ISENÇÃO DE CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
PEDIDO CÍVEL
Sumário

I – O Instituto da Segurança Social, IP não está isento de custas.
II – No regime anterior à vigência da Lei 7/2012 de 13-2, a dedução de pedido cível no âmbito do processo penal não implicava o pagamento prévio de taxa de justiça.

Texto Integral

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---
I.
RELATÓRIO. ---
Nos autos de processo comum de que os presentes constituem apenso, em 13.04.2012, no despacho que designou dia para julgamento, o Tribunal Judicial da Comarca de Póvoa do Lanhoso ordenou a notificação da Demandante Cível Instituto da Segurança Social, Instituto Público, «para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça, sob pena de desentranhamento» do pedido de indemnização cível que o mesmo apresentou Cf. fls. 9. ---. ---
Entretanto, em 06.06.2012, aquele Tribunal proferiu o seguinte despacho: (transcrição) ---
«A demandante não pagou a taxa de justiça devida pela apresentação de pedido de indemnização civil, pelo que determino o desentranhamento do pedido. ---
Notifique. –» Cf. fls. 32. ---
Do recurso para a Relação. ---
Notificado daquele despacho, o referido Demandante dele interpôs recurso para este Tribunal em 14.06.2012, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) --
«a) O agora Recorrente deduziu nos presentes autos PIC, não tendo junto, para o efeito, comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça, porquanto se considera isento de tal pagamento nos termos do disposto no artigo 4° nº 1 alínea g) do RCP;
b) A isenção de custas (compreendendo as mesmas taxas de justiça, os encargos e as custas de parte) mantém-se, a nosso ver, à semelhança do que já acontecia ao abrigo do artigo 2° nº 1 alínea g) do Código das Custas Judiciais (CCJ), na redacção dada pelo DL n.º 224-A/96, de 26-11, nos termos do actualmente previsto no artigo 4º nº 1 alínea g) do RCP;
C) Sendo o ISS, IP um Instituto Público - artigo 11 do DL n.º 214/2007, de 29-05 (Orgânica do ISS, IP), cujas atribuições estão plasmadas no artigo 3º, essencialmente no n.º 2 alínea x), e as cotizações dos beneficiários e as contribuições das entidades empregadoras fonte de financiamento do sistema da Segurança Social (artigos 51º nº 1, 53º a 57º e 59º, 90.º nº 2 e 92º alínea a) e b) da Lei nº 41/2007, de 16-01 - Lei da Bases da Segurança Social), cabe-lhe promover a defesa dos seus interesses "difusos ou não", assegurando o cumprimento daquelas obrigações nos termos dos artigos 15º alínea d), 19º nº 1 e 28° n.° 2 alínea f) da Portaria n.º 638/2007, de 30-05 (Estatutos do ISS, IP). Logo, sendo entendimento pacífico e reconhecido pela doutrina e jurisprudência uniformizada que o Recorrente tem um interesse especial que a lei quis proteger, por isso, deve gozar das mesmas isenções concedidas ao Estado e ao próprio Ministério Público;
d) Assim, o Recorrente deverá estar isento de custas, por aplicação do já referido artigo 4º nº 1 alínea g) do RCP, sob pena de violação de lei. Neste sentido foi já proferida douta decisão pelo Tribunal da Relação do Porto, em 10.11.2010, no âmbito do processo nº 793/09.0TASTS-A.P1 da 4ª Secção;
e) Mas ainda que por mera hipótese se entenda que o Recorrente não se encontra isento do pagamento de custas, o que não se concede, ainda assim não se pode concordar com o desentranhamento do PIC, pela não junção aos autos do comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça, por se discordar com o momento do seu pagamento;
f) Em processo penal o PIC nele enxertado (independentemente do respectivo valor ser igual ou superior a 20 UC e das excepções previstas no RCP e no artigo 14º nº 3 da Portaria n° 419-A/2009, de 17-04) não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça, devido à simplicidade da tramitação do "enxerto cível', não assumindo tal pedido a complexidade verificada no âmbito do processo civil, para além de sofrer "desvios" que neste último não estão previstos;
g) Não se aplicando o artigo 4º nº 1 alínea m) do RCP, uma vez que o mesma se refere, exclusivamente, à aplicação de uma eventual isenção, nem o artigo 15º do mesmo diploma, uma vez que existe disposição expressa relativa ao momento do pagamento da taxa de justiça em processo penal, é, efectivamente, no artigo 8° que se encontra consagrado o regime de pagamento da taxa de justiça em processo criminal, o qual se aplica ao presente caso, designadamente no que tange ao seu nº 5, quando prevê que a taxa de justiça é paga a final;
h) Destarte, não haverá lugar à autoliquidação da taxa de justiça emergente da formulação do PIC, devendo a mesma ser paga a final, de acordo com o dispositivo supra referenciado, conforme entendimento já demonstrado nos Acórdãos da Relação do Porto, proferidos nos processos 4515/09.7TAMTS-B.P1 e 1838/09.9TAVLG-A.P1, em 06.04.2011 e 04.06.2011, respectivamente, e Acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo 1559/10.0 TAGMR, em 05.03.2012, disponíveis in www.dqsi.pt.
Termos em que, em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que:
• Considere o Recorrente isento de custas (compreendendo as mesmas a taxa de justiça, encargos e custas de parte), nos termos do artigo 4º, n.º 1, alíneas a) e g) do RCP; ou
• Considere que o pagamento da taxa de justiça apenas deverá ser efectuado a final, ordenando o prosseguimento da instância cível enxertada na acção penal» Cf. fls. 11 a 13 verso. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o Demandante não está isento de custas mas tão-só dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça Cf. fls. 38 a 46. ---. ---
Devidamente notificado daquele parecer, a Demandante e os Demandados nada disseram. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre aqui apreciar e decidir ---
· Da pretendida isenção de custas do Instituto da Segurança Social; ---
· Da requerida dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça. ---
III.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
1. Do regime legal aplicável. ---
Dado que o processo a que se referem os presentes autos teve início em data posterior à entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, adiante designado por RCP, anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, tem-se por aplicável aos autos aquele diploma legal Segundo os artigos 26.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, o RCP aplica-se aos processos iniciados a partir de 20.04.2009, o que é o caso na situação em apreço. ---
O RCP foi sucessivamente alterado pelos seguintes diplomas: Rectificação n.º 22/2008, de 24.04, Lei n.º 43/2008, de 27.08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28.08, Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13.04, Lei n.º 7/2012, de 13.02, Retificação n.º 16/2012, de 26.03, e Lei n.º 66-B/2012, de 31.12. ---. ---
Por outro lado, uma vez que o pedido de indemnização cível em causa foi apresentado em juízo em 30.01.2012 Cf. fls. 3. ---, é relativamente ao regime das custas processuais então vigente que importa equacionar o objecto do presente recurso: desde logo, atento o extenso artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13.02, nomeadamente os seus n.ºs 1 e 10 Dispõe-se aí, respectivamente, que «1 - O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data» e «10 - Nos processos em que a redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei passa a prever a dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça não há lugar à sua dispensa, excepto se ainda não tiver sido paga a segunda prestação da taxa de justiça, caso em que a dispensa de pagamento prévio se aplica apenas a esta prestação». ---, cumpre entender que o regime decorrente das alterações dela decorrentes é impertinente na presente situação por estar em causa alegada obrigação de pagamento prévio da taxa de justiça constituída em data anterior à entrada em vigor daquela Lei. ---
2. Da pretendida isenção de custas do Instituto da Segurança Social. ---
O artigo 4.º do RCP enumera os casos de «isenção de custas». ---
Entre eles refere na alínea g) do seu n.º 1 que «estão isentas de custas as entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias». ---
Ou seja, nos termos do apontado normativo, para beneficiar de isenção de custas, exige-se que: ---
· Esteja em causa uma entidade pública e ---
· Aquela actue ---
- Exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou ---
- Exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto. ---
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 214/2007, de 29 de Maio, que consagra a nova orgânica do Instituto da Segurança Social, I. P., adiante designado por ISS, este «é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio». ---
É, pois, uma pessoa colectiva de direito público e, como tal, um «entidade pública» para efeitos do RCP. ---
As atribuições do ISS decorrem do artigo 3.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 214/2007 Segundo o qual, «2 - São atribuições do ISS, I. P.: a) Gerir as prestações do sistema de segurança social e dos seus subsistemas; b) Garantir a realização dos direitos e promover o cumprimento das obrigações dos beneficiários do sistema de segurança social; c) Arrecadar as receitas do sistema de segurança social, assegurando o cumprimento das obrigações contributivas; d) Participar às secções de processo executivo do Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), as dívidas à segurança social, designadamente por contribuições e respectivos juros de mora; e) Reclamar os créditos da segurança social em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral, bem como requerer, na qualidade de credor, a declaração de insolvência; f) Assegurar, no seu âmbito de actuação, o cumprimento das obrigações decorrentes dos instrumentos internacionais de segurança social; g) Celebrar acordos que prevejam excepções às normas relativas à determinação da legislação aplicável constantes de instrumentos internacionais de coordenação e decidir sobre a vinculação, manutenção ou isenção do vínculo à legislação portuguesa de segurança social, no quadro, designadamente, dos referidos instrumentos internacionais; h) Assegurar a atribuição das prestações devidas por aplicação dos instrumentos internacionais de segurança social em matéria de acidentes de trabalho e de doenças profissionais; i) Promover a execução das disposições financeiras estabelecidas nos instrumentos internacionais de segurança social e colaborar na sua execução quando se trate de prestações que em Portugal não sejam do âmbito do sistema de segurança social; j) Promover a liquidação e pagamento das prestações a cargo e por conta de instituições estrangeiras, no quadro da aplicação dos instrumentos internacionais de segurança social; l) Desenvolver e executar as políticas de acção social, bem como desenvolver medidas de combate à pobreza e de promoção da inclusão social; m) Desenvolver a cooperação com as instituições particulares de solidariedade social e exercer, nos termos da lei, a sua tutela, bem como desenvolver a cooperação com outras entidades; n) Assegurar o apoio social às famílias, através do financiamento directo, nos termos da lei; o) Desenvolver e apoiar iniciativas que tenham por finalidade a melhoria das condições de vida das famílias e a promoção da igualdade de oportunidades, designadamente as dirigidas à infância, à juventude, ao envelhecimento activo, dependência, imigração, minorias étnicas e outros grupos em situação de vulnerabilidade; p) Assegurar, nos termos da lei, assessoria técnica aos tribunais em matéria de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo e tutelar cível; q) Promover o licenciamento dos serviços e estabelecimentos de apoio social; r) Celebrar e homologar acordos ou protocolos de cooperação; s) Avaliar e fixar as incapacidades em matéria de doenças emergentes de riscos profissionais e assegurar a prestação dos cuidados médicos e medicamentosos necessários, bem como as compensações, indemnizações e pensões por danos emergentes de riscos profissionais, por incapacidade temporária ou permanente; t) Participar nos trabalhos da Comissão Nacional de Revisão da Lista das Doenças Profissionais e da Comissão Permanente para a Revisão e Actualização da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e assegurar o apoio necessário ao respectivo funcionamento; u) Exercer a acção fiscalizadora no cumprimento dos direitos e obrigações dos beneficiários e contribuintes do sistema de segurança social, das instituições particulares de solidariedade social e de outras entidades privadas que exerçam actividades de apoio social; v) Exercer os poderes sancionatórios no âmbito dos ilícitos de mera ordenação social relativos aos estabelecimentos de apoio social, a beneficiários e contribuintes, nos termos legais; x) Assegurar nos termos da lei, as acções necessárias à eventual aplicação dos regimes sancionatórios referentes a infracções criminais praticadas por beneficiários e contribuintes no âmbito do sistema de segurança social; z) Intervir na adopção, nos termos da lei, bem como no âmbito da adopção internacional como autoridade central; aa) Assegurar, nos termos da lei, a concessão de protecção jurídica; ab) Promover a divulgação da informação e as acções adequadas ao exercício do direito de informação e de reclamação dos interessados, bem como a dignificação da imagem do sistema de segurança social; ac) Assegurar as relações externas em matéria das suas atribuições, sem prejuízo das atribuições da Direcção-Geral de Segurança Social». ----. ---
Daquele preceito legal decorre desde logo que o ISS não actua na defesa de interesses difusos: entendidos estes como os que assumem natureza supraindividual, reportando-se a um grupo ou categoria indeterminável de pessoas, insusceptíveis de apropriação individual propriamente dita, embora pertencente a todas aquelas pessoas, não se vislumbra tal quanto à intervenção do ISS no âmbito processual penal quando deduz pedido de indemnização cível por cometimento de crime contra a segurança social. ---
Então, o ISS actua essencialmente na prossecução de um interesse próprio: exigir o cumprimento do dever de pagamento das contribuições para a segurança social e, assim, salvaguardar o orçamento da segurança social. ---
Do mesmo modo, levando em conta tal desiderato, não se afigura que aquela intervenção processual decorra exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos. ---
Se é certo que «Todos têm direito à segurança social» Cf. artigo 63.º, n.º 1, da nossa Constituição da República Portuguesa. --- e o pagamento das respectivas contribuições é uma forma de salvaguardar tal direito, entende-se que quando deduz pedido indemnizatório em processo penal, por crime cometido contra a Segurança Social, o IPP age na prossecução de um interesse próprio e que a repercussão deste no direito à segurança social dos cidadãos é meramente indirecta, o que não integra a situação da apontada alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP já que aí se refere expressamente que a actuação deve ocorrer «exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos». ---
Em suma, o ISS não está isento de custas No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.05.2011, Processo n.º 4887/09.3TAVNG-A.P1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.02.2012, Processo n.º 2297/10.9TACBR-A.C1, ambos in www.dgsi.pt. --- , situação que ocorre desde 2003, mercê da revisão do Código das Custas Judiciais decorrente do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março: até então, o respectivo artigo 2.º, n.º 1, alínea g), isentava de custas «as instituições de segurança social e as instituições de previdência social de inscrição obrigatória», isenção subjectiva esta que terminou com a entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 38/2003. ---
3. Da requerida dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça. ---
Neste domínio importa considerar o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea m), 8.º, 14.º e 15.º do RCP na apontada redacção vigente antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 7/2012 Na redacção da Lei n.º 7/2012, o artigo 15.º, n.º 1, alínea d), expressamente dispensa «do pagamento prévio da taxa de justiça» «o demandante (…) no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respetivo valor seja igual ou superior a 20 UC». --- . ---
Aquele primeiro preceito legal isentava de custas «o demandante (…) no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor» fosse «inferior a 20 UC». ---
O artigo 8.º referia que «a taxa de justiça devida pela constituição como assistente», bem como «a taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo Assistente» são autoliquidadas, expressamente consignando que «nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final». ---
O artigo 14.º dispunha quanto à «oportunidade do pagamento», preceituando, nomeadamente que «o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito». ---
O artigo 15.º aludia à «dispensa de pagamento prévio», referindo como dispensados deste, «os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais». ---
Do cotejo de tais normas decorria desde logo que estava sujeito a custas o pedido de indemnização civil apresentado em processo penal de valor igual ou superior a 20 UC. ---
Naquela situação, quanto ao pagamento prévio de taxa de justiça, a natureza especial que o apontado artigo 8.º revestia face ao referido artigo 15.º, as peculiaridades próprias do pedido de indemnização civil no processo penal, a necessária observância do princípio da legalidade em matéria de custas judiciais e a consideração da lei que autorizou a aprovação do RCP justificavam que se entendesse que o pedido de indemnização civil apresentado em processo penal de valor igual ou superior a 20 UC estava dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça. ---
Com efeito, desde logo, o artigo 8.º, relativo à taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional, expressamente referia que a taxa de justiça era paga a final quando não estava em causa a constituição como assistente ou a abertura de instrução requerida pelo assistente. ---
Caso fosse intenção do legislador que o pedido de indemnização civil em processo penal fosse acompanhado do prévio pagamento de taxa de justiça por certo o teria referido no artigo 8.º, tal como o fez quanto à constituição de assistente e à abertura de instrução requerida pelo Assistente. ---
Por outro lado, o pedido de indemnização civil assume peculiaridades próprias em processo penal: nomeadamente, ele não confere impulso processual aos autos, adapta-se ao estado do processo crime, em certas circunstâncias «não está sujeito a formalidades especiais» Cf. artigo 77.º, n.º 4, do Código de Processo Penal. ---, a falta de contestação não tem efeito cominatório, o Tribunal pode remeter as partes para os meios comuns Cf. artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. ---. ---
Importa ainda ter presente que as custas judiciais revestem natureza tributária, constituindo uma taxa pelo serviço de justiça prestado, o que justifica uma particular consideração no caso do princípio da legalidade, nomeadamente a prevalência por uma interpretação literal. ---
Finalmente, cumpre levar em conta que o RCP foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008 e este decorre do uso da autorização concedida pela Lei n.º 26/2007, de 23 de Julho, sendo que nesta expressamente se autorizava o Governo «a aprovar o Regulamento das Custas Processuais» Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 26/2007, «o Governo» ficou «autorizado a aprovar o Regulamento das Custas Processuais». --- no propósito de «reduzir significativamente o benefício da dispensa de pagamento prévio, mantendo-o», contudo, nomeadamente, «no âmbito do processo penal» Segundo o artigo 2.º, n.º 1, da mesma Lei n.º 26/2007, «1 - O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, são os seguintes: f) Reduzir significativamente o benefício da dispensa de pagamento prévio, mantendo-o apenas no âmbito do processo penal, dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional, nos casos previstos pela lei que aprova o regime de acesso ao direito e aos tribunais e no que respeita ao Estado, em alguns processos que decorram nos tribunais administrativos e fiscais». ---. ---
Ora, na medida em que a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça quanto aos pedidos indemnizatórios deduzidos no processo penal estava expressamente consagrada no regime anterior ao RCP Segundo o disposto no artigo 29.º, n.º 3, alínea f), do Código das Custas Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, «salvo nos recurso, não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça inicial e subsequente nas acções cíveis declarativas e arrestos processados conjuntamente com a acção penal». ---, ofenderia seguramente o sentido daquela lei de autorização legislativa a imposição do pagamento de taxa de justiça quando fosse deduzido pedido de indemnização cível em processo penal. ---
Pelo exposto, a dedução de pedido cível no âmbito do processo penal não implica, pois, o pagamento prévio de taxa de justiça Com o presente acórdão, o Relator altera a posição anteriormente tomada no acórdão desta Relação de Guimarães de 22.02.2011, Processo n.º 104/10.1GAEPS.G1. ---
No sentido ora preconizado vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 06.04.2011, Processos n.ºs 4515/09.7TAMTS-B.P1 e 1838/09.9TAVLG-A.P1, 18.05.2011, Processo n.º 4887/09.3TAVNG-A.P1, e 30.11.2011, Processo n.º 1449/09.9TAVNF-A.P1, deste Tribunal da Relação de Guimarães de 12.09.2011, Processo n.º 176/10.9TAGMR-A.G1, relatado pela aqui adjunta, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.10.2011, Processo n.º 410/11.8TBGRD-A.C1, e 19.10.2011, Processo n.º 193/10.9GCGRD-A.C1. --- . ---
No caso em apreço. ---
O ISS deduziu pedido de indemnização civil no âmbito de um processo penal.
Tal pedido tem valor superior a 20 UC. ---
Em conformidade o disposto no referido artigo 8.º, n.º 5, do RCP, na interpretação dele aqui feita, o ISS está dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça. ---
Em consequência, importa revogar o despacho recorrido, que determinou o desentranhamento do pedido de indemnização cível, e ordenar a sua substituição por outro que verifique os pressupostos de admissibilidade do pedido de indemnização civil, deles excluindo a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça, e, sendo caso disso, ordene a notificação dos Arguidos, como Demandados, para, em 20 (vinte) dias, contestarem tal pedido, querendo, nos termos do artigo 78.º do Código de Processo Penal Segundo o qual «1 - A pessoa contra quem for deduzido pedido de indemnização civil é notificada para, querendo, contestar no prazo de 20 dias. 2 - A contestação é deduzida por artigos. 3 - A falta de contestação não implica confissão dos factos». ---. --
Procede, pois, parcialmente o presente recurso. ---
IV.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, ---
1. Delibera-se que o ISS não está isento de custas; ---
2. Revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que verifique os pressupostos de admissibilidade do pedido de indemnização civil, deles excluindo a dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça, e, sendo caso disso, ordene a notificação dos Arguidos, como Demandados, para, em 20 (vinte) dias, contestarem tal pedido, querendo. --
O Recorrente, como demandante cível, suportará metade das custas devidas, fixando-se as mesmas no respectivo mínimo legal. ---
Notifique. ---
Guimarães, 20 de Maio de 2013