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PERDA
PERDA A FAVOR DO ESTADO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
Sumário
I – A perda de objetos que serviram ou se destinaram a servir a prática de infrações no âmbito do tráfico e consumo de estupefacientes é regulada pelos arts. 35 e ss do Dec.-Lei 15/93 de 22-1, normas especiais que prevalecem sobre o regime geral do art. 109 do Código Penal. II – Embora o veículo automóvel tenha facilitado o tráfico de estupefacientes, não deve ser declarado o seu perdimento se não se puder concluir que sem a sua utilização o crime não teria sido praticado, ou dificilmente o teria sido na forma em que foi cometido.
Texto Integral
Acordado em conferência:
DO RELATÓRIO
No processo comum perante Tribunal Colectivo nº 21/11.8GAGMR na 1ª Vara Mista de Guimarães, por acórdão publicado em 8/1/2013, constante de fls. 1725-1785 dos autos, foi declarado perdido a favor do Estado o veículo da marca BMW, modelo 325 TDS, cor preta e matrícula 40-64-..., apreendido ao arguido CÉSAR F..., condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes nos termos do art. 21 do Dl 15/99 de 22/1 na pena de quatro anos e dez meses de prisão, com execução suspensa por igual período com regime de prova (acórdão também relativo aos co-arguidos Carlos P..., José S..., Rogério F..., António C... e José M...
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Inconformado, dele recorre o referido arguido CÉSAR F..., das suas motivações extraíndo conclusões, aqui, em suma e com relevância: (…)
4- Não obstante ser inegável que em determinados momentos da sua actividade ilícita utilizou o veículo de matrícula 40-64-..., não pode concordar com o Tribunal a quo quando dá por provada a matéria de facto ponto 4.
5- Tendo em conta os depoimentos das testemunhas da acusação, deveria ter sido dada por não-provada, tendo ocorrido erro na apreciação da matéria de facto.
6- Tal como consta do ponto 9 da matéria de facto provada o arguido recorrente e o arguido Carlos P... mantiveram ainda diversos contactos telefónicos com vários consumidores que os abordavam directamente para comprar o produto estupefaciente ou contactavam o arguido recorrente através de telemóvel nº … sendo o ponto de encontro habitual para essas transacções o estabelecimento denominado Café M... sito em Guimarães.
7- A actividade ilícita foi essencialmente desenvolvida nas imediações do Café M..., ao qual os compradores se deslocavam para adquirir o produto, procedendo-se a vendas do produto nesse espaço aberto.
8- Assim na esmagadora maioria das transacções realizadas… o veículo… não teve qualquer ligação ao ilícito praticado, muito menos qualquer relação de causalidade ou dependência.
9- Não descura que nas situações descritas na alínea t) (subponto V) e nos subpontos VII, VIII e XI, todos do ponto 12 da matéria de facto provada, se deslocou no veículo… ao Porto para adquirir produto estupefaciente.
10- Contudo, o facto de nessas ocasiões o arguido se ter deslocado no veículo não significa que o fazia habitualmente nem significa que a utilização do veículo nessas deslocações foi determinante ou causalmente adequada à verificação do ilícito.
11- Mesmo que não tivesse nessas ocasiões ido ao Porto adquirir os produtos em questão, sempre os teria adquirido em Guimarães conforme se pode verificar, nomeadamente pelo subponto IV do ponto 12 da matéria de facto provada em que foi o arguido José S... quem se deslocou a Guimarães para entregar o produto ao arguido ora recorrente.
12- Assim…não obstante ser inegável que em determinados momentos da actividade ilícita...utilizou o veículo… tal utilização nunca assumiu um carácter significativo, tendo em conta a conduta … considerada na sua generalidade, nem a existência do veículo em questão foi causa adequada da prática do ilícito.
13- Por outro lado, sendo o direito da propriedade um dos direitos que forma a trave mestra do enquadramento constitucional do Estado de Direito Democrático em que vivemos a declaração de perda a favor do Estado de determinado bem apenas se pode admitir quando respeitadora do principio da proporcionalidade ou seja quando necessária e adequada e sempre na medida do estrictamente necessário.
14- Ora in casu a utilização do veículo foi incidental e acessória, sendo …desproporcional, por desnecessária e excessiva, a decisão de perda do mesmo em favor do Estado.
15- O Tribunal incorreu em erro de direito fazendo uma incorrecta interpretação do nº 1 do art. 109 do CPenal, do art. 35 do Dl 15/999 de 22/12 e do art. 18 nº 2 do CRP….
16- Sem prescindir, importa …que o veículo …já não pertence ao arguido há vários meses, encontrando-se inscrito no registo automóvel na titularidade de Fernando F..., seu irmão, desde 17 de Setembro de 2012.
17- Isto porque julgando o arguido e o Fernando F... que o veículo não se encontrava apreendido, celebraram a venda do mesmo, tendo tal acto sido registado na Conservatória de Registo Automóvel naquela data.
18- …ocorreu erro de direito pois no momento em que a perda foi decretada, seja à data da sentença (8/1/2013) o veículo não pertencia ao arguido, nos termos do nº 1 do art. 111 do CPenal, o mesmo não podia ter sido declarado em favor do Estado.
19- Assim cumpre, o que ora se peticiona, modificar e/ou revogar parcialmente o acórdão ora recorrido, revogando-se a decisão de perda do veículo de matrícula 40-64-... em favor do Estado.
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu no sentido do não-provimento do recurso.
O Exmo Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no mesmo sentido.
Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP, sem nada mais ser dito.
Foram os autos aos Vistos.
DA FUNDAMENTAÇÃO
DOS FACTOS PROVADOS no Tribunal a quo e com interesse neste recurso
1. Os arguidos César F... e Carlos P..., pelo menos desde Outubro de 2011 até 14 de Março de 2012, data em que ambos foram detidos no âmbito dos presentes autos, dedicaram-se à compra e venda de produtos estupefacientes, essencialmente haxixe.
2. Para tanto, o arguido César F... concertou com o arguido Carlos P... o plano de conjuntamente procederam à aquisição de produto estupefaciente, entre outras pessoas, ao arguido José S..., para posterior venda a consumidores que os contactassem para o efeito.
3. O arguido César F... assumia um papel preponderante, sendo quem estabelecia os contactos com o fornecedor, o arguido José S..., telefonando-lhe habitualmente para os telemóveis com os nºs … e tratava da parte financeira da aquisição, cabendo ao arguido Carlos P... acompanhá-lo em algumas das deslocações para ir buscar o produto estupefaciente que adquiriam, e guardá-lo em sua casa, onde também efectuava o respectivo corte e embalagem em doses individuais para depois procederem à respectiva venda.
4. Para o exercício de tal actividade, o arguido César F... fazia-se deslocar habitualmente no veículo da marca BMW, modelo 325 TDS, de cor preta, com a matrícula 40-64-..., nas apontadas deslocações para aquisição de produto estupefaciente ao arguido José S..., bem como para a sua venda a quem o contactasse telefonicamente ou se dirigisse junto dele para tal.
5. Para o mesmo efeito, o arguido Carlos P... fazia-se deslocar habitualmente no veículo da marca Opel, modelo Corsa B, de cor preto, com a matrícula 81-69-....
6. Os arguidos César F... e Carlos P... encontravam-se, com frequência, para planearem e combinarem os pormenores da aquisição de produto estupefaciente ao arguido José S... e da sua venda a terceiros, bem como mantiveram diversos contactos telefónicos, através do telemóvel com o n° … pertencente ao primeiro arguido, acordando sempre em termos muito sintéticos os pontos de encontro e as quantidades de haxixe pretendidas para efectuarem as transacções, evitando que fossem ditas ao telefone quaisquer expressões que os ligassem a tal actividade de tráfico.
7. Durante este período, os arguidos César F... e Carlos P... foram também contactados quer pessoal, quer telefonicamente através do referido telemóvel com o nº …. por outros indivíduos aos quais forneceram quantidades de produto estupefaciente, que variaram entre os 50 gr. e os 500 gr destinadas, designadamente, a posterior venda a consumidores.
8. Entre estes indivíduos estavam os arguidos António C... e José M... e Rogério F..., aos quais os arguidos César F... e Carlos P... venderam quantidades de produto estupefaciente, que variaram entre as 50gr. e as 500gr., que aqueles, por sua vez, destinavam quer à venda a consumidores que, para esse efeito, os procuravam, quer ao seu consumo pessoal.
9. Os arguidos César F... e Carlos P... mantiveram ainda diversos contactos telefónicos com vários consumidores que os abordavam directamente para comprar produto estupefaciente ou contactavam o arguido César, através do telemóvel com o n° …, sendo o ponto de encontro habitual para essas transacções o estabelecimento denominado “Café M...” sito em Guimarães.
10. Procuravam-nos, entre outros, os seguintes consumidores: Cristiano M..., Pedro C..., Paulo L..., José G..., Diogo F..., Paulo G..., Audemiro C..., João A..., Joaquim S..., Artur F..., Nuno M..., Pedro F..., Ricardo L..., Armindo F..., Rúben G..., Tiago O..., José T..., Armando O..., Fábio A..., José L..., Angelino M..., Ricardo M..., Nuno F..., Hélder P... e Rui G..., aos quais os arguidos venderam, em uma ou mais ocasiões, durante o período referido em 1, haxixe para consumo destes, pelo preço de €5,00 ou € 10,00, consoante a quantidade.
11. Deste modo e na prossecução da sua actividade, daquela forma organizada, os arguidos César F... e Carlos P... procederam à venda de haxixe em vários locais desta comarca, nomeadamente nas imediações do estabelecimento denominado “Café S. X” sito em S. X, do “CCT” em T..., do estabelecimento denominado “CPP...” sito em P..., com particular incidência nas proximidades do mencionado “Café M...”, local onde se deslocavam vários indivíduos, alguns deles ainda jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 26 anos de idade, ligados ao consumo de estupefacientes, com vista a adquirirem tal produto àqueles arguidos.
12. Foi assim que:
1- No dia 27/10/2011, nas imediações do mencionado “Café M...”, o arguido César F... efectuou, pelo menos, quatro transacções de haxixe com vários indivíduos que o abordaram para o efeito:
a) Pelas 13h50m, após ter saído do café, o arguido foi interpelado por um indivíduo não identificado que conduzia um automóvel de marca Renault Clio de cor branca, a quem vendeu uma quantidade não apurada de haxixe;
b) Pelas 13h56m, quando já se encontrava na esplanada do “Café M...”, foi abordado por dois indivíduos de identidade desconhecida, um deles conduzindo um motociclo matrícula 07-...-69, de cor preto, e outro que se encontrava na esplanada, e após breve diálogo com os mesmos, o arguido César F... entregou-lhe uma quantidade não apurada de haxixe que aquele consumiram no local, tendo recebido destes o dinheiro correspondente;
c) Pelas 14h41m, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida, condutor da viatura de matrícula 87-69-..., ao qual o arguido César F..., depois de um breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe.
II- No dia 03/11/2011, o arguido César F... efectuou, pelo menos, três vendas de haxixe a indivíduos que o interpelaram para o efeito:
d) Pelas l4hl0m, o arguido César F... deslocou-se no seu veículo de matrícula 40- 64-... à localidade de S. X, Guimarães, mais concretamente ao “Café S. X”, onde o esperava um indivíduo de identidade desconhecida, a quem o arguido, através da janela da viatura, entregou uma quantidade não apurada de haxixe, após o que abandonou o local;
e) Seguidamente, o arguido César tomou a direcção de T..., Guimarães, tendo imobilizado a sua viatura no parque de estacionamento do “CCT”, onde após alguns minutos, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida, ao qual o arguido César, após um breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe, abandonando de imediato o local;
f) De seguida, o arguido César F... retomou a marcha em direcção à localidade de P..., Guimarães, mais concretamente para o parque de estacionamento da “Pastelaria P...”, onde o aguardava um indivíduo de identidade desconhecida que se dirigiu à sua viatura e, após breve conversa, recebeu do arguido uma quantidade não apurada de haxixe.
III- No dia 04/11/2011, nas imediações do “Café M...”, o arguido César F... efectuou, pelo menos, quatro vendas de haxixe a indivíduos que o interpelaram para o efeito:
g) Pelas 13h20m, o Bruno L... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 28-...-70, ao “Café M...”, onde comprou ao arguido César uma quantidade não apurada de haxixe;
h) Pelas 13h21m, o Armando O... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 45-00-..., ao “Café M...”, onde comprou ao arguido César haxixe, pelo preço de €5,00, que aquele recebeu;
i) Pelas 13h32m, quando se encontrava na esplanada do café, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida que aí surgiu apeado, ao qual o arguido César, após breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
j) Pelas 13h41m, depois de previamente ter contactado com o arguido César, telefonando-lhe para o telemóvel com o n° 911 284 ..., o Cristiano M... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 61-...-81, ao “Café M...”, local combinado por ambos para o encontro, onde lhe comprou dois pequenos pedaços de haxixe (cannabis resina), com o peso líquido de 1,440gr. (um grama e quatrocentos e quarenta miligramas), pelo preço de €5,00, que o arguido recebeu;
k) Pelas 13h46m, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida, condutor da viatura automóvel de matrícula 53-...-41, ao qual o arguido César, após breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
l) Pelas 13h52m, foi abordado por dois indivíduos de identidade desconhecida, que se faziam transportar na viatura automóvel de matrícula 34-03-..., aos quais o arguido César, após breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe.
IV- No dia 14/02/2012, pelas 23h00m, depois do arguido César ter previamente contactado por telefone com o arguido José S..., este último deslocou-se ao parque de estacionamento do “Café M...”, na viatura automóvel de matrícula 22-41-..., local combinado por ambos para o encontro, onde lhe entregou 1kg (um quilo) de haxixe, para posteriormente os arguidos César e Carlos venderem a consumidores que para tal os contactassem.
V- No dia 22/02/2012, o arguido César F... efectuou, pelo menos, nove vendas de haxixe a indivíduos que o abordaram para o efeito:
m) Pelas 14h15m, no “Café M...”, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida, condutor do veículo automóvel de matrícula 09-...-38, ao qual o arguido César, após breve diálogo entre ambos, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
n) Pelas 14h17m, no “Café M...”, foi abordado por dois indivíduos de identidade desconhecida, que ali se deslocaram na viatura automóvel de matrícula 28-92-..., aos quais o arguido César, após um breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
o) Pelas 20h15m, depois de previamente ter contactado com o arguido César, telefonando-lhe para o telemóvel com o nº 911 284 ..., o arguido António C... deslocou-se ao “Café M...”, na viatura automóvel de matrícula 34-53-..., local combinado por ambos para o encontro, onde lhe comprou 50gr. (cinquenta gramas) de haxixe, pelo preço de € 85,00 para posteriormente vender a consumidores que para tal o contactassem;
p) Pelas 20h15m, no “Café M...”, foi abordado por Nuno M..., que se fazia transportar na viatura automóvel de matrícula 99-60-..., ao qual o arguido César, após breve diálogo, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
q) Pelas 20h25m, no “Café M...”, foi abordado por dois indivíduos de identidade desconhecida, que se faziam transportar na viatura automóvel de matrícula 59-66-..., aos quais o arguido César F..., após breve conversa, entregou uma quantidade não apurada de haxixe, recebendo deles o correspondente pagamento;
r) Pelas 20h30m, no “Café M...”, depois de previamente ter contactado com o arguido César, telefonando-lhe para o telemóvel com o n° 917 284 ..., o Artur F..., deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 36-14-..., ao “Café M...”, local combinado por ambos para o encontro, onde lhe comprou haxixe, pelo preço de € 10,00, que o arguido César recebeu;
s) Pelas 20h35m, no “Café M...”, foi abordado por quatro indivíduos de identidade desconhecida, que se faziam transportar na viatura automóvel de matrícula 52-80-..., aos quais o arguido César, após breve diálogo com eles, entregou uma quantidade não apurada de haxixe, recebendo deles o correspondente pagamento;
t) Pelas 20h50m, depois de previamente ter sido contactado pelo arguido Rogério Lopes, que lhe telefonou para o telemóvel com o n° 917 284 ..., o arguido César F... deslocou-se no seu veículo de matrícula 40-64-..., ao Bairro Económico de U..., onde lhe entregou 500gr (quinhentos gramas) de haxixe, que aquele destinava à venda a consumidores que para tal o contactassem.
VI- No dia 24/02/2012, no “Café M...”, o arguido César F... efectuou, pelo menos, três vendas de haxixe a indivíduos que o interpelaram para o efeito:
u) Pelas 13h50m, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida, que se fazia transportar num motociclo de cor laranja, ao qual o arguido César F..., após breve conversa, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
v) Pelas 15H03m, o arguido César F... foi abordado por Ruben G..., que se fazia transportar na viatura de matrícula 24-21-..., ao qual o arguido, após breve diálogo, entregou haxixe pelo preço de € 10,00, que aquele recebeu;
w) Pelas 21h15m, depois de prévio contacto para o efeito através do telemóvel com o n° 917 284 ..., o arguido António C... deslocou-se ao “Café M...”, na viatura de matrícula 34-53- ES, onde se encontrou com o arguido César F... e comprou-lhe 50gr. (cinquenta gramas) de haxixe, pelo preço de € 85,00, para posterior venda por aquele arguido a consumidores que para tal o contactam.
VII- Ainda no dia 24/02/2012, depois de previamente ter contactado telefonicamente com o arguido José S..., o arguido César deslocou-se na sua viatura automóvel de matrícula 40-64-..., à cidade do Porto, mais concretamente á “Pizzaria T....”, local combinado por ambos para o encontro, onde o arguido José S... lhe entregou 500 gr. (quinhentos gramas) de haxixe, para posteriormente os arguidos César e Carlos venderem a consumidores que para tal os contactassem.
VIII- No dia 28/02/2012, depois de previamente ter contactado telefonicamente com o arguido José S..., o arguido César deslocou-se na sua viatura automóvel de matrícula 40-64-..., à Pizzaria T....”, no Porto, local combinado por ambos para o encontro, onde o arguido José S... lhe entregou 500gr. (quinhentos gramas) de haxixe, para posteriormente os arguidos César e Carlos venderem a consumidores que para tal os contactassem.
IX- No dia 01/03/201 2, no “Café M...”, o arguido Carlos P... efectuou, pelo menos, dez vendas de haxixe a indivíduos que o abordaram para o efeito;
y) Pelas 20h18m, o Hélder P... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 59-66-..., ao “Café M...”, onde comprou ao arguido Carlos uma quantidade não apurada de haxixe;
x) Pelas 20h22m, foi abordado por dois indivíduos de identidade desconhecida, que se faziam transportar no veículo de matrícula 55-04-..., aos quais o Carlos, após breve conversa, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
z) Pelas 20h54m, o Ricardo L... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 66-60-..., ao Café M...”, onde comprou ao arguido Carlos haxixe, pelo preço de 10,00€, que aquele recebeu;
aa) Pelas 21h07m, o Fábio A... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 48-00-..., ao Café M...”, onde comprou ao arguido Carlos haxixe, pelo preço de 80,00€, que aquele recebeu;
ab) Pelas 21h17m, foi abordado por três indivíduos de identidade desconhecida, que se faziam transportar no veículo de matrícula 33-18-..., aos quais o arguido Carlos, após breve conversa, entregou uma quantidade não apurada de haxixe;
ac) Pelas 21h25m, o Cristiano M... deslocou-se no veículo automóvel de matrícula 61-...-81, ao Café M...”, onde comprou ao arguido Carlos haxixe, pelo preço de 10,00€, que aquele recebeu;
ad) Pelas 21h31m, foi abordado por um indivíduo de identidade desconhecida, que se fazia transportar no veículo de matrícula 00-19-..., ao qual o arguido Carlos, após breve conversa, entregou uma quantidade não apurada de haxixe.
X- No dia 03/03/2012, no “Café M...”, o arguido César F... efectuou, pelo menos, duas vendas de haxixe a indivíduos que o interpelaram para o efeito:
ae) Pelas 14h35m, foi abordado pelo arguido António C..., que se fazia transportar na viatura de matrícula 34-53-..., ao qual o arguido César F..., após breve conversa, entregou, pelo menos, 50gr. (cinquenta gramas) de haxixe;
af) Pelas 15H35m, o arguido César F... foi abordado por Ruben G..., que se fazia transportar na viatura de matrícula 24-21-..., ao qual o arguido, após breve dialogo, entregou haxixe, pelo preço de 10,00€, que aquele recebeu.
Xl- Ainda no dia 03/03/2012, depois de previamente terem contactado telefonicamente com o arguido José S..., os arguidos César e Carlos deslocaram-se na viatura automóvel de matrícula 40-64-..., à cidade do Porto, mais concretamente à Rua C..., junto da Circunvalação, local combinado por eles para o encontro, onde o arguido José S... os aguardava no interior do seu veículo de matrícula 22-41-..., e lhes entregou 1kg (um quilo) de haxixe, para posteriormente os arguidos César e Carlos venderem a consumidores que para tal os contactassem.
(…)26. Ao agir como descrito, os arguidos César F..., Carlos P..., José S..., António C... e Rogério F..., actuaram sabendo quais as características, natureza e efeitos do produto estupefaciente que adquiriram e que detinham para posterior venda, sendo os dois primeiros de comum acordo e em conjugação de esforços, procurando desse modo obter compensações económicas.
27. Sabiam ainda os arguidos que a posse, detenção, cedência e venda de tais produtos não são permitidos por lei. (…)
30. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
DA CONVICÇÃO no Tribunal a quo e com interesse neste recurso
---apreciação geral : “A confissão total ou parcial feita pelos arguidos César, Carlos e José S..., em conjugação com o teor das vigilâncias e das escutas telefónicas realizadas e com o resultado das apreensões efectuadas no dia das buscas permitem ao Tribunal formular, com grande segurança, a conclusão de que a generalidade dos factos imputados àqueles arguidos e aos demais corresponde à verdade”.
---especificando: “O arguido César confessou a generalidade dos factos descritos na acusação. Com utilidade e relevo declarou que realizaram quatro compras de haxixe ao arguido José S...: em duas ocasiões compararam-lhe 1 kg; nas outras duas compraram-lhe meio 500 gr; uma destas compras de 500 gr foi o haxixe que destinou ao arguido Rogério; vendeu ao Rogério para este revender e depois ele não lhe pagou; vendeu duas ou três vezes ao arguido António, sempre 50 gr de cada vez; ao arguido José L... vendeu quantidades esporádicas de 25 a 50 gr; explicou que 1 kg de haxixe lhes custava € 1.300,00 e que em cada barra de 100 gr tirava, no máximo, € 30,00 ou € 40,00; deviam ao arguido José S... 1 kg de haxixe e foi essa dívida que lhe veio pagar ao Porto no dia da detenção; era o Carlos quem guardava a droga de ambos em sua casa; explicou que a expressão “metade metade” significava que o José S... iria fornecer-lhes meio kg de haxixe de uma qualidade e meio quilo de outra; as quantidades que vendiam a consumidores eram, por regra, de € 5,00 ou € 10,00; esclareceu o tribunal sobre a sua situação pessoal e sobre o seu percurso de vida; negou que uma das pistolas apreendidas em casa do Carlos fosse sua; declarou estar arrependido;
O arguido José S... confessou parcialmente os factos descritos na acusação. Com utilidade e relevo confirmou os contactos telefónicos e os encontros que teve com o arguido César e, em algumas ocasiões, também com o arguido Carlos, sócio do primeiro; confirmou que lhes fez quatro vendas de haxixe, revelando dificuldades na concretização exata das quantidades em causa; dedicava-se a esta venda de haxixe para financiar o seu consumo de cocaína, que ao tempo fazia em grande quantidade; o arguido César pagava-lhe com dificuldades e o encontro que iam ter no dia da sua detenção destinava-se ao pagamento de haxixe que aquele lhe devia; não conhece qualquer outro dos arguidos; esclareceu o tribunal sobre a sua situação pessoal e sobre o seu percurso de vida; declarou estar arrependido;
Depoimentos testemunhais de Domingos R..., Sargento-Ajudante da GNR, que declarou ter realizado a vigilância do dia 14/02, cujo teor confirmou; de Fernando F..., Cabo da GNR, que declarou ter realizado diversas vigilâncias nos autos (27/10/2011, 03/11/2011, 04/11/2011, 24/02/2012, 01/03/2012, 03/03/2012), cujo teor confirmou integralmente; no dia 14/03/2012 interveio na vigilância que antecedeu a detenção dos arguidos; de Ismael S..., que declarou ter realizado algumas diligências de vigilância (27/10/2011, 03/11/2011 e 04/11/2011) cujo teor confirmou integralmente e, sobretudo, ter realizado as escutas telefónicas, prestando esclarecimentos sobre o seu teor; de Natálio V..., Cabo da GNR, que declarou ter participado na detenção dos arguido César e José S... no dia 14/03/2012 e em buscas realizadas de seguida, descrevendo o que sucedeu no seu decurso e o que nelas foi apreendido; de Nelson S..., Guarda da GNR, que declarou ter participado na busca à residência do arguido José...; de André S..., Guarda da GNR, que declarou ter participado em vigilâncias e em operações de seguimento desde que começaram as intercepções telefónicas (22/02/2012, 24/02/2012, 01/03/2012, 03/03/2012 e 14/03/2012), cujo teor confirmou integralmente; mais participou nas buscas às residências dos arguidos Carlos e António, descrevendo o que sucedeu no seu decurso e o que nelas foi apreendido; de António C..., Guarda da GNR, que declarou ter participado nas buscas às residências dos arguidos César e José..., descrevendo o que sucedeu no seu decurso e o que nelas foi apreendido; de Henrique F..., Guarda da GNR, que declarou ter participado nas buscas às residências dos arguidos Carlos e António, descrevendo o que sucedeu no seu decurso e o que nelas foi apreendido; de Marco C..., Guarda da GNR, que declarou ter participado em vigilâncias e em operações de seguimento desde que começaram as interceções telefónicas (22/02/2012, 24/02/2012, 01/03/2012, 03/03/2012 e 14/03/2012), cujo teor confirmou integralmente; de Cristiano M..., Pedro C..., José G..., Diogo F..., Paulo G..., Audemiro C..., Joaquim S..., Artur F..., Nuno M..., Ricardo L..., Armindo F..., Rúben G..., Tiago O..., José T..., Armando O..., Fábio A..., Rui G..., todos consumidores de haxixe que declararam, em suma, ter comprado quantidades de haxixe ao arguido César ou, na ausência deste, ao arguido Carlos; as vendas pelo César remontavam até seis meses antes deste ter sido detido; os valores comprados pelas testemunhas, com maior ou menor regularidade, eram em regra de € 5,00 ou € 10,00, podendo excepcionalmente ascender a € 25,00 ou € 50,00; algumas testemunhas contactavam o arguido César por telemóvel, outros procuravam-no no Café M... onde era sabido que ele costumava estar; de Paulo L..., consumidor de haxixe cujas declarações no inquérito de fls. 384 e ss foram lidas em julgamento, delas resultando que procurava os arguidos César ou Daniel e lhes comprava quantidades de haxixe de € 5,00 ou € 10,00; de João A..., consumidor de haxixe cujas declarações no inquérito de fls. 389 e ss foram lidas em julgamento, delas resultando que comprava haxixe ao arguido César, em quantidades de € 15,00 semanais; de Angelino M..., que relatou que foi contactado pelo arguido César e que este lhe pediu para realizar diligências para recuperar o haxixe vendido ao Rogério e que este não pagou; descobriu que estavam outros indivíduos de etnia cigana envolvidos na questão, pelo que a testemunha se desinteressou; de Pedro F..., consumidor de haxixe que declarou ter comprado uma vez ao César uma vez duas barrinhas de haxixe por € 20,00; comprava semanalmente ao arguido Rogério, no Café da T..., em quantidades de € 5,00; sabia que o Rogério comprava ao César; de Nuno F..., consumidor de haxixe que declarou comparar ao arguido António, no Café da T... em Tagilde; eram pequenas quantidades de € 5,00 ou € 10,00; compra-lhe há cerca de um ano; sabia que muitas vezes o arguido António lhe vendida haxixe que tinha para o seu consumo; de José L..., dono do Café M... que declarou nunca se ter apercebido de actividade de venda de droga no seu estabelecimento.
Autos de transcrição de sessões, de vigilância, de revista pessoal, de busca e de apreensão, de avaliação, de exames e outros documentos como auto de notícia, informações de diligências e relatórios fotográficos, relativos a leitura e transcrição de telemóvel, identificados no acórdão a fls. 1752-1756 dos autos e aqui dados por reproduzidos.
DA QUESTÃO
Atentas as conclusões do recorrente, sendo certo que delimitam o objecto do recurso cf. art.s 421 nº 1 e 403 nº 1 do CPP; Ac. nº 7/95 do STJ in Dr de 28/12 1ª série, importa aqui apreciar se o Tribunal recorrido incorreu em erro na fixação da matéria provada no ponto 4 na sentença e em erro na aplicação do direito relativamente à declaração de perda do veículo a favor do Estado.
DA APRECIAÇÃO
Os referidos erros invocados pelo recorrente apresentam particular interligação pois é posta em causa a fixação como provada da matéria constante do ponto 4 na sentença “Para o exercício de tal actividade… fazia-se deslocar habitualmente no veículo da marca BMW, modelo 325 TDS, de cor preta, com a matrícula 40-64-... para deslocações para aquisição de produto estupefaciente ao arguido José S..., bem como para a sua venda a quem o contactasse telefonicamente ou se dirigisse a si”, e como que alicerçada nesta pretensão de ver tal “habitualidade” dada por não-provada, é deduzida a pretensão de fazer valer que o Direito foi erradamente aplicado no que se refere à declaração de perda do veículo em causa. * I. No que respeita à impugnação da habitualidade na deslocação no veículo 40-64-... para as aquisições de estupefacientes, alega o recorrente, em suma, que dos momentos em que se deslocou ao Porto, no veículo em causa, para adquirir estupefacientes ao arguido José S... descritos nos subpontos VII, VIII e XI do ponto 12 da matéria de facto provada, não pode retirar-se a conclusão de que se fazia deslocar habitualmente no veículo em causa para aquisição de estupefacientes, tendo-se até também provado no subponto IV, momento em que foi o co-arguido José S... quem se deslocou a Guimarães para lhe entregar o produto estupefaciente a si.
Para contestar tal habitualidade na deslocação no veículo 40-64-... para as vendas de estupefacientes, alega o recorrente, em suma, que dos depoimentos das testemunhas de acusação, mormente de Cristiano M..., Paulo L..., Diogo F..., Paulo G..., Audemiro C..., Joaquim S..., Artur F..., Ricardo L..., Armindo F..., Ruben G..., Tiago O..., Domingos R..., José T... e Fábio A... ---dos quais, atenta-se, apresenta parciais e breves transcrições com indicação das passagens na prova gravada, cumprindo o onús p. no art. 412 nº 3 e 4 do CPP--- resultou que desenvolveu a sua actividade essencialmente em espaço aberto, nas imediações do Café M..., sendo que ali estava e ali os compradores se deslocavam para adquirir o produto. Todo o alegado corresponde à verdade.
No que respeita ás “aquisições” é verdade que se provou que em 14/2/2012 foi o co-arguido José S... quem se deslocou do Porto a Guimarães, em veiculo de matrícula 22-41-..., para entregar ao ora recorrente haxixe para posteriores vendas (cf. o referido subponto IV).
Ora ainda mais se pondera que sempre os 3 momentos de recebimento de haxixe daquele co-arguido, em deslocação no veículo 40-64-... de Guimarães ao Porto, em 24 e 28 de Fevereiro de 2012 e em 3 de Março de 2012 (provados nos referidos subpontos VII, VIII e XI) se configuram manifestamente insuficientes para prova de habitualidade da utilização do veículo referido para tanto, no período mais extenso desde pelo menos Outubro de 2011 até 14 de Março de 2012 de actividade de tráfico de estupefacientes provado no ponto 1 da sentença.
No que respeita a concretos actos de “vendas” de estupefacientes pelo recorrente, é verdade que na esmagadora das vezes se tem que desenvolveu a sua actividade essencialmente em espaço aberto, nas imediações do Café M..., sendo que ali estava e ali os compradores se deslocavam para adquirir o estupefaciente. Contamos 36 vendas, sendo notório que só afinal em 3 é provada a utilização do veículo 40-64-... (cf. ponto 12, subpontos I, II, III, V, VI, IX, X). Assim sendo, esta primeira pretensão do recorrente merece procedência, dando-se a matéria de facto constante do ponto 4 da sentença como não-provada (sendo certo que não implica qualquer alteração do enquadramento jurídico da materialidade provada nos demais pontos). * II. Alicerçada nesta pretensão que procederá como se apreciou já, o recorrente mais apresenta a de revogação da declaração de perda do veículo, por violadora do Direito, alegando, em suma, ter sido uma utilização “incidental e acessória”, “que nunca assumiu um carácter significativo”, “nem foi causa adequada da prática do crime”, “sem perigosidade para a segurança das pessoas, moral e ordem pública e sem sérios riscos de utilização para o cometimento de novo crime”.
A este propósito importa atentar-se em que a perda de objectos que tiverem servido ou se destinassem a servir a prática de infracção no âmbito do tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas é regulada pelos art.s 35 e segs do DL 15/93 de 22/1, normas especiais que prevalecem sobre o regime geral instituído no Código Penal. Com a alteração daquele primeiro normativo, introduzido pela Lei 45/96 de 3/9, tal perda passou a depender apenas de um requisito –o do objecto ter servido (ou do requisito alternativo – o de estar destinado a servir) para a prática da infracção, e já não do requisito de perigosidade –de que pela sua natureza ou circunstâncias do caso, ponha em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública ou ofereça sério risco de ser utilizado para cometimento de novos crimes. Tal nova redacção amputou a parte final da norma originária, prescindindo da perigosidade, com o propósito de reforçar a reacção penal aos crimes do Dl 15/93 em causa, pela via da perda dos instrumentos do crime, como que “automatizando” a perda, designadamente dos veículos automóveis. No entanto a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, particularmente do STJ, vem introduzindo “elementos moderadores” pelo recurso a noções de instrumentalidade e de causalidade adequada relativamente à verificação, seja da infracção, seja da forma que tal cometimento revestiu, e mesmo com apelo a um principio de proporcionalidade, no sentido de que a perda do instrumento, não estando submetida ao principio da culpa, terá de ser equacionada com o principio da proporcionalidade relativamente à importância do facto, sem olvido mesmo, a este respeito, do respeito pelos princípios da legalidade, da necessidade e da adequação, desde logo decorrentes dos arts. 1, 24, 25, 30 nº 1 e 18 da CRP, exigindo que do factualismo provado resulte que entre a utilização do objecto e a prática do crime exista uma relação de causalidade adequada por forma a que sem essa utilização a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria sido na forma, com significação penal relevante, verificada e que a perda seja equacionada entre a gravidade da actividade levada a cabo e a serventia que ao objecto foi dada na sua execução, de forma a que a perda só seja declarada em regra quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito, seja, sem ultrapassar a justa medida ---Cf. neste sentido, “A Violência na Lei e na Jurisprudência” Juiz Conselheiro Simas Santos in Revista Jurídica da Universidade Portucalense nº 3/98. Cf. in www.dgsi.pt, entre outros, os acordãos do STJ de 19/5/04 Rel Silva Flor “embora o veículo tivesse facilitado o tráfico, na medida em que o arguido o utilizou para se deslocar, não se pode afirmar que serviu de instrumento do crime se não ficou suficientemente caracterizada em termos funcionais a relevância funcional do veículo para o efeito, sendo indispensável a existência de uma relação de causalidade adequada, de forma a poder dizer-se que sem a utilização do mesmo a infracção não teria sido praticada ou dificilmente o teria sido na forma em que foi cometida”; de 13/12/06 Rel Oliveira Mendes, em que concretamente se considerou inexistir qualquer ligação funcional ou instrumental entre o automóvel e o crime de tráfico, consabido que sem a utilização do veículo a infracção teria sido praticada na mesma porque a quantidade de cocaína podia ter sido transportada por outra forma, que não no veículo e de 2/12/06 Rel. Rodrigues Costa em que concretamente também se deu relevância a que o arguido poderia ter-se deslocado por qualquer outro meio, que não o veículo, sem que tal afectasse o cometimento do delito na sua conformação essencial, tanto mais que a quantidade de droga poderia ser detida pelo arguido em qualquer bolso do vestuário; Acordãos do TRP de 17/1/07 Rel. Custódio Silva “Só se deve concluir que um automóvel serviu para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes se, sem a sua utilização, os factos não teriam sido praticados ou tê-lo-iam sido de modo diferente” e de 5/11/08 Rel. Maria do Carmo Dias “Deve declarar-se o perdimento a favor do Estado do automóvel utilizado pelo agente no tráfico se ele, sem o veículo, não conseguia desenvolver essa actividade nos moldes em que o fez”; Acórdão do TRE de 16/10/12 Rel Sénio Alves “O perdimento a favor do Estado de um veículo ao abrigo do art. 35 nº 1 do Dl 15/93 de 271 pressupõe uma verdadeira relação de instrumentalidade do bem relativamente ao crime, não se bastando com a simples utilização daquele na prática deste”, em que se considerou não se enxergar na factualidade provada qualquer elemento pelo qual se inferisse que sem o veículo o arguido não teria praticado, ou dificilmente teria praticado, o crime, sendo sete bolotas de cocaína são facilmente dissimuláveis na roupa de quem as detém e facilmente transportadas quer em veículo automóvel, quer em comboio ou autocarro.
Assim sendo,tem-se que o acórdão padece de parca e errada fundamentaçãoao expressar “Nos termos do art. 109 nº 1 do CPenal são declarados a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico…quando pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. Consequentemente, declaram-se perdidos a favor do Estado (-…) -o veículo de matrícula 40-64-... apreendido ao arguido César, por ter sido utilizado para a prática de tráfico de estupefacientes” -cf. Fundamentação a fls. 1782 e Decisão a fls. 1784 dos autos. A questão não deveria ter sido enquadrada nesta norma geral. E nem a tónica deveria ter sido posta na referida perigosidade e risco. Acresce que assiste razão ao recorrente quando realça que a utilização do veículo foi incidental e acessória, sem assumir um carácter significativo, sem ser causa adequada da prática do crime. Aqui reapreciando da materialidade factual dos autos ---mormente da não-provada habitualidade de deslocação no veículo 40-64-... seja para as aquisições, seja para as vendas de estupefacientes pelo recorrente, ora já analisada (cf. supra I) ---, à luz do quadro legal do art. 35 do Dl 15/93 de 22/11 com redacção da Lei 45/96 de 3/9 e dos critérios de boa Jurisprudência aplicáveis já referidos, não encontramos caracterizada a relevância funcional do veículo para o crime, que o veículo haja sido causa adequada do crime, de forma a poder dizer-se que sem a utilização do veículo, o crime não teria sido praticado ou dificilmente o teria sido na forma em que foi. Ao invés, é perfeitamente equacionável, o transporte das quantidades de haxixe recebidas do co-arguido José S... para posteriores vendas por outra forma, que não no veículo 40-64-... (como aliás aconteceu como provado no subponto IV), sendo certo que relativamente aos actos de vendas, até já se tem que aconteceram, na sua esmagadora maioria, sem utilização, sequer, do veículo em causa (cf. subpontos I, III, V, VI, IX, X). O disposto no art. 35 do Dl 15/93 de 22/1 com redacção da Lei 45/96 de 3/9, à luz de princípios de necessidade e adequação, aliados do de proporcionalidade, com consagração constitucional no art. 18 nº 2, compromete a declaração de perda a favor do Estado do veículo em causa, que assim importa revogar.
Outras questões suscitadas pelo recorrente resultam prejudicadas.
DO DISPOSITIVO
Atento o exposto, os Juízes da Secção Criminal desta Relação decidem pela procedência do recurso, revogando o acórdão na parte relativa à declaração de perda a favor do Estado do veículo BMW, 325 TDS e matrícula 40-64-....
Sem custas.