INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
TAXA DE JUSTIÇA
CONVOLAÇÃO
Sumário

1. Do disposto no art. 150º-A n.º 1 e 3 do C.P.C., decorre que o regime aplicável à petição inicial quanto à falta do pagamento da taxa de justiça devida pela prática desse acto é distinto quanto ao trato sancionatório do aplicável às restantes peças processuais, pois que quanto a estas aplica-se o trato previsto para a contestação nos termos do art. 486º-A, n.º 3 do mesmo código e não o previsto para a petição inicial.
2. O requerimento a pedir o chamamento à intervenção principal provocada de determinadas pessoas não tem a natureza de petição inicial, mas sim de mera peça processual da acção já intentada.
3. Se a parte/requerente qualificou indevidamente o incidente de intervenção de terceiros pretendido deve o juiz convolá-lo, oficiosamente, para incidente de terceiro que considera adequado.

Texto Integral

Relatório
A… e mulher intentaram esta acção com processo ordinário contra a Sociedade… e Associação….
As Rés vieram deduzir incidente de intervenção principal provocada de E… e outros, melhor identificados a fls.129 a 131 alegando que, em caso de procedência da causa, têm interesse em que a decisão aqui a proferir faça caso julgado em relação a esses intervenientes, para poderem vir a exercer contra eles direito de regresso.
A parte contrária opôs-se a tal pretensão (cfr. fls.216).
Este incidente foi indeferido aquando da prolação do despacho saneador com duas justificações.
"Não ser o suscitado incidente o meio próprio para almejar tal desiderato e porque as Rés não autoliquidaram a taxa de justiça devida pelo incidente, pelo que o mesmo não pode ser admitido, na medida em que o respectivo requerimento inicial se configura como uma verdadeira petição inicial – cfr. artigos 150º-A/3, 1ª parte, 467º/3 e 474º f). do Código de Processo Civil".
Desta decisão as rés apresentaram recurso cujas alegações terminaram com as seguintes conclusões
1ª Dispondo o n.º1, alínea g) da Lei n.º 159/99 de 14 de Setembro que as pessoas colectivas de utilidade pública – qualidade que ambas as Rés demonstraram – gozam de isenção de custas, e o artigo 4.º, n.º1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais que as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos gozam de isenção de custas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhes estão especialmente confiados, pelo Estatuto ou pela lei, devia ter sido reconhecido às Rés o direito a essa isenção.
2ª Com efeito, o tribunal não podia – para não reconhecer esse benefício – concluir, porque nada apontava nesse sentido, e menos ainda o testamento através do qual as Rés foram beneficiadas com 3 prédios situados em Guimarães, que lhes foram legados por E…, que a deixa testamentária em questão não cabia no âmbito das referidas normas, pois é de presumir que os bens adquiridos pelas duas citadas pessoas colectivas se destinam a obter fins e meios para exercer as suas atribuições, atento o princípio da especialidade (a pessoa colectiva tem os direitos necessários e convenientes à prossecução dos seus fins, mas não tem outros (cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, RDES, 5ª 297); mas se tivesse dúvidas, o Tribunal devia antes e em vez de se precipitar por um indeferimento intempestivo, convidar as Rés para comprovarem o objectivo e o destino dos bens.
3ª Sem prescindir, o Tribunal não podia, como fez, decidir que o requerido incidente de intervenção principal provocada devia ser indeferido por os Réus não terem efectuado o pagamento da correspondente taxa de justiça, sem que antes tivesse de verificar ter sido cumprido o artigo 486º-A, n.º3 do Código de Processo Civil (notificação pela secretaria para efectuar, com multa de igual montante, o pagamento omitido) e o artigo 486º-A, n.º5 do mesmo diploma (despacho judicial convidando o R. a proceder ao pagamento da taxa e multa em falta acrescidos de outra multa), o que foi totalmente omitido, sucedendo que as Rés nem sequer foram notificadas para o pagamento da taxa de justiça inicial, que fizeram espontaneamente.
4ª Tendo as Rés requerido na contestação a intervenção principal provocada das pessoas que alegadamente venderam aos AA os prédios que as RR. adquiriram como deixa testamentária de E…, porque em relação a elas podem, na hipótese de procedência da acção, exercer direito de regresso, não podia o Tribunal, a pretexto de que o incidente adequado era o de intervenção acessória, indeferir o requerido, visto que devia antes, nos termos do artigo 664º do Código de Processo Civil, usando os mesmos factos articulados , deferir a intervenção como intervenção acessória, já que o juiz é livre na qualificação jurídica dos factos articulados.
5ª De qualquer modo, atento o desenho dos factos vertidos nos articulados, (alegada venda a non domino feita pelos pretensos vendedores e declaração de nulidade por simulação dos negócios ajuizados) os invocados intervenientes têm o direito de (enquanto putativos vendedores) intervir na causa a título principal, pois a questão não se põe apenas em relação ao direito de regresso das Rés, mas, antes desse, põe-se em relação à declaração de nulidade dos contratos, pelo que o incidente adequado era o requerido, de intervenção principal provocada.
6ª A decisão recorrida violou, manifestamente os n.º, alínea g) da Lei n.º 159/99 de 14/09, o artigo 4º, n.º1, f) do Regulamento das Custas Processuais, os artigos 325º, n.º1, 323º, 326º, 327º e 664º do Código de Processo Civil.
Termos em que na procedência do recurso, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro em que se reconheça às Rés o benefício da isenção de custas, ou quando desde já tal se não entenda, as Rés notificadas para comprovar que se encontram em condição para obterem tal isenção, e se julgue admissível, deferindo-o, o incidente de intervenção ou na forma requerida ou como intervenção acessória, para se fazer JUSTIÇA!
Invocam as Ré a caducidade do pedido de anulação das disposições testamentárias (cf. fls.146) em causa.
Os Autores nada disseram.
Esta excepção foi julgada procedente e as Rés absolvidas do pedido de anulação das disposições constantes do testamento outorgado por E…, em 26 de Junho de 2005 (prosseguindo os autos para apreciação do pedido de declaração de nulidade das mesmas) porque os próprios Autores admitem que tomaram conhecimento do testamento em causa “há cerca de três anos” (cf. art.º 14º da douta petição inicial, a fls.7), do que decorre evidente a caducidade do pedido de anulação das referidas disposições testamentárias (o mesmo não se verificando, porém, no que tange ao pedido de nulidade das mesmas, invocável a todo o tempo – cf. Art.º 2308º/1 do C. Civil).
Os AA não concordaram com esta decisão e apresentaram recurso que terminaram com as seguintes conclusões
O falecido Prof. E…, dispôs no testamento em referência e pela forma que entendeu, dos prédios dos autos.
As disposições testamentárias, todas elas, não estão cumpridas.
A anulabilidade das mesmas pode ser arguida a todo o tempo, e enquanto as mesmas não forem cumpridas – art.º 287 nº2 do C. Civil.
Não podia, por isso proceder a excepção de caducidade.
As decisões impugnadas, todas elas integrantes do despacho saneador violam, entre outros, os 493 nº2, 494 al. i), 495, 671 nº1 e 673 do C. P. Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V.ªs Exªs, deve o despacho saneador ser alterado por forma a que se indefira a excepção de caducidade de anulabilidade das disposições testamentárias alegadas pelos AA. Vªs Exªs farão justiça

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
. se à falta de pagamento da taxa de justiça no incidente de intervenção de terceiros são de aplicar as disposições relativas à petição inicial.
. se deveria o Sr. Juiz, oficiosamente, ter convolado o incidente de intervenção requerido para o incidente próprio
.se se verifica a caducidade de pedir a anulação de disposições testamentárias

Fundamentação
De Facto
A factualidade relevante para a análise e decisão deste recurso é a que resulta do antecedente relatório que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E ainda a seguinte
Com data de 18 de Setembro de 2012 foi proferida decisão a considerar que as rés não estão isentas do pagamento de custas.
Após tal decisão as rés procederam ao pagamento da devida taxa de justiça correspondente à apresentação da contestação.

De Direito
Antes de mais, cumpre referir que as rés/recorrentes apesar de no requerimento de interposição de recurso dizerem que pretendem interpor recurso do despacho saneador que entre o demais indeferiu a requerida intervenção principal provocada vêm nas suas alegações pretender e pedir a apreciação da decisão proferida com data de 18 de Setembro de 2012 e que considerou que as rés não estão isentas do pagamento de custas.
Todavia a apreciação de tal decisão não é possível, pois nos termos já referidos no despacho datado de 22.01.2013 não obstante toda e qualquer decisão da 1ª instância ser impugnável por meio de recurso, só são susceptíveis de recurso autónomo imediato as decisões que ponham termo ao processo e as demais expressamente indicadas na lei.
Ora, a decisão em causa não coloca termo ao processo nem se encontra entre as indicadas na lei como susceptível de recurso autónomo imediato, antes a discordância acerca de tal decisão deve ser manifestada no recurso que eventualmente seja interposto da decisão final, nos termos previstos no art.º 691º do Código de Processo Civil.
Perante o exposto, nesta altura existe nos autos decisão que considera que as rés não estão isentas do pagamento de custas, decisão esta irrecorrível nesta altura.
Passando pois a apreciação das questões supra enunciadas começamos por dizer que o processo que é um encadeado de actos obedece a um especial formalismo.
Neste caso após a decisão que considerou que as rés não estão isentas do pagamento de custas o processo prosseguiu com as rés a procederem ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação.
Perante esta decisão a apresentação de requerimento a suscitar incidente de intervenção principal determinava o pagamento da correspondente taxa de justiça, o que as requerentes não fizeram nos termos assumidos nas alegações (pág5).
Todavia nos termos referidos pelas recorrentes o Tribunal não podia, como fez, decidir que o requerido incidente de intervenção principal provocada devia ser indeferido por os Réus não terem efectuado o pagamento da correspondente taxa de justiça, sem que antes tivesse de verificar ter sido cumprido o artigo 486º-A, n.º3 do Código de Processo Civil (notificação pela secretaria para efectuar, com multa de igual montante, o pagamento omitido) e o artigo 486º-A, n.º5 do mesmo diploma (despacho judicial convidando o R. a proceder ao pagamento da taxa e multa em falta acrescidos de outra multa), o que foi totalmente omitido.
Este entendimento é aquele que corresponde à correcta interpretação da lei. Com efeito, do disposto no art. 150º-A n.º 1 e 3 do C.P.C., decorre que o regime aplicável à petição inicial quanto à falta do pagamento da taxa de justiça devida pela prática desse acto é distinto quanto ao trato sancionatório do aplicável às restantes peças processuais, pois que quanto a estas aplica-se o trato previsto para a contestação nos termos do art. 486º-A, n.º 3 do mesmo código e não o previsto para a petição inicial.
Ora em nosso entender um requerimento apresentada na contestação a pedir a intervenção de terceiros – como sucedeu no caso em apreço - não tem a natureza de petição inicial, mas sim de mera peça processual da acção já intentada.
E que não se trata de uma petição inicial também resulta da taxa a pagar pela sua apresentação. De facto a esta taxa aplica-se a tabela 2 referente aos incidentes e à taxa devida pela apresentação da petição inicial aplica-se a tabela 1º, ambas previstas no Regulamento das Custas Judiciais.
Diferente seria caso se estivesse perante incidente de intervenção provocada espontânea no qual pela primeira vez terceiros pretendem intervir na qualidade de partes invocando para o efeito causa de pedir e pedido.
Nos termos do disposto no artº. 201º., do C.P.Civil, constitui nulidade a omissão de um acto que a lei prescreve, desde que possa influir no exame ou na decisão da causa.
Na situação sub judicio como ressalta do douto despacho impugnado o Sr Juiz não admitiu o incidente de intervenção porque as requerentes não pagaram a devida taxa de justiça, omitindo-se assim toda a tramitação prevista no artº 486-A .
É inquestionável que esta omissão influiu na decisão e não permitiu às Apelantes, sequer, ter oportunidade de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e que era condição de apreciação do incidente suscitado.
Posto que a nulidade praticada não seja do conhecimento oficioso, as Apelantes invocam nas alegações e nas conclusões a factualidade que permite a sua qualificação jurídica.
A declaração da nulidade importa a anulação de todos os actos posteriores dependentes do acto anulado, no que se inclui a decisão impugnada.
Porém se este Tribunal seguir a orientação da decisão recorrida é inútil a anulação referida pois o incidente seria indeferido com o fundamento de não ser o suscitado incidente o meio próprio para almejar tal desiderato .
Ora sabemos que é vasta a jurisprudência segundo a qual o tribunal, ao abrigo do disposto nos artºs 264º, 265º-A e 664º do Código de Processo Civil, deve, apesar de o réu ter qualificado indevidamente o incidente como de intervenção principal, convolá-lo, oficiosamente, para incidente de intervenção acessória (cfr., entre muitos, os acórdãos da Relação de Lisboa de 29.10.2009, 02.12.2008 e 31.10.2007 - itij).
Não é, todavia, unânime, mencionando-se em sentido diverso, por exemplo, o acórdão do STJ de 18.12.2007 (itij), onde se conclui que o Juiz não pode mandar seguir como intervenção acessória provocada o incidente requerido como intervenção principal.
Segue-se a orientação dos que pensam que em face da evolução que tem vindo a sofrer a legislação processual civil, também se entende que o legislador pretendeu conferir ao juiz maiores poderes na condução do processo, por forma a conformá-lo ao seu fim, impondo-lhe diligências oficiosas adequadas ao efeito, neste sentido Acórdão desta Relação de 31.05.2012 proferido no processo 245/11.8BAMR.G1.
Em igual sentido o Acórdão da Relação do Porto de 31.01.2013 proferido no processo 2499/10.8 TBVCD-A.G1
Não podemos esquecer que a reforma adjectiva de 95 veio privilegiar os aspectos de ordem substancial em detrimento das questões de natureza meramente formal, de que é corolário o princípio da adequação formal (art.º 265º-A do CPC) e daí que se aceite não haver obstáculo à correcção oficiosa da forma incidental desde que, obviamente, o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental que se mostre adequada.
No caso em apreço, aceitando a decisão recorrida, como parece que os elementos fundamentais do incidente de intervenção acessória se verificam no requerimento deveria, - depois de paga a devida taxa de justiça ter sido proferido despacho a convolar o incidente deduzido para o de intervenção acessória.
Mas como não cumprido dispositivo legal nos termos apontados, esta falta acarreta a declarada nulidade a qual importa a anulação de todos os actos posteriores dependentes do acto anulado, no que se inclui como já se disse a decisão impugnada e as demais proferidas no despacho saneador - tal como a proferida sobre a caducidade , uma vez que em caso de pagamento da taxa de justiça e de admissão do incidente pedido os intervenientes serão citados para intervir na acção , equiparando-se a sua posição processual à das partes principais, tal como aliás se prevê no artº 322 nº2 in fine do CPC e assim podem vir a pronunciar-se sobre questões colocadas nos articulados, em relação aos quais tenham direito de contraditório e inclusive juntar ao processo a sua versão factual a atender em sede despacho saneador.

Sumário
. Do disposto no art. 150º-A n.º 1 e 3 do C.P.C., decorre que o regime aplicável à petição inicial quanto à falta do pagamento da taxa de justiça devida pela prática desse acto é distinto quanto ao trato sancionatório do aplicável às restantes peças processuais, pois que quanto a estas aplica-se o trato previsto para a contestação nos termos do art. 486º-A, n.º 3 do mesmo código e não o previsto para a petição inicial.
. O requerimento a pedir o chamamento à intervenção principal provocada de determinadas pessoas não tem a natureza de petição inicial, mas sim de mera peça processual da acção já intentada.
. Se a parte/requerente qualificou indevidamente o incidente de intervenção de terceiros pretendido deve o juiz convolá-lo, oficiosamente, para incidente de terceiro que considera adequado.

Decisão
Nestes termos, julga-se procedente o recurso apresentado pelas rés e em consequência
a) Ordena-se a substituição do despacho recorrido por outro que tenha em conta o supra exposto.
B) Fica prejudicada a apreciação do recurso apresentado pelo AA acerca da caducidade
Custas da apelação apreciada pela parte vencida a final

Guimarães, 09.04.2013
Purificação Carvalho
Rosa Tching
Espinheira Baltar