ACÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LITISPENDÊNCIA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
TERCEIRO
Sumário

I – Não se verifica a excepção dilatória de litispendência se as duas execuções instauradas pelo exequente o foram contra “partes distintas”, porque, se assim é, não estamos perante uma repetição de causa e a litispendência pressupõe esta repetição.
II – A procedência da impugnação pauliana faculta a execução do bem no património do obrigado à restituição, ou seja o adquirente, sem a necessidade de fazê-lo reverter ao património do alienante.
III - Dos artºs 616, nº 1 e 818 do Código Civil resulta que sendo julgada procedente a acção de impugnação pauliana, a acção executiva pode ser intentada contra o terceiro adquirente, podendo o credor, na medida do seu interesse, executar os bens em causa (e só estes), no património do obrigado à restituição.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa nº 761/12.4TBEPS, do 1º Juízo do Tribunal Judical de Esposende, em que é exequente A… e executado, B…, veio este último deduzir a presente oposição à execução, alegando que não foi condenado a pagar ao exequente qualquer quantia, designadamente a constante do requerimento executivo, pelo que o exequente não tem título executivo para o demandar, sendo a penhora do estabelecimento comercial, “Farmácia C…”, sua propriedade manifestamente ilegal.
Alega, ainda, que o exequente litiga com manifesta má fé, com o intuito de coagir o executado/oponente a pagar uma dívida que não é sua.
Pede que a oposição seja recebida e, a final, seja julgada provada e procedente e o exequente condenado, exemplarmente, em multa e indemnização, por litigar com manifesta má-fé.

Recebida a oposição e notificado, veio o exequente contestar a oposição, nos termos que constam a fls. 9 e ss., alegando que por via da procedência da acção de impugnação pauliana que intentou, também, contra o executado tem este legitimidade para ser demandado na lide executiva.
Conclui que deve a oposição ser julgada improcedente, ordenando-se, em consequência, o prosseguimento da execução e da penhora do estabelecimento comercial denominado “Farmácia C…” e, por outro lado, também, o pedido de condenação do exequente em litigante de má-fé deverá ser considerado improcedente e, pelo contrário, o executado condenado como litigante de má-fé, nos termos dos artigos 456º e 457º do CPC.

Após, notificação das partes nos termos do artº 3, nº 3, do CPC, em sede de saneador foi proferida, a fls. 17 e ss., decisão que julgou improcedente a oposição à execução.

Inconformado com o decidido, interpôs o executado/oponente o presente recurso de apelação, o qual foi admitido com efeito meramente devolutivo.
As alegações juntas a fls. 22 e ss., terminaram com as seguintes CONCLUSÕES:
1, O Recorrido instaurou a acção executiva n° 833/05.1TBEPS que corre termos no 1° Juízo do Tribunal da Comarca de Esposende para cobrança do crédito invocado na acção ordinária nº 696/07.2TBEPS.
2. Com base no acórdão proferido na mencionada acção ordinária, que constitui o título executivo, o Exequente, ora Recorrido, instaurou a presente execução para cobrança do mesmo crédito.
3. Assim, o Recorrido instaurou duas execuções contra partes distintas com o intuito de exigir o pagamento do mesmo crédito, sendo uma delas o ora Recorrente.
4. Pelo que se verifica a excepção dilatória da litispendência, que expressamente se invoca
5. A qual é do conhecimento oficioso.
6. Considerando o decisório do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que constitui o título executivo dado à execução:
“Pelo exposto acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação (pedido subsidiário) e em consequência, revogando a sentença recorrida, julgam procedente a impugnação (impugnação pauliana) do trespasse, declarando a ineficácia de tal acto relativamente ao Autor.
Em decorrência, reconhecem ao Autor o direito de executar o estabelecimento (Farmácia C…), na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do seu crédito (€285 046,38, acrescido dos juros de mora, à taxa, de 4%, desde 24 de Julho de 2004)”;
7. O direito de executar o estabelecimento comercial de farmácia corresponde apenas e tão só ao direito de o nomear à penhora.
8. Assim, assiste ao Recorrido/Exequente o direito de nomear à penhora o estabelecimento de farmácia denominado “Farmácia C…“, na primitiva acção executiva instaurada contra os responsáveis pelo pagamento do seu crédito, acção executiva n° 833/05.1TBEPS, 1° Juízo do Tribunal de Esposende.
9, Pelo que o Recorrido/Exequente não tem título executivo para demandar o Recorrente.
10. Sendo, por isso, o Executado/Recorrente parte ilegítima nos presentes autos.
11. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 55°, 57º, 495°, 497° e 498º do C.P.C., 616° n° 1, 818° do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se provada e procedente a Oposição deduzida e consequentemente ordenando-se a extinção dos autos de execução n° 761/12.4 TBEPS com as legais consequências, como é de JUSTIÇA

Foram apresentadas contra-alegações, nos termos que constam a fls. 33 e ss., que terminaram com as seguintes CONCLUSÕES:
Da Excepção de Litispendência
A. A alegação da litispendência configura matéria de excepção, pelo que os factos e conclusões que a integram e os eventuais documentos que a suportam deverão ser alegados na contestação (ou, in casu, na oposição à execução), de acordo com o princípio da concentração da defesa, nos termos do qual toda a defesa deverá ser deduzida na contestação, não devendo ser atendidos os meios de defesa que venham a ser apresentados posteriormente (cfr. artigo 489.º do CPC);
B. Não tendo o Recorrente alegado a matéria de excepção em causa em momento oportuno, isto é, em primeiro lugar, na acção declarativa de condenação que precedeu a presente instância executiva e, em segundo lugar, na respectiva oposição à execução, encontra-se precludida a possibilidade de vir invocar tal matéria (não superveniente) na presente sede;
C. Em qualquer caso, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa ainda em curso e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (cfr. artigos 494.º e 497.°do CPC);
D. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo certo que se verifica a identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, constando-se uma idêntica causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (cfr. artigo 498.º do CPC);
E. É o próprio Recorrente quem admite que as acções executivas em causa foram intentadas «com objectivo de exigir o pagamento do mesmo crédito a duas pessoas distintas», pelo que não se encontra, desde logo, verificada a identidade de sujeitos, uma vez que, naquelas duas acções, os respectivos executados não são os mesmos;
F. De resto, os executados são demandados, naquelas duas acções executivas, a diferentes títulos (devedor e adquirente de má fé), donde não se verifica a identidade de causas de pedir;
G. Não se encontram, assim, preenchidos os pressupostos de que depende a verificação da excepção de litispendência;
Da Falta de Título Executivo Para Demandar o Recorrente
H. Nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 821.º do CPC, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda, sendo certo que, nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele;
I. Nesse sentido, o artigo 818.º do Código Civil permite a execução de bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado, como ocorre na impugnação pauliana, a qual, nos termos do artigo 616.º do mesmo diploma, atribuí ao credor o direito à execução de bens no património do terceiro adquirente;
J. O credor poderá fazer-se pagar pelo valor do bem objecto do acto impugnado, o que lhe permite executá-lo no património do terceiro adquirente e envolve, por definição, os direitos de instrumentais de o fazer penhorar, de registar definitivamente a penhora e de o fazer vender na execução;
K. Nesses termos, a sentença proferida na acção pauliana constitui título executivo contra o terceiro adquirente, ou seja, contra o Recorrente;
L. Nem sequer se afigura necessário, para assegurar a devida legitimidade processual, instaurar a acção executiva também contra os devedores, uma vez que, nas palavras de CURA MARIANO, «o legislador preferiu a criação de uma situação de litisconsórcio facultativo, em detrimento da imposição de um litisconsórcio necessário, de modo a permitir ao credor avaliar da conveniência das diversas opções»;
M. Assim como também nada obriga a chamar o terceiro adquirente (ou seja, o Recorrente), através de um incidente de intervenção provocada, à acção executiva já instaurada contra o devedor;
N. Assim sendo, improcede em toda a linha o argumento aduzido pelo Executado, devendo o Digníssimo Tribunal concluir, pelo contrário, que o Recorrido possuía (como possui) o devido título executivo para intentar a presente acção executiva contra o Recorrente.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser o presente recurso julgado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo. POIS SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 660, nº 2, 684, nº 3, e 685-A, nº 1, todos do CPC), constituem questões propostas à resolução deste Tribunal, as seguintes:
- saber se se verifica a excepção dilatória da litispendência;
- saber se o exequente não tem título para demandar o executado/recorrente.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
1. O exequente intentou, no Tribunal Judicial de Esposende, acção com processo na forma ordinária contra D…, E…, F…, G…, H… e B..., aqui Executado, a qual correu termos com o n.º 696/07.2TBEPS.
2. Naquela acção, o exequente apresentou, a título subsidiário, um pedido de impugnação pauliana, requerendo, nesse sentido, a declaração de ineficácia, em relação a si, do trespasse do estabelecimento comercial denominado «Farmácia C…», promovido pelos Senhores D…, E…, F…, G…, H…, enquanto alienantes, e pelo Senhor B…, aqui executado, enquanto adquirente, na medida em que tal se mostrasse necessário à satisfação do seu crédito.
3. Por Acórdão de 26 de Abril de 2012, o Tribunal da Relação de Guimarães julgar procedente o pedido de impugnação pauliana do trespasse da «Farmácia C…», declarando a ineficácia de tal acto em relação ao exequente e reconhecendo o seu direito de executar o mencionado estabelecimento comercial, na medida em que se mostre necessário à satisfação do seu crédito.
4. É do seguinte teor a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães: «Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação (pedido subsidiário) e em consequência, revogando a sentença recorrida, julgam procedente a impugnação (impugnação pauliana) do trespasse, declarando a ineficácia de tal ato relativamente ao Autor. Em decorrência, reconhecem ao Autor o direito a executar o estabelecimento transmitido (Farmácia C…), na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do seu crédito (€285.046,38, acrescendo juros de mora, à taxa de 4%, desde 24 de Julho de 2004).»

B) O DIREITO
A questão primeira a apreciar e decidir no presente recurso consiste em saber se, na situação dos autos, se verifica a excepção dilatória da litispendência que o recorrente veio invocar em sede de recurso, nos termos das suas conclusões 1 a 5, argumentando que o recorrido instaurou a acção executiva nº 833/05.1TBEPS e esta execução para cobrança do mesmo crédito.
Porque a litispendência é uma excepção dilatória, da qual o Tribunal deve conhecer oficiosamente, impõe-se-nos a sua apreciação, cfr. artºs 494, al. l), 495, e 660, todos do Código Processo Civil (diploma a que respeitarão os artigos a seguir mencionados sem outra indicação de origem).
Como refere Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. , pág. 301, “Dá-se a litispendência...quando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objecto, fundado na mesma causa de pedir. A litispendência,..., pressupõe assim a repetição da acção em dois processos diferentes.”.
A excepção dilatória da litispendência tem por finalidade evitar que o Tribunal possa debruçar-se, duplamente, sobre a mesma pretensão, correndo o risco desprestigiante, de se contradizer, tornando assim precário o valor da segurança e certeza do direito. Cfr, Ac. do STJ de 13.04.2010, in www.dgsi.pt.
No artº 497 definem-se os conceitos de litispendência e caso julgado, dispondo que:
“1 – As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
2 – Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
…”.
O artº 498 define o conceito de “repetição da causa”, estatuindo:
“1 – Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 – Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 – Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 – Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.
Transpondo as enunciações feitas para o caso dos autos, não se suscita qualquer dúvida sobre a improcedência da invocada excepção e, sem necessidade de quaisquer outras considerações, que não seja a alegação do recorrente constante da sua conclusão 3, onde o mesmo refere que as duas execuções instauradas pelo recorrido o foram contra “partes distintas”.
Ora, se assim é, não estamos perante uma repetição de causa e porque a litispendência pressupõe esta repetição, não se verifica qualquer excepção dilatória da litispendência.

Improcedem, assim, as conclusões 1 a 5 da alegação.

Passemos, agora à apreciação da segunda questão colocada pelo apelante, consistente em saber se o exequente não tem título para demandar o executado/recorrente, como este defende e, em consequência, se o mesmo é parte ilegítima na execução.
A conclusão a que chegarmos levará, naturalmente, à questão de equacionar se deverá ou não manter-se a solução de julgar a oposição improcedente, como foi decidido pelo Tribunal “a quo”, ou a sua procedência como defende o apelante nas conclusões da sua alegação.
O artº 45, nº 1, dispõe que a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Sobre a legitimidade do exequente e do executado preceitua o artº 55, nº 1, que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Esta regra geral da determinação da legitimidade passiva na acção executiva comporta desvios, os quais estão previstos nos artºs 56 e 57, desvios estes que contemplam a possibilidade da execução ser promovida contra terceiros que não o devedor.
No caso, o título em causa é um douto acórdão desta Relação relatado pelo Ex.mo Juiz Desembargador, Sr. Dr. Manso Rainho, proferido no âmbito de uma acção pauliana, no qual se julgou procedente a impugnação (impugnação pauliana) do trespasse, declarando a ineficácia de tal acto relativamente ao Autor, aqui exequente e, em decorrência, reconheceu-se ao Autor o direito a executar o estabelecimento transmitido, ao aqui executado/oponente, (Farmácia C…), na medida em que tal se mostre necessário à satisfação do seu crédito (€285.046,38, acrescendo juros de mora, à taxa de 4%, desde 24 de Julho de 2004).
O estabelecimento, objecto da impugnação pauliana que se julgou procedente, com a transmissão, que os demais réus, daquela acção nº 696/07.2TBEPS, referida no ponto 1, dos factos assentes, fizeram ao réu/executado, passou a fazer parte do património deste.
E, como é sabido, a procedência da acção pauliana não destrói o negócio formalizador da transmissão que se pretende atacar, apenas concede ao credor o direito de se fazer pagar, até ao limite do seu crédito, pela execução do bem transmitido.
A lei substantiva, artº 818, do C. Civil, em casos de impugnação pauliana, como é a situação em apreço, faculta a possibilidade do direito de execução incidir sobre bens de terceiro, em virtude de acto praticado em prejuízo do credor e, quando este o haja impugnado por decisão transitada em julgado, o que se mostra confirmado pelo disposto no artº 616, nº 1 do mesmo diploma, o qual estabelece que julgada procedente a impugnação, o credor tem, não só, direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, como pode executá-los no património do obrigado à restituição, ou seja, do terceiro adquirente.
Destes artigos decorre que o exequente pode, desde logo, mover a execução contra o adquirente dos bens, sem necessidade de fazê-los reverter ao património do alienante, (cfr. referem Antunes Varela e Pires de Lima, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., pág. 602 e Vol. II, 3ª edição, págs. 92 e 93, J. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 12ª ed., págs. 844 e 869 e Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., págs. 82 e 83).
Este último autor, na obra citada, págs. 83 e 206, defende que deve aplicar-se por analogia à impugnação pauliana o comando do artº 56 nº 2, integrando o título executivo, conjuntamente com o que implica a exequibilidade contra o devedor, a sentença obtida na acção pauliana. Lebre de Freitas in “Acção Executiva”, 4ª ed., pág. 125, nota 8-A, critica esta posição defendendo que “a legitimidade passiva do adquirente resulta directamente do título executivo (a sentença que o condena), nos termos do artº 55”.
Independentemente do enquadramento adjectivo é inquestionável que sendo julgada procedente a acção de impugnação pauliana, a acção executiva pode ser intentada contra o terceiro adquirente, tal como foi, acertadamente, o entendimento da decisão recorrida.
Não se suscitam quaisquer dúvidas, atento o que ficou exposto, que ao recorrente não assiste qualquer razão.
O exequente tem título executivo para demandar o executado e este é parte legítima na execução em consonância com o disposto nos artºs 55 a 57 e 616,nº1, do C.C. e, a indicação à penhora do bem obrigado à restituição é legal, cfr. o que dispõem o já citado artº 818 do C.C. e o artº 821, nº2, segundo o qual “nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiros, desde que a execução tenha sido movida contra ele”.
No caso, o douto acórdão proferido na acção de impugnação pauliana que o exequente/recorrido instaurou contra os réus da acção nº 696/07.2TBEPS, identificados no ponto 1 dos factos assentes, (neles se incluindo o executado) declarou ineficaz relativamente ao autor o acto de trespasse, através do qual os primeiros réus transmitiram ao réu/executado a (Farmácia C…) e, em decorrência, da procedência daquela acção, o exequente passou a poder penhorar o estabelecimento transmitido ao executado, apesar de este ser um terceiro, estranho à relação entre ele/exequente e os réus transmitentes, servindo de título executivo o acórdão obtido na acção de impugnação, para que o exequente se faça pagar do seu crédito, na douta medida ali referida, à custa do estabelecimento objecto do trespasse, actualmente, pertença do executado.
Em suma, não só, existe título executivo, o douto acórdão dado à execução, como, o direito que o exequente tem de pagar-se do seu crédito, incide sobre o bem transmitido ao réu/executado, sendo este quem deve cumprir tal obrigação exequenda, ou, na linguagem normativa do nº1, do citado artº 616, do C.C., o obrigado à restituição é o executado/oponente, porque, dada a procedência da impugnação, o credor pode executar o bem em causa (e só este) no património do obrigado à restituição, ou seja, o terceiro adquirente, cfr. dispõe o artº 821º, nº 2, referido.
Assim, existe título judicial contra o oponente, cfr. artº 814, nº 1, al. a), e, nessa conformidade é de manter a decisão recorrida que se encontra devidamente fundamentada, não tendo violado nenhum dos dispositivos legais que o recorrente aponta.

Improcedem, assim, todas as conclusões da apelação.

SUMÁRIO (artº 713º, nº 7 do Código de Processo Civil):
I – Não se verifica a excepção dilatória de litispendência se as duas execuções instauradas pelo exequente o foram contra “partes distintas”, porque, se assim é, não estamos perante uma repetição de causa e a litispendência pressupõe esta repetição.
II – A procedência da impugnação pauliana faculta a execução do bem no património do obrigado à restituição, ou seja o adquirente, sem a necessidade de fazê-lo reverter ao património do alienante.
III - Dos artºs 616, nº 1 e 818 do Código Civil resulta que sendo julgada procedente a acção de impugnação pauliana, a acção executiva pode ser intentada contra o terceiro adquirente, podendo o credor, na medida do seu interesse, executar os bens em causa (e só estes), no património do obrigado à restituição.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Guimarães, 2 de Maio de 2013
Rita Romeira
Amílcar Andrade
Manso Rainho