RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
FURTO DE VEÍCULO
SEGURO AUTOMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Sumário

I - Enquanto que o nº1 do artº 8º, do Dec.Lei nº 522/85, de 31.12, consagra, em termos gerais, que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar (desde logo, o proprietário) e dos legítimos detentores e condutores do veículo, o seu nº2, numa extensão dessa garantia (às situações de detenção ou posse ilegítima) garante ainda essa responsabilidade nos casos de furto, roubo ou furto de uso, independentemente de o condutor ser ou não autor ou cúmplice.
II - O aludido nº2 abarca assim as situações em que o poder de facto, a direcção efectiva do veículo, enfim, o risco inerente à sua circulação, por força do furto do veículo, está fora do alcance do dono do veículo, transferindo-se para o autor de furto do veículo.
III - Fixados os danos não patrimoniais com referência à data da decisão, os juros de mora vencem-se desde essa data e não a contar da citação.
IV - Em caso de acidente de viação, a indemnização pelos danos futuros, embora obedecendo a razões de equidade, no seu cálculo deverá ter-se em conta, a título indicativo, critérios como a esperança média de vida do lesado.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrentes: A..., B..., “C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”;
Recorridos: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e OUTROS;

*****

Pedido:
Em acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, o autor A... pediu a condenação da ré “C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” no pagamento, a título de indemnização por acidente de viação, da quantia de € 14.592,54, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a propositura da acção até integral pagamento.
A estes autos foi apensa uma outra acção, relativa ao mesmo acidente, proposta contra a mesma Ré por B..., mulher do Autor A... e com ele residente, com o pedido líquido de € 13.115,68, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a propositura da acção até integral pagamento.
Na 1.ª instância, foi admitida a intervenção acessória, nos termos do art. 330.º Código de Processo Civil, de D....
Foi ainda admitida a intervenção principal, do lado passivo, do mesmo D... (entretanto citado editalmente e representado pelo Ministério Público) e do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL.
A requerimento do FGA, foi admitida a intervenção principal, do lado activo, dos proprietários de outros quatro veículos envolvidos no sinistro, de uma instituição de Segurança Social e de um Centro Hospitalar.
Destes, deduziram articulado próprio E..., pedindo a quantia de € 42.500,00, à Ré seguradora ou, se assim não se entender, ao Fundo de Garantia Automóvel; F..., pedindo a quantia de € 4.301,90 à 1.ª Ré ou, se assim não se entender, ao Réu FGA; G..., peticionando a quantia de € 1.100,00, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, à 1.ª Ré ou, se assim não se entender, ao Réu FGA.
Durante a instrução do processo, foi admitida a ampliação do pedido formulada pela Autora B... contra a Ré e os intervenientes D... e Fundo de Garantia Automóvel, relativa à incapacidade parcial permanente, fixando-se o pedido total em € 25.615,68, acrescidos de juros da mora à taxa legal, desde a propositura da acção até integral pagamento.

Causa de pedir:

Alegaram que, no dia 07 de Agosto de 2004, foram vítimas de um acidente de viação, por culpa do condutor do veículo com a matrícula 02-01-FM, tendo tido danos cuja indemnização reclamam.

Realizada a audiência e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, tendo-se decidido o seguinte:
“- absolvem-se os Réus D... e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL dos pedidos contra eles formulados pelos Autores A... e B... e pelos intervenientes E..., F... e G...;
- condena-se a Ré “C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar, a título de indemnização por acidente de viação:
- Ao Autor A..., a quantia de € 10.422,51 (dez mil quatrocentos e vinte e dois euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a
- À Autora B..., a quantia de € 19.105,93 (dezanove mil cento e cinco euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação da Ré sobre € 12.105,93 e a partir da presente data sobre o restante, até integral pagamento;
- Ao interveniente E..., a quantia de € 20.100,00 (vinte mil e cem euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação da Ré do pedido sobre € 11.100,00 e a partir da presente data sobre o restante, até integral pagamento;
- Ao interveniente F..., a quantia de € 1.130,90 (mil centro e trinta euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação da Ré do pedido até integral pagamento;
- Ao interveniente G..., a quantia de € 425,00 (quatrocentos e vinte cinco euros), acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a notificação da Ré do pedido até integral pagamento”.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os autores A... e B... e a ré “C...”, de cujas alegações se extraem as seguintes conclusões:

A – Recurso da Ré “C... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”

1ª. - Porque na noite de 29 para 30 de Julho de 2004, indivíduos desconhecidos entraram na garagem da residência de H..., contra a vontade deste, e de lá retiraram, levando-o consigo, o veículo de matrícula 00-00-FM.
2ª - Porque no dia 7 de Agosto de 2004, pelas 10h15m, D... conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-FM, pela E.N. 13, no sentido Viana do Castelo – Valença (veículo furtado – inq. n.º 590/04.9PABCL).
3ª. - Não é aceitável a conclusão extraída pelo Tribunal "a quo" de que, pelo período decorrido entre o furto e o acidente – uma semana – ou pelo facto de aquele não poder ignorar que o veículo não lhe pertencia, faz dele D..., pelo menos, cúmplice do furto.
4ª. - E a seguradora, apesar de estarmos no domínio de um seguro obrigatório só poderá responder na justa medida em que o respectivo responsável civil poderia responder.
5ª. - E porque o veículo interveniente no acidente não circulava por sua conta e risco e do qual não tinha a direcção efectiva, nunca poderia ser responsabilizado ou a respectiva seguradora.
6ª. - Pois, outro entendimento no caso de a resposta ser positiva só pelo simples facto de tal seguro não ter sido anulado, não significa que terceiros sejam desprotegidos e se condene a seguradora pois tais terceiros estarão sempre protegidos accionando o Fundo de Garantia Automóvel.
7ª. - O art. 8.º, n.º 2, D.L. n.º 522/85, de 31 de Dezembro (em vigor à data do sinistro), diz que “o seguro [obrigatório de responsabilidade civil] garante ainda a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de furto, roubo, furto de uso do veículo”.
8ª. - O referido art. 8º, nº 2 tem de ser interpretado no sentido de que a seguradora responde apenas pelas indemnizações devidas pelos autores do furto e cúmplices mas não quando o causador do acidente não for o autor do furto: neste sentido o Ac. RP de 06/11/1995, Colect. Jurisp. XX-V-198 e o Ac. STJ de 15/10/1996, BJ 460-719; o Ac. STJ de 05/06/1997, BMJ 468- 471.
9ª. – O tribunal “a quo” violou, além do mais o disposto no art. 8.º, n.º 2, D.L. n.º 522/85, de 31 de Dezembro e art. 503º do C.C.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta
sentença recorrida.

B – Recurso dos Autores A... e B...:

1. O valor de 4.000,00 €, fixado pela douta sentença recorrida ao Autor/Recorrente A... é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título por si sofridos, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 5.000,00 € e que, como se fez na petição inicial, ora se reclama;
2. Na sua petição inicial, o Recorrente A... reclamou as indemnizações aí quantificadas, acrescidas de juros de mora vincendos, contados à taxa legal — na altura 4% ao ano -, desde a data da citação, até efectivo pagamento.
Relativamente à quantia que se reporta à indemnização por danos de natureza não patrimonial, a sentença recorrida apenas fixou esses juros a partir da data da sua prolação.
Às indemnizações respeitantes aos danos de natureza patrimonial, nunca a doutrina, nem a jurisprudência, suscitaram quaisquer dúvidas; sempre foi entendido, como continua a ser, de forma uniforme, que esses juros são devidos desde a data da citação; mas, a Lei não distingue, entre danos de natureza patrimonial e não patrimonial, nem entre as indemnizações por danos emergentes e por lucros cessantes:
Por imperativo legal, devem, pois, ser fixados os juros moratórios. sobre a quantia relativa à indemnização/compensação fixada pelos danos de natureza não patrimonial, a partir da data da citação, até efectivo pagamento; é que o valor referente à indemnização por danos de natureza não patrimonial não foi actualizado, com referência à data da prolação da sentença proferida em Primeira Instância:
Esse valor é inferior ao reclamado no articulado da petição inicial, pelo que não tem aplicação a doutrina estabelecida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça n°. 412002, de 9 de Maio de 2002, publicado no Diário da República, Série 1-A, de 27 de Junho de 2002.
3. Se por qualquer razão e contra o que se espera, pois não se admite, na sequência do recurso interposto — ou a interpor - pela Ré Companhia de Seguros “I..., S.A.”, vier a ser decidido que o contrato de seguro titulado pela apólice número 00000000 não responde pela indemnização reclamada na presente acção ou que a exclusão é oponível ao lesado, Autor/Recorrente A..., na presente acção, devem os Chamados:
1°. - FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL;
2°. – D...;
ser condenados a pagar, ao Autor/Recorrente A..., o total da indemnização reclamada, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% ao anos. a partir da data da citação, até efectivo pagamento
4. Discorda também a Autora/Recorrente B... em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído a título de indemnização/compensação por danos de natureza não patrimonial, por valor de 7.000,00 €, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pela Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 10.000,00€ e que, como se fez no articulado de ampliação do pedido indemnizatório. ora se reclama;
5. Na sua petição o no seu articulado de ampliação do pedido indemnizatório, a Recorrente B... reclamou as indemnizações quantificadas, acrescidas de juros de mora vincendos, contados à taxa legal — na altura 4% ao ano -, desde a data da citação, até efectivo pagamento;
Relativamente à quantia que se reporta à indemnização por danos de natureza não patrimonial, a sentença recorrida apenas fixou esses juros a partir da data da sua prolação.
Quanto às indemnizações respeitantes aos danos de natureza patrimonial, nunca a doutrina, nem a jurisprudência, suscitaram quaisquer dúvidas; sempre foi entendido, como continua a ser, de forma uniforme, que esses juros são devidos desde a data da citação; a Lei não distingue, entre danos de natureza patrimonial e não patrimonial, nem entre as indemnizações por danos emergentes e por lucros cessantes; por imperativo legal, devem, pois, ser fixados os juros moratórios, sobre a quantia relativa à indemnização/compensação fixada pelos danos de natureza não patrimonial, a partir da data da citação, até efectivo pagamento; é que o valor referente à indemnização por danos de natureza não patrimonial não foi actualizado, com referência à data da prolação da sentença proferida em Primeira Instância; esse valor é inferior ao reclamado no articulado da petição inicial, pelo que não tem aplicação a doutrina estabelecida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça n°. 412002, de 9 de Maio de 2002, publicado no Diário da República, Série 1-A, de 27 de Junho de 2002.
6. O valor de 11.250,00 €, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente para o Trabalho, de 3% - 3 pontos -, é insuficiente, para ressarcir a Autora/Recorrente dos danos, a este título sofridos;
A Autora/Recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, quarenta e sete (47) anos de idade, e auferia, como rendimento do seu trabalho, a quantia de (1.629,23€ + 74,00€) 1.703,23 €/mês, ficou a padecer de uma IPP Profissional de 3,00% - 03,00 pontos - e a expectativa de vida activa cifra-se nos 81 anos de idade
O montante de 11.250,00 €, fixado a este título, é, assim, insuficiente, justo e equitativo é o valor reclamado, no articulado da petição inicial, de 15.000,00€, que ora, também, se reclama:
Sobre essa quantia deve, incidir os juros moratórios, desde a citação.
7. Se por qualquer razão e contra o que se espera, pois não se admite, na sequência do recurso interposto — ou a interpor - pela Ré Companhia de Seguros “I..., S.A.”, vier a ser decidido que o contrato de seguro titulado pela apólice número 00000000 não responde pela indemnização reclamada na presente acção ou que a exclusão é oponível à lesada, Autora/Recorrente B..., na presente acção, devem os Chamados:
1°. - FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL;
2°. – D...;
ser condenados a pagar, à Autora/Recorrente B..., o total da indemnização reclamada, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% ao anos, a partir da data da citação, até efectivo pagamento
8. Decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496°., nº 1, 562°., 564°. e 805°., n°s. 1, 2 e 3, do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.


O recorrido/interveniente Fundo de Garantia Automóvel apresentou as respectivas contra-alegações, pugnando pelo decidido, sem prejuízo da apelação por si apresentada.
O recorrido/interveniente E... requereu a ampliação do recurso, nos termos do artº 684º-A, do CPC, pedindo, a título subsidiário, a condenação do chamado Fundo de Garantia Automóvel, no caso de se entender, como defende, que ao condutor do veículo responsável pelo acidente de viação em causa não é possível imputar a autoria ou a cumplicidade no furto desse veículo.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-B, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).


As questões suscitadas pelos Recorrentes prendem-se com o seguinte:
A – Recurso da ré: a ré seguradora não é responsável pelo pagamento da indemnização por ao condutor do veículo seguro não ser imputável a autoria ou cumplicidade no furto desse veículo?
B – Recurso dos autores A... e B...:
- a indemnização pelos danos não patrimoniais atribuída a cada um deles deve ser alterada?
- os juros de mora referentes a tais danos devem ser contados desde a citação?
- a indemnização pelos danos patrimoniais (danos futuros) relativos à autora B... deve ser aumentada?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;


1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

A) - Por sentença proferida nos autos de processo comum singular registados sob o n.º 436/04.8GTVCT, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, proferida em 12 de Maio de 2006 e já transitada em julgado, cuja certidão se encontra junta a fls. 79 a 90 dos autos apensos e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, foi D..., com base nos factos aí descritos, condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos do artigo 291.º, n.º 2, do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º,n.º 1, do Código Penal, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, alínea a), e de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
B) - O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 02-01-FM pertencia a H... e, aquando do sinistro descrito nos autos, era conduzido por D....
C) - O Autor A... nasceu no dia 16 de Abril de 1956.
D) - A Autora B... nasceu no dia 15 de Agosto de 1957.
E) - No âmbito da sua actividade, a Ré “C... – Companhia de Seguros, S.A.” celebrou com H... um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 00000000, em que este transferiu para aquela a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel de matrícula 00-00-FM.
72.º - Na noite de 29 para 30 de Julho de 2004, indivíduos desconhecidos entraram na garagem da residência de H..., contra a vontade deste, e de lá retiraram, levando-o consigo, o veículo de matrícula 00-00-FM.
73.º - No dia 30 de Julho de 2004, Fernando Rego participou às autoridades policiais o descrito na resposta ao quesito anterior.
75.º - No dia 7 de Agosto de 2004, pelas 10h15m, D... conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-FM, pela E.N. 13, o sentido Viana do Castelo – Valença (veículo furtado – inq. n.º 590/04.9PABCL).
77.º - D... conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,81 g(l conforme se apurou através de teste ao ar expirado, com o aparelho “Drager Alcotest 7110MKIII”; sabia que as bebidas alcoólicas que havia ingerido lhe determinariam uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e que não podia conduzir nessas condições.
1.º - Em consequência do acidente a que alude a sentença referida em A), o veículo de matrícula 00-00-GP ficou danificado.
2.º - O GP é um “Volkswagen Pólo 1.4 GL”, e tinha sido adquirido novo pelo Autor A... em Abril de 1996, por 2 836 000$00.
3.º,4.º - Em Julho de 2004, o GP foi avaliado, num stand de automóveis e para efeito de troca, em € 4.750,00.
5.º - O custo da reparação do veículo de matrícula 76-38-GP é superior ao valor indicado em 4.º.
8.º - Entre a residência do Autor e o seu local de trabalho distam 15 km.
9.º - O Autor A... não dispõe de transportes públicos entre sua casa e o emprego que sejam compatíveis com o seu horário de trabalho.
10.º - A Autora B... trabalha na Repartição de Finanças de Viana do Castelo, e era o Autor A..., seu marido, que a trazia de e levava para casa nos dias de trabalho.
11.º - O Autor A... participou o sinistro à Ré seguradora.
13.º - O Autor A... comprou, em 20 de Setembro de 2004, o veículo automóvel “Peugeot 307”, de matrícula 00-00-XZ, por € 20.400,00.
14.º - Para essa compra, o Autor contraiu um empréstimo bancário.
15.º,16.º - O Autor A... alugou um veículo automóvel de 11 e 30 de Agosto de 2004 e de 7 a 17 de Setembro de 2004, pelo que pagou € 1.020,81 a 16 de Outubro do mesmo ano.
17.º - O Autor A... pagou € 387,20 pelo reboque do GP desde o local do acidente e pela respectiva recolha.
18.º - Em consequência do acidente, o Autor A... sofreu traumatismo torácico e do ombro esquerdo.
19.º - A seguir ao acidente, o Autor A... foi assistido no serviço de urgência do CHAM de Viana do Castelo, onde foi sujeito a exame radiológico.
20.º,21.º - O Autor A... teve alta hospitalar no mesmo dia, tendo ido, a 10 de Agosto de 2004, a uma consulta de medicina interna no Hospital Particular de Viana do Castelo, onde lhe foi diagnosticada toracalgia direita e prescrito anti-inflamatório.
22.º - No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor A... sofreu um susto e receou pela vida.
23.º - Por causa do acidente, o Autor A... sofreu dores, avaliadas em 3 numa escala de 1 a 7.
24.º,25.º - Em resultado do acidente, o Autor A... tem dores ocasionais no ombro esquerdo.
26.º - À data do acidente, o Autor A... era saudável.
28.º - Em consequência do acidente, o Autor A... esteve com incapacidade temporária profissional total durante 15 dias.
29.º - O Autor exercia, à data do sinistro, a profissão de serralheiro, por conta da sociedade “J..., Lda.”.
30.º,31.º - O Autor A... auferia cerca de € 610,00 por mês.
32.º - Por causa do acidente, o Autor A... faltou sete dias ao trabalho, perdendo € 174,50 de remuneração.
33.º - O Autor A... faltou ao trabalho em 1 e 19 de Outubro, tendo perdas de remuneração de € 33,50.
34.º - Por causa do acidente, o Autor gastou quantia indeterminada em deslocações.
35.º - No acidente, ficaram estragadas a camisa e as calças que o Autor A... vestia.
36.º - No momento do acidente, a Autora B... seguia como passageira da frente no GP.
37.º - Em consequência do acidente, a Autora sofreu traumatismo torácico com fractura do esterno.
38.º - A seguir ao sinistro, a Autora foi transportada para o serviço de urgência do CHAM, de Viana do Castelo, onde lhe fizeram RX à região torácica e prescritos analgésicos, tendo-lhe sido dada alta clínica no próprio dia.
39.º - Regressada a casa, a Autora esteve em repouso até 5 de Setembro seguinte.
40.º - A 10 de Agosto de 2004, a Autora foi a uma consulta de medicina interna no Hospital Particular de Viana do Castelo, onde lhe foi diagnosticada dor intensa, e espontânea à mobilização passiva e activa, na região esternal, foram-lhe prescritos analgésicos e anti-inflamatórios e aconselhado repouso absoluto.
41.º - A 23 de Agosto de 2004, a Autora foi reavaliada no mesmo Hospital, apresentando ligeira diminuição da sintomatologia.
42.º - A 3 de Setembro de 2004, a Autora apresentava dores vagas, pelo que foi, no mesmo Hospital, considerada apta para o exercício da actividade profissional.
43.º - No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a Autora sofreu um susto e receou pela vida.
44.º,54.º-F - Por causa do acidente, a Autora sofreu dores, avaliadas em 3 numa escala de 1 a 7.
45.º,46.º,54.º-E - Como sequelas do acidente, a Autora apresenta dor à palpação torácica.
47.º - À data do acidente, a Autora era saudável.
48.º - O descrito na resposta conjunta aos quesitos 45.º, 46.º e 54.º-E causa desgosto à Autora.
49.º - Por causa do acidente, a Autora esteve incapaz para o trabalho até 6 de Setembro de 2004.
50.º - A Autora exercia, à data do sinistro, a profissão de funcionária pública, na Repartição de Finanças de Viana do Castelo, com a categoria de técnica de administração tributária adjunta e auferia o ordenado base de € 1.629,23 e o subsídio de alimentação de € 74,00.
51.º - No período em que a Autora esteve sem trabalhar por causa das lesões sofridas no acidente, deixou de auferir € 74,00 de subsídio de refeição, € 385,00 do Fundo de Estabilização Tributária e € 262,45 correspondentes a 1/6 de perda de vencimento.
53.º - A Autora desempenhava tarefas domésticas em casa.
54.º-A,54.º-B,54.º-C,54.º-D - Por causa das sequelas do acidente, a Autora ficou com um défice funcional permanente da integridade psíquico-física de 3 pontos, compatível com o exercício da profissão habitual, mas exigindo esforços suplementares.
54.º-G,54.º-H - Em consequência do acidente, a Autora sofreu 31 dias de défice funcional temporário total e 31 dias de défice funcional temporário parcial.
56.º - Por causa do acidente, a Autora gastou € 7,98 em consultas médicas, € 11,50 em medicamentos e valor indeterminado em deslocações.
57.º - No acidente, ficaram estragadas a blusa e as calças que a Autora vestia.
57.º-A - O chamado E... era, no momento do acidente, condutor do 00-00-CM.
58.º - Em consequência do acidente, o chamado E... foi assistido no Hospital de Viana do Castelo, onde esteve em observação e foi sujeito a exames radiológicos.
59.º - Com o acidente, E... sofreu dores, receou pela vida e ficou angustiado, tendo ficado incapacitado para o trabalho durante 32 dias.
60.º - Por causa do acidente, E... foi consultar um psiquiatra, que lhe diagnosticou perturbação pós-stress traumático, a qual, após uma atenuação, se agravou em finais de 2006, com sonhos angustiosos recorrentes e despertar nocturno precoce, intenso desconforto psicológico perante relatos ou imagens que evoquem acidentes de viação, ansiedade e apreensão em relação ao futuro, instabilidade emocional com afundamento anímico, comportamento com traços fóbicos perante automóveis e astenia cognitiva, sobretudo a nível da memória de fixação e da rapidez de raciocínio.
61.º - Por causa da fobia referida na resposta ao quesito anterior, E... deixou de ser vendedor de automóveis, passando a desempenhar outras funções na mesma empresa.
62.º - Como sequela do acidente, E... ficou com uma perturbação fóbica que afecta de forma ligeira a autonomia pessoal e social, o que lhe provoca, desde Fevereiro de 2005, um défice funcional permanente da integridade psíquico-física de 7 pontos.
62.º-A - À data do acidente, o 00-00-CM era pertença do interveniente F....
63.º - Em consequência do sinistro, o veículo de matrícula 00-00-CM, marca “Rover”, modelo “114GSD”, ficou danificado, tendo a respectiva reparação sido orçada em € 8.865,61, IVA incluído.
64.º - O CM era veículo de serviço na oficina de F....
65.º - Os salvados do veículo de matrícula 00-00-CM não têm qualquer valor de mercado.
66.º - O chamado F... despendeu o montante de € 130,90 a título de reboque do veículo de matrícula 00-00-CM do local do sinistro para a sua sede.
66.º-A - À data do acidente, o 00-00-EB era pertença do interveniente G....
67.º - À data do acidente, o EB tinha 10 anos, tendo sido comprado novo por G....
68.º - Com o acidente, o EB ficou danificado na parte lateral traseira esquerda, na roda, na jante e no pára-choques.
69.º - G... mandou reparar o EB a expensas suas.
71.º - O EB ficou a reparar durante 3 dias.

*****

2. De direito;

A – Recurso da Ré:
a) A ré seguradora não é responsável pelo pagamento da indemnização por ao condutor do veículo seguro não ser imputável a autoria ou cumplicidade no furto desse veículo?

A recorrente/seguradora “C...” discorda da decisão recorrida com o fundamento de que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo pagamento da indemnização relativa aos danos advindos do acidente causados pelo condutor do veículo seguro - o chamado D... – por não se tratar de um caso de autoria ou de cumplicidade do furto de tal veículo.
No caso em apreço, é ponto assente que o veículo de matrícula 02-01-FM, causador do acidente, fora furtado (pelo menos, furto de uso – cfr. ponto 72º dos factos provados) ao seu dono, estava seguro por este e o seu condutor era conhecido.
O tribunal recorrido fundamenta a condenação da ré seguradora “C...”, na argumentação de “quer pelo período decorrido entre o furto e o acidente – uma semana – quer pelo facto de aquele não poder ignorar que o veículo não lhe pertencia, isso faz dele, pelo menos, cúmplice do furto. Ao circular com o veículo, estava D... a ajudar quem o furtou, para que o FM não fosse encontrado e não regressasse ao domínio do seu legítimo proprietário”.
E com base na previsão normativa do artº 8.º, n.º 2, do Dec.Lei nº 522/85, de 31.12 (vigente à data do sinistro), considerou a 1.ª Ré, ora apelante, responsável pelos danos causados no acidente por D... como condutor do FM.
Já a apelante contrapõe que, por força do mencionado artº 8º, nº2, a seguradora responde apenas pelas indemnizações devidas pelos autores do furto e cúmplices, mas não quando o causador do acidente não for o autor do furto.
Vejamos.
O artº 8º, do citado diploma, sob a epígrafe pessoas cuja responsabilidade é garantida, estabelece no seu nº1 que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2º e dos legítimos detentores e condutores do veículo.
Por seu turno, o seu nº2 preceitua que o seguro garante ainda a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de furto, roubo, furto de uso do veículo ou de acidentes de viação dolosamente provocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Ora, no caso sub judice, o cerne da questão nem sequer se coloca na problemática de o aludido nº2, do artº 8 abranger ou não os cúmplices (de furto, roubo ou furto de uso do veículo).
Temos como líquido que, numa interpretação sistemática, do mencionado nº2 desse artº 8º em conjugação com o seu nº3 (que torna abrangentes também os cúmplices) e o artº 19º, al. b) do mesmo diploma (que confere o direito de regresso à seguradora contra os autores e cúmplices de roubo, furto ou uso do veículo), além da autoria, também a situação de cumplicidade está abrangida na previsão normativa do apontado nº2.
A solução, pois, do caso em análise, prende-se com o preenchimento, em nosso entender, da previsão normativa inserta no assinalado nº2, do artº 8º - demonstrado que está “ indivíduos desconhecidos entraram na garagem da residência de H..., contra a vontade deste, e de lá retiraram, levando-o consigo, o veículo de matrícula 00-00-FM (ponto 72º dos factos provados) e que este veículo, causador do sinistro, no momento do acidente, era conduzido por pessoa identificada – o dito D....
Com efeito, não se pode perder de vista que o seguro obrigatório está orientado para a protecção efectiva da vítima, de terceiros, e é estabelecido no seu interesse.
Como se disse, o apontado artº 8º define as pessoas cuja responsabilidade é garantida e os seus nºs 1 e 2 devem ser interpretados conjugadamente.
Ou seja, enquanto que o seu nº1 consagra, em termos gerais, que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar (desde logo, o proprietário) e dos legítimos detentores e condutores do veículo, o seu nº2, numa extensão dessa garantia (às situações de detenção ou posse ilegítima) garante ainda essa responsabilidade nos casos de furto, roubo ou furto de uso, independentemente de o condutor ser ou não autor ou cúmplice.
O aludido nº2 abarca assim as situações em que o poder de facto, a direcção efectiva do veículo, enfim, o risco inerente à sua circulação, por força do furto do veículo, está fora do alcance do dono do veículo, transferindo-se para o autor ou cúmplice de furto do veículo.
Ora, por razões de lógica e interpretação sistemática, se o seguro garante a satisfação das indemnizações devidas pelos autores/cúmplices de furto do veículo, caso sejam eles os condutores do veículo causador do acidente, há-de cobrir também as situações em que essa direcção efectiva passou a ser exercida ou perdura em poder do autor do furto (e não do dono do veículo), ainda que no momento do acidente seja conduzido por outrem.
De facto, não pode deixar de presumir-se que a circulação do referido veículo FM pelo aludido D... advém desse poder de facto do autor do furto, sendo-o por incumbência ou autorização deste [trata-se de um minus, portanto, sendo que a alternativa que subjaz é a de o mesmo ser o ou um dos autores do furto].
É que mesmo que essa circulação o fosse a título de comodato ou usufruto pelo referido D..., sempre teria emergido (sucessivamente) do acto do autor do furto.
Enfim, daquela actividade ilícita (roubo, furto ou furto de uso), cujo risco inerente à circulação do veículo em situação de detenção ilegítima o legislador pretendeu acautelar através do seguro em moldes idênticos à detenção legítima prevista no nº1 do artº 8º.
Nesta linha, mostra-se esclarecedor a declaração de voto do Exmº Cons. Sousa Inês no Acórdão do STJ de 15.10.1996, Proc. 96B315, in www.dgsi.pt, que se transcreve:
“O artigo 8, n. 2, do Decreto-Lei n. 522/85, de 31 de Dezembro, onde fala de autores refere-se a um sentido amplo ou extensivo de autoria. Era este o conceito romanista que influenciou o direito alemão até ao século passado, foi recebido na lei francesa e era, também, o do anterior Código Penal em cujo artigo 19 se incluíram os próprios encobridores.
Além de extensivo, aquele conceito de autoria do mencionado artigo 8, n. 2, do Decreto-Lei n. 522/85, de 31 de Dezembro, é objectivo, isto é, independente da culpa do agente. É o que resulta da circunstância de o conceito de autoria do n. 2 em apreço abranger pelo menos o cúmplice (em todas as formas que a cumplicidade pode revestir) como resulta da referência feita no n. 3. E o mesmo para a referência ao dolo que está no n. 3 e não no n. 2, sempre da citada norma legal.
Esta interpretação é, data vénia, a conforme à razão de ser da lei que é a de proteger o lesado em acidente provocado por veículo automóvel em circulação quer seja conduzido pelo seu dono (ou por alguém por ele autorizado ou comitido) quer não. O seguro existe sempre, em relação aos danos sofridos por terceiro, desde que se não caia nas exclusões do artigo 7 do Decreto-Lei n. 522/85, de 31 de Dezembro” (sublinhado nosso).
Acresce ainda dizer que, como é consabido, o artigo 503º, nº 1 do Código Civil (CC), dispõe que aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
A direcção efectiva do veículo constitui uma fórmula de natureza normativa, envolvendo um poder real ou material de utilização e destino desse veículo, com a inerente faculdade, quer de manutenção ou conservação, quer de superintendência ou vigilância[1]. Consistindo a direcção efectiva do veículo no poder real (de facto) sobre ele, tê-la-á quem, de facto, goza das vantagens dele, e a quem, por tal razão, cabe a responsabili¬dade de controlar o seu funcionamento[2].
A direcção efectiva do veículo (isto é, o poder real sobre ele) pertence ao seu proprietário, salvo se por qualquer razão a perdeu – caso de furto –, ou pertence a pessoa à qual o veículo tenha sido entregue em virtude de contrato – comodato, v. g. –, ou até de outro direito real – usufruto.
Por outro lado, é também de presumir (arts. 349º e 351º do CC.), salvo prova em contrário, que o proprietário de um veículo o utiliza no seu interesse – já que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e dispo¬sição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305º do C.C.).
A responsabilidade objectiva estabelecida no artigo 503º, nº 1 do CC. cobre os danos provenientes dos riscos próprios do veículo, quer este se encontre em circulação, quer este se encontre estacionado.
Fora do círculo dos danos abrangidos pela responsabilidade objectiva ficam os que não têm conexão com os riscos específicos do veículo – os que são estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre, como tais, isto é, os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocados por outra coisa móvel[3].
Logo, mutatis mutandis, tais considerações jurídicas são aplicáveis aos casos de autoria de roubo, furto ou furto de uso do veículo previsto no citado artº 8º, nº2, do Dec.Lei nº 522/85, de 31.12.
Assim sendo, porquanto se deixa aduzido, a ré/recorrente “C...” é responsável civil pelo pagamento da indemnização reclamada pelos lesados/demandantes/intervenientes, por aplicabilidade do disposto no artº 8º, nºs 1 e 2 do Dec.Lei nº 522/85, de 31.12.
Improcede, pois, a apelação da ré “ C...”.

B – Recurso dos autores A... e B...:
- a indemnização pelos danos não patrimoniais atribuída a cada um deles deve ser alterada?
- os juros de mora referentes a tais danos devem ser contados desde a citação?
- a indemnização pelos danos patrimoniais (danos futuros) relativos à autora B... deve ser aumentada?

Começam os recorrentes/autores A... e B... por se insurgirem quanto ao montante fixado, a título de danos não patrimoniais, mas limitando-se a afirmar, de modo redundante, que o mesmo é insuficiente, sem justificarem a sua alteração.

Estão em causa danos morais, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária). A indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - ver De Cupis, Il Dano, Teoria Generale della Ressponsabilità Civile, Milano, 1966, pags. 44 e segs., e Antunes Varela, Das Obriga¬ções em Geral, 4ª edição, pag. 560 .
Segundo o artigo 496º nº 1 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. O montante da in¬demnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - artigos 496º nº 3 e 494º do C.C. - e também aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência ( devendo o dano ser valorado por referência ao valor que seria achado se o bem violado tivesse sido a vida do lesado - ver o Ac. S.T.J. de 28/10/92, in C.J. Ano XVII, Tomo IV, pag 29 ).
Os danos sofridos são indemnizáveis, pois têm gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, já que se consubstanciam numa grave lesão sofrida pela demandante – artº 496º, nº 1.
Na verdade, quanto ao autor A..., por via do acidente sofreu traumatismo torácico e do ombro esquerdo e tem dores ocasionais no ombro esquerdo.
Teve alta hospitalar no mesmo dia em que foi assistido e esteve com uma incapacidade temporária durante 15 dias.
As dores sofridas foram avaliadas em grau 3 (numa escala de 1 a 7).
Trata-se, portanto, de ferimentos ligeiros e dores residuais, mostrando-se ajustada a compensação monetária fixada a este título: €: 4.000,00.

Quanto à recorrente B..., ficou provado que sofreu traumatismo torácico com fractura do esterno, teve alta clínica no mesmo dia em que foi assistida, apresenta dor à palpação torácica, esteve incapaz para o trabalho durante cerca de um mês e ficou com um défice funcional permanente de 3 pontos, sendo as dores avaliadas em grau 3 (numa escala de 1 a 7).
Ora, tendo em conta todos estes factores, considerando a pouca gravidade das lesões e sequelas sofridas pela lesada, bem como as circunstâncias do caso concreto, entende-se igualmente que é de manter, porque razoável e equitativo, o valor de €: 7.000,00 atribuído pelo tribunal recorrido.
*
Discordam ainda os recorrentes A… e B… da contagem dos juros, a partir da prolação da decisão em 1ª instância, relativamente à indemnização por danos morais fixada a cada um, com o fundamento de que a lei não distingue entre danos patrimoniais e danos patrimoniais, no tocante aos juros moratórios e de que é inaplicável ao caso o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002).
Como é linear, a sentença procedeu a um cálculo dessa indemnização por danos não patrimoniais, tendo em conta a data da decisão, como nesta se refere expressamente (fls. 1299 e 1301), justificando assim o vencimento de juros de mora a partir da sua prolação e não da citação.
Tais danos foram fixados de forma actualizada, com base nesse momento, e não qualquer intenção de correcção monetária [questão que estava em causa no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002), segundo o qual “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”].
No sentido de que os juros apenas são devidos desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão do S.T.J., de 18 de Dezembro de 2007, e mais recentemente o acórdão deste Tribunal, de 12.02.2009, in www.dgsi.pt.
Neste aresto, citando-se o acórdão do mesmo S.T.J. ,de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt), afirma-se “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado”.
Também no acórdão do STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), refere-se “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado”.
Em conclusão, confirma-se a decisão recorrida nesta parte.
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Por último, questiona a recorrente a indemnização atribuída de € 11.250,00 pelos danos patrimoniais (danos futuros).

O artº. 564º, nº 1, do CC, prescreve que o dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado (os danos emergentes) como os benefícios que o lesado deixou de auferir em consequência da lesão (os lucros cessantes), correspondendo os primeiros à diminuição do património (já existente) do lesado e os segundos aos ganhos que se frustraram ou prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.
O lucro cessante tem de ser determinado segundo juízos de probabilidade ou verosimilhança, pois que o prejuízo se traduz nas vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, não fora o facto lesivo[4].
E o nº2 do assinalado preceito prevê a indemnização pelos danos futuros.
Para determinar o montante de tal dano futuro, resultante da incapacidade para o trabalho (e, de igual modo, in casu, da mera diminuição da capacidade funcional) devemos recorrer, uma vez mais, ao disposto no artº 566º, nº 3, do Cód. Civil, fixando a indemnização em termos de equidade, como acima ficou dito.
Em tal juízo de equidade deve ter-se em conta a particular situação do caso concreto e do próprio dano que importa reparar (a equidade terá em vista aqui aproximar a situação da lesada, que sofreu uma diminuição funcional permanente de integridade físico-psíquica de 3 pontos, a qual lhe implica esforços suplementares, designadamente no exercício da sua profissão habitual – ponto de facto provado nº 53º supra..
Para o cálculo indemnizatório de tal dano, tem sido usados, numa perspectiva meramente orien¬tadora (não puramente matemático, ou seja, cujo montante fosse o resultado puro de operação matemática), critérios diversos, associados a tabelas financeiras, mas tendo por base que essa indemnização se deverá calcu¬lar, aquilatando-se o tempo médio provável de vida da vítima, de forma a repre¬sentar um capital produtor do rendimento que cobrisse a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação duma renda periódica correspondente, a determinado juro anual - cfr., entre outros, o Ac. S.T.J. de 10/5/77, BMJ 267-144; Ac. S.T.J. de 9/1/79, BMJ 283-260; Ac. S.T.J. de 18/1/79, BMJ 283-275; Ac. S.T.J. de 19/5/81, BMJ 307-242; Ac. S.T.J. de 8/5/86, BMJ 357-396 e Ac. S.T.J. de 15/5/86, BMJ 357-412.
Outros critérios orientadores houve como o que foi utilizado pela Relação de Coimbra, em Acórdão de 4/4/95, publicado na C.J., Ano XX, tomo II, pag 23, e que representa um desenvolvimento e ajustamento do critério que vinha sendo utilizado pelo S.T.J. em alguns arestos - vejam-se os Ac. S.T.J. de 4/2/93, in CJ, Acórdãos do S.T.J., Ano I, Tomo I, pag 128 e ss, e de 5/5/94, in CJ, Acórdãos do S.T.J., Ano II, Tomo II, pag 86 e ss.,.
Não obstante as ditas fórmulas ou tabelas, desde logo, puderem constituir um contributo para maior uniformidade de critérios, primacial é o critério legal (art.566º nº3 do CC) – o da equidade.
No recurso a esta dever-se-á ter em conta ainda outros factores (imponderáveis), para além da incerteza sobre a manutenção da capacidade de trabalho e do tempo de vida, das alterações das taxas de remuneração do capital e da inflação, como seja a perenidade do emprego ou a progressão na carreira profissional, a evolução dos salários, os índices de produtividade e o desenvolvimento tecnológico (cfr. Ac. da R.P de 06/07/2000 e os Acs. Do STJ de 30/01/2001 e de 31/10/2001, in www.dgsi.pt).

Por fim, cabe indagar, no cálculo da indemnização, por dano futuro, ao período de tempo a considerar, uma vez que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida.
Aliás, é neste ponto que a divergência da recorrente/autora quanto à sentença se baseia.
Ou seja, deveria o tribunal recorrido ter em conta o período de esperança média de vida da lesada e não o período de vida activa.
Actualmente, tem-se defendido que não há que atender apenas ao período de vida activa do lesado, mas sim à esperança média da vida humana[5], atendendo a que as suas necessidades básicas não se esgotam no dia em que deixa de trabalhar, por motivo da sua passagem à situação de reforma – cfr. Ac. do STJ de 14/09/2010 (relator Sousa Leite), proferido no Proc. nº 267/06, disponível em www.dgsi.pt, entendimento com o qual se concorda.
“Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 78 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres ultrapassou a barreira dos oitenta anos)” – neste sentido o Ac. do STJ de 8 de Maio de 2012, e no mesmo sentido Ac, de 15 de Março de 2012, disponíveis em www.dgsi. pt.

Deste modo, in casu, tendo em consideração a esperança de vida da lesada (que cifrar-se-á em valor médio não inferior a 80 anos) e não a mera esperança de vida activa, existem razões para ter em conta este pressuposto na atribuição da indemnização explanada na sentença recorrida.
Dando concretização a estes princípios, considerando a idade da autora (tinha 47 anos à data do sinistro, perfazendo 33 até aos ditos 80 anos), o montante do seu salário mensal [(1.629,23x14), sendo que o valor de € 74,00, referente ao subsídio de alimentação não deve ser incluído por pressupor um efectivo exercício de funções e a lesada não está impossibilitada em absoluto sequer desse exercício], o factor-índice da tabela financeira correspondente aos reditos 33 anos a considerar – 20,765 (baseado numa taxa de juro de 3%), bem como a percentagem de défice funcional permanente (3% equivalente a 3 pontos) reputamos como justo e equilibrado o montante indemnizatório de 14.209,00 € em vez da determinada quantia de €: 11.250,00.
Daí que, nesta vertente indemnizatória, se fixem os danos patrimoniais devidos à recorrente/lesada Mariana pela perda da capacidade de ganho em 14.209,00 €.
*
Perante o decidido – não procedendo a apelação da recorrente/seguradora “C...” – fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso, nos termos do artº 684º-A, do CPC, requerido pelo recorrido E....

Sintetizando:
1. Enquanto que o nº1 do artº 8º, do Dec.Lei nº 522/85, de 31.12, consagra, em termos gerais, que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar (desde logo, o proprietário) e dos legítimos detentores e condutores do veículo, o seu nº2, numa extensão dessa garantia (às situações de detenção ou posse ilegítima) garante ainda essa responsabilidade nos casos de furto, roubo ou furto de uso, independentemente de o condutor ser ou não autor ou cúmplice.
2. O aludido nº2 abarca assim as situações em que o poder de facto, a direcção efectiva do veículo, enfim, o risco inerente à sua circulação, por força do furto do veículo, está fora do alcance do dono do veículo, transferindo-se para o autor de furto do veículo.
3. Fixados os danos não patrimoniais com referência à data da decisão, os juros de mora vencem-se desde essa data e não a contar da citação.
4. Em caso de acidente de viação, a indemnização pelos danos futuros, embora obedecendo a razões de equidade, no seu cálculo deverá ter-se em conta, a título indicativo, critérios como a esperança média de vida do lesado.

*****

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação da recorrente “Via Directa – Companhia de Seguros SA” e da apelação do recorrente Lucínio da Conceição Matos e na procedência parcial da apelação da recorrente Mariana Salvador Vieira, decide-se:
a) Revogar a decisão recorrida, condenando-se a Ré “Via Directa – Companhia de Seguros SA” a pagar à Autora Mariana Salvador Vieira a quantia de €: 14.209,00 (catorze mil, duzentos e nove euros), a título de danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.
b) Manter no mais a decisão recorrida.


Custas pelos apelantes e apelados na proporção do decaimento.


Guimarães, 13 de Junho de 2013
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva
_____________________________
[1] Cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, p. 316.
[2] Ver, por exemplo, P. de Lima e A. Varela, C. C. Anotado, Vol. I, 3ª edição, p. 486.
[3] Cfr. P. de Lima e A. Varela, obra citada, p. 487.
[4] Cfr. P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot., Vol. I, 3ª edição revista e actualizada, pag. 549.
[5] Presentemente, com referência ao ano de 2011, a esperança média de vida em Portugal situa-se em 80,9 anos, segundo estudo in www.Prodata.pt.