DANO MORTE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EXECUÇÃO
PENHORA
Sumário

I - O direito à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes da morte, tal como sucede com a indemnização pelo dano morte, surge na titularidade das pessoas mencionadas no n.º 2 do art. 496.º do Código Civil por direito próprio.
II - Assim, não sendo transmissível aquele direito, não é o mesmo susceptível de ser penhorado.

Texto Integral

Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
A… veio interpor recurso de agravo em separado do despacho do Mmo. Juiz a quo que indeferiu a penhora do crédito por si nomeada, no âmbito da execução que instaurou contra B…, para recebimento coercivo das prestações alimentícias devidas à sua filha menor C…. Por sentença proferida no apenso E foram julgadas habilitadas as filhas do falecido, C…, D… e E….
Alega, em síntese que, na pendência da execução, o executado faleceu vítima de acidente de viação causado pelo veículo automóvel de matrícula …-…-QX, propriedade de F…, cuja responsabilidade civil emergente de acidente de viação havia sido transferida para a G…, SA., correndo no 1º juízo do Tribunal de Fafe sob o nº 91/12.1TBFAF, uma acção contra a referida Companhia de Seguros, com vista à condenação daquela a indemnizar os sucessores do falecido pelos danos resultantes do acidente.
Nomeou à penhora a indemnização que vier a ser arbitrada pelos danos sofridos pelo falecido – dores, sofrimento, angústia e antevisão da morte – e a indemnização devida pelo dano da própria morte que constitui, em seu entender, um crédito da herança.
Apresentou as seguintes conclusões:
1º- Nos presentes autos de execução, a exequente nomeou à penhora o direito à indemnização que vier a ser arbitrada ao falecido, por danos próprios – dores, sofrimento, angústia e antevisão da morte - e a indemnização devida pelo dano da própria morte, ou seja, pela perda do direito à vida, que os executados/habilitados detêm sobre a G…, S.A., crédito esse correspondente à indemnização que venha a ser arbitrada na acção emergente de acidente de viação que vitimou o devedor, o executado B…, que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Fafe sob o nº 91/12.1TBFAF.
2º- Pelo douto despacho proferido nestes autos decidiu-se indeferir a penhora do crédito requerida pela exequente, decisão da qual se discorda porquanto se considera que a mesma não se mostra acertada.
3º- De facto, ao contrário do que se defende no douto despacho recorrido, o direito à indemnização que se pretendeu ver penhorado e que se prende com os danos próprios - dores, sofrimento, angustia e antevisão da morte - e a indemnização devida pelo dano da própria morte, ou seja, pela perda do direito à vida, adquire-se por via sucessória do falecido.
4º- Por outro lado, ao contrário do que parece transparecer do douto despacho proferido, o que a exequente pretendeu ver penhorado foram: os danos próprios da vítima, concretamente dores, sofrimento, angústia e antevisão da morte, e a indemnização devida pelo dano da própria morte, ou seja, pela perda do direito à vida.
5º- Se é verdade que existe alguma controvérsia no que respeita a indemnização devida pelo dano da própria morte, ou seja, pela perda do direito à vida, o mesmo já não se passa com os danos sofridos pela própria vitima e que se consubstanciam nas dores, sofrimento, angustia e antevisão da morte.
6º- Quanto a estes danos indemnizáveis causados à vítima, temos por certo que os mesmos se transmitem, por morte desta, aos seus sucessores, que são os indicados no nº 2, do artigo 496º do Código Civil.
7º- No que se refere a indemnização devida pelo dano da própria morte, ou seja, pela perda do direito à vida, podemos afirmar que das posições mais seguidas, umas entendem que a indemnização se adquire por via sucessória do falecido e outras por direito próprio.
8º- No caso, perfilhamos a tese da aquisição por via sucessória, justificando tal entendimento nas opiniões e decisões que defendem que o direito à indemnização transmite se mortis causa, não aos herdeiros em geral da vitima, mas às pessoas indicadas no nº 2, do artigo 496º do Código Civil. Neste sentido, entre outros, vide também Ac S.T.J de 25 de Maio de 1985.
9º- Em conformidade, ao decidir de modo diferente, mostra-se violado, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no nº 2 do artigo 496º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, revogando-se o douto despacho proferida, substituindo-o por outro que decida pela penhora do crédito nomeado pela exequente.

A parte contrária contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1º- A Recorrente A… requereu a penhora do crédito que as Recorridas/habilitadas C…, D… e E… eventualmente sejam detentoras sobre a seguradora G…, sendo tal crédito emergente do acidente de viação que vitimou o devedor, outrora Executado, B…, cuja acção de responsabilidade civil corre os seus termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe sob o n.º 91/12.1TBFAF.
2º - Por douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo” decidiu-se indeferir a penhora do crédito requerida pela Recorrente e relativa à acção judicial decorrente da morte do outrora Executado B….
3º - Entendem as Recorridas que toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima quer pelos familiares mais próximos) cabe aos familiares por direito próprio (iure próprio) e não aos herdeiros por via sucessória.
4º - Sendo assim, andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu pois, entendem aquelas, como sendo o crédito das mesmas um direito próprio (ure proprio) e não um direito obtido por via sucessória, não integrado portanto assim aquele conjunto de bens que respondem pelas dívidas da herança.
5º - Este é o entendimento plasmado por Pires de Lima/Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, pg 500 “dos n.ºs 2 e 3 deste artigo (496.º) e da sua história (…) resulta, por um lado, que, no caso de agressão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares, por direito próprio (iure próprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2”.
6º - Face à polémica doutrinal e jurisprudencial, acompanhamos a opinião seguida pelos Professores Pires de Lima, Antunes Varela e Rabindranath Capelo de Sousa, segundo a qual, a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo de cujus nasce, por direito próprio, na titularidade das pessoas designadas no n.º 2 do artigo 496.º, do Código Civil, segundo a ordem e nos termos em que nesta disposição são chamadas.
7º - Para Antunes Varela: “Quem acompanhar atentamente os trabalhos preparatórios do Código Civil, sem nenhuma ideia preconcebida afivelada à cabeça, não poderá deixar de reconhecer que entre a tese da indemnização nascida no património da vítima e transmitida por via sucessória a alguns dos seus herdeiros e a concepção da indemnização como direito próprio, originário, directamente atribuído ao cônjuge e aos parentes mais próximos, à margem do fenómeno sucessório da herança da vítima, a lei adoptou a segunda posição” (Antunes Varela, anotação ao acórdão do S.T.J., de 25 de Maio de 1985, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, pág. 191).
8º- Na circunstância especial da “lesão ou agressão mortal, a morte é um dano que, pela natureza das coisas, se não verifica já na esfera jurídica do seu titular” (Antunes Varela, ob. cit., pág. 581).
9º - Nenhum sentido faria conceder o respectivo direito de indemnização, pela perda da vida, à vítima que deixa de ter existência no exacto momento em que o dano ocorre. Para Antunes Varela: “o que é lógico e, além de lógico, também realista, é atribuir o direito de indemnização pelo dano da morte àqueles que presuntivamente sofrem – ou mais sofrem os seus efeitos”(idem Antunes Varela, anotação ao acórdão do S.T.J., de 25 de Maio de 1985, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, pág. 252).
10º- Se seguíssemos a tese de atribuir o direito de indemnização ao morto e integrá-lo na herança, para daí o fazer correr sobre a alçada do direito sucessório, iríamos contra a própria natureza da situação concreta. Para o Autor: “cheira a artificialismo jurídico, a puro conceitualismo lógico formal”.
11º- Na opinião de Antunes Varela, o direito dos herdeiros não contemplados no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, é um direito próprio, originário. No caso concreto do direito à indemnização pelo dano da morte de alguém causada por terceiro, este direito regulado no artigo 496.º, n.º 2, começou por ser tratado “como um direito próprio dos familiares da vítima, à margem da herança (património hereditário) do finado” (Antunes Varela, anotação ao acórdão do S.T.J., de 25 de Maio de 1985, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, pág. 252, nota 1).
12º- E como direito próprio originário deve “logicamente continuar a ser considerado, quando, na falta dos familiares a que o artigo 496.º, n.º 2”, este direito venha a ser atribuído a qualquer dos (demais) herdeiros da vítima.
13º- O direito de indemnização pelo dano da morte provocado por facto imputável a terceiro, não deve subordinar-se inteiramente às regras da via sucessória, tendo em conta, como argumento importante, que antes da actual redacção do art. 2133.º do Código Civil, dada pelo Dec.-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, o cônjuge sobrevivo não integrava a primeira classe sucessória na sucessão legítima e era excluído da sucessão legitimária; e aparece no n.º 2 do art. 496.º como beneficiário da indemnização, o que bem demonstra a intenção do legislador: O mens legislatoris teve em atenção que “o golpe em regra causado na vida familiar pela morte inesperada da vítima da lesão atinge principalmente o cônjuge sobrevivo e os filhos”, e, por isso mesmo, deu preferência no direito à indemnização a estes parentes próximos da vítima, numa época “em que o cônjuge ainda não desfrutava, nem na escala dos sucessores legítimos, nem no quadro da sucessão legitimaria”, da posição distintiva que veio a ocupar com a reforma de 1977 (idem anotação ao acórdão do S.T.J., de 25 de Maio de 1985, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, pág. 252, nota 1).
14º- Todavia, é o próprio texto do artigo 496.º, mesmo quando interpretado desprendidamente das suas raízes históricas, que aponta para a tese da indemnização por
direito próprio. Assim sendo, não se diz no preceito apenas que as pessoas aí indicadas têm direito a indemnização, ao lado daquela que, por via hereditária, possa caber aos herdeiros em geral da vítima. Refere, pelo contrário, que o direito à indemnização por danos não patrimoniais, por morte da vítima (“como quem diz o único direito ou todo o direito a uma indemnização”), cabe em conjunto ao cônjuge e aos parentes aí discriminados.
15º- Se a perda da vida da vítima desse origem a um direito de indemnização integrado no seu património e transmissível por via sucessória, existia então dois direitos de indemnização com origem no mesmo facto (perda da vida da vítima) jurídico: um, “integrado na herança, atribuído aos sucessíveis designados nos artigos 2132.º e seguintes”, estando este direito sujeito “às regras próprias da sucessão legítima, legitimária e testamentária”; o outro, de que seriam titulares, “por direito próprio, apenas as pessoas destacadas no n.º 2 do artigo 496.º”.
16º- Tese esta que, na opinião de Antunes Varela, é uma “tese absurda que nenhum aresto ainda se atreveu a sustentar”.
17º- Actualmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, propende para a orientação doutrinária seguida por Antunes Varela, Pires de Lima e Rabindranath Capelo de Sousa, como se constata da leitura dos acórdãos do S.T.J. de 24 de Abril de 1997 e de 29 de Janeiro de 1998 (respectivamente, in C. J., ano 97, Tomo II, pág. 186 e ano 98, Tomo I, pág. 48).
18º- Aquele defende que “esse direito não se transmite via sucessória”. Para fundamentar a sua orientação, apoia-se na doutrina de Antunes Varela: “Quem acompanhar atentamente os trabalhos preparatórios do Código Civil (…), não poderá deixar de reconhecer que entre a tese da indemnização nascida no património da vítima e transmitida por via sucessória a alguns dos seus herdeiros e a concepção da indemnização como direito próprio, originário, directamente atribuído ao cônjuge e aos parentes mais próximos, à margem do fenómeno sucessório da herança da vítima, a lei adoptou a segunda posição”.
19º- O Acórdão de 29 de Janeiro de 1998, também defende que “a indemnização por perda do direito à vida não tem natureza hereditária, constituindo antes parcela autónoma entre os danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima”, seguindo, assim, a doutrina de Antunes Varela.
20º- Neste mesmo sentido, vide Acórdão do S.T.J., de 9 de Maio de 1996, in B.M.J., n.º 457, pág. 280.
21º- Ainda neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28/05/2008, onde se exarou: “No caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio (iure próprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil”.
22º- Na jurisprudência, e por todos, cita-se o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/01/2002, in Col. Jurisprudência, Tomo I, pg. 165, onde se refere que e reportando-se ao n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, “toda a indemnização por danos morais prevista nesta disposição legal cabe, não aos herdeiros da vítima, por via sucessória, mas por direito próprio, em conjunto aos familiares aí indicados”.
23º- “É esta a solução que temos como adequada, a indemnização pelo dano privação da vida, cabe aos indicados no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, por direito próprio e não por via sucessória.” – cfr. Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-05-2008, Proc. 321/05.6PAPBL.C1, em www.dgsi.pt.
24º- Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 05/04/2005 (proferido no âmbito do Proc. 0520557), “Arbitrada indemnização aos herdeiros pelo falecimento do Executado em acidente de viação, esta não é penhorável na execução por ser bem próprio dos sucessores.”em www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-11-2004 (proferido no âmbito do Proc. 0424401), “O direito à indemnização por danos não patrimoniais no caso de agressão ou lesão mortal (sofrido pela vítima ou familiares mais próximos) não cabem aos pais da vítima havendo cônjuge desta”.
25º- Neste mesmo sentido o Acordão do Tribunal da Relação de Évora datado de 03-07-2008 (proferido no âmbito do Processo 2769/07-2), “No caso da agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares, por direito próprio (jure proprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2 do art.º 496º do CC”.
26º- Com efeito, em nossa modesta opinião, o direito à indemnização que se pretendeu ver penhorado e que se prende com os danos próprios – dores, sofrimento, angústia e antevisão da morte – e a indemnização de vida pelo dano da própria morte, ou seja, pela perda do direito à vida, adquire-se por via directa e originária, ou seja, por direito próprio, pelas pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, não havendo lugar a transmissão sucessória.
27º- Entendem as Recorridas que toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima quer pelos familiares mais próximos) cabe aos familiares por direito próprio (iure próprio) e não aos herdeiros por via sucessória.
Nestes termos e melhores de direito, deve o recurso interposto ser julgado improcedente e, em consequência, mantido o Douto Despacho recorrido nos seus precisos termos.
A decisão recorrida é a seguinte:
“Ora, analisando a petição inicial junta aos autos verificamos que a causa de pedir e o pedido formulado na aludida acção judicial decorre da morte da vítima, tendo sido deduzido nos termos do art.º 496.º do CC, pela cônjuge e descendentes do falecido.
Ora, parafraseando PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Vol.I, 4ª ed., p. 500, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares, por direito próprio (iure proprio) nos termos e segundo a ordem do disposto no art.º 496.º n.º2 do CC.
No mesmo sentido vide o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28 de Maio de 2008, procº 321/05.6PAPBL.C1, disponível no site www.dgsi.pt.
Pelo exposto, sendo o crédito dos ora habilitados um direito próprio (ure próprio) e não um direito obtido por via sucessória, por parte de B…, improcede a pretensão da exequente, por não poderem ser os bens dos habilitados objecto de penhora. Não são executados (cf. art.º 821.º do CPC).
Indefere-se, pois, a penhora do crédito requerida pela exequente.”
Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a questão a decidir é apenas a seguinte:
. se a indemnização que vier a ser arbitrada, por danos morais sofridos pela vítima/executado – dores, sofrimento, angústia e antevisão da morte - e a indemnização devida pelo dano da própria morte, cabe aos herdeiros por via de transmissão ou é um direito próprio destes, como tal insusceptível de ser penhorado, em execução movida inicialmente contra o falecido.

II – Fundamentação
A situação factual é a supra descrita.
A questão em apreço tem suscitado entendimentos divergentes que as partes bem demonstraram conhecer nas alegações e contra-alegações que apresentaram.
Efectivamente sobre a questão pronunciaram-se eminentes professores de direito e o nosso mais alto Tribunal, sendo as teses em confronto as seguintes:
. o direito à indemnização em consequência dos danos morais sofridos pela vítima, incluindo a perda do direito à vida, nasce na esfera jurídica desta, transmitindo-se;
. o direito à indemnização em consequência dos danos morais sofridos pela vítima, incluindo a perda do direito à vida, nasce por direito próprio na esfera jurídica das pessoas referidas no nº 2 do artº 496º do CC. Na falta destes familiares, é atribuído, também por direito próprio, aos demais herdeiros da vítima.
Em abono do entendimento referido primeiramente na doutrina, nomeadamente, Galvão Teles(1) e Vaz Serra(2) e a favor do segundo, Antunes Varela e Pires de Lima(3), Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria(4), Rabindranath Capelo de Sousa(5) e Oliveira Ascensão(6).
Antunes Varela salienta que os trabalhos preparatórios do CC confirmam, ter sido abandonada a orientação propugnada no Anteprojecto de Direito das Obrigações de Vaz Serra, cujo art. 759º, nº 4, referia-se expressamente a danos não patrimoniais sofridos pela vítima em caso de morte instantânea, geradores de direito a indemnização que se transmitiria aos seus herdeiros; orientação idêntica constava do projecto resultante da 1ª revisão ministerial, onde a certos familiares se reconhecia direito a indemnização por danos não patrimoniais próprios, a par da transmissão, aos herdeiros da vítima, da satisfação de danos não patrimoniais causados a esta. O art. 496º acabou por se referir apenas à indemnização que cabe àqueles familiares, seja pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, seja pelos que eles próprios sofreram directamente, e não faz qualquer referência a um eventual direito transmitido para os herdeiros.
Na jurisprudência, no sentido da transmissão o Ac. do STJ de 25 de Maio de 1985. Mais recentemente, no Ac do TRG de 15.05.2012(7), entendeu-se que a indemnização pelo dano morte e pelos danos morais sofridos pela própria vítima estão contemplados no nº 3 do artº 496º do CPC e não no nº 2 – neste estarão os danos morais sofridos pelas pessoas nele referidas com a morte da vítima –, e que esse direito nasce no património da vítima, transmitindo-se depois por via sucessória aos seus herdeiros, pela ordem estabelecida no artº 2133º do CC.
No sentido da não transmissão do direito, mas do seu surgimento por direito próprio, entre outros, Acs. do STJ de 24.04.97(8), de 29.01.98(9), de 24.05.2007(10) e 22.06.2010(11), Ac. do TRC de 28.05.2008(12) e Ac. do TRP de 02.11.2004(13).
No seguimento do que tem vindo a ser o entendimento maioritário do STJ, também nós defendemos que a indemnização pelo dano morte surge na titularidade das pessoas mencionadas no nº 2 do artº 496º do CC por direito próprio. E como tal não sendo transmissível não é susceptível de ser penhorada. Acompanhamos os que defendem que a morte é um dano que pela própria natureza das coisas, se não verifica já na esfera jurídica do seu titular(14). A lei elege quais os são os titulares originários destes direitos, agrupando-os em atenção ao seu grau de proximidade efectiva com a vítima. “A opção pela indicação taxativa e graduada das pessoas cujos danos são atendíveis deve-se a razões de certeza e segurança, apesar de poder verificar-se que o facto cause danos, porventura mais graves, a outras pessoas ou mesmo que as pessoas contempladas sofram dor ou desgosto por forma não coincidente com a ordem de precedências estabelecida no preceito”(15).
No entanto, já não será tão evidente a questão relativamente aos danos morais sofridos pela própria vítima, quando a morte não é imediata, em consequência da lesão, pois quanto a estes não há já obstáculo lógico a que se entenda que o direito a ser indemnizado por tais danos surge na titularidade da vítima e pode ser transmitido.
Nos casos em que o direito não chega a ser exercido pelo próprio lesado (necessariamente antes da sua morte), a determinação do sujeito que é titular da indemnização, terá também de ser encontrada nos n.º 2 e 3 do art. 496º.
Ora, o nº 3 do artº 496º expressamente atribui o direito à indemnização apenas às pessoas com direito a indemnização nos termos do nº anterior (nº 3 do artº 496º do CC). Se se pretendesse que o direito se transmitisse, sujeitá-lo-ia às regras da transmissão mortis causa previstas, nomeadamente às regras relativas às classe de sucessíveis previstas nos artºs 2133º e 2157º do CC e não deixaria de o mencionar, o que não fez. Pelo contrário, no nº 2 do artº 496º do CC a lei expressamente refere que a indemnização cabe e não que se transmite. Por outro lado e determinante quanto a nós, o artº 496º do CC estabelece o mesmo tratamento tanto para a indemnização pelo dano morte como pelo sofrimento sentido pela vítima antes da morte, pelo que, não se pode defender que o direito não se transmite no caso do dano morte e por outro lado, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, este se transmite segundo as regras do direito sucessório. Quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio(16), a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Consequentemente, também este direito não pode ser penhorado.

Sumário:
. A morte é um dano que pela própria natureza das coisas, se não verifica já na esfera jurídica do seu titular.
. A lei elege quais os são os titulares originários destes direitos, agrupando-os em atenção ao seu grau de proximidade efectiva com a vítima
. A indemnização pelo dano morte surge na titularidade das pessoas mencionadas no nº 2 do artº 496º do CC por direito próprio.
. E como tal, não sendo transmissível, não é susceptível de ser penhorado o direito a essa indemnização.
. A determinação do direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes da sua morte, quando a morte não é imediata, em consequência da lesão e o direito não chega a ser exercido pelo próprio lesado antes da morte, terá também de ser encontrada nos n.º 2 e 3 do art. 496º, sendo que o nº 3 do artº 496º expressamente atribui o direito à indemnização apenas às pessoas com direito a indemnização nos termos do nº anterior (nº 3 do artº 496º do CC).
. Se se pretendesse que o direito se transmitisse, o legislador tê-lo-ia sujeitado às regras da transmissão mortis causa previstas, nomeadamente às regras relativas às classe de sucessíveis previstas nos artºs 2133º e 2157º do CC e não deixaria de o mencionar, o que não fez.
. Sendo determinante a favor da interpretação defendida, a circunstância do artº 496º do CC estabelecer o mesmo tratamento tanto para a indemnização pelo dano morte como pelo sofrimento sentido pela vítima antes da morte, pelo que, não se pode defender que o direito não se transmite no caso do dano morte e por outro lado, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, estes se transmitem segundo as regras do direito sucessório.
. O direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima antes da morte não é assim também susceptível de ser penhorado.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao agravo interposto pela recorrente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela exequente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.

Guimarães, 30 de Maio de 2013
Helena Gomes de Melo
Rita Romeira
Amílcar Andrade
__________________________
(1) Direito das Sucessões, 1971, p. 83 a 87.
(2) Anotação ao Acórdãos do STJ de 16.03.1973 e 12.11.1977, publicados na Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 107 e 109.
(3) Código Civil Anotado, anotação ao artº 496º do CC. Da autoria apenas do professor Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol I, 4ª edição, p.534 e ss. e anotação ao Acórdão do STJ de 25.05.1985, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123, p.252.
(4) Direito das Obrigações, apontamentos da lições proferidas na UC-Porto,Almedina, Iº vol., p. 493
(5)Lições de Direito das Sucessões, 3ª edição, volume I, Coimbra Editora, 1993, p. 304.
(6) Sucessões, 4ª edição, pgs. 49 e segs.
(7)) Proferido no proc. 355/10, disponível em www.dgsi.pt.
(8) Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano V, tomo II, p.87.
(9) Colectânea de Jurisprudência – Acordãos do STJ, Ano VI, tomo I, p. 46.
(10) Proferido no proc. 07B1359, disponível em www.dgsi.pt.
(11) Proferido no proc. 3013/05, acessível em www.dgsi.pt.
(12) Proferido no proc. 321/05, acessível em www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida.
(13) Proferidos respectivamente nos procs. 0424401 e 0520557, acessíveis em www.dgsi., citados nas contra-alegações. No acórdão do TRP de 05.04.2005, proferido no 0520557, também citado nas contra-alegações não está em causa a indemnização pelo dano morte nem pelos danos morais sofridos pela vítima, mas sim a indemnização pela perda de rendimentos – dano patrimonial e futuro – e indemnização dos danos morais sofridos pelos menores, filhos da vítima com a morte desta.
(14) Obra citada, p.536.
(15) Extracto retirado do Ac. do STJ de 24.05.2007, já referido.
(16) No acórdão do STJ de 24.05.2007, defende-se que o direito à indemnização cabe às pessoas enunciadas pelo legislador, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório, mas sim a uma transferência para as pessoas indigitadas no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada.