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CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ASSINATURA A ROGO
IMPRESSÕES DIGITAIS
JUROS
FRUTOS CIVIS
Sumário
1 – O n.º 3 do artigo 410.º tem um campo de utilização delimitado pela promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, não se aplicando ao contrato promessa de compra e venda de prédios rústicos. 2 - Sempre que a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, para o contrato prometido, é necessário que o contrato promessa conste de documento assinado pelos promitentes ou pelo promitente, consoante a promessa seja bilateral ou unilateral, bastando documento particular. 3 - A aposição de uma impressão digital num documento não tem valor de assinatura. 4 – Se o contraente não souber ou não puder assinar, o documento terá que ser assinado por outrem, a rogo, observando-se os requisitos do artigo 373.º, n.ºs 3 e 4 do CC. O incumprimento destas formalidades implica nulidade da declaração negocial, de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo. 5 – Sendo os juros frutos civis, no caso de nulidade do contrato, os mesmos são devidos desde que cessa a boa fé, o que acontece no dia em que os demandados ficam a conhecer a pretensão dos demandantes.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
M.. intentou ação declarativa contra A.. e mulher C.. pedindo que seja declarado nulo por falta de forma o contrato promessa de compra e venda que celebrou com os réus ou, quando assim se não entenda, que se declare o mesmo contrato nulo por força do disposto na respetiva cláusula sexta e da verificação da condição resolutiva nele inserida, uma vez que no prédio objeto mediato do documento em causa não é possível edificação com a área mínima prevista pelas partes. Num ou noutro caso, deve condenar-se os réus a restituírem à autora a quantia de 10.000,00 € acrescida de juros de mora vencidos desde o dia 1 de agosto de 2009 (estes no montante de 670,68 €) e vincendos até integral pagamento.
Contestaram os réus, alegando que apuseram as suas impressões digitais no documento, por não saberem assinar e que foi uma mediadora, que chamam à demanda – por a mesma ter recebido parte do sinal entregue pela autora -, quem negociou com a autora os termos do contrato, não constando do mesmo qualquer área concreta.
Respondeu a autora para manter o já alegado.
Em despacho autónomo foi deferido o incidente de intervenção de terceiros, mas convolando-o (indeferindo a requerida intervenção principal), admitindo a mediadora “H.., Lda.” a intervir como parte acessória.
Contestou a interveniente, aceitando ter mediado a celebração do referido contrato, lido e assinado (com impressão digital por parte dos réus) na presença de todas as partes e tendo a sua área sido retificada, com o conhecimento de todos já após a assinatura do mesmo.
Respondeu a autora, mantendo o já alegado.
Elaborou-se despacho saneador e definiu-se a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações.
Realizou-se a audiência de julgamento, no decorrer da qual, os réus aceitaram que as impressões digitais foram apostas no documento sem que a autora estivesse presente, com a consequente alteração da matéria de facto assente e da base instrutória.
Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, declarou nulo o contrato promessa celebrado entre a autora e os réus, condenando estes a restituírem à autora o valor de € 10.000,00, acrescido de juros legais contados desde 01/08/2009, até efetivo e integral pagamento e absolvendo a interveniente de todos os pedidos contra si formulados.
Discordando da decisão, dela interpuseram recurso os réus, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1ª Os recorrentes perfilham o entendimento, salvo melhor opinião, de que a douta sentença não terá decidido de forma acertada, atendendo a todos os factos que foram transpostos para os autos e submetidos a julgamento, assim como, ainda aos normativos legais aplicáveis neste caso.
2ª Desde logo porque na decisão final considerou provados factos contraditórios com os factos julgados provados no despacho de julgamento sobre a matéria de facto, a analisar por V/ exas. como questão prévia, o que importará na nulidade da sentença proferida.
Sem prescindir,
3 ª Os réus limitaram-se a por à venda um prédio rústico, na H.., Lda, a fim de ser vendido pelo montante inicial de 100.000,00.
4 ª Os réus admitem que apuseram as suas impressões digitais num contrato promessa que lhes foi apresentado pela H...
5ª – Efectivamente, não presenciaram a assinatura da promitente compradora, pelo que não podem asseverar se o contrato promessa que esta assinou é o mesmo.
6ª – Os réus nunca falaram com a compradora, nem lhes foi entregue por esta qualquer sinal.
7ª – A compradora assumiu em julgamento que todos os seus contactos foram com a H.., e que o cheque foi entregue à H...
8ª – Os réus não conferiram mandato à H.. para os representar, nem lhe deram poderes para garantir qualquer área, pelo que a área a considerar no momento da ortorga do contrato, só pode ser a área conhecida (objectiva) nessa data – 3480m2 (área matricial).
9ª– A invocada nulidade ao abrigo da cláusula 6 do contrato não tem pois sustentabilidade, já que os 20% nessa cláusula exigidos, foram manifestamente ultrapassados pelo facto de posteriormente se ter verificado que o prédio afinal tinha área superior.
10ª – Quanto à nulidade fundamento da decisão recorrida, não tem aplicação nos presentes autos: a norma do nº3 do artigo 410 – como norma de protecção social dos consumidores- é aplicável a negócios sobre prédios urbanos ( normalmente fracções autónomas, onde o contrato promessa funciona como fundamento de pedido de crédito bancário, ou na aquisição de bem futuro – isto é, a construir)
11ª- O objecto do contrato promessa sub iudice, é um prédio rústico, pelo que não se verifica a violação da norma imperativa de exigência dos requisitos nela contidos.
12ª - Assim sendo, e tendo o tribunal entendido que esta seria a única causa de nulidade, dado que a mesma não de verifica, terá o contrato em questão de ser julgado válido, não tendo os réus incorrido em qualquer conduta de incumprimento.
Sem prescindir
13ª – Caso V/ Exas. entendam que o contrato padece de nulidade, deverão ainda assim absolver os réus do pedido de restituição, dado que não foram os réus que receberam da Autora o alegado sinal.
14ª – Dada a boa fé dos réus em todo este processo, não deverão ser condenados em restituir o que não receberam e muito menos nos juros legais (Ac. STJ – proc. 04A1959)
15ª – A decisão recorrida violou as norma dos artigos 653/2, 659/2, 668/1 b) e c), 672/1, 258, 268/1 , 269, 289/1 , 410/3 todos do Código Civil.
Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida, julgando-se a ação improcedente por não provada.
A autora contra alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber:
- se houve lapsos na transcrição da matéria de facto para a sentença;
- se o contrato promessa celebrado entre as partes é nulo;
- se a mediadora imobiliária pode ser responsabilizada pela restituição do sinal, em caso de nulidade;
- se são devidos juros de mora e, no caso afirmativo, a partir de que data.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1) Em 12 de Julho de 2008, por documento particular, A.. e C.. e M.. outorgaram o seguinte acordo:
“Contrato Promessa Compra e Venda
Contraentes:
Primeiro Contraente: A.., (…), casado, em regime de bens adquiridos, com C.., (…) na qualidade de promitentes vendedores.
Segundo Contraente: M.. (…) na qualidade de promitente compradora.
Entre os aqui contraentes é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda que é composto pelo seguinte clausulado:
Cláusula Primeira
O primeiro contraente é dono e legítimo proprietário do seguinte imóvel:
Terreno de pinhal e mato, no lugar de .., concelho de Vila Nova de Cerveira, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo...
Cláusula segunda
Pelo presente contrato, o primeiro contraente promete vender ao segundo, ou a terceira pessoa, singular ou colectiva, que este venha a indicar, que por sua vez, promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, o imóvel melhor identificado na cláusula primeira.
Cláusula Terceira
O preço da prometida compra e venda é de 85.000,00 € (oitenta e cinco mil euros), sendo o valor correspondente ao terreno identificado na alínea a) da cláusula primeira.
Clausula Quarta
A título de sinal e princípio de pagamento, o segundo contraente paga nesta data ao primeiro, de cujo recebimento esta, pela outorga do presente dá total e plena quitação, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros).
Primeiro: o remanescente do preço em falta será pago no acto de celebração da escritura pública de compra e venda, que deverá ter lugar no prazo máximo de 90 dias e logo que se encontre regularizada toda a documentação respeitante ao imóvel e bem assim obtido o financiamento para a aquisição do mesmo por parte do segundo contraente, cabendo ao segundo contraente interpelar o primeiro para a realização da mesma.
Clausula Quinta
O presente contrato é sujeito ao regime da execução específica, podendo qualquer das partes não faltosa recorrer ao seu exercício para cumprimento integral do seu clausulado, nos termos preceituados nos art.ª (s) 830º e ss do Código Civil.
Cláusula Sexta
No caso do prédio objecto deste contrato não ter viabilidade para construção urbana no mínimo de 20% da área total, dá-se como nulo o presente contrato, ficando os promitentes vendedores obrigados da devolução integral da quantia acima mencionada entregue como sinal, ao promitente-comprador sem prejuízo do mesmo.
Cláusula Sétima
As partes renunciam expressamente ao reconhecimento das assinaturas da contraparte, não podendo daí ser arguido qualquer vício de forma ou material, sob pena de abuso de direito. (…)”. (Cfr. Documento constante de folhas 6-7 e 21-22)
2) O acordo referido em 1) termina, no lugar do primeiro outorgante, com duas impressões digitais e, no lugar do segundo outorgante com uma assinatura com o nome D... (Cfr. Documento constante de folhas 6-7 e 21-22).
3) O prédio identificado em 1) tem a área de 4.514 m2 e não permite construção superior a 897,43 m2.
4) Em 29 de Julho de 2009, a Autora enviou aos Réus uma carta registada com A/R onde fez constar designadamente que:
“(…) Assunto: Incumprimento de contrato promessa (…)
Relativamente ao negócio supra mencionado, sem prejuízo da arguição de vício de forma que determina a sua nulidade – direito a que nos reservamos em sede própria, foram acordadas cláusulas específicas. (…).
A verdade é que, a única razão que me levou a comprar o dito prédio foi o facto de me ter sido dado a crer que havia viabilidade da construção nos moldes antes referidos (20% da área total do prédio). Sendo facto essencial, como V. Exas reconheceram, acordou-se que lhe fosse condicionado o negócio, como foi.
Nesta semana, fui (…) informada que, ao contrário do que V.Exas referiam e se fez constar no dito contrato promessa, o prédio não tinha uma área de 5.685 m2 mas, sim, uma área de 4514 m2. Este facto, aliado a outras condicionantes a que era alheia, implica que não possa existir no terreno uma área de implantação igual a 20% da área total muito menos superior. (…)
Em face dos elementos e factos supra referidos, (…) venho pela presente interpelar V.Exas para que procedam à restituição da quantia entregue a título de sinal, no valor de 10.000 euros. (…) tem V.Exas o prazo de 10 dias para restituir o valor do sinal em singelo. (…)” (Vide documento constante de folhas 8 verso e 9 frente)
5) Em resposta à carta referida em 4), os Réus, através de advogada, enviaram à Autora uma carta onde fez constar designadamente que:
“(…) não podemos concordar com o alegado incumprimento do contrato. Com efeito, somando e fazendo a média de todas as percentagens com possibilidade de construção atinge-se um valor de 20 % de viabilidade de impermeabilização. (…)
Por outro lado, ainda, e não menos relevante, na data da celebração do contrato promessa, como sabem o artigo R.. da freguesia de .., prometido vender, tinha uma área matricial de 3.480 m2. As medições para apurar a área efectiva do prédio não foram feitas pelos promitentes vendedores. (…) Os promitentes vendedores desconheciam a área efectiva e real do artigo Rústico. Pelo que a relevância da promessa apenas poderá incidir sobre a área inscrita matricialmente (único elemento objectivo à data da promessa). Ora, assim sendo, os alegados 20% - de 3480m2 são 692m2. Se o prédio apresenta área superior e se tal se repercute numa maior possibilidade de construção, não vemos como poderá V/Exa. Invocar incumprimento do contrato promessa. (…)”(Vide documento constante de folhas 9 verso e 10 frente).
6) O prédio rústico, composto por pinhal e mato, sito no lugar de.., concelho de Vila Nova de Cerveira, encontra-se inscrito a favor dos Réus na matriz, sob o artigo .. – redação que irá ser alterada infra.
7) No exercício da sua actividade de mediadora imobiliária, a H.. foi contactada pelos Réus, os quais manifestaram perante aquela, a intenção de venderem o prédio identificado referido em 6).
8) No desenvolvimento da sua actividade mediadora, a H.., através do seu agente comercial encarregue dessa angariação, acompanhou a Autora ao prédio dos Réus, a fim de mostrar localmente o prédio àquela.
9) Os representantes da “H.., Lda.” asseguraram à Autora que o prédio identificado em 1) tinha uma área de 5.685 m2.
10) (…) área essa que foi determinante para a Autora ter assumido o compromisso outorgado em 1).
11) Os representantes da “H.., Lda.” sabiam que a Autora não outorgaria o acordo referido em 1) se o prédio tivesse área inferior.
12) Na qualidade referida em 6), e porque decidiram proceder à venda do prédio, os Réus celebraram com a “H.., Lda.” Um contrato de mediação imobiliária com vista à efectiva venda do prédio.
13) Os representantes da H.., conheceram localmente o prédio, onde lhe foram mostradas pelos familiares dos Réus, as respectivas estremas.
14) O preço acordado entre os réus e a H.., para a venda do prédio rústico, foi inicialmente de € 100.000,00.
15) A H.. realizou todos os contactos com a Autora.
16) Foi efectuado um levantamento topográfico e procedeu-se à rectificação matricial da área.
17) Os réus não sabem assinar o seu nome, tendo tal facto sido abordado.
18) As impressões digitais dos Réus e a assinatura da Autora efectuaram-se em simultâneo, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e na presença da Autora – este artigo consta incorretamente da matéria de facto provada e vai ser eliminado infra.
19) O pedido de rectificação de área foi efectuado posteriormente à celebração do acordo referido em 1), em 30 de Setembro de 2008, tendo, nesse pedido, o sócio gerente da H.., assinado a rogo dos réus.
20) Na data da assinatura do contrato promessa, o prédio tinha descrita uma área de 3480m2.
Antes de iniciar a análise das questões colocadas em sede de recurso, há que dar razão à questão prévia suscitada pelos apelantes (com a concordância da apelada, deve dizer-se).
Com efeito, a Sra. Juíza que elaborou a sentença, incorreu em dois lapsos na transcrição da matéria de facto dada como provada.
Um deles prende-se com uma alínea da matéria de facto assente – alínea F) - que foi transcrita para os factos provados da sentença – n.º 6 - com uma redação diferente. Não se compreende o porquê de tal diferença, nem conseguimos descortinar nenhuma explicação para o facto levada a cabo na sentença. Assim, não havendo qualquer motivo para alterar o teor de uma alínea da matéria de facto assente, terá ela que ser reproduzida nos factos provados, passando o n.º 6 dos mesmos a ter a seguinte redação:
«Os réus são legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico, composto por pinhal e mato, sito no lugar de .., concelho de Vila Nova de Cerveira, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..».
O outro lapso resulta do facto de não se ter atentado na alteração à matéria de facto assente e à base instrutória que se levou a cabo, por acordo, na audiência de julgamento e que ficou a constar da acta da sessão do dia 11 de Junho de 2012 (fls. 108 dos autos).
De acordo com o despacho então proferido, foi aditada a alínea I) aos factos assentes: «As impressões digitais constantes no acordo referido em A) foram efetuadas sem a presença da autora» e substituído o artigo 14.º da base instrutória, que passou a ter o seguinte teor: «A assinatura da autora foi efetuada após as impressões digitais referidas em I)?».
Assim, o despacho que decidiu a matéria de facto (elaborado pela mesma Sra. Juíza que proferiu aquele despacho), ao considerar provado o artigo 14.º, estava, obviamente, a referir-se ao novo quesito 14.º e não ao antigo (já substituído).
Em conclusão, terá que ser eliminado dos factos provados o n.º 18 (com a redação que lhe foi dada na sentença) e, em sua substituição, acrescentados os factos relativos àquelas alínea I) da matéria de facto assente e novo artigo 14.º da base instrutória: «As impressões digitais constantes no acordo referido em 1) foram efetuadas sem a presença da autora, tendo a sua assinatura sido efetuada após as referidas impressões digitais».
Efetuadas, assim, as correções que se impunham à matéria de facto, passemos à análise das questões jurídicas suscitadas na apelação.
A primeira questão prende-se com a validade do contrato promessa celebrado entre as partes, tendo em conta que o mesmo se encontra assinado apenas pela promitente compradora e com a aposição de duas impressões digitais, cuja autoria não foi possível apurar, não se sabendo se as mesmas aí foram apostas pelos réus (promitentes vendedores) ou não, sendo certo que apenas se apurou que, quando a promitente compradora assinou o documento, já aí constavam as ditas impressões digitais.
Na sentença sob recurso enveredou-se pela análise exaustiva do n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil para dar resposta a esta questão.
Salvo o devido respeito, contudo, a solução para a questão formulada não deve procurar-se no n.º 3 do artigo 410.º, mas sim no n.º 2 desse normativo, pois aquele n.º 3 tem um campo de utilização delimitado pela promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o que manifestamente não é o caso dos autos, em que se prometeu vender um prédio rústico e em que não está projetada nenhuma edificação que sirva de causa ao contrato promessa a celebrar (veja-se como Antunes Varela claramente explica in “Sobre o contrato promessa”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 49, que a atual redação deste n.º 3 “persiste na ideia de não aplicar o mesmo regime à promessa de alienação ou oneração de prédios rústicos” e, no mesmo sentido da inaplicabilidade deste n.º 3 ao contrato promessa de compra e venda de prédios rústicos, o Acórdão da Relação do Porto de 13/07/2011, in www.dgsi.pt).
Vejamos, então.
O n.º 1 do artigo 410.º do Código Civil incorpora o chamado “princípio da equiparação”, segundo o qual “o regime (requisitos e efeitos) do contrato promessa é, via de regra, o mesmo do contrato prometido, com duas excepções importantes: uma referente à forma e outra às disposições legais que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa” – cfr. Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato Promessa”, Coimbra, 1987, pág. 12.
No que diz respeito à forma, que é o que aqui nos interessa, sempre que a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, para o contrato prometido, é necessário que o contrato promessa conste de documento assinado pelos promitentes ou pelo promitente, consoante a promessa seja bilateral ou unilateral, bastando documento particular – artigo 410.º, n.º 2 do CC.
No caso em apreço, já vimos que o contrato está assinado apenas pela promitente compradora, pois no local destinado à assinatura dos promitentes vendedores, estão apostas duas impressões digitais que nem sequer se sabe por quem foram efetuadas.
Ora, os réus alegaram que não sabiam assinar. Nesse caso, dispõe o artigo 373.º n.º 1 do Código Civil que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar”, estabelecendo, ainda, os seus n.ºs 3 e 4 que “se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor. O rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante”.
Ou seja, a aposição de uma impressão digital num documento não tem valor de assinatura – cfr. Acórdão da Relação de Évora de 06/03/1986, in BMJ 357, pág. 511 - e mesmo que o documento tivesse sido assinado a rogo, mas sem a confirmação desta assinatura perante o notário, nos termos do artigo 373.º, n.º 4 do CC, o contrato promessa seria nulo – Acórdão da Relação de Évora de 03/10/1991, in BMJ 410, pág. 904.
Veja-se, no mesmo sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 17/02/2009 e de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, podendo ler-se neste último (relatado pelo então Desembargador Alves Velho), o seguinte: «A subscrição de documento por um analfabeto só obriga quando for feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao rogante. O incumprimento desta formalidade implica nulidade da declaração negocial, de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo», bem como o Acórdão da Relação do Porto de 13/07/2011, disponível no mesmo site.
Neste último Acórdão, de 13/07/2011, pode ler-se, com interesse: “…tal declaração apenas atesta que os AA. apuseram as suas impressões digitais no contrato, mas a mesma não configura uma assinatura a rogo.
Para que houvesse assinatura a rogo, o terceiro que assina fá-lo-ia em vez do declarante, o que não acontece no presente caso. E, o rogo teria de ser dado ou confirmado perante notário depois de lido o texto do contrato-promessa aos rogantes, o que igualmente não ocorreu. Desse modo, a ausência de tais formalidades gera a nulidade do rogo e acarreta que o contrato-promessa de fls. 17 a 20 não tem a assinatura válida dos promitentes-vendedores, o que consequentemente gera a nulidade do referido contrato-promessa por preterição de um dos requisitos ad substantiam prescritos no n.º 2 do art. 410º do Cód. Civil.
A preterição dessa formalidade ad substantiam – falta da assinatura dos promitentes-vendedores, que por via do contrato-promessa se obrigaram, perante o promitente-comprador, a vender-lhes a parcela de terreno objecto deste contrato - não gera, assim, ao contrário do que foi sustentado pelos Autores, a inexistência do contrato-promessa celebrado, mas antes a sua nulidade (art. 220º do Cód. Civil).
Podemos, pois concluir que, no contrato promessa em causa foi preterida uma formalidade geradora de nulidade (formalidade ad substantiam), e, porque a mesma é insubstituível por qualquer meio de prova, a confissão da celebração do contrato é totalmente irrelevante para substituir a formalidade em falta.
Tal nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso, pelo que mesmo que os AA. não a invocassem (ainda que sob a forma de inexistência) sempre o tribunal dela conheceria (art. 286º do mesmo Código)”
Assim, sendo exigível a assinatura de ambas as partes e estando o contrato assinado apenas por uma delas, a consequência será a da nulidade do contrato, por falta de forma legalmente prescrita, em obediência ao disposto no artigo 220.º do Código Civil.
Pode questionar-se se a nulidade será total ou apenas parcial.
A situação dos autos é uma situação incomum, pois a situação maioritária, que está tratada doutrinal e jurisprudencialmente é a de faltar a assinatura do promitente comprador. Nesse caso, tanto Calvão da Silva (in obra citada, págs 32 e 33), como Antunes Varela, (in obra citada, pág 30 e 31) defendem a possibilidade de redução do negócio jurídico, nos termos do artigo 292.º do Código Civil, apreciando o caso, não como uma nulidade total, mas sim como uma nulidade parcial, sendo que, para Calvão da Silva, ficaria a cargo da parte que pretende a nulidade de todo o negócio, a alegação e prova que este não teria sido concluído sem a parte viciada (o que fica facilitado pela natureza sinalagmática da promessa de compra e venda), e para Antunes Varela, sendo necessário que a parte interessada na validade parcial do contrato alegue e demonstre que, apesar da falta da parte viciada do contrato, este teria sido querido pelas partes quanto à parte restante, ou como tal devia ser mantido.
No nosso caso, as assinaturas em falta são as dos promitentes vendedores, o que, necessariamente conduz à nulidade total do contrato, uma vez que é a promitente compradora que invoca a falta de assinatura daqueles e pretende a nulidade do contrato, resultando daí que não teria celebrado o contrato se a outra parte não ficasse vinculada a contratar (o que, de qualquer forma, sempre parece óbvio face à natureza bilateral do contrato promessa querido pelas partes, em que a obrigação de comprar e a obrigação de vender são causa determinante uma da outra).
Aliás, como já vimos supra, a jurisprudência, nestes casos, e após a prolação do Acórdão do STJ de 26 de Abril de 1977 (tirado em reunião conjunta das secções cíveis) - e de que nos dá conta Antunes Varela, in obra citada, pág. 21 – que proclamou a nulidade total do contrato promessa bilateral subscrito por uma só das partes e repudiou expressamente a tese da redução sistemática, “ipso iure”, do contrato promessa bilateral deficiente a um contrato promessa unilateral válido, consolidou-se em torno dessa solução, pronunciando-se pela nulidade total – vide Acórdãos da Relação do Porto citados, de 28/06/2001, 17/02/2009, 13/07/2011 e da Relação de Lisboa de 07/05/1991, bem como do STJ, de 03/06/1980, de 17/02/1987 e de 21/01/1997, todos em www.dgsi.pt.
A preterição dessa formalidade ad substantiam – falta da assinatura dos promitentes-vendedores, que por via do contrato-promessa se obrigaram, perante o promitente-comprador, a vender-lhes a parcela de terreno objecto deste contrato - gera, assim, a nulidade do contrato (art. 220º do Cód. Civil).
Tal nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e é de conhecimento oficioso (art. 286º do Código Civil).
Assim, ainda que por razões diferentes das invocadas na sentença recorrida, terá esta que ser confirmada.
Alegam, ainda, os apelantes, que a ser considerado nulo o contrato, a obrigação de restituir o sinal entregue pela promitente compradora, não lhes cabe, uma vez que não foram eles que receberam o dito sinal.
Ora, tal afirmação não pode considerar-se correta.
Com efeito, ficou a constar do contrato promessa que, a título de sinal e princípio de pagamento, o segundo contraente (a promitente compradora) paga, nesta data, ao primeiro (os promitentes vendedores), de cujo recebimento esta, pela outorga do presente dá total e plena quitação, a quantia de € 10.000,00. Os próprios réus assumem, na contestação que receberam a quantia de € 5020,00, que lhes foi entregue pela mediadora, acompanhada de uma fatura no valor de € 4980,00, a título de mediação na conclusão do negócio.
Ora, tendo ficado provado que os réus celebraram com a “H.., Lda.” um contrato de mediação imobiliária com vista à venda do prédio em questão e que foi esta imobiliária que fez todos os contactos e negociações com a autora, bem como os pedidos de retificação de área e elaboração de documentos necessários à venda e que conduziram à celebração do contrato promessa, não releva para a autora saber se o sinal que entregou foi dividido entre os réus e a mediadora, e a que título, ou ficou inteiramente na posse dos réus. A autora pagou a quantia de € 10.000,00 a título de sinal. Se a imobiliária reteve parte da mesma para se pagar do trabalho tido com a venda do prédio dos réus, esse negócio só diz respeito aos réus e à mediadora que contrataram, sendo perfeitamente alheio à vontade da autora.
Aliás, veja-se que, tendo os réus suscitado a intervenção principal provocada da mediadora por esta ter recebido parte do sinal para pagamento dos seus serviços, pelo que teria interesse direto em contradizer a causa, por ter que reembolsar a quantia que recebeu, foi tal intervenção indeferida por se ter entendido (e bem) que, “na relação material controvertida tal e qual se acha conformada pela autora, não vemos que a chamada assuma uma posição litisconsorcial passiva em relação ao objeto da ação porquanto a mesma não foi parte no referido contrato mas apenas e tão só promoveu a concretização do negócio a que o mesmo respeita. Para se concluir neste sentido, basta perguntar se a autora poderia intentar a ação com o objeto daquela em curos comtra a interveniente, sendo óbvia a resposta negativa pois que não sendo a interveniente parte no contrato, nunca no seu confronto poderia ser declarada a nulidade do mesmo”.
No mesmo despacho se considerou estarem, no entanto, verificados os pressupostos da intervenção acessória, pois “a alegação contida no artigo 15.º da contestação (de que a mediadora teria recebido parte do sinal) não pode deixar de interpretar-se senão como alegação da existência de um direito de regresso dos réus sobre a chamada no caso de procedência da ação, no sentido de que terá esta que lhes restituir o montante já por si recebido a título de comissão de venda”.
Neste despacho, que transitou em julgado, ficou, assim, já indicado o caminho possível para os réus, relativamente ao montante recebido pela mediadora a título de comissão de venda do prédio em causa.
Não pode é ser a mediadora a restituir à autora o valor eventualmente recebido, uma vez que não foi parte no contrato celebrado e não foi a ela que a autora pagou o sinal, mas sim aos réus, proprietários do prédio prometido vender que, tendo recebido o valor do sinal, fizeram dele o que entenderam, ainda que sem que parte do mesmo chegasse a passar, fisicamente, pelas suas mãos.
Diga-se, aliás, que, tendo os réus celebrado um contrato de mediação imobiliária com a chamada, a fim de que esta promovesse a venda do seu prédio, são irrelevantes as considerações vertidas nas alegações de recurso sobre a imputação de responsabilidades à mediadora e a sua desvinculação quanto ao conteúdo contratual.
Quem celebrou o contrato foram os réus e, por isso é sua a responsabilidade na restituição do que foi prestado, em consequência da nulidade do negócio celebrado – artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil – sendo irrelevantes e não aplicáveis ao caso em análise, as considerações expendidas sobre os poderes de representação da mediadora.
Finalmente, colocam os apelantes a questão de saber se são ou não devidos juros de mora.
Na sentença considerou-se que os mesmos são devidos desde a data da carta enviada pela autora aos réus, interpelando os mesmos para, em prazo certo, procederem à restituição do valor do sinal, por nessa data os réus se terem constituído em mora.
Vejamos.
No caso de nulidade de um contrato, serve de fundamento ao pedido de restituição da quantia entregue, o preceito do artigo 289.º do Código Civil, que determina que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Nos termos do n.º 3 deste artigo 289.º do Código Civil, é aplicável no caso de declaração de nulidade, diretamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes do Código Civil.
O artigo 1270.º refere-se aos frutos percebidos pelo possuidor de boa fé e o artigo 1271.º aos frutos na posse de má fé, sendo que o possuidor de boa fé faz seus os frutos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem e o possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse.
Ora, os juros são os frutos civis e, como tal, a obrigação de restituir, além de operar retroativamente, também pode abranger esses frutos.
A partir da citação, não há dúvida que os réus ficaram a conhecer a pretensão da autora, pelo que desde essa data os juros que a quantia produzia ou podia produzir pertencem à autora, face ao estipulado naqueles artigos – cfr. Acórdão do STJ de 15/10/1998, in CJ/STJ, ano VI, tomo III, pág. 63.
Anteriormente á citação, contudo, a autora havia enviado uma carta aos réus em que os interpelava a restituírem o sinal entregue, face à nulidade do contrato.
Ora, se é verdade que, a partir da data de recebimento da quantia em causa, tem que se presumir que a posse dos réus é de boa fé (tendo direito a fazer seus os frutos recebidos), a verdade é que essa boa fé cessa com a interpelação para a restituição do sinal constante da carta enviada pela autora, sendo que a partir dessa data, tendo os réus ficado a conhecer a pretensão da autora, passam a estar de má fé quanto ao direito aos juros, tendo que restituir esses frutos.
Pelo que improcedem as conclusões dos apelantes, também nesta parte, sendo de manter a sentença recorrida.
Sumário:
1 – O n.º 3 do artigo 410.º tem um campo de utilização delimitado pela promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, não se aplicando ao contrato promessa de compra e venda de prédios rústicos.
2 - Sempre que a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, para o contrato prometido, é necessário que o contrato promessa conste de documento assinado pelos promitentes ou pelo promitente, consoante a promessa seja bilateral ou unilateral, bastando documento particular.
3 - A aposição de uma impressão digital num documento não tem valor de assinatura.
4 – Se o contraente não souber ou não puder assinar, o documento terá que ser assinado por outrem, a rogo, observando-se os requisitos do artigo 373.º, n.ºs 3 e 4 do CC. O incumprimento destas formalidades implica nulidade da declaração negocial, de conhecimento oficioso e invocável a todo o tempo.
5 – Sendo os juros frutos civis, no caso de nulidade do contrato, os mesmos são devidos desde que cessa a boa fé, o que acontece no dia em que os demandados ficam a conhecer a pretensão dos demandantes.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, ainda que por razões diferentes, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Guimarães, 21 de maio de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho