I – A proibição de se valorar como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro quando o declarante se recusa a responder a perguntas (art. 345 nº 4 do CPP), refere-se apenas a declarações orais e perante audiência; não abrange o conteúdo de uma informação escrita, ou a falta dela, prestada pelo coarguido em resposta a uma solicitação do tribunal.
II – As declarações incriminatórias do coarguido podem e devem ser valoradas no processo, mesmo que desacompanhadas de outro meio de prova.
I - RELATÓRIO
1. No processo Comum (tribunal Singular n.º 254/07.1 GCGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, os arguidos SÉRGIO T... e NATÁLIA S... foram condenados nos seguintes termos [fls.314 e seguintes]:
«(…) Pelo exposto, decido julgar a acusação parcialmente procedente nos termos sobreditos e, em consequência:
- Absolver o arguido António S... do crime de usurpação, p. e p. pelos art.ºs 195.º, n.º 1, e 197.º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, que lhe vinha imputado;
- Condenar o arguido Jorge S..., pela prática, em coautoria material, de um crime de usurpação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, 14.º, n.º 1, e 26.º, 2.ª parte, estes do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Substituir a referida pena de 4 (quatro) meses de prisão por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar o arguido Jorge S..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar a arguida Natália S..., pela prática, em coautoria material, de um crime de usurpação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, 14.º, n.º 1, e 26.º, 2.ª parte, estes do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão e 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Substituir a referida pena de 4 (quatro) meses de prisão por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Condenar a arguida Natália S..., por aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
- Declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos, determinando-se a sua destruição;
- Condenar os arguidos nas custas, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça individualmente devida.
Deposite (art.º 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).
Após trânsito, remetam-se boletim para efeitos de registo criminal (cfr. art.º 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, de 18/8).
(…)»
2. Inconformados, os arguidos recorrem, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls.385 e seguintes ]:
«(…)
l- V - CONCLUSÕES
1a - Foram incorretamente julgado os seguintes factos dados como provados:
- "Os arguidos Jorge S... e Natália S...dedicaram-se à exploração do estabelecimento comercial denominado DC..., sito na A..., nesta comarca e, como tal, eram os responsáveis por toda a atividade nela desenvolvida",
- "Em data concretamente não apurada, os arguidos Jorge S... e Natália S...contrataram um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar para exercer as funções de disc-jockey no referido estabelecimento, funções essas que consistiam em colocar, em aparelhagem de som, CD's contendo obras musicais, destinadas à difusão por todo o recinto a fim de serem ouvidas pelas pessoas que ali se deslocassem",
- "Nesta conformidade, por ordem dos arguidos Jorge S... e Natália Oliveira da Silva, no dia 26 de Maio de 2007, pelo menos entre as 01hOO e as 01 h20horas, no interior do aludido estabelecimento foram daquela forma difundidas obras musicais gravadas em CD's cujo som era reproduzido e ampliado por aparelhagem própria, com saída em várias colunas de som, espalhadas por todo o espaço, por forma a serem ouvidas por todos os clientes presentes no local e que, na altura, ascendiam a cerca de 15",
- "Os arguidos Jorge S... e Natália S...não possuíam a autorização dos autores, produtores ou dos seus representantes legais, no caso, a Sociedade Portuguesa de Autores, par difundir naquele estabelecimento as referidas obras musicais, o que bem sabiam ser necessário para o efeito",
- "Os arguidos Jorge S... e Natália S...agiram de vontade livre, consciente e de forma concertada, bem sabendo que as suas condutas não lhe eram permitidas",
2a - A prova produzida em julgamento, nomeadamente as partes citadas, deveria levar à absolvição dos arguidos,
3a - O Tribunal fundou a sua convicção, antes de mais nas declarações do coarguido António S..., qualificando-as como "essenciais",
4a_ Dispõe-se no art°. 345° n.º 4 do C. P. Penal que: "Não podem valer como prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2".
Pelo que desde logo se conclui que, se as declarações tidas pela Tribunal como essenciais para a condenação dos aqui Recorrentes não podem ser valoradas, se impõe, desde logo a absolvição dos mesmos.
5a- Oco-arguido António S... usou a prerrogativa do n.º 1 desse artigo (direito ao silêncio), quando lhe foi solicitado que indicasse o NIF da empresa DC....
6a- O que necessariamente inviabilizou que as suas declarações possam ser valoradas como prova contra os demais coarguidos.
7a- Se um arguido se faz valer da prerrogativa da não autoincriminação então também lhe está vedada a possibilidade de heteroincriminação.
8a_ Pelo que desde logo se conclui que, se as declarações tidas pela Tribunal como essenciais para a condenação dos aqui Recorrentes não podem ser valoradas, se impõe, desde logo a absolvição dos mesmos.
9a_ Os Autores e a jurisprudência dos Tribunais Superiores consagram claramente um princípio de cautela relativamente ao teor das declarações dos coarguidos, no sentido de que só possam ser tomadas em consideração quando corroboradas claramente por outras fontes probatórias distintas.
10a - Ora, in casu, e pelo menos relativamente ao Recorrente Jorge S..., é manifesta a inexistência de qualquer outro meio de prova.
11 a_ Decorre do auto de apreensão e das declarações das testemunhas que este Recorrente não estava presente aquando da ação de inspeção que deu origem aos presentes autos.
12a - Ou seja, o Tribunal não tem qualquer elemento probatório que sustente a sua decisão quanto à matéria de facto dada como provada, nomeadamente não podendo sustentar que o Recorrente se dedicava à exploração de um estabelecimento comercial denominado DC... e que, no dia e hora em questão, se reproduziam obras discográficas por instruções suas.
13a - Não se trata aqui, sequer, de se fazer um apelo ao princípio in dubio pro reo pois que, relativamente a este Recorrente, é manifesto que nem sequer de dúvida se trata.
14a - Não há nos autos nenhum documento (contrato, carta, declaração, certidão, auto, ou outro) onde conste a qualidade do Recorrente como dono do estabelecimento comercial, ou com qualquer outra categoria que o habilitasse a gerir o mesmo e, nomeadamente, a proferir a ordem de reprodução de música sem autorização da Sociedade Portuguesa de Autores.
1Sa - Já quanto à Recorrente NATÁLIA S..., é precisamente a esse princípio (in dubio pro reo) a que se apela.
16a - Analisando toda a prova proferida e atendendo ao descrito handicap das declarações do coarguido António, constata-se que, relativamente a si, existe apenas a assinatura do auto de apreensão.
17a- Apesar das diversas notificações ordenadas pelo Tribunal a diversos entes públicos, não foi possível carrear-se para os autos qualquer informação oficial acerca da titularidade do estabelecimento comercial, sendo certo que é do senso comum que é usual e normal que sejam os funcionários dos estabelecimentos comerciais a assinar notificações na ausência dos responsáveis.
18a - Do teor das declarações do coarguido (as tais declarações "essenciais"), quem terá outorgado um contrato para exploração do estabelecimento foi o próprio António S...
19a - Este facto não se coaduna, por ser manifestamente contraditório, com a responsabilidade que se imputa na douta recorrida sentença, aos aqui Recorrentes.
20a- Em sede de julgamento, não se conseguiu, pois, apurar em concreto quem efetivamente explorava o estabelecimento comercial.
21 a - Esse facto é essencial para se apurar quem é o agente do crime.
22a - Conclui-se que o princípio in dubio pro reo foi totalmente esmagado e preterido.
23a - A paráfrase latina in dúbio pro reo é um princípio básico do direito processual penal, relevante sobretudo em sede probatória.
24a- Existindo um laivo de dúvida, por mínimo que seja, acerca da veracidade ou não de um facto, ninguém deve ser condenado com base nesse facto.
25a- A prova, mais do que uma demonstração racional deverá ser um esforço de razoabilidade.
26a - Nem sequer se pode sustentar a decisão com a livre apreciação da prova, porquanto esta tem no in dubio pro reo o seu limite normativo.
27a - Diz o princípio que os factos favoráveis ao arguido devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos desfavoráveis se exige certeza.
28a - À aplicação da pena subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta da mesma se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71.º do Código Penal.
29a - Consequentemente, na graduação da mesma o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
30a - O artigo 400 do Código Penal dispõe que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - n° 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
31a - Dentro na moldura penal correspondente ao crime, o Juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de proteção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
32a - E a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
33a- Na prossecução das finalidades da punição e na determinação em concreto da pena, o Juiz deve orientar-se pelos critérios do artigo 710 do Código Penal que lhe fornecem módulos de vinculação na escolha da medida da pena, de forma a alcançar a medida adequada à finalidade de prevenção geral e especial.
34a - In casu ainda que se considerasse que os Recorrentes cometeram o crime de que vinham acusados, as penas aplicadas violam claramente o princípio penal e constitucional da proporcionalidade.
35a - Tal como vem dito na douta recorrida sentença, os arguidos são primários e as exigências de prevenção especial não são muito elevadas, sendo que estão perfeitamente inseridos em sociedade.
36a - Pelo que a aplicação das penas devia aproximar-se ainda mais dos limites mínimos das molduras penais.
37ª - Ao valorar as declarações do coarguido António S..., quanto a factos prejudiciais aos Recorrentes, a douta recorrida sentença violou, antes do mais, o disposto no artigo 345º n.º 4 do C. P. P., pois não teve em consideração que o referido arguido se havia remetido ao silêncio a instâncias do Tribunal.
38a - Ao dar como provados os factos constantes da acusação, baseando-se tal juízo apenas na existência da assinatura da Recorrida no auto de apreensão, violou-se o princípio do in dubio pro reo.
39a - A aplicação das penas parcelares de 120 dias de prisão e 180 dias de multa violou o princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado no art° 71° do C. Penal.
Nos termos expostos, deve dar-se provimento a este recurso e, em consequência, revogar-se a douta recorrida decisão, ordenando-se a substituição dela por outra que absolva os arguido do crime de que vinham acusados.
Assim se aplicará o DIREITO e se fará JUSTiÇA!
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls.404 ].
4. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos [fls.416 ].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença/acórdão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. ]:
«(…) FUNDAMENTAÇÃO:
II – Fundamentação de facto
1. Factos provados
Com relevo para a decisão da causa, provou-se a seguinte matéria de facto:
1) Os arguidos Jorge S... e Natália S... dedicaram-se à exploração do estabelecimento comercial denominado “DC...”, sito na A..., nesta comarca, e como tal, eram os responsáveis por toda a atividade nele desenvolvida.
2) Em data concretamente não apurada, os arguidos Jorge S... e Natália S... contrataram um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar para exercer as funções de disc-jockey no referido estabelecimento, funções essas que consistiam em colocar, em aparelhagem de som, CD’s contendo obras musicais, destinadas à difusão por todo o recinto a fim de serem ouvidas pelas pessoas que ali se deslocassem.
3) Nesta conformidade, por ordem dos arguidos Jorge S... e Natália S..., no dia 26 de Maio de 2007, pelo menos entre as 01H00 e as 1H20, no interior do aludido estabelecimento foram daquela forma difundidas obras musicais gravadas em CD’s, cujo som era reproduzido e ampliado por aparelhagem própria, com saída em várias colunas de som, espalhadas por todo o espaço, por forma a serem ouvidas por todos os clientes presentes no local e que, na altura, ascendiam a cerca de quinze.
4) Tanto assim que, nesse mesmo dia, e no período temporal referido, no interior do estabelecimento, foram encontrados e apreendidos 327 fonogramas em formato CD (Compact Disc), dos quais 325 se encontravam junto à aparelhagem de som e 2 no interior da mesma, em reprodução, com os dizeres “CD audio by Samdie e CD 24 A Lancieu audio by-Say Die Hip Hop”.
5) Todos os 327 fonogramas, descritos e examinados no relatório de exame pericial de fls. 67 a 97, que aqui se dá por integralmente reproduzido, são reproduções não autorizadas de obras musicais protegidas, obtidas através de duplicação artesanal ou não industrial, sendo os suportes materiais idênticos aos que se vendem ao público em geral como virgens.
6) Todos os CD´s contêm fixadas obras musicais cuja qualidade, no que toca à fixação de sons, é mediana.
7) As faces dos CD´s contrárias às de leitura não contêm apostas impressões ou estampagens habitualmente existentes nos originais, mas sim manuscritos.
8) Na face de leitura dos discos e na área central dos mesmos, não constam os códigos da I.F.P.I que, ao ficarem inscritos em caracteres alfanuméricos microscópicos, permitem identificar a entidade responsável pela masterização e fabrico do exemplar em causa.
9) Todos os CD’s apreendidos destinavam-se a ser utilizados para difusão por retransmissão no interior daquele espaço.
10) Os arguidos Jorge S... e Natália S... não possuíam autorização dos autores, produtores ou dos seus representantes legais, no caso, a Sociedade Portuguesa de Autores, para difundir naquele estabelecimento as referidas obras musicais, o que bem sabiam ser necessário para esse efeito.
11) Os arguidos Jorge S... e Natália S... agiram de vontade livre, consciente e de forma concertada, bem sabendo que as suas condutas não lhe eram permitidas.
12) Os arguidos Jorge S... e Natália S... não têm antecedentes criminais.
13) O arguido Jorge S... tem como habilitações literárias o 7.º ano de escolaridade.
É solteiro. Vive com uma companheira. Tem um filho com cinco anos de idade, que vive com os avós.
Encontra-se a trabalhar em França, por conta de outrem, na área da restauração.
14) A arguida Natália S... tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade.
É solteira. Tem dois filhos com seis e dez anos de idade, que vivem com os avós.
Encontra-se a trabalhar em França, por conta de outrem, na área da restauração.
2. Factos não provados
Não se provaram outros factos, em contradição com os provados ou para além deles, designadamente e com relevância para a decisão da causa, não se provou o seguinte:
a) O arguido António S... dedica-se à exploração do estabelecimento comercial acima referido denominado “DC...”, e como tal, é o responsável por toda a atividade nele desenvolvida.
b) Em data concretamente não apurada, o arguido António S... contratou um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar para exercer as funções de disc-jockey no referido estabelecimento.
c) Por ordem do arguido António S..., no dia 26 de Maio de 2007, pelo menos entre as 01H00 e as 1H20, no interior do aludido estabelecimento foram difundidas obras musicais gravadas em CD’s, nos termos referidos nos factos provados.
d) O arguido António S... agiu de vontade livre, consciente e de forma concertada com os arguidos Jorge S... e Natália S..., bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida.
3. Motivação da decisão de facto
Relativamente aos factos provados, o tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, que analisou e valorou de forma crítica, fazendo apelo às regras da experiência comum e a critérios de razoabilidade. Assim:
Tendo a audiência de julgamento decorrido na ausência dos arguidos Jorge S... e Natália S..., nos termos do disposto no art.º 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram essenciais as declarações prestadas na audiência de julgamento pelo arguido António S..., o qual, afirmando desconhecer e nada ter a ver com o que se terá passado no estabelecimento referido na acusação, nomeadamente no dia 26 de Maio de 2007, deste modo afastando a sua responsabilidade pela prática dos factos descritos na acusação, afirmou que comprou o estabelecimento em causa para os seus filhos / os coarguidos Jorge S... e Natália S..., por forma que a exploração de tal estabelecimento sempre esteve a cargo e sempre foi da responsabilidade, nomeadamente na data aludida na acusação, daqueles seus filhos. Estas declarações do arguido António S..., nomeadamente na parte relativa aos coarguidos Jorge S... e Natália S..., afiguraram-se-nos merecedoras de acolhimento, não apenas pela espontaneidade e pela forma assertiva como foram produzidas, e em que nada indiciou que o coarguido presente quisesse por qualquer forma prejudicar os coarguidos ausentes ou que algo existisse a move-lo contra eles, antes até ficou evidenciado o seu bom relacionamento com os coarguidos seus filhos, mas ainda porque tais declarações resultaram de algum modo corroboradas pela demais prova produzida (como veremos de seguida). Acresce afirmar o valor probatório, como um meio de prova legalmente admissível (art.º 125.º do Código de Processo Penal), das declarações do coarguido António S... relativamente aos coarguidos ausentes Jorge S... e Natália S..., sendo que a ausência destes não afetou por qualquer forma o direito ao contraditório, já que o seu Ilustre defensor, tendo estado presente na audiência de discussão e julgamento, pode muito naturalmente exercer o contraditório sobre todos os meios de prova produzidos (cfr. Acórdão do S.T.J. de 12/03/2008 e Acórdão da Relação de Guimarães de 9/02/2009, acessíveis in www.dgsi.pt).
Assumiram ainda relevância os depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento: Manuel M..., agente da G.N.R. que no exercício das suas funções procedeu à fiscalização do estabelecimento denominado “DC...” na data referida na acusação, o qual depôs por forma a confirmar a respetiva participação que elaborou, constante de fls. 3; e Fernando L..., Delegado Regional do Norte da Sociedade Portuguesa de Autores, que nessa qualidade acompanhou a apontada ação de fiscalização, o qual depôs por forma a corroborar o depoimento do referido agente da G.N.R. participante. Estas testemunhas, além do mais, foram unânimes ao afirmar que na altura da fiscalização se encontrava lá a arguida Natália S..., a qual se apresentou como sendo a responsável / representante do estabelecimento em causa e, justamente nessa qualidade, assinou os respetivos autos de apreensão (cfr. fls. 4 e 5). A testemunha Fernando L... afirmou ainda que o estabelecimento não estava munido de qualquer autorização para difundir ao público as obras musicais lá encontradas e apreendidas.
Finalmente, foi importante a prova documental e pericial produzida, muito concretamente: os autos de apreensão de fls. 4 e 5; o relatório pericial de fls. 67 a 97; a informação da Sociedade Portuguesa de Autores constante de fls. 256; e os certificados de registo criminal de fls. 197 e 199.
Ao apuramento das condições sociais e pessoais dos arguidos Jorge S... e Natália S..., foram cruciais as declarações prestadas a esse respeito pelo arguido António S..., seu pai.
Quanto aos factos não provados, os mesmos foram assim havidos por falta de prova tendente à sua comprovação, e isto porque o arguido António S... negou a sua prática (nos termos acima expostos) e porque nenhuma outra prova, nomeadamente de natureza documental, apesar das diligências probatórias oficiosamente determinadas, foi feita por forma a permitir a imputação da prática dos factos descritos na acusação também a este coarguido António S....
(…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
· Impossibilidade no caso concreto de valoração das declarações do coarguido
· Medida da pena;
A este propósito invocam os recorrentes duas vertentes acerca da questão- uma relacionada com o recorrente em que realça o facto de o tribunal não poder fundar a sua convicção nas declarações do coarguido em virtude de este se ter remetido ao silêncio. A segunda relacionada com a recorrente Natália em que apela à obediência ao princípio in dubio pro reo.
Quanto á primeira questão referem que tais declarações não podiam ser tidas como valoradas porque foi usada a prerrogativa do n.º1 do artigo 345º do CPP ou seja o direito ao silêncio.
Aquilo que os ora recorrentes indicam como sendo o direito ao silêncio expresso pelo seu pai (o arguido absolvido) em requerimento, adiantamos desde já que em nada configura a sua pretensão; o requerimento de fls.246 onde o arguido António S... dá informação ao processo, não constitui, como pretendem os recorrentes, a referida prerrogativa até porque esse direito tem de ser exercido oralmente e perante os intervenientes em julgamento e não uma informação escrita em resposta a informação que lhe havia sido solicitada pelo tribunal e que agora os recorrentes pretendem adaptar de molde a parecer como tal. O arguido goza do direito de se dispor a falar ou a recusar responder, mas as declarações a que se refere este normativo são orais e perante audiência e de maneira alguma o que consta de fls. 246.
De qualquer modo, no caso em apreço não há que falar em tal prerrogativa até porque o arguido, após ter sido instado a propósito e esclarecido devidamente dos direitos que lhe assistem, respondeu desejar prestar declarações, conforme resulta da ata de julgamento de fls. 207 destes autos.
Improcede, por isso, a pretensão do recorrente ao invocar algo que nem sequer teve lugar.
Acresce ainda referir, por outro lado, que não resulta dos termos dos art.s 344.º e 345.º do Código de Processo Penal que não podem ser valoradas as declarações de um coarguido quando outro ou outros não confessaram os factos ou optaram pelo silêncio, embora do n.º 3 do primeiro normativo resulte que, sendo este o caso, o tribunal não deve logo dar como provados os factos imputados, havendo então que produzir prova por ausência da confissão integral e sem reservas referida no n.º 2 do mesmo art 344.º. E o art. 125.° do Código Processo Penal estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do Código Processo Penal não consta o caso das declarações dos coarguidos
Apenas sucede que os coarguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, dentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 133.º do Código Processo Penal. É que aqui é a posição interessada do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, com o juramento e a consequente obrigação de dizer a verdade. Mas tal proibição não impede que os arguidos de uma mesma infração possam prestar declarações no exercício do direito de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam diretamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
Assim, a admissão do depoimento incriminatório de um arguido com relação a coarguidos, observadas as regras processuais de produção de prova, não atinge os direitos de defesa destes, sendo aquelas declarações apreciadas livremente pelo tribunal (Neste sentido, por exemplo: Ac STJ, de 19-12-1996, CJ/STJ, IV, t. 3, 214; Ac STJ, de 21-4-1999, proc. 107/99, SASTJ, n.º 30-78; Ac STJ, de 30-5-1997, proc. n.º 498/96; Ac STJ, de 30-10-1997, proc. n.º 849/97; Ac STJ, de 28-6-2001, proc. n.º 01P1552, www. dgsi.pt; Ac STJ, de 12-3-2008, proc. n.º 08P694, www.dgsi.pt).
E tal regime mantém-se no Código Processo Penal de 2007.
Não somos alheios ao facto de que não é líquida a relevância processual penal das declarações de coarguido em sede de valoração da prova jus-penal Sufragando entendimento de que as declarações de coarguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis, vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Processo n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 08.11.2007, Processo n.º 3984/07 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos, 12.03.2008, Processo n.º 694/08 - 3.ª Secção, 04.06.2008 e 03.09.2008, Processo n.º 2044/08 - 3.ª Secção, Processo n.º 1126/08 – 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 18.06.2008, Processo n.º 1971/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 22.10.2008, Processo n.º 215/08 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal.
Apelando a uma ideia de corroboração, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2009, Processo n.º 1213/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, referido pelo recorrente José P..., 25.06.2008, Processo n.º 2046/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, 12.06.2008, Processo n.º 1151/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/ jurisprudência /sumários de acórdãos /secção criminal. --- Com recurso à No mesmo sentido veja-se Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, edição de 202, página 191, Teresa Beleza, “Tão amigos que nós éramos”, in RMP, n.º74, Abril – Junho de 1998, páginas 39 e seguintes, Alberto Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Coarguido, Coimbra edição, 1999, páginas 212 e seguintes, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2008, página 871. ---
Em sentido diverso, negando a possibilidade de valorar como meio de prova as declarações de coarguido veja-se Rodrigo Santiago, in RPCC, Ano 4, Fasc. 1, Janeiro - Março de 1994, o qual entende como uma situação de nulidade de julgamento, por violação dos arts. 323.º, al. f), e 327.º, n.º 2, do CPP. ---.
No caso dos autos a imputação do crime decorre das declarações prestadas pelo seu pai, aqui coarguido mas cujo depoimento o tribunal valorou dizendo “afiguraram-se-nos merecedoras de acolhimento, não apenas pela espontaneidade e pela forma assertiva como foram produzidas, e em que nada indiciou que o coarguido presente quisesse por qualquer forma prejudicar os coarguidos ausentes ou que algo existisse a move-lo contra eles, antes até ficou evidenciado o seu bom relacionamento com os coarguidos seus filhos, mas ainda porque tais declarações resultaram de algum modo corroboradas pela demais prova produzida (como veremos de seguida).
A proibição de valoração do silêncio do arguido incide sobre o silêncio que ele adotou como a melhor estratégia processual, não se repercutindo na prova produzida por qualquer outro meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido.
Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do coarguido, a qual só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. Assim, dizer em abstrato e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.
Depois, no caso dos autos, verifica-se que o recorrente não invoca qualquer elemento de prova que contrarie ou infirme o conteúdo do referido depoimento cuja valoração, pela decisão recorrida, impugna. Nem refere, tão-pouco, qualquer razão pessoal que o referido coarguido pudesse ter contra o recorrente e que fosse suscetível de inquinar o depoimento no sentido de o prejudicar.
Improcede, neste caso, a pretensão do recorrente.
No que respeita á arguida Natália entende esta que constando apenas a sua assinatura no auto de apreensão, em obediência ao princípio IN DUBIO PRO Reo deveria ter sido absolvida
Em causa está, pois, a ofensa de princípio constitucional. De acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito da sentença de condenação» No mesmo sentido, vejam-se igualmente artigos 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. ---
Ou seja, o nosso regime jurídico processual-penal consagra o princípio da livre apreciação da prova Cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal. ---. ---
A livre apreciação da prova pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objetivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção. ---
O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo, a favor do arguido, pois. ---
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido. ----
“A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166. No mesmo sentido se vem pronunciando unanimemente o nosso Supremo Tribunal, referindo-se a título meramente exemplificativo os respetivos acórdãos de 05.02.2009, Processo n.º 2381/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 14.10.2009, Processo n.º 101/08.7PAABT.E1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, e 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumários de acórdãos /secção criminal. ---. ---
Em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico. ---
No caso em análise importa consignar que do texto da decisão recorrida não se descortina que o Tribunal recorrido tenha tido dúvidas na apreciação da prova produzida e nesse estado de incerteza tenha decidido contra a arguida ora recorrente.
Pelo contrário, o Tribunal recorrido foi perentório em dar como provada e não provada a matéria factual que assim indicou. ---
Não se descortina, pois, da decisão recorrida a violação do princípio da presunção de inocência enquanto princípio da prova, termos em que cumpre entender que no caso em análise inexiste violação de tal princípio, entendido o mesmo nos termos supra expostos. ---
Quanto á medida da pena
O crime em caso prevê a punição com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias, de acordo com a gravidade da infração.
Para a determinação da medida concreta da pena o tribunal consignou “Deste modo, importa ponderar in casu os seguintes fatores:
- O grau elevado da ilicitude dos factos, dado todo o circunstancialismo que rodeou a sua prática, com destaque para a maior divulgação não autorizada potenciada pelo local da ocorrência do ilícito e pela grande quantidade das obras musicais apreendidas, bem como para a atuação dos arguidos em conjugação de esforços e intentos;
- O grau acentuado da culpa, atendendo a que os arguidos agiram com dolo direto;
- As exigências não muito fortes de prevenção especial, visto que os arguidos não têm antecedentes criminais e ponderando o tempo entretanto decorrido sobre os factos, não havendo notícia de que os mesmos hajam voltado a incorrer na prática de novos crimes, e tendo ainda em consideração o facto dos arguidos já não desenvolveram a atividade profissional que os levou à prática dos factos, resultando por isso diminuída a possibilidade de repetição de condutas criminosas de idêntica natureza;
- As consideráveis exigências de prevenção geral que se fazem sentir, dada a frequência com que se verificam crimes da natureza em apreço;
- As normais condições de vida dos arguidos, estando social, familiar e profissionalmente integrados;
Tudo ponderado, e atentos os limites dos quantitativos diários previstos no n.º 2 do art.º 47.º do Código Penal, afigura-se-nos ajustado aplicar a cada um dos arguidos Jorge S... e Natália S..., pela prática do referido crime de usurpação, a pena de 4 meses de prisão e 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.”
Face ao que se deixou consignado dúvidas não restam que a benevolência, no caso concreto, predominou. A pena aplicada está bem perto do limite mínimo e a pecar certamente não será por excesso.
Improcede, pois, a sua pretensão.
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III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
· Negar provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes NATÁLIA S... e Jorge S...
Condená-los no mínimo de taxa de justiça