das instruções de controle, se deve aceitar ou não a oposição, se a deve considerar como justificada. E considera que esta oposição não configura o conceito de revogação ínsito na primeira parte do artigo 32 da LUCH.
Seguindo esta perspectiva, foi criada uma corrente jurisprudencial no STJ, que defende que é admissível a revogação com justa causa, em que o sacador pode ordenar ao banco sacado o cancelamento do cheque, desde que alegue factos concretos justificativos da justa causa, para que este, criteriosamente, com espírito crítico e profissional, os possa analisar e concluir ou não pela probabilidade séria da existência de indícios que levem a acreditar na versão apresentada. E se se convencer da existência dos indícios, pode recusar o pagamento do cheque, sem qualquer responsabilidade, porque se está perante uma revogação com justa causa (Conf. Ac.STJ. de 2.02.2010 e Ac.STJ. 29.04.2010 in www.dgsi.pt.).
Esta corrente jurisprudencial está de acordo com o pensamento do acórdão uniformizador de jurisprudência aludido, na medida em que só permite a recusa lícita de pagamento do cheque em casos em que este tenha saído do controle, da esfera jurídica do sacador sem sua vontade, mesmo no prazo de oito dias após a sua apresentação a pagamento. O que está em causa é o impedimento de pagamento de um cheque viciado, que entrou no circuito comercial, por meios fraudulentos ou abusivos. E é para acautelar estas situações, que não contrariam a força do cheque, porquanto estamos em presença de um cheque viciado, que é admissível a revogação com justa causa. Mas, para evitar abusos, impõe-se ao sacador o dever de alegação de factos concretos que integrem a justa causa e um controle apertado, diligente e profissional por parte do sacado no sentido de ponderar os indícios que lhe dêem a garantia da probabilidade séria de que o que foi alegado corresponderá à realidade. Deste modo, consegue-se o equilíbrio dos interesses em jogo. Por um lado, a protecção do sacador que pode controlar os cheques que saíram da sua esfera jurídica, sem a sua vontade, e, por outro, os interesses do tomador do cheque, através do controlo apertado por parte do sistema financeiro, que garante a segurança possível da circulação do cheque.
Analisando, agora, a caso em apreço, verificamos que estamos em presença de vários cheques que foram apresentados a pagamento, nos oito dias após a data que consta da sua emissão e que o sacador, no seu verso, apôs-lhe, “ extraviado”, recusando-se a pagá-los. A ordem de cancelamento emitida pelo sacador é meramente formal, na medida em que se limita a indicar o número dos cheques e que se extraviaram, não alegando qualquer facto concreto justificativo do seu extravio. Estamos em presença de uma revogação que terá de ser qualificada sem justa causa, porque não foi alegada, não podendo ser ajuizada pelo banco sacado, não cumprindo os requisitos de segurança apontados. O que quer dizer que se traduz numa revogação propriamente dita, que se integra na primeira parte do artigo 32 da LUCH. E, assim, é ineficaz, impedindo o banco sacado de recusar o pagamento dos cheques com o fundamento de “extravio”. Ao violar a norma praticou um acto ilícito, tornando-se a recusa ilegítima.
E agiu com culpa, na medida em que valorou uma ordem de revogação que não reunia os requisitos expressos na instrução 25/2003 do Banco de Portugal, a que estava vinculado, quando sabia ou devia saber que o não podia fazer.
3 – Aqui levanta-se a questão do dano e do nexo causal entre o dano e a recusa ilícita de pagamento. A autora considera-se lesada no montante incorporado nos cheques cujo pagamento foi recusado, uma vez que não chegou a receber as quantias neles indicadas.
O dano há-de corresponder ao valor da prestação a que o tomador dos cheques tem a receber aquando da sua apresentação a pagamento, independentes do fundamento de não pagamento. Pois incorporam um direito de crédito, que, em termos previsíveis, expectáveis, seria pago no momento da apresentação. Se assim não acontecer, o portador fica com o prejuízo correspondente ao valor do crédito e às despesas que teve na sua apresentação e recusa. Daí que o valor apontado pela autora seja de considerar, porque traduz a prestação a que tinha direito aquando da sua apresentação a pagamento, vindo este a ser recusado.
O nexo de causalidade há-de traduzir-se na relação entre a recusa ilegítima do pagamento e o não recebimento da prestação incorporada nos cheques. Isto é, se a revogação ilícita impediu o recebimento. Isto só aconteceria se se tivesse alegado e provado que no prazo de apresentação a pagamento dos cheques a conta do sacador na ré sacada tivesse provisão. Na verdade, havendo fundos suficientes e estando a ré sacada obrigada a pagar os cheques, e só os não liquidando porque agiu ilicitamente, podemos concluir que se não fosse o acto ilícito, a autora portadora teria recebia a quantia correspondente ao valor dos cheques. E aí a sacada ré teria de responder pelo seu acto ilícito, que gerou prejuízos à autora.
Mas como não foi alegada esta matéria e muito menos provada, não se provou o nexo de causalidade nestas circunstâncias, cujo ónus impende sobre a autora, enquanto elemento constitutivo do seu direito de crédito, emergente da responsabilidade extracontratual da ré.
Se não tivesse sido praticado o acto ilícito, materializado na revogação ilegítima, a ré teria de mencionar no cheque que não foi pago por falta de provisão, notificar a sacadora para regularizar a situação num determinado prazo, que se não cumprisse, teria de comunicar ao Banco de Portugal. E se em face deste comportamento fosse previsível que a sacadora pagaria, então estaríamos perante uma situação de nexo causal entre o não recebimento e a revogação ilícita. O certo é que esta matéria agora apontada e que é relevante ao nível do nexo causal, não foi alegada e muito menos provada.
Assim, não tendo a autora provado que o não recebimento do montante incorporado nos cheques deveu-se à revogação ilícita, não provou o nexo causal, elemento constitutivo do seu direito, a quem impende o ónus da prova, pelo que terá de arcar com as consequências ao abrigo do disposto no artigo 342 n.º 1 do C.Civil, como seja, ver a acção improceder (conferir Ac. STJ. 12/10/2010, Ac. STJ. 18.12.2012, Ac. STJ. 2/02/2010 www.dgsi.pt ).
Concluindo 1- No prazo de oito dias, após a apresentação de cheque a pagamento, a contar da data da emissão indicada no mesmo, ao abrigo do disposto no do artigo 32 da LUCH, é ilegítima qualquer recusa de pagamento, mesmo por indicações do sacador, excepto se envolver justa causa.
2 – Neste caso, o sacador terá de alegar factos concretos, integradores da justa causa, que o banco sacado terá de analisar com prudência, espírito crítico dum profissional qualificado na matéria, ao abrigo das instruções do Banco de Portugal, sobre a revogação de cheques.
3 – Só deve recusar o pagamento com base na justa causa invocada se se convencer, indiciariamente, pela probabilidade séria de que a versão apresentada corresponde à realidade.
4 - O dano há-de corresponder ao valor da prestação a que o tomador dos cheques tem a receber aquando da sua apresentação a pagamento, independentemente do fundamento de não pagamento.
5 - O nexo de causalidade há-de traduzir-se na relação entre a recusa ilegítima do pagamento e o não recebimento da prestação incorporada nos cheques.
Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Guimarães, 9 de abril de 2013
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida