ABERTURA DE INSTRUÇÃO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
DEFENSOR
Sumário

I – Há um núcleo de atos e fases do processo em que, devido à gravidade das possíveis consequências para o arguido, a defesa só pode ser assegurada por advogado.
II – Na instrução o arguido é necessariamente assistido por advogado, desde o requerimento para a sua abertura. Porém, sob pena de ilogismo, se a assistência do defensor na instrução visa proteger o arguido, a sua falta não pode justificar sem mais uma agravação da posição processual deste.
III – Apresentado requerimento para a abertura da instrução apenas subscrito pelo arguido, devem este e o seu defensor advogado ser notificados para, no prazo geral de 10 dias, juntarem aos autos requerimento com ratificação do processado, subscrito pelo defensor advogado, sob pena de rejeição da instrução, por inadmissibilidade legal desta.

Texto Integral

I.

RELATÓRIO. ---
No âmbito dos presente autos de processo comum, findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra, entre outros, José C... Cf. volume I, fls. 630 a 637. ---. ---
Notificado daquela acusação, veio aquele Arguido requerer a abertura de instrução Cf. volume I, fls. 657 a 665. ---, sem intervenção do respectivo defensor, muito embora o tenha constituído Cf. volume I, fls. 580: por procuração datada de 31.07.2012, o Arguido constituiu seu defensor, entre outros, o Exm.º Sr.º Dr.º Ricardo C..., Ilustre Advogado da Comarca de Braga. ---. ---
Relativamente àquele requerimento do Arguido, o 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães proferiu, em 24.01.2013, o seguinte despacho: (transcrição) ---
«A fls. 657 e ss., veio o arguido José C... apresentar o requerimento de abertura de instrução por si subscrito, não obstante já lhe ter sido nomeado defensor oficioso - cf. fls. 539
Comecemos por analisar da admissibilidade do requerimento de abertura de instrução apresentado, na medida em que o mesmo foi elaborado e subscrito pelo próprio arguido que pretende seja declarada aberta a fase processual de instrução.
Estabelece o disposto no art. 64º, n.° 3 do CPP, que é obrigatória a nomeação de defensor ao arguido, quando contra ele for deduzida acusação devendo, inclusivamente, a identificação do defensor nomeado constar do despacho de encerramento do inquérito.
A obrigatoriedade de nomeação de defensor legalmente estabelecida prende-se com a necessidade de defesa do arguido, o qual, caso assim entenda pode requerer a abertura de instrução para se defender da acusação que contra si foi deduzida pelo Ministério Público, ou para se defender do eventual requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente que reage a um despacho de arquivamento dos autos, requerimento de abertura de instrução esse que para ser admitido tem que obrigatoriamente integrar uma acusação.
A conformidade constitucional deste entendimento e solução legislativa tem sido reiteradamente afirmada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente, Acórdãos n.° 497/89, 252/97, 578/2001 e 960/06.
A escolha do defensor, é pois um direito constitucional do arguido.
Trata-se de emanação do direito constitucional à escolha de defensor (art. 32°, n.° 3, da Constituição da Republica Portuguesa), garantia directamente aplicável e cuja limitação, nos termos da Lei Fundamental, apenas pode ocorrer na medida do necessário para tutela de outros direitos análogos salvaguardados na Constituição (art. 181, n°s 1 e 2).
O direito consagrado na Constituição da República Portuguesa não comporta excepções.
No entanto, uma tem sido admitida, pelos Tribunais Superiores, inclusivamente pelo Tribunal Constitucional, no sentido de ser aceitável à luz da Lei Fundamental que, em lugar de escolher-se a si próprio, o arguido que seja advogado seja assistido por outro causídico (cf. acs. do T. C. n.° 578/2001, in D. R., II Série, n.° 50, de 28 de Fevereiro de 2002, e do S. T. J., de 19 de Março de 1998, B. M. J., n.° 475, pág. 498; e, na doutrina, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, tomo I, 4ª ed., p. 316).
O primordial fundamento de tal excepção radica, no essencial, na circunstância de os poderes que por lei são atribuídos ao defensor não serem em muitas situações conciliáveis com a sua posição de arguido, embora também se saliente a existência de respeitáveis interesses do próprio advogado, no sentido de beneficiar de uma defesa conduzida de forma desapaixonada.
E essa incompatibilidade de posições entre defensor e arguido aplica-se inteiramente ao caso em apreciação, pelo menos na fase da audiência, bastando pensar na hipótese de o tribunal determinar, caso se realize o julgamento, a audição separada dos arguidos, nos termos do art. 343º, n.° 4, do C. de Processo Penal, pois em tal situação o defensor da arguida não assistiria às declarações por ela prestadas.
A corroborar a versão exposta, e em consonância com o mesmo, estabelece o art.° 1º n.º 10 da Lei n.° 49/2004 de 2004-08-24 [Lei que define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores], que nos casos em que o processo penal determinar que o arguido seja assistido por defensor, essa função é obrigatoriamente exercida por advogado, nos termos da lei.
Esta solução legislativa, de proibição da auto-representação em processo penal, é também a única que se compagina com o actual EOA - Lei n.° 15/2005, de 26 de Janeiro -, que consagra, entre o mais, que o advogado exercita a defesa e interesses que lhe são confiados com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável, art.° 76º n.º 1. E não se restringe aos advogados arguidos, abrange também os advogados ofendidos, acórdão do TC n° 325/2006 e n.° 338/2006 e Acórdão do TRC de 30-03-2011, e os magistrados, na qualidade de arguidos ou ofendidos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-07-2009 [Armindo Monteiro].
A admitida excepção radica, face à forma como está estruturado o processo penal, numa restrição inevitável, para a realização do julgamento e dos direitos de defesa do arguido que ao mesmo está sujeito, ou em caso de se encontrar ainda em fase de instrução, de defesa dos seus direitos face aos meios de prova carreados para a fase de inquérito e que determinaram a acusação contra si deduzida, à livre escolha do defensor, estando por isso materialmente justificada como indispensável, e na medida necessária, à tutela da realização da justiça, elemento inerente ao conceito de Estado de direito em que se baseia a Constituição (art. 180, n.° 2).
Por outro lado, mais que excepção, ela configura com maior propriedade uma proibição de dispensa de patrocínio ou de 'auto-representação'.
Ora, como é sabido, é com a abertura da fase facultativa da instrução que o processo entra na fase jurisdicional, presidida por um juiz e a qual tem como finalidades as estabelecidas no disposto no art. 287º do CPP, todas elas contendentes com os direitos, liberdades e garantias do arguido. Por tal, e na sequência do que acaba de se expor, não existem quaisquer dúvidas que o arguido que pretende defender os seus direitos, requerendo, para o efeito, a abertura de instrução, tem que estar obrigatoriamente assistido por defensor e os seus requerimentos de defesa (nele se incluindo o requerimento de abertura de instrução) têm que ser por este subscritos, sob pena de inadmissibilidade legal dos mesmos.
Se atentarmos na estrutura processual vigente, concluímos que outra não poderia ser a solução.
Repare-se, a título de exemplo, que o ofendido que se pretenda constituir assistente, tem necessariamente que estar representado por defensor, sob pena de não ser atendida a sua pretensão. O mesmo sucede com o arguido que apresenta contestação à acusação contra si deduzida. O mesmo sucede quando os sujeitos processuais pretendem recorrer das decisões judiciais contra si proferidas.
Não fazia, pois, sentido, que a abertura da fase jurisdicional de instrução, não fosse sujeita a essa obrigatoriedade de assistência do arguido, com a consequente subscrição das peças processuais que manifestam a sua vontade.
Como foi salientado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.05.1991 Citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, página 195. ---, o Código de Processo Penal não confere ao arguido o direito de se defender a si próprio, mesmo que seja advogado. Estando devidamente representado por defensor oficioso e sendo a aceitação da representação oficiosa obrigatória, não pode valer como motivação de recurso, devendo ser rejeitada, a apresentada pelo próprio arguido.
E no mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.06.1997 Local e obra citados, ao sustentar que o direito, reconhecido aos advogados, de litigar em causa própria, decorrente do disposto nos artigos 54º e 164º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não é válida em processo crime e tão pouco poderão assumir a defesa de um co-arguido.
Mais recentemente, tal matéria encontra-se expressamente tratada nos Acórdãos RP201110121997/08.8TAVCD-A.P1 de 12.10.2011 e RP200606070640507 de 07-06-2006.
Ora, se um advogado arguido não poderá defender-se a si próprio, subscrevendo as peças processuais que considere adequadas à prossecução da sua defesa sem a assinatura do defensor nomeado ou constituído, por maioria de razão não o poderá fazer um arguido que não é advogado.
Nessa conformidade, não sendo o requerimento de abertura de instrução subscrito por advogado, por inadmissibilidade legal (artigo 287º, n° 3, do Código de Processo Penal), não admito o requerimento de abertura da instrução formulado nestes autos pelo arguido.
Notifique.
Transitado, remeta os autos à distribuição» Cf. volume I, fls. 725 a 729. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformado com aquele despacho, o Arguido, representado por defensor, veio dele interpor recurso para este Tribunal, em 13.02.2013, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos: (transcrição) ---
«1) Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos presentes autos, de fis. 724 a 729, que, com base em pretensa inadmissibilidade legal (artigo 287°, n.° 3, do Código de Processo Penal), rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido, por o mesmo - apesar de existir Mandatário constituído - não ter sido subscrito por Advogado;

2) Com o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que o conhecido vaticínio não pode, portanto, manter-se, por, além da fundamentação entrar em contradição insanável com a decisão, se verificar que a ocorreu incorrecta aplicação do direito, com violação do seu direito ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, bem como de vários outros preceitos legais, designadamente, o disposto nos artigos 98.°, n.° 1, 287.°, n°s 1, 2 e 3 e 283.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, bem como, o artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
3) O Meritíssimo Juiz "a quo", no douto despacho ora em apreço diz, bem, que é obrigatória a nomeação de defensor ao Arguido quando contra ele for deduzida acusação, prendendo-se tal circunstância com a necessidade de defesa deste.
4) Não é de aceitar que se sustente na decisão recorrida - configurando a referida contradição insanável - que a obrigatoriedade de nomeação de defensor, constitucionalmente garantida, é estabelecida em benefício do Arguido, e depois se utilize este mesmo argumento para lhe negar o acesso à fase da instrução. A actuação do Defensor do Arguido, ou ausência dela, não é, nem pode ser, critério para lhe negar qualquer dos direitos que a Lei estabelece em seu benefício.
5) O Código de Processo Penal vigente fez consignar no n.° 1, do seu artigo 98.°, que: "1- O arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos." (negrito e sublinhado nosso).
6) O requerimento de abertura de instrução é, antes de mais, apenas e só um requerimento - até sem formalidades especiais - que visa o acesso, in casu, do Arguido, à fase da instrução.
7) Além da invocada faculdade do artigo 98° do CPP, é o próprio artigo 287° do mesmo Código quem garante ao Arguido a faculdade de, de motu próprio, lançar mão do requerimento de abertura de instrução ao prever na al. a) do n.º 1 de tal preceito que a abertura de instrução pode ser requerida pelo Arguido, prevendo no subsequente n.° 4 que no despacho de abertura de instrução o Juiz nomeia defensor ao Arguido que não tenha Advogado.
8) O artigo 64.° do mesmo C.P.P. discrimina quais os actos em que é obrigatória a assistência de defensor, não estando aí contemplado o requerimento da abertura de instrução.
9) Nesse sentido, veja-se o expresso no, aliás, douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 13-11-2008, in "http://wwwdg.si.pt/ilrLnsf/O/fe0039693a4ee70f5025751500 5180ae?OpenDocument", no âmbito do processo n.° 5032/2008-9, onde, em síntese, se aduz: "1 - O requerimento pode ser apresentado pelo arguido e, ainda que o mesmo não estivesse bem formulado uma vez que, nos termos do disposto no n.° 2 do referido art. 287.º do CPP o requerimento de abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, devendo apenas ou precisando apenas de conter em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação. 2 - O artigo 64.º do C.P.P. discrimina quais os actos em que é obrigatória a assistência de defensor, neles não se encontrando o requerimento da abertura de instrução preceituado no artigo 287.º/1 a) do C.P.P. face ao estipulado pelo n° 4 do mesmo dispositivo legal".
10) Mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, nem concebe, sempre seria admissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento, devendo, neste caso, o Tribunal "a quo" ter notificado o ora Recorrente para, querendo, completar o seu requerimento de abertura de instrução, promovendo a sua subscrição e / ou ratificação pelo respectivo Mandatário.
11) Assim, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que respeitou integralmente o preceituado nos artigos 287.° e 283.° do Código de Processo Penal, porquanto o requerimento de abertura de instrução apresentado contém todos os elementos de facto e de direito necessários à abertura de instrução, pelo que a decisão de indeferimento do requerimento de abertura de instrução apresentado, para mais sem que o Recorrente fosse sequer convidado ao seu aperfeiçoamento, viola o disposto nos artigos 98.°, n.º 1, 287.°, n.° 1, 2 e 3 e 283.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, bem como, o artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, o que determina a invalidade daquela decisão e a sua substituição por outra que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Recorrente e declare aberta fase de instrução.
Termos em que, e nos mais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida, sendo admitido o requerimento de abertura de instrução do Recorrente e declarada abertura da instrução, com as demais consequências legais.
Assim se fará, como sempre, inteira Justiça» Cf. volume II, fls. 775 a 791. ---. ---
Notificado do indicado recurso, o Ministério Público a ele respondeu, referindo, em suma, que ---
«O requerimento de abertura de instrução deverá ser subscrito por advogado.
No entanto e salvo o devido respeito por opinião contrária afigura-se que deveria tal requerimento apenas subscrito pelo arguidos ser eventualmente ratificado pelo Defensor» Cf. volume II, fls. 813 e 814. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público foi de parecer que o despacho deve ser substituído por outro que «determine que o arguido no prazo que ainda tinha ao seu dispor, proceda ao aperfeiçoamento do requerimento apresentado, querendo, devendo ser advertido das consequências se o não fizer» Cf. volume II, fls. 823 a 826. ---. ---
Devidamente notificado daquele parecer, o Arguido nada disse. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO. ---
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é elas que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre neste acórdão apreciar e decidir tão-só se o requerimento para abertura de instrução deve ser ou não subscrito por defensor e, devendo sê-lo, das consequências da sua não subscrição, em ordem ao processamento normal dos presentes autos. ---
III.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
Da necessidade do requerimento para abertura de instrução ser subscrito por Advogado. ---
O direito a escolha e assistência de defensor é próprio do processo penal moderno e uma constante nos textos constitucionais, convencionais e legais contemporâneos. ---
Um efectivo direito de defesa, típico daquele processo penal, impõe que se confira ao Arguido o estatuto de sujeito processual e, nessa medida, se reconheça ao Arguido o direito de ser assistido no processo por alguém que, «possuindo os conhecimentos jurídicos necessários, tenha por missão exclusiva fazer avultar no processo tudo quanto seja favorável à posição jurídica do arguido» Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º volume, edição de 1984, página 469. ---. ---
Nos termos do artigo 32.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa «o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória». ---
Ou seja, concede-se «ao arguido o direito à escolha de defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo», remetendo-se «para a legislação ordinária a especificação dos casos em que a assistência por advogado é obrigatória». ---
«Do texto constitucional resulta agora que há um núcleo de actos e fases do processo em que a defesa só pode ser assegurada por advogado, sendo de excluir não só defensores não advogados mas também os advogados estagiários. É a lei ordinária que estabelecerá quais são esses casos e o critério parece dever ser o da gravidade das possíveis consequências para o arguido, o que se determinará em razão da gravidade do crime que lhe era imputado» Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotado, Tomo I, edição de 205, páginas 357 e 358. ---. ---
Constituirá o requerimento para abertura de instrução um desses casos? ---
Sabe-se que «a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» Cf. artigo 296.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. ---. ---
A instrução corresponde, assim, a uma primeira ponderação judicial da causa e culmina com a decisão de submeter ou não o Arguido a julgamento. ---
Nesses termos, uma vez que em função da instrução o Arguido pode ser ou não submetido a julgamento, urge entender que a instrução assume especial pertinência para o arguido. ---
Seguramente ciente dessa relevância, o legislador expressamente estabeleceu que «se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor nomeado é obrigatória a nomeação de defensor quando contra ele for deduzida acusação» Cf. artigo 64.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, segundo o qual «(…) se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor nomeado, é obrigatória a nomeação de defensor quando contra ele for deduzida a acusação, devendo a identificação do defensor constar do despacho de encerramento do inquérito». ---, do mesmo modo que, caso a instrução seja requerida pelo Assistente, «no despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado» Cf. artigo 287.º, n.º 4, do Código de Processo Penal que preceitua que «No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado». --- . ---
Por outro lado, a instrução constitui em si, além do mais, um conjunto de actos processuais que se exprimem na produção de prova e/ou reavaliação da prova produzida nos autos, em termos de facto e de direito, o que exige não só uma perspectiva descomprometida relativamente ao caso, mas também um especial conhecimento técnico-jurídico quanto àquilo que nele está em discussão. ---
Ora, tal só verdadeiramente se alcançará quando o Arguido esteja assistido por Advogado, sendo que por essa forma melhor de salvaguardará o direito de «acesso (…) aos tribunais», constitucionalmente garantido Nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa «1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade». ---. ---
Nestes termos, levando em conta a especial pertinência que a instrução assume para o Arguido e os particulares conhecimentos que a discussão nela tida exige, para salvaguardar devidamente o direito de defesa do Arguido, «as garantias de defesa» constitucionalmente consagradas Desde logo, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa consagra que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso». ---, impõe-se, pois, que na instrução o Arguido seja necessariamente assistido por Advogado desde o requerimento para abertura de instrução, inclusive. ---
A falta de tal assistência não justifica, contudo, a rejeição sem mais da instrução, sob pena de ilogismo: se a assistência do defensor visa proteger o Arguido, a falta daquela não pode justificar sem mais uma agravação da posição processual deste. --
Daí que, por aplicação do disposto no artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil Preceitua-se aí que «1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal. 2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado. Findo este prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respectivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa». ---, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal Segundo o qual, «Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal». ---, como forma de suprimento da apontada irregularidade, seja caso de ordenar a notificação do Arguido para, no prazo geral de 10 (dez) dias Nos termos do artigo 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual». ---, providenciar pela ratificação do processado por parte do seu defensor, o qual deve igualmente disso ser notificado, sob pena de se considerar inadmissível a instrução e, pois, ser a mesma rejeitada. –
A circunstância do requerimento para abertura da instrução não estar «sujeito a formalidades especiais» Cf. artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. --- não invalida tal entendimento, pois tal respeita tão-só à forma em si do requerimento, não à subscrição ou substância do mesmo. ---
Em suma, apresentado requerimento para abertura da instrução apenas subscrito pelo Arguido, deve este e o seu Defensor Advogado serem notificados para, em 10 (dez) dias, juntarem aos autos requerimento com ratificação do processado subscrito pelo Defensor Advogado, sob pena de rejeição da instrução, por inadmissibilidade legal desta Em sentido que se tem por similar veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.02.2009, in CJ, tomo I, páginas 164 a 166. ---
Em sentido diverso, defendendo que o requerimento para abertura de instrução pode ser apresentado apenas pelo arguido, veja-se o Acórdão da mesma Relação de 13.11.2008, in www.dgsi.pt. . ---
In casu. ---
O Requerimento de abertura de instrução foi subscrito tão-só pelo Arguido. –
Ao contrário do que entendeu o despacho recorrido, a falta de subscrição daquele requerimento por parte do Defensor Advogado constituído não justifica, contudo, sem mais, a rejeição da instrução. ---
Impõe-se antes substituir aquele despacho por outro que ordene a notificação do Arguido e do seu Defensor Advogado para este, em 10 (dez) dias, ratificar o requerimento de abertura de instrução, sob pena de rejeição desta, por inadmissibilidade legal da mesma. ---
Procede, pois, parcialmente o presente recurso. ---
IV.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, por isso, revoga-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que ordene a notificação do Arguido e do seu Defensor Advogado para este, em 10 (dez) dias, ratificar o requerimento de abertura de instrução, sob pena de rejeição desta, por inadmissibilidade legal da mesma. ---
Sem tributação. ---
Notifique. ---
Guimarães, 6 de Maio de 2013