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SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RUPTURA NEGOCIAL
DANOS INDEMNIZÁVEIS
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Sumário
I - Tendo os AA. pedido a condenação da R. a pagar-lhes uma indemnização composta por várias parcelas destinadas a reparar os danos que sofridos por violação do interesse contratual negativo, e tendo na sentença sido entendido que assistia aos AA. o direito a uma indemnização no valor de 110.000,00 que foi reduzida para 64.740,00 por não poder ser superior ao quantitativo pedido, por violação do interesse contratual positivo, a sentença é nula por condenar em objecto diferente do pedido. II - Tendo as partes acordado que a R. venderia a sua casa e que destinaria o produto de tal venda, a complementar o produto de um empréstimo a contrair pelos AA., para aquisição de uma moradia que satisfizesse as necessidades do agregado familiar, agora com a R. como membro, tendo com acordo e colaboração da R., os AA. diligenciado pela venda da casa daquela e pela aquisição de uma nova casa, não tendo a R. chegado a dar aos AA. a quantia proveniente da venda da sua habitação, venda da qual desistiu, abandonando os AA., a responsabilidade da R. situa-se no domínio da responsabilidade pré-contratual pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados e não no âmbito da responsabilidade por incumprimento de um contrato promessa de doação. III- Não são indemnizáveis os meros aborrecimentos e incómodos sofridos pelos AA. por não revestirem a gravidade exigida pelo nº 1 do artº 496º do CC. IV - São merecedores da tutela do direito os danos consistentes na ofensa ao bom nome e prestígio dos AA. que se deram como provados e os danos relativos ao prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades de lazer que os AA.(e não também os seus filhos que não são parte nesta acção) se viram forçados a abdicar por terem que suportar o pagamento de um empréstimo que tiveram de contrair num montante mais elevado, em virtude do comportamento da R. V - Mostra-se adequada a ressarcir esses danos não patrimoniais a quantia de 10.000,00. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães:
I - Relatório
A… e marido, B… intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C…, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 64.750,00, acrescida de juros.
Para tanto alegam, em suma, que durante o ano de 2002 a ré, que é tia da autora mulher, acordou doar-lhes a quantia resultante do produto da venda de uma sua casa, cujo valor se estimava em € 110.000,00, com a qual contribuiria para a aquisição, pelos autores, de uma moradia destinada à habitação de todos.
Convencidos das intenções da ré, os autores celebraram contrato-promessa de compra e venda de uma moradia que descrevem, pelo preço de € 204.507,13, tendo passado sinal no montante de € 59.855,75.
Atenta a idade avançada da ré, mandaram realizar na moradia diversas obras de adaptação, para a adequarem à mobilidade diminuída daquela, o que veio a determinar que o custo final da mesma ascendesse a € 224.459,00. Simultaneamente colocaram à venda, através de uma imobiliária, a referida casa da ré.
Contudo, sem lhes dar qualquer explicação, a ré deixou a casa de morada dos autores e recusou-se a outorgar o contrato-promessa de venda da sua casa, bem como a subsequente escritura pública, sendo certo que já havia comprador para a mesma.
Em virtude da conduta da ré, tiveram os autores que suportar integralmente, através de empréstimo bancário, o custo da moradia que adquiriram, não tendo condições financeiras para suportar o respectivo pagamento.
Por força do comportamento da R., sofreram diversos danos patrimoniais e não patrimoniais que enumeram.
A ré contestou alegando, em suma, que nunca contratou com ninguém a venda da sua casa ou a doação aos autores do que quer que fosse, pelo que, se os autores compraram uma casa e a adaptaram a seu gosto, nada disso pode ser-lhe imputado.
Conclui pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto já assente e elaborada a base instrutória.
Findo o julgamento, foram dadas as respostas aos quesitos.
A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Os AA. não se conformaram e interpuseram recurso de apelação.
Por acórdão de 28.04.2010 deste Tribunal da Relação foi decidido anular a decisão proferida para ampliação da matéria de facto, ordenando-se o aditamento de novos artigos à base instrutória e foi determinado que o Tribunal a quo desse nova resposta a outros artigos, servindo-se, para tanto, da prova já produzida na primeira audiência de julgamento.
Foram aditados à base instrutória seis novos quesitos.
Procedeu-se de novo a julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, condenou a R. a pagar aos AA. a quantia de 64.750,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
A R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo oferecido as seguintes conclusões:
1º- Funda-se o presente recurso no disposto nos arts.º 690º, 690-Aº e 712º todos do CPC;
2º- Fez o Meritíssimo juiz a quo uma errada fundamentação de direito, bem como uma errada interpretação do direito aos factos, e ainda uma errada interpretação dos mesmos;
3º- Por sentença datada, de 29 de Abril de 2009, perante os factos provados, o Meritíssimo juiz a quo absolveu a Ré aqui apelante.
4º- Perante a factualidade provada o Meritíssimo juiz a quo, enquadrou juridicamente a questão numa promessa de doação, porquanto a Ré prometeu doar aos aqui Apelados o produto da venda de sua Casa de Arões, que se estimava em 110.000,00 Euros;
5º- Não havendo tradição da coisa, no caso o dinheiro, nem documento escrito nesse sentido, esta promessa de doação seria inválida, uma vez que perante a observância do disposto nos arts. nº 947º/ nº2, 393º, 219º e 342º/ nº1 todos do CC se exige uma coisa ou outra.
6º- Não conformados com a douta sentença ora recorrida, os AA, aqui apelados, recorreram, defendendo que o caso em apreço nos transporta para o instituto da responsabilidade pré-contratual.
7º- Entendimento igualmente perfilhado pelo Tribunal ad quem, decidindo dessa forma anular a decisão de 1ª instância, mandando ampliar a matéria de facto e consequente repetição do julgamento.
8º- Considerando que não existe obstáculo algum para que os artigos 3º e 7º da base instrutória sejam provados por prova testemunhal, e aditou-se à mesma base a matéria de facto alegada pela Ré sob os artigos 16, 17 e 18 da sua PI, que consequentemente deram origem aos artigos 32, 33, 34, 35, 36, e 37 da mesma base instrutória.
9º- Repetindo-se o julgamento o Meritíssimo juiz a quo também enquadrou o caso sub judice neste instituto, condenando para o efeito a Ré aqui apelante na totalidade do pedido.
10º- Para tanto deu como provados os artigos 34º, 36º e 37º e como não provados os artigos 32º, 33º e 35º, todos da base instrutória.
11º - Argumentando para o efeito a existência de uma relação objectiva de confiança por parte dos apelados na concretização do negócio e que havia uma obrigação da apelante em celebrar o mesmo.
12º- Referiu ainda neste sentido, o Meritíssimo juiz a quo que a ruptura das negociações não era justificada, apesar de ficar provado que os aqui apelados e AA., levantaram a quantia de 9.693,97 Euros que era pertença da aqui ré, e que fizeram sua tal quantia.
13º- Entende a aqui apelante que não decidiu bem o Meritíssimo juiz a quo ao decidir como decidiu, por vários e diversos motivos.
Como já supra se referiu, no caso em concreto, não há, nem pode haver, negociações preliminares, uma vez que o suposto contrato planeado seria uma doação pura, onde efectivamente não há debate sobre o assunto que fundamente uma confiança na concretização do referido contrato, não se enquadrando assim na previsão legal do artigo 227º/ nº1 do CC.
Mesmo que assim não se entenda, pelos artigos ora aditados provou-se factos que leva, sem margem para dúvidas, à ruptura legítima, lícita e justificada parte da aqui apelante. (artigos 34, 36 e 37 da base instrutória)
Entende ainda a apelante, nestas circunstâncias, que das transcrições supra resulta decisão diversa sobre a matéria alegada nos quesitos 32º, 33º e 35º da base instrutória, para que estes fossem considerados pelo Tribunal a quo como provados.
Face a esta alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem baseada nos depoimentos ora transcritos não resulta dúvida que não haverá lugar a qualquer indemnização por parte da aqui apelante aos apelados.
14º- Se o Meritíssimo juiz a quo tivesse atendido quer à matéria produzida em audiência de julgamento, quer à falta de credibilidade das testemunhas dos aqui apelados, pelo grau de afinidade e proximidade que existe entre elas, bem como à falta de credibilidade das mesmas depositada pela Meritíssima juiz a quo do processo nº 761/04.8TBFAF e certificada ainda pelo Meritíssimo juiz a quo dos presentes autos (diálogo já transcrito), teria decidido em sentido diverso.
15º- Se o Tribunal ad quem enquadrar o caso em litígio no instituto da responsabilidade pré-contratual, não há duvida que o contrato a ser realizado seria uma doação, como ficou provado que “… a Ré C... prometeu doar aos AA o produto da venda de sua casa, que se estimava em 110.000,00 Euros.”, sendo que esta doação seria uma doação de bens futuros;
16º- À luz do nosso ordenamento jurídico, prescreve o art. 942º no seu nº 1 do CC que as doações que abranjam bens futuros são inexistentes, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos para ambas as partes, até porque a aqui apelante ainda não era detentora de tal quantia objecto de doação.
17º- Face a este circunstancialismo, o douto acórdão apelado fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos.
18º- Pois, como já se referiu, os danos peticionados pelos apelantes além de não ficarem provados em julgamento, também não são os danos indemnizáveis à luz do instituto da responsabilidade pré-contratual.
19º- Sendo que os danos indemnizáveis neste enquadramento são os danos negativos ou de confiança, configurando estes as despesas que o lesado fez inutilmente por as negociações terem sido interrompidas ou o contrato ter sido declarado nulo.
20º- Aqui chegados, conclui-se que os danos alegados pelos AA., não podem nunca constituir danos de confiança, pois diversa é a sua noção e compreensão.
21º- Logo daqui podemos concluir que o Meritíssimo juiz a quo além de violar vários preceitos legais nomeadamente os arts.º 405º, 410º, 414º, 441º, 442º, 755º, 830º, 219º, 393º, 947º, 942º todos do CC, violou também o art.º 227 também do CC;
22º- Ao condenar a Ré em danos completamente diferentes daqueles que foram peticionados pelos AA., pois os danos que os AA peticionam e querem ver ressarcidos não são, nem de perto nem de longe, os danos que o Meritíssimo juiz a quo condenou, sendo a sua natureza bem diferente.
23º- Acrescenta-se que o Meritíssimo juiz a quo na sua fundamentação conhece de factos que não deveria conhecer, porque não são factos conclusivos, nem tão pouco alegados pelos AA., aqui apelantes, nomeadamente que a Ré C... presenciou as diligências da venda da casa de Arões, que presenciou a aquisição da nova casa dos AA, que deixou que os apelados contratassem um empréstimo, que a Ré deixou que eles efectuassem as obras, quando na realidade o que ficou provado foi simplesmente o que consta do art.º 4, 5, 7 e 8 da base instrutória, já supra transcritos.
24º- Não pode a apelante deixar de referir que não consegue, por mais que tente, perceber o alcance da soma dos danos patrimoniais e danos não patrimoniais, que os apelados alegam na sua PI e nas suas alegações de recurso, sendo que pedem em cada uma delas valores diversos.
25º- Pelo exposto, conclui-se que o Meritíssimo Juiz a quo além de proceder a uma errada interpretação dos factos e aplicação dos direito aos factos, pronunciou-se sobre questões que não devia conhecer, e condenou em objecto diverso do peticionado, violando desta forma os preceitos legais supra já referidos.
Finaliza, pedindo a revogação da decisão, com consequente absolvição da Ré.
Os AA. contra-alegaram, tendo oferecido as seguintes conclusões:
1- Não obstante o tribunal “a quo” ter, num primeiro momento, enquadrado o “thema decidendi” no domínio da celebração de um contrato-promessa de doação, o certo é que, em virtude do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação, que anulou a decisão proferida na 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto, decidiu, na esteira do entendimento tecido por este Tribunal, que o caso presente enquadra-se no instituto da responsabilidade pré-contratual ou da culpa in contrahendo.
2- E nem podia ser de outra forma, pois que o tribunal “a quo” está vinculado à decisão proferida por este Tribunal da Relação que, chamado a pronunciar-se sobre a solução da questão de direito do caso sub judice, enquadrou-a na responsabilidade pré-contratual, através do Acórdão que anulou o julgamento da 1.ª instância para ampliação da BI, mercê dessa solução da questão de direito, pelo que, nesta parte, tal decisão (do TRG) já transitou em julgado.
3- De qualquer forma, e sem prescindir, insurge-se a Ré com este novo enquadramento, insistindo, antes, na primeira solução dada por este tribunal “a quo” de enquadrar a factualidade provada no domínio da celebração de um contrato-promessa de doação, por entender que, “no caso concreto não há, nem pode haver negociações preliminares, uma vez que o suposto contrato planeado seria uma doação pura, onde efectivamente não há debate sobre o assunto que fundamente uma confiança na concretização do referido contrato, não enquadrando assim na previsão legal do art. 227.º, n.º 1 do CC.”
3- Ora, é evidente a confusão lavrada pela apelante!
4- Na verdade, o que in casu importa aferir, independentemente da tipologia do contrato visado, é se a apelante violou, ou não, o dever de boa-fé inerente a qualquer negociação, ainda que prévia/preliminar, o mesmo é dizer que, o que aqui está em causa, é saber se o comportamento da Ré, ao decidir deixar a casa dos AA., voltar a sua casa e assim desistir da sua venda e da doação do preço que dela recebesse aos AA., para pagamento de parte do peço da casa que estes prometeram adquirir para a poderem acolher em melhores condições, consubstancia uma ruptura unilateral das negociações arbitrária, sem justa causa, desleal e violadora da confiança depositada pelos AA., que os levou a celebrar o contrato-promessa para aquisição da nova casa, de valor superior à que poderiam adquirir sem a prometida ajuda da Ré e nela mandarem efectuar alterações, apenas justificadas pelo facto de a Ré a ir habitar, despesas que nunca teriam, não fora a existência das referidas negociações preliminares.
5- Assim, face à factualidade dada por provada, dúvidas não subsistem que: 1.º) Entre apelante e apelados existiram efectivas negociações e que elas criaram em cada uma das partes uma recíproca e fundada confiança quanto à conclusão ou celebração final do negócio do prédio com as adaptações específicas para a Ré; 2.º) Que, in casu, a ruptura das negociações por parte da apelante é arbitrária, intempestiva, sem justa causa e profundamente desleal.
6- Aliás, no que ao primeiro pressuposto diz respeito, este Tribunal da Relação não teve dúvidas ao considerar que, face à factualidade apurada na 1.ª sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, entre AA. e Ré existiram efectivas negociações que criaram nos AA. uma razoável base de confiança de que o negócio se iria celebrar ou concluir.
7- Pelo que, a partir do momento em que os AA., por contrato-promessa de compra e venda, datado de 11 de Abril de 2002 -, se obrigaram a comprar o imóvel cujo preço seria pago (em parte) pelo produto da venda da casa da Ré, que esta se comprometeu a entregar, impunha a boa-fé, nos termos previstos no art. 227.º, que ultrapassado esse ponto de não retorno (sob pena de perderem o sinal e também porque as obras de adaptação da casa a adquirir já estavam muito adiantadas), não fosse legítimo à Ré prevalecer-se de uma alteração da sua vontade no sentido da conclusão do negócio.
8- De qualquer forma, faltava, porém, apurar se, efectivamente, a ruptura de tais negociações por parte da Ré foi ilegítima, nomeadamente por violação daqueles deveres ou regras de conduta, a ponto de se considerar a mesma como arbitrária, intempestiva, sem justa causa ou profundamente desleal ou violadora dos mais elementares princípios éticos, daí este Venerando Tribunal ter remetido os autos à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto, aditando-se à base instrutória a matéria alegada pela apelante nos arts. 16.º, 17.º e 18.º da contestação, que deu lugar aos quesitos 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º e 37.º da Base Instrutória.
9- Sucede que, à excepção dos quesitos 34.º, 36.º e 37.º, que mereceram a resposta restritiva vertida nos pontos 31, 32 e 33 da factualidade assente, e que em nada contribuem para a bondade da tese da Ré, o certo é que esta não logrou ilidir a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1 do CC, isto é, não logrou provar factos que indiciassem que a ruptura das negociações tenha sido legítima, como lhe competia;
10- Na verdade, da factualidade dada por provada no ponto 32, resulta, apenas, que em 15 de Fevereiro de 2002 os AA. procederam ao levantamento da quantia de €9.693,97 de uma conta bancária de que eram titulares juntamente com a Ré e que fizeram sua tal quantia, mas o certo é que a Ré não alega em que momento teve conhecimento deste levantamento, mormente, se foi antes de Maio de 2003, data do seu regresso a casa, tanto mais que a acção n.º 761/04.8TBFAF só deu entrada em tribunal muito depois de Maio de 2003!
11- Quanto à resposta dada à restante factualidade que agora a Ré pretende ver alterada, o despacho de resposta à matéria de facto aditada é bem claro quando refere que “a ponderação dos depoimentos das testemunhas ouvidas volta a merecer-nos a mesma apreciação que foi feita por ocasião do primeiro julgamento e que, desta vez, ainda saiu reforçada com as escandalosas deturpações e exageros cometidos em alguns depoimentos das testemunhas da Ré. Por isso, voltamos a dizer que confrontados os depoimentos das testemunhas dos AA. (que se afiguram sérios, bem estruturados, isentos e, por isso, credíveis) com o teor dos depoimentos das testemunhas da Ré (que, para além de manifestamente parciais, mostram estar eivados de acinte contra os AA. e, mesmo, perpassados por uma certa dose de insanidade) não temos quaisquer dúvidas em afirmar que os primeiros nos mereceram total confiança.” (sublinhado a negrito nosso), donde ser totalmente descabido o alegado pela Ré nas 13.º e 14.ª conclusões do presente recurso!
12- Assim, e em suma, mister é concluir que não existe qualquer erro de julgamento, conforme o invocado pela apelante, mas livre apreciação da prova do Mm.º Juiz, nos termos do art.º 655.º do Código de Processo Civil, valoração esta que, só por si, desde que não enferme em erro ou se baseie em meio de prova ilegal ou não fundamentada, é insindicável por tribunal superior, prevalecendo aquele princípio da livre apreciação da prova e da imediação.
13- Insurge-se, outrossim, a apelante pelo facto de o tribunal “a quo” ter condenado a apelante a indemnizar os apelados pelo dano/interesse contratual positivo.
14- Ora, não obstante constituir entendimento dominante que a responsabilidade pré-contratual impõe a obrigação de indemnizar o chamado dano ou interesse negativo ou de confiança, o certo é que há uma certa corrente jurisprudencial, mormente, do STJ, que defende que “podem também ser objecto de indemnização por culpa in contrahendo os danos integrantes do interesse contratual positivo, quando, pelo encontro da proposta e da aceitação, já tenha sido obtido acordo, faltando apenas a formalização do contrato, pois, nesse caso, é de entender que existe um verdadeiro dever de conclusão, cuja violação implica a indemnização do interesse do cumprimento, isto é, considerando-se como indemnizável o ganho que derivaria da celebração (formalização) do contrato e que não se obteve”.
15- Entendeu o Mm.º Juiz do tribunal “a quo” que o caso dos autos configura uma destas situações em que se está perante uma situação de existência de um verdadeiro dever de conclusão do negócio, pois que, in casu, foi ultrapassado o “ponto de não retorno” em que a Ré poderia licitamente prevalecer-se da sua decisão de, afinal, não contratar, devendo, por isso, os AA. serem indemnizados pelo seu interesse contratual positivo, sendo indemnizável o ganho que derivaria da formalização do contrato, tal como se ele tivesse sido celebrado.
16- Ora, ficou provado que o valor de €110.000,00 pela casa da Ré era um valor estimado, apenas, e só, porque o contrato de compra e venda não chegou a ser celebrado, uma vez que, como resulta do depoimento da testemunha D…, da Imobiliária …, a Ré desistiu do negócio da venda da casa pelo valor de €110.000,00 (ver despacho de resposta 7.º da BI);
17- Assim, sabendo-se que o produto da venda da casa da Ré “estimava-se” em €110.000,00, era esta, portanto, a vantagem patrimonial de que os AA. se viram privados pela ilegítima actuação da Ré, mas como os AA. limitaram o seu pedido à quantia de €64.750,00, acrescida de juros, o tribunal não pode condenar em quantia superior à peticionada e, por isso, teve de cingir a indemnização a tal valor…
18- Sem prescindir, temos que, da conjugação dos factos assentes, mormente, os pontos 9, 10, 11, 16, 17, 20, 22 e 23, dúvidas não restam que os AA. lograram provar os danos patrimoniais sofridos, ainda que aquilatados sob o ponto de vista do interesse contratual negativo, em virtude do comportamento ilícito e culposo da Ré.
19- Para além disso, os AA. lograram, outrossim, provar danos não patrimoniais cuja gravidade merecem a protecção da justiça, e de que se querem ver ressarcidos caso V.ªs Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, venham a condenar a Ré pelo interesse contratual negativo;
20- E, tendo presente as regras da boa fé (762.º do CC)e tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”, afigura-se justo e equilibrado que o tribunal “a quo” fixe o valor dos danos não patrimoniais em €20.000,00.
Termos em que deve a apelação ser julgada improcedente.
Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se a sentença é nula;
. se a resposta “não provado” dada pelo Mmo Juiz do Tribunal a quo aos artigos 32º, 33º e 35º da base instrutória deve ser alterada para “provado”;
. se a situação dos autos recai no âmbito da responsabilidade pré-contratual;
. em caso afirmativo, se ocorreu ruptura legítima das negociações por parte da R.;
. e se são indemnizáveis os danos reclamados pelos AA.
II - Fundamentação
Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Os AA. são sobrinhos da R., por afinidade, que foi casada com o tio daqueles, E…, falecido em 27/01/2002 (alínea A) dos factos assentes).
2. Por escritura de 04/08/2004, “F…, Ldª” declarou vender aos autores, que declararam comprar, pelo preço de € 149.639,37, o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Fafe sob o nº 0000 (alínea B) dos factos assentes).
3. Na mesma escritura, Deutsche Bank (Portugal), S.A. declarou conceder aos autores um empréstimo no montante de € 149.639,37, para efeitos de financiamento do imóvel referido em 2 (alínea C) dos factos assentes).
4. No estado de viúva, a R. pediu aos AA. para passar a viver na companhia destes, em comunhão de casa e mesa (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
5. Porque a casa dos AA. não dispunha de condições para receber definitivamente a R., acordaram com ela que esta venderia a sua casa, situada em Arões S. Romão (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
6. E destinaria o produto de tal venda, complementando o produto de um empréstimo a contrair pelos autores, à aquisição de uma moradia que satisfizesse as necessidades do agregado familiar, agora com a ré como membro (nova resposta ao artigo 3º da base instrutória).
7. Com o acordo e colaboração da R., diligenciaram os AA, pela venda da casa de Arões e pela aquisição de uma nova casa (resposta ao artigo 4º da base instrutória).
8. Porque encontraram uma casa que satisfazia as condições pretendidas, entraram em negociações com o respectivo proprietário (resposta ao artigo 5º da base instrutória).
9. Nessas circunstâncias, o A. celebrou com “F…, Ldª” um acordo escrito, intitulado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, por via do qual esta última – enquanto proprietária de um prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, andar e logrado em construção no lote número sete, da Urbanização do …, em Fafe – declarou prometer vender ao A., que por sua vez declarou prometer comprar o referido imóvel, pelo preço de 204.507,13 €, a pagar em duas prestações, sendo a primeira de 59.855,75 €, na data da celebração do acordo, e a segunda, de 144.651,38 €, no dia da escritura pública de compra e venda, tudo como melhor consta do doc. de fls. 14 (resposta ao artigo 6º da base instrutória).
10. A partir daí os autores diligenciaram pela obtenção de um empréstimo junto de uma instituição bancária, contando com o preço de venda da casa de Arões, que estimavam em € 110.000,00 (nova resposta ao artigo 7º da base instrutória).
11. Para esse efeito, contactaram a agência do BIC, tendo os AA. assumido um empréstimo de 114.723,52 € (resposta ao artigo 8º da base instrutória).
12. Face à doença e idade da R., os AA. contrataram com o empreiteiro a realização de obras para facilitar a sua mobilidade, no sentido de as escadas de acesso do R/Chão à cave, pelo exterior, serem alargadas nos degraus para diminuir o declive (resposta ao artigo 9º da base instrutória).
13. No exterior foi construído um terraço ao nível da cave o terreno, que depois foi aplanado, compactado e coberto uma parte com placa e outra parte com cobertura tipo ramada, para projectar sombra (resposta ao artigo 10º da base instrutória).
14. No chão foi colocada pedra e tijoleira (resposta ao artigo 11º da base instrutória).
15. No piso da casa de banho foi colocada tijoleira anti-derrapante e foi feita uma casa de banho no próprio quarto da R., com banheira com pegas laterais (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
16. Estas obras agravaram o preço da moradia em valor não apurado, tendo os autores pago pela compra do prédio a quantia de € 224.459,00 (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
17. Por esse motivo, contraíram junto do BIC um retorço ao empréstimo, que passou para € 165.000,00 (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
18. Entretanto, a R. acabou por se zangar e incompatibilizar com os AA., que abandonou, tendo desistido da venda da casa de Arões (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
19. Se não fosse por causa da R., jamais os RR. teriam adquirido o prédio referido em 2 (resposta ao artigo 16º da base instrutória).
20. Com o empréstimo que contraíram, no valor de € 240.000,00, pelo período de 25 anos, suportam um encargo mensal de € 1.250,00, acrescido do seguro de vida (resposta ao artigo 19º da base instrutória).
21. Os AA. auferem € 2.152,60 (resposta ao artigo 20º da base instrutória).
22. No fim do período do empréstimo, os autores terão pago aproximadamente € 375.000,00 pela aquisição do prédio (resposta ao artigo 21º da base instrutória).
23. Decorrido o prazo legal de isenção os autores terão que pagar anualmente o IMI sobre o prédio que adquiriram (resposta ao artigo 22º da base instrutória).
24. Para fazer face aos encargos bancários, os AA. têm de recorrer a familiares, dando-lhes a conhecer a situação (resposta ao artigo 23º da base instrutória).
25. O que os aborrece e incomoda (resposta ao artigo 24º da base instrutória).
26. Para suportarem os encargos bancários, os autores e seus filhos privam-se de vestir e calçar melhor, de comprar automóvel e móveis, de fazer férias e de proporcionar aos filhos mais actividades lúdicas e de formação (resposta aos artigos 25º e 26º da base instrutória).
27. Os AA. contrataram com imobiliárias para promoverem a venda da casa de Arões (resposta ao artigo 28º da base instrutória).
28. Assumiram compromissos que depois não puderam cumprir (resposta ao artigo 29º da base instrutória).
29. Ficaram vexados, chateados e aborrecidos com esta situação (resposta ao artigo 30º da base instrutória).
30. Os autores viram o seu nome e prestígio em causa (resposta ao artigo 31º da base instrutória).
31. Na altura a ré contribuía com a quantia de € 400,00 mensais para as suas despesas, com o esclarecimento que tal quantia era destinada ao pagamento da remuneração da empregada doméstica, a testemunha G… (resposta ao artigo 34º da base instrutória);
32. Na Acção de Processo Ordinário com o nº 761/04.8TBFAF, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe foi considerado provado, para além do mais, que:
«a) A Autora e o seu marido H… depositaram dinheiro seu na Agência de Fafe do Montepio Geral, em conta aberta para o efeito da titularidade de ambos.
b) H… faleceu a 27 de Janeiro de 2002.
c) Por escritura pública de habilitação outorgada no Primeiro Cartório Notarial de Braga a 7 de Novembro de 2003, a Autora, C…, declarou, além do mais, o seguinte:
“que é cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido H…;
Que este faleceu no dia vinte e sete de Janeiro de dois mil e dois, na freguesia de Arões (São Romão) (…), no estado de casado com ela outorgante, que dele se conserva no estado de viúva, em núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens;
Que o falecido não deixou testamento nem qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como herdeira legitimária, o referido cônjuge, que é ela, outorgante;
Que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram à indicada herdeira ou com ela possam concorrer na sucessão à herança daquele H…”
d) Na data de 31 de Janeiro de 2002, o dinheiro depositado em conformidade com o descrito em a) ascendia a € 19.696,35;
e) Na data referida em d) foi aberta na Agência de Fafe do Montepio Geral, uma conta a prazo, à qual foi atribuído o n° 000-00.0000000-0, para a qual foi transferida a quantia pecuniária de € 10.000, proveniente do depósito mencionado em a) e d).
f) Na mesma data foi aberta, na Agência de Fafe do Montepio Geral, uma outra conta a prazo, à qual foi atribuído o n° 000-00000000-0, para a qual foi transferida a quantia de € 9.693,97, proveniente do depósito mencionado em a) e d).
g) Nas contas referidas em e) e f) figuravam como titulares a Autora e os Réus A.… e B… e a sua movimentação pressupunha a assinatura de dois dos titulares.
h) Os Réus, a 15 de Fevereiro de 2002, procederam ao levantamento do saldo de € 9.693,97 da conta referida em f) e fizeram sua tal quantia.
(…)»
(resposta ao artigo 36º da base instrutória)
33. A ré regressou a sua casa em data não apurada do mês de Maio de 2003 (resposta ao artigo 37º da base instrutória).
Da pretendida alteração da matéria de facto
(…).
Mantém-se assim sem qualquer alteração a matéria de facto.
Da nulidade da sentença
Embora não expressamente apelidando a sentença de nula, a R. aponta-lhe esse vício ao invocar na conclusão 25ª que o Mmo. Juiz a quo se pronunciou sobre questões que não devia conhecer e condenou em objecto diverso do peticionado.
Vejamos:
Da nulidade da sentença por conhecer de questões que não podia conhecer
A sentença será nula, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 668, nº 1, alínea d), do CPC). Desde logo, importa precisar o que deve entender-se por questões, cujo conhecimento ou não conhecimento constitui nulidade por excesso ou falta de pronúncia. Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 668, nº 1, al. d) do CPC. Deve-se assim distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes[1]. Ora, como é sabido, a nulidade por excesso de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668 do CPC, ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Este normativo tem de ser interpretado em conjugação com o disposto no artº 660, nº 2, 2ª parte, do CPC, que impõe que o juiz não se ocupe senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Por questões deve entender-se “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cumpre, ao juiz, conhecer (artº 660, nº 2)”[2].
No entender dos apelantes, o Mmo Juiz a quo pronunciou-se sobre questões de que não podia conhecer, ao servir-se de factos não alegados na fundamentação da sentença e que são os seguintes: a R. C… presenciou a aquisição da nova casa dos AA., deixou que os apelados contratassem um empréstimo e deixou que eles efectuassem obras, quando o que ficou provado foi apenas o que consta da resposta aos artigos 4º, 5º, 7º e 8º da base instrutória.
Ora, o que está em causa é a interpretação que o Mmo Juiz deu aos factos provados, retirando dos mesmos determinadas ilações. Tal não constitui conhecimento de questão que não podia conhecer. O Mmo juiz limitou-se a conhecer das questões suscitadas nos autos, pelo que não enferma a sentença da nulidade invocada.
Da nulidade da sentença por condenar em objecto diferente do pedido
O Tribunal está vinculado ao pedido formulado pelas partes, não podendo condenar nem em objecto diverso nem em quantidade superior à pedida (nº 1 do artº 661º do CPC). Os limites reportam-se ao pedido global e não às várias parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos.
A circunstância da parte fundamentar o seu pedido com base numa determinada regra de direito e o Tribunal não considerar ser esse o direito aplicável, mas outro, não consubstancia condenação em objecto diferente do pedido. O juiz não está sujeito à alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
Entende a apelante que a sentença é também nula porque a R. foi condenada a indemnizar danos completamente diferentes daqueles que foram peticionados pelos AA. Os AA. pediram uma indemnização no montante de 42.250,00 por danos patrimoniais e 20.000,00 por danos não patrimoniais e o Mmo juiz entendeu que eles tinham direito a uma indemnização no montante de 110.000,00 correspondente ao valor da doação que a R. lhes tinha prometido fazer e que não fez e que reduziu para o valor do pedido. Nenhum dos danos invocados pelos AA. foram dados como provados, acabando o Mmo Juiz por condenar a R. a pagar danos por violação do interesse contratual positivo que não são aqueles cujo ressarcimento os AA. pediram.
Vejamos:
Na petição inicial os AA. embora tenham alegado ter suportado obras de adaptação da casa por ter sido acordado entre as partes que a R. viveria com eles, integrando o seu agregado familiar, no montante de 19.951,17, terem sido obrigados a contrair um empréstimo de 240.000,00, não podendo contar com os 110.000,00 que a R. lhes daria quando vendesse a sua casa de Arões S.Romão e que suportam um valor de empréstimo mensal incomportável para os seus vencimentos mensais, acabam por nada peticionar decorrente desses danos.
O que os AA. pedem que a R. seja condenada a pagar-lhes é:
. o prejuízo de 25.000,00 relativo às menos valias da moradia, alegando para o efeito que quando concluírem o pagamento do empréstimo da casa esta só valerá no mercado 350.000,00 e terão pago 375.000,00 (artº 49 da p.i.);
.o prejuízo no valor de 4.70,00, relativo à diferença que terão que pagar a mais cada ano, relativa ao Imposto Municipal sobre Imóveis que será cerca do dobro do que pagariam se tivessem adquirido uma casa de menor valor e que ao fim de 19 anos irá perfazer um prejuízo de cerca de 4.750 euros (250,00 x (25 anos de duração do empréstimo – 6 de isenção) – artº 50º da p.i.,
. o prejuízo no valor de 12.500,00 euros relativos à conservação do prédio ao longo de 25 anos, prejuízo que não teriam se tivessem adquirido uma moradia menor, pela qual gastariam por ano apenas cerca de 1.000,00 pelo que pedem a diferença (500,00 x 25 anos) – artº 51º da p.i.
no total de 42.250,00[3] e uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 22.500,00 (artigos 55º a 70º da p.i.), num total de 64.750,00 (danos patrimoniais, mais danos não patrimoniais).
Na sentença recorrida o Mmo Juiz a quo consignou “…há-de a parte lesada ser indemnizada pelo seu interesse contratual positivo, sendo indemnizável o ganho que derivaria da formalização do contrato, tal como se ele tivesse sido celebrado.
Ora, o contrato em causa consistia na doação aos AA. da quantia de 110.000,00, preço que a R. estimava obter pela venda da sua casa em S.Romão de Arões. Foi esta, em suma, a vantagem patrimonial de que os AA. se viram privados pela ilegítima actuação da R.
Tanto assim que, após a recusa da R. em prosseguir com a celebração do contrato se viram forçados a pedir um reforço ao empréstimo celebrado com o BIC.
Tendo os AA., no entanto, limitado o seu pedido à quantia de euros 64.750,00, acrescida de juros desde a citação, e não podendo este Tribunal condenar em quantia superior à pedida (artigo 661º nº 1 do CPC) nos absteremos de abordar os restantes – e relevantes! danos que sofreram.”
O Mmo. Juiz condenou a R. a pagar aos AA. a quantia de 64.750,00 que foi a quantia que os AA. pediram que a R. fosse condenada a pagar-lhes. Mas só aparentemente há coincidência entre o pedido e a condenação proferida. É que o Mmo juiz a quo condenou a R. no pagamento numa indemnização que, embora contida dentro dos limites do peticionado, não foi a pedida. Os RR. tinham pedido o pagamento de uma indemnização composta por várias parcelas destinadas a reparar os danos que enunciámos e que constituem indemnização por violação do interesse contratual negativo. O Mmo Juiz a quo entendeu que assistia aos AA. o direito a uma indemnização no valor de 110.000,00 que reduziu para 64.740,00 por não poder ser superior ao quantitativo pedido, por violação do interesse contratual positivo. Não se trata de qualificar juridicamente de modo diferente o que foi pedido. Não se confundem as indemnizações. Como refere Alberto dos Reis, a propósito dos limites da condenação numa situação similar, se o autor pediu uma indemnização por danos emergentes, não pode o tribunal condenar o réu por lucros cessantes, por constituir condenação em objecto diferente do que se pediria, pois são espécies jurídicas diferentes[4]. A sentença enferma pois de nulidade por condenação em objecto diferente do pedido.
A circunstância da sentença ser nula, não implica a remessa dos autos para o tribunal da 1ª instância. Em obediência ao disposto no artº 715º do CPC, o Tribunal da Relação substituiu-se ao tribunal da 1ª instância e deve conhecer do mérito da apelação.
Do mérito
Os apelantes não concordam com o entendimento que dizem ter sido o considerado pelo Tribunal da Relação no acórdão de 2010, de que o caso deva ser apreciado à luz do instituto da responsabilidade pré-contratual.
Em seu entender o que está em causa é um suposto contrato de doação de bens futuros entre a R. e os AA., na medida em que esta lhe prometeu doar o valor estimado de 110.000,00 advindos da suposta venda da sua casa para que eles adquirissem uma moradia, que foi o enquadramento jurídico dado ao caso dos autos na 1ª sentença proferida, doação que é inexistente por força do disposto no nº 1 do artº 942º do CC. Por outro lado, não pode configurar a situação dos autos responsabilidade pré-contratual, porque não pode não existe nem pode existir qualquer negociação prévia relativamente a um contrato de doação. Acresce que, além de não haver negociações, também não configura uma situação de violação de confiança na realização do negócio por parte dos aqui recorridos, porquanto a doação do produto da venda da casa estava dependente da venda da mesma e o valor de 110.000,00 era mera estimativa do preço.
No acórdão deste Tribunal que ordenou a ampliação da base instrutória não se decidiu que a questão dos autos devia ser analisada à luz da responsabilidade pré-contratual.
O que se referiu no acórdão de 28.04.2010 foi somente que “a matéria de facto que alegaram e que se provou, é susceptível de configurar ou de se enquadrar no âmbito do instituto da responsabilidade pré-contratual ou da culpa in contrahendo, entre nós prevista no artº 227º do Código Civil (…)”, pelo que deveria ter sido incluída na base instrutória, uma vez que a selecção de factos deve ter em conta as várias soluções possíveis de direito e a responsabilidade pré-contratual é uma delas”.
Vejamos:
Como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação, os AA. na sua petição inicial, limitaram-se a a expor os factos que servem de fundamento à acção sem aludirem aos fundamentos de direitos nos quais alicerçavam o seu pedido, não tendo dado cumprimento na íntegra ao disposto na alínea d) do nº 1 do artº 476º do CPC. No entanto, o legislador não comina com qualquer sanção esse procedimento, cabendo ao julgador, face à factualidade dada como provada, subsumi-los ao adequado enquadramento jurídico.
Como se referiu no mesmo acórdão, os factos alegados permitiam que se equacionasse, em abstracto, a aplicação das normas atinentes ao contrato-promessa de doação e ao incumprimento contratual por um lado e por outro, à responsabilidade pré-contratual, por ruptura ilegítima das negociações.
Na 1ª sentença que foi proferida entendeu-se que a questão devia ser analisada à luz do contrato-promessa de doação e uma vez que não se tinham provado os factos atinentes a essa promessa, porque não podiam ser provados por testemunhas, face ao disposto no artº 393º do CC - resposta restritiva aos artºs 3ºs e 7º da base instrutória -, decidiu-se pela improcedência da acção.
No acórdão de 2010, o Tribunal da Relação entendeu que nada obstava a que os AA. provassem a matéria quesitada nos nºs 3 e 7 através de testemunhas, por essa matéria não configurar qualquer contrato-promessa, mas sim negociações preliminares. Realizado o julgamento, o Mmo Juiz respondeu provado, sem quaisquer restrições ao perguntado nesses artigos.
Na sentença ora recorrida, o Mmo Juiz entendeu que a análise do caso à luz da responsabilidade contratual, se afigurava nesse momento como uma abordagem mais adequada.
A apelante alega que não houve negociações, pelo que deve ser desde logo afastada a figura da responsabilidade contratual, mas sem razão.
As negociações entre as partes são as que estão referidas na matéria de facto dada como provada nos pontos 5 e 6 : porque a casa dos AA. não dispunha de condições para receber definitivamente a R. entre as partes foi acordado que esta venderia a sua casa em Arões, S.Romão e destinaria o produto de tal venda, complementando o produto de um empréstimo a contrair pelos autores, à aquisição de uma moradia que satisfizesse as necessidades do agregado familiar agora com a ré como membro.
E não se trata de doação de bens futuros, o que a lei não permite (nº 1 do artº 942º e 211º do CC). A doação que as partes tinham em vista era a doação concreta de uma importância que a R. iria receber quando vendesse a sua casa.
Adiantamos que concordamos com o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo.
O contrato promessa refere-se a um contrato futuro a celebrar. Como corolário natural do princípio da equiparação, no contrato promessa têm de sem encontrar devidamente determinados os elementos essenciais do negócio definitivo. Ora, a matéria de facto não permite concluir que as partes tenham pretendido obrigar-se mediante um contrato promessa de doação.
Encontramo-nos somente no domínio dos preliminares de um negócio que era efectivamente a doação de uma determinada verba para aquisição de uma morada destinada à residência conjunta dos AA. e da R..
Nos termos do nº 1 artº 227º do CC “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
O disposto no artº 227 do CC mais não representa do que a concretização de um princípio fundamental subjacente ao ordenamento jurídico: o da boa fé.
Neste domínio impõe-se a ponderação de dois interesses em conflito:
.o interesse da liberdade negocial, mantendo intacta a autonomia deliberativa até à formação do contrato;
. o interesse do fomento da boa fé e da protecção da confiança em face das expectativas criadas durante a fase pré-negocial.
Os preliminares e a formação do contrato podem ser analisados em duas fases distintas: a fase das negociações, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva e a fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas – a proposta e aceitação[5].
E é justamente na violação dos deveres que surge a denominada culpa na formação dos contratos ou responsabilidade pré-contratual fundada no pressuposto seguinte: nas negociações preliminares e preparatórias de um contrato, as partes devem comportar-se como pessoas de bem, com correcção, lealdade, informação e esclarecimento[6].
A obrigação de indemnização por culpa na formação do contrato depende da produção de um dano e da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.
O dever geral da boa-fé na formação dos contratos desdobra-se em vários deveres de actuação: o dever de comunicação, informação e de esclarecimento, os deveres de guarda e restituição, o dever de segredo, o dever de clareza, o dever de lealdade, de protecção e conservação[7].
A confiança que pode fundamentar a responsabilidade pré-contratual pela ruptura das negociações preparatórias deve ser razoável e objectivamente motivada. “Não basta uma confiança que se configure como um estado psicológico ou convicção com puras raízes subjectivas. Torna-se necessário proceder a uma apreciação casuística das situações, socorrendo-se o julgador de todos os elementos disponíveis para o efeito relevantes, como a duração e o adiantamento das negociações, a natureza e o objecto do negócio, os valores nele envolvidos, a qualidade dos contratantes e a sua conduta”[8].
A boa-fé e a confiança entre as partes dependem de dois elementos, um elemento objectivo que se traduz na adequação e idoneidade das actuações e comportamentos do declarante para gerarem confiança segundo um padrão médio e um elemento subjectivo que se traduz na criação de confiança efectiva numa das partes pela actuação e comportamento da parte contrária. Assim, incorre em responsabilidade pré-contratual a parte, que tendo criado na outra a convicção razoável, de que o contrato seria concluído (confiança), rompe intempestivamente as negociações ou recusa injustificadamente a conclusão do contrato, ferindo os interesses da contraparte.
O acordo pré-contratual consiste num acordo preparatório do futuro contrato, podendo ocorrer numa fase preliminar das negociações ou numa fase mais avançada, situada entre estas e o seu termo, o que é aqui o caso, mas antes da subscrição do contrato.
Não incorrerá em responsabilidade contratual a parte que recusou justificadamente a celebração do contrato a que os preliminares se referiam.
E poder-se-á entender que a R. recusou justificadamente a conclusão do contrato?
A apelante entende que sim porque se apurou que os AA. em 15 de Fevereiro de 2002 procederam ao levantamento do saldo de 9.693,97 de uma conta da R. que podiam movimentar e onde aquela tinha depositado dinheiro seu e do seu falecido marido.
No entanto, não se sabe em que circunstâncias ocorreu este levantamento de dinheiro. O aqui AA., RR. na acção ordinária 761/04.8TBFAF que a aqui R. lhes instaurou, com vista a ser reembolsada da referida quantia, alegaram que foi a aqui R. que lhes deu o dinheiro que levantaram, mas não o lograram provar. Na acção 761/04 apenas se apurou que os RR. procederam ao seu levantamento.
E também não se sabe se foi o conhecimento deste levantamento efectuado em 15 de Fevereiro de 2002 que fez com que a R. saísse de casa dos AA. e se recusasse a vender a sua casa e a dar-lhes o produto da venda, sendo que a R. só saíu da casa dos AA. em Março de 2003. A R. não logrou provar que regressou a casa por força do comportamento dos AA. (resposta negativa restritiva ao artº 37º da base instrutória).
Não assiste assim razão à apelante quando defende que ocorreu ruptura legítima das negociações por parte da A..
E tendo havido ruptura das negociações sem causa legítima, a R. responde, nos termos do nº 1 do artº 227º do CC pelos danos que culposamente causar à outra parte.
Como se sabe é discutível qual a natureza da responsabilidade pré-contratual: se é responsabilidade contratual, por facto ilícito ou um tertium genus. Tem vindo a ser desenvolvida uma posição que atribui a este instituto um regime híbrido, situado entre as duas formas clássicas de responsabilidade, tendo por subjacente que ainda que à responsabilidade pré-contratual contratual não possa ser aplicável o regime do contrato visado, possa integrar obrigações resultantes das próprias negociações (de natureza já negocial) e não apenas as derivadas de um dever de conduta genérico[9].
Tendemos a considerar que se deve a aplicar o regime da responsabilidade contratual à responsabilidade pré-contratual[10]. E como tal, é à R. que incumbe ilidir a presunção de culpa que sobre si impede, nos termos do nº 1 do artº 799º do CC, que não ilidiu.
Distingue-se em matéria de obrigação de indemnização entre o interesse negativo ou da confiança e o interesse positivo ou do cumprimento.
No interesse negativo está em causa a indemnização do dano resultante da violação da confiança de uma das partes na probidade e lisura do procedimento da outra. É o prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, a outra parte cumpriria os deveres derivados do imperativo de boa fé. A indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se, por não haver confiado, não houvesse iniciado as negociações com vista à conclusão do contrato, devendo cobrir apenas a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a situação patrimonial que existiria se o contrato, válido ou inválido, não tivesse sido celebrado ou se as negociações não tivessem ocorrido, podendo abranger tanto os danos emergentes (despesas realizadas) como os lucros cessantes[11].
A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse cumprido.
A posição dominante, face ao preceituado no art. 562 CC – quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – e tendo em conta que a obrigação de indemnização decorre da violação da confiança e da boa-fé ou da recusa da conclusão do contrato negociado, entende que a parte lesada só pode pretender ser colocada na situação que existia se não lhe tivesse sido criada essa confiança, pelo que apenas pode pretender um ressarcimento correspondente ao interesse negativo.
No entanto, também se defende que em certos casos (excepcionalmente) deverá haver lugar à indemnização pelo dano contratual positivo, colocando-se a parte lesada na situação em que estaria se, hipoteticamente, o contrato tivesse sido celebrado, logo a indemnização devida seria a correspondente ao interesse positivo de cumprimento do contrato[12], sobretudo em casos em “que a vinculação contratual se tenha densificado já ao ponto de ter surgido um verdadeiro dever de conclusão do contrato”[13].
Os AA. na sua petição inicial referem-se a vários danos que tiveram por força da conduta da R., nomeadamente às obras que tiveram que fazer para adaptar a moradia à condição física da R., pessoa de avançada idade, ao reforço do empréstimo que tiveram que contrair por a R. não lhes ter doado a importância de 110.000,00, mas acabam por não retirar qualquer conclusão destes danos, não formulando qualquer pedido destinado a ressarci-los.
Os danos cujo ressarcimento os AA. pedem são apenas:
. o prejuízo de 25.000,00 relativo às menos valias da moradia, alegando para o efeito que quando concluírem o pagamento do empréstimo da casa esta só valerá no mercado 350.000,00 e terão pago 375.000,00 (artº 49 da p.i.), menos valias que o AA. não suportariam se o montante do empréstimo fosse de menor valor;
.o prejuízo no valor de 4.70,00, relativo à diferença que terão que pagar a mais cada ano, relativa ao Imposto Municipal sobre Imóveis que será cerca do dobro do que pagariam se tivessem adquirido uma casa de menor valor e que ao fim de 19 anos irá perfazer um prejuízo de cerca de 4.750 euros (250,00 x (25 anos de duração do empréstimo – 6 de isenção) – artº 50º da p.i.,
. o prejuízo no valor de 12.500,00 euros relativos à conservação do prédio ao longo de 25 anos, prejuízo que não teriam se tivessem adquirido uma moradia menor, pela qual gastariam por ano apenas cerca de 1.000,00 pelo que pedem a diferença (500,00 x 25 anos) – artº 51º da p.i.
no total de 42.250,00 e uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 22.500,00 (artigos 55º a 70º da p.i.), num total de 64.750,00.
A indemnização por danos patrimoniais que os AA. pedem é destinada a reparar a diferença entre as despesas que eles vão suportar e que não suportariam se a R. não tivesse acordado com eles em dar-lhes o dinheiro proveniente da venda da sua casa em Arões, S.Romão, para que estes adquirissem uma moradia, e as despesas que suportariam se tivessem adquirido uma casa de menor valor, pois que se não fosse por causa da R., os AA. nunca teriam adquirido a moradia. Trata-se de indemnização por violação do interesse contratual negativo.
No entanto, não lhes assiste o direito de serem indemnizados pelos prejuízos sofridos, desde logo porque os AA. não lograram provar ter tido os danos patrimoniais cujo ressarcimento reclamam.
E relativamente aos danos não patrimoniais?
Os AA. pedem que seja fixada uma indemnização no montante de 22.500,00 a título de danos não patrimoniais, composta pelas seguintes parcelas:
. 2.500,00 pelos aborrecimentos e incómodos que lhes causa terem que recorrer a familiares, dando-lhes a conhecer a sua situação e pedindo-lhes ajuda para fazer face aos encargos bancários;
. 15.000,00 pelas privações que os AA. têm que fazer, juntamente com os filhos, para suportar os encargos bancários, necessariamente mais elevados por força do comportamento da R.;
.5.000,00, por terem ficado chateados, vexados e aborrecidos com a situação criada, por terem visto o seu nome e prestígio em causa e por terem contratado empresas para promoverem a venda da casa de Arões e não terem podido cumprir.
Neste domínio, os AA. lograram provar os factos em que assentavam a sua pretensão (ponto 24 a 30 da sentença).
A responsabilidade pré-contratual abrange o ressarcimento dos danos não patrimoniais [14].
A lei não fornece uma definição do que deve entender-se por danos não patrimoniais, mas tem-se entendido que danos não patrimoniais “são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente(…)”[15].
São apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito. Assim não serão indemnizáveis os meros aborrecimentos e incómodos por não revestirem essa gravidade.
No caso, serão assim apenas ressarcíveis os danos consistentes na ofensa ao bom nome e prestígio dos AA. que se deram como provados e os danos relativos ao prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades de lazer que os AA.(e não também os seus filhos que não são parte nesta acção) se viram forçados a abdicar por terem que suportar o pagamento de um empréstimo tão elevado que não teriam contraído, se a R. não tivesse acordado com eles em contribuir com a verba resultante da venda da sua casa para a aquisição da moradia.
Dispõe o nº 3 do artº 496º do CC que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.Os critérios para fixação/composição do montante indemnizatório/compensatório, considerando as circunstâncias mencionadas no citado artigo 494.º, são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A equidade “é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”[16]
A difícil situação económica dos lesados está demonstrada, pouco se tendo apurado sobre a situação económica da A. Tudo ponderado mostra-se adequada uma indemnização no montante de 10.000,00.
São estes os danos cujo ressarcimento os AA. pediram e só estes podem ser objecto de indemnização.
Na sentença recorrida entendeu-se que aos AA. assistia o direito a ser indemnizados pelo seu interesse contratual positivo, sendo indemnizável o ganho que derivaria da formalização do contrato, tal como se ele tivesse sido contratado, ganho esse que corresponde à quantia de 110.000,00 euros que era a importância que a R. lhes iria doar. E como os AA. só pediram a condenação no pagamento da quantia de 64.750,00, entendeu-se ser esta a importância a atribuir.
Só que, tal como salienta a apelante, os AA. não configuraram a sua pretensão nestes termos, estando vedado ao Mmo Juiz atribuir aos AA. uma indemnização com fundamento diferente do pedido. A qualificação, ou seja, a recondução de certa realidade a um determinado conceito jurídico pertence ao juiz e não à parte. Mas o juiz não pode substituir o dano cujo ressarcimento a parte pede por outro, pelo que não assiste aos AA. o direito à indemnização pela violação do interesse contratual positivo. Acresce que o tribunal não tinha elementos para considerar que o dano sofrido pelos AA. tinha o valor de 110.000,00, pois esse era apenas o valor estimado da venda.
Sumário:
. Tendo os AA. pedido a condenação da R. a pagar-lhes uma indemnização composta por várias parcelas destinadas a reparar os danos que sofridos por violação do interesse contratual negativo, e tendo na sentença sido entendido que assistia aos AA. o direito a uma indemnização no valor de 110.000,00 que foi reduzida para 64.740,00 por não poder ser superior ao quantitativo pedido, por violação do interesse contratual positivo, a sentença é nula por condenar em objecto diferente do pedido.
. Tendo as partes acordado que a R. venderia a sua casa e que destinaria o produto de tal venda, a complementar o produto de um empréstimo a contrair pelos AA., para aquisição de uma moradia que satisfizesse as necessidades do agregado familiar, agora com a R. como membro, tendo com acordo e colaboração da R., os AA. diligenciado pela venda da casa daquela e pela aquisição de uma nova casa, não tendo a R. chegado a dar aos AA. a quantia proveniente da venda da sua habitação, venda da qual desistiu, abandonando os AA., a responsabilidade da R. situa-se no domínio da responsabilidade pré-contratual pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados e não no âmbito da responsabilidade por incumprimento de um contrato promessa de doação.
. Não são indemnizáveis os meros aborrecimentos e incómodos sofridos pelos AA. por não revestirem a gravidade exigida pelo nº 1 do artº 496º do CC.
. São merecedores da tutela do direito os danos consistentes na ofensa ao bom nome e prestígio dos AA. que se deram como provados e os danos relativos ao prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades de lazer que os AA.(e não também os seus filhos que não são parte nesta acção) se viram forçados a abdicar por terem que suportar o pagamento de um empréstimo que tiveram de contrair num montante mais elevado, em virtude do comportamento da R.
. Mostra-se adequada a ressarcir esses danos não patrimoniais a quantia de 10.000,00.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e em revogar a decisão recorrida, condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de dez mil euros, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
Guimarães, 2 de Maio de 2013
Helena Melo
Rita Romeira
Amílcar Andrade
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[1] Entre outros, Abílio Neto, Código do Processo Civil Anotado, 14.ª ed., pág. 702.
[2] Conforme defendem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 670.
[3] No entanto, nas alegações de recurso interposto da 1ª sentença proferida nestes autos, os AA. referem ter pedido uma indemnização por danos patrimoniais no valor de 49.701,17, correspondente à soma de 19.951,17 (quantia que pelo valor se conclui tratar-se das alegadas despesas com obras da adaptação da casa)+25.000,00 (artº 49º da p.i.) +4.750,00 (artº 50º) , mas não é essa a quantia pedida na petição inicial (artºs 49º a 53º).
[4] Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, anotação ao artº 661º do CPC, Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p.70.
[5] Mário Júlio de Almeida Costa, Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato, reimpressão, Coimbra, Almedina, 1994, p.49.
[6] Cfr. se defende no Ac. do TRL de 4.10.2012, proferido no proc.5523/05, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Ana Prata, Notas sobre a responsabilidade pré-contratual, Revista da Banca nº 16, Outubro/Dezembro de 1990 e nº 17, Janeiro e Março de 1991 – págs. 40 e sgs.
[8] Mário Júlio de Almeida e Costa, obra citada, p. 57.
[9] Conforme se refere no Ac. do TRL de 12.04.2011, proferido no proc.6660/09, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Conforme se defende nos Acs. do STJ de 25.10.2005, 11.09.2007 e de 23.10.2008, proferidos, respectivamente, nos processos 05ª3054, 07ª2402 e 0882943 e Ac. da RP de 27.10.2009, proferido no proc.9361/07, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[11] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 4ª ed., 2008, 224/225.
[12] Mota Pinto, Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, vol. II – 1341 e Ac STJ de 31/3/2011, relator Fernando Bento, in www.dgsi.pt.
[13] Cfr. P. Mota Pinto, obra citada, p. 1347.
[14] Conforme se defende no Ac. do STJ de 18.12.2012, proferido no proc. 1610/07, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Como se refere no Ac. do STJ de 25.11.2009, proferido no proc.397/03, acessível em www.dgsi.pt.
[16] Ac. do STJ de 05-11-2008, proferido no processo n.º 3266/08 -3ª.