ACIDENTE DE VIAÇÃO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - O julgamento de equidade deve ponderar a expetativa de vida ativa do lesado, devendo atender-se como normal os 70 anos, o período de perda de “rendimento” que com a indemnização se pretender ressarcir (no caso aceita-se que o início de vida ativa do sinistrado rondaria os 25/26 anos), o facto de a indemnização ser liquidada de uma só vez, e outros fatores que se mostrem atendíveis no caso concreto.
II - Têm-se entendido, sem postergar o critério da equidade, ser útil como auxiliar, a utilização das tabelas matemáticas que procuram encontrar o capital produtor do rendimento que o lesado irá perder e que se extinguirá no final do período provável da vida ativa, tal como a constante do Ac. do STJ de 5.5.94, C. J. do STJ, tomo II de 94, pág. 86 e ss.
III - Tendo o autor, de 20 anos de idade, sofrido lesões que demandam actualmente uma IPP de 59 pontos, com tendência para agravamento, e ficado a padecer definitivamente de dores intensas, incontinência urinária, disfunção sexual, com diminuição da líbido e dificuldades de ereção, insónias diárias, e sendo um jovem saudável e activo antes do acidente, praticava desporto, estudava e projectava cursar medicina, curso que não tirou - tendo, porém, tirado outro curso que lhe permite auferir rendimentos dentro do mesmo nível salarial -, mostra-se adequada a indemnização de € 300.000,00 fixada em 1.ª instância a título de danos futuros.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


António..., instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra:
- a “Companhia de Seguros…, S.A.”, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 598.200,00 Eur. (quinhentos e noventa e oito mil e duzentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da citação, até integral pagamento.
Para tal alegou, em suma, que no dia 2 de Outubro de 2001, pelas 16.40 horas, na A3, ao “KM” 40,720, na freguesia de Priscos, em Braga, ocorreu um acidente sob a forma de despiste em que foi interveniente o veículo de matrícula “KM”, conduzido por Carla…, propriedade de Domingos…, e no qual o autor era transportado, como passageiro, no banco da frente ao lado do condutor, de forma gratuita.
Em consequência do despiste do aludido veículo, que sucedeu no sentido Braga/Porto, à velocidade de 130 “KM”/hora, numa curva à esquerda, sofreu o autor diversos traumatismos (crâneo-encefálico, face, coluna cervical e joelho esquerdo), que obrigaram ao transporte de urgência para o Hospital de São João de Deus, em Vila Nova de Famalicão, e depois à sua transferência para o Hospital de São Marcos, em Braga, onde ficou internado até ao dia 23 de Outubro de 2001.
Transitou para a consulta externa de Neurologia e passou a ser observado por Medicina Física e Reabilitação e por Cirurgia Plástica, tendo iniciado tratamento de recuperação funcional dos membros direitos a 15.01.2002, foi submetido a ligamentoplastia a 5.04.2002, iniciando tratamento de recuperação funcional do membro inferior esquerdo (coxa e joelho).
Apesar de todos os tratamentos ficou o autor a padecer das sequelas descritas no art. 49.º da pi, determinantes de uma incapacidade permanente parcial de 57 pontos, que terá tendência a agravar-se nos próximos anos.
Além destas sequelas sofreu o autor dores físicas, incómodos e mau-estar, sofre grandes períodos de angústia, ansiedade e depressão, sofre de incontinência urinária, disfunção sexual e insónias, não consegue correr ou andar muito tempo a pé, de pessoa alegre, saudável e cheio de vida passou a ser uma pessoa triste, deprimida, alheio ao que o rodeia.
Antes do acidente o autor era um estudante com excelentes notas, ia entrar no serviço militar, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para se candidatar à academia militar, e aí tirar o curso de medicina. Face às lesões que sofreu entrou no ISAVE, em Prótese Dentária, com a perspectiva de ganhar um salário de 2.000,00 Eur. (dois mil euros), inferior ao que auferiria como médico.
Além da indemnização devida pela perda de ganho futuro, em consultas médicas, tratamentos e intervenções já gastou o autor 3.200,00 Eur. (três mil e duzentos euros), necessitará ainda de submeter-se a mais tratamentos de fisioterapia para reforço muscular, o que já faz diariamente para manter a locomoção possível e evitar o recurso a canadianas e a cadeira de rodas.
Pela indemnização peticionada é responsável a ré seguradora face ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 500/…, feito pelo proprietário do “KM”, válido e eficaz à data do acidente.
A ré contestou a fls. 47 e 48, alegando que o autor seguia a dormir, ou a dormitar, com o banco todo reclinado para trás, sem cinto de segurança colocado sobre o seu torso.
Mesmo com cinto colocado, face à reclinação do banco, nunca o mesmo atuaria com as funções de retenção e/ou de segurança a que se destina.
Por esse motivo o autor foi projetado no interior do veículo, o que foi causa directa dos danos sofridos na cabeça, face e coluna cervical ou, pelo menos, do agravamento dos mesmos.
Na réplica de fls. 54 a 56 o autor alegou que levava o cinto de segurança colocado, mantendo tudo o mais alegado na petição.
Admitidos os meios de prova apresentados, foi o autor sujeito a exame médico-legal e perícia psicológica forense, encontrando-se juntos aos autos os relatórios periciais. – v. fls. 157 a 162, 225 a 230, 246 a 252 e 347 a 359.
Realizado o julgamento a Mmª juíza respondeu à matéria constante da base instrutória e proferiu sentença julgando a ação nos seguintes termos:
Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena a ré a pagar à autora a quantia de 350.000,00 Eur. (trezentos e cinquenta mil euros), respeitante à indemnização em dinheiro relativa ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida do valor que se vier a liquidar relativamente às despesas já feitas com serviços médicos, tratamentos, cirurgias e deslocações, e ainda o relativo às sessões de fisioterapia que já efectuou e as que irá efectuar, duas vezes por ano, até ao fim da vida.
A quantia fixada vence juros, à taxa legal em vigor de 4%, a contar desde a citação da ré para a acção….”
Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
1ª) O recurso versa, desde logo, sobre a matéria de facto que se acha fixada sob o item 58º da sentença recorrida, em resposta tida por restritiva mas que é efectivamente excessiva, por ser exorbitante ao teor do quesito 50º da BI da acção;
2ª) O fundamento da impugnação factual respectiva está no teor dos depoimentos referidos e/ou transcritos no texto supra, como é imposição legal, de par com a menção dos índices de gravação respectivos e/ou das diversas passagens, mais em concreto, dos três depoimentos a sindicar;
3ª) Com base nessa sindicância, deve eliminar-se o facto contido no item 58º da sentença do tribunal a quo, para ali remetido por conta da resposta exorbitante ou excessiva que, também sem a base testemunhal probatória bastante, foi dada ao quesito 50º da BI da acção a ajuizar – cfr. arts. 690º-A e 712º CPP;
4ª) Tal exorbitância ou excesso, indo manifestamente para além do alegado pelo Autor da acção nos respectivos articulados, é aliás ainda ilegal, por contrariar quanto se dispõe nos arts. 264º e/ou 663º e por violar, directamente, o disposto nos arts. 653º e 664º CPC, devendo por isso ser tida até como “não escrita” a resposta respectiva – cfr. art. 646º/4 CPC, em analogia;
5ª) A decisão de mérito do tribunal a quo, ao fixar o montante indemnizatório do dano patrimonial futuro pela perda da capacidade de ganho do Autor da acção, acha-se muito sobrestimada e sem uma base de cálculo suficiente para tanto, seja em termos de equidade, seja em face dos termos de facto e de direito da acção – v. arts. 562º ss. CCivil, de par com o disposto nos arts. 341º e 342º do mesmo diploma;
6ª) Com efeito, o dano patrimonial futuro em causa deve ser visto e apreciado em função não só dum nexo de causalidade adequada mas também dum juízo de previsibilidade razoável, segundo a normal expectativa das coisas e não como mera eventualidade, como disposto no art. 564º CCivil, que foi violado em função da factualidade provada na acção e implicada ao cálculo respectivo, de par ainda com o disposto nos arts. 515º e 516º do mesmo diploma;
7ª) Deve, pois, reduzir-se o valor indemnizatório que foi fixado e atribuído ao Autor da acção para ressarcimento desse dano futuro por si sofrido com as sequelas físicas de que ficou afectado com a produção do sinistro a ajuizar nos autos, redução essa a operar para a quantia de € 100.000,00 de acordo com os mais comuns critérios jurisprudenciais em aplicação corrente para este tipo de casos.
TERMOS EM QUE, como nos demais de direito aplicáveis e cujo douto suprimento se espera, como sempre, Deve o recurso ser julgado procedente e, alterando-se a decisão de facto na parte implicada, deve revogar-se a decisão e substituir-se ela por outra que reduza a indemnização conferida ao Autor, em conformidade.
Em contra-alegações sustenta-se a manutenção do julgado.
Em acórdão deste tribunal de 29/5/2012 foi referido o bem fundamentado da resposta dada ao item 50 da base instrutória, e entendeu-se que, o facto fora alegado para efeitos de comparação com o que poderia auferir como médico, pelo que, presume-se do raciocínio, não é caso para o considerar como não escrito; referindo-se que em face da não prova de que como médico tiraria proventos de 3.000 €, se partiria de uma perda de 1.000 €, a alegada, e não de 1.450 €.
E decidiu-se nos seguintes termos:
“… acorda-se em alterar a decisão recorrida, fixando-se em 291.051,00 € o montante de indemnização a pagar ao autor pela perda parcial da sua capacidade de ganho, no mais se julgando improcedente o recurso…”
Por decisão do STJ de 10/1/2013 foi decidido reenviar o processo a este tribunal, para novo julgamento relativamente aos danos futuros, com transcrição de todos os factos apurados relativamente ao dano biológico sofrido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, há que conhecer do recurso.
*
Factualidade provada.
1. No dia 2 de Outubro de 2001,pelas 16.40 horas, na A3, aproximadamente ao “KM” 40,720, na freguesia de Priscos, em Braga, ocorreu um acidente de viação, sendo nele interveniente a viatura de matrícula “KM”, ligeira de passageiros, serviço particular, conduzida por Carla…, propriedade de Domingos…, o qual se traduziu no despiste da identificada viatura;
2. No momento do acidente o autor era transportado na viatura identificada gratuitamente;
3. Era transportado no banco da frente do lado do condutor;
4. No citado dia, hora e local, a Carla conduzia o “KM” pela metade direita da faixa de rodagem da A3, atento o sentido Porto-Braga;
5. No momento do acidente chovia;
6. O piso em asfalto da auto-estrada encontrava-se molhado;
7. Atento o sentido de marcha do “KM”, a auto-estrada configura uma recta seguida de uma curva à esquerda;
8. Quando o “KM” se encontrava a descrever a curva para a esquerda;
9. Devido à velocidade a que vinha animado, à chuva que se fazia cair no momento e condições da estrada, a condutora do “KM” perdeu o controle da viatura, e entrou em despiste;
10. A viatura depois de capotar, voltou para a faixa de rodagem onde se foi imobilizar contra o separador central da auto-estrada;
11. Como consequência directa, necessária e adequada do acidente o autor sofreu diversos traumatismos: traumatismo crâneo-encefálico, traumatismo da face, traumatismo da coluna cervical e traumatismo do joelho esquerdo;
12. Do local do acidente foi transportado de urgência para o hospital S. João de Deus de Vila Nova de Famalicão;
13. Dada a gravidade das lesões foi transferido para o hospital S. Marcos de Braga, onde foi submetido a estudo radiológico e imagiológico, com realização de TAC cerebral;
14. Ficou internado no serviço de neurologia e submetido a tratamento conservador;
15. As Tacs cerebrais revelaram reabsorção progressiva do sangue do sangue aracnoideu e resolução de edema cerebral;
16. Ficou internado até ao dia 23 de Outubro de 2001;
17. Na altura do acidente o autor António... tinha 20 anos de idade;
18. O dono do veículo “KM” transferiu para a ré a sua responsabilidade emergente de acidentes de viação, em relação a terceiros, por via do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 500/…; (alíneas A) a S) da matéria de facto assente)
19. O “KM” seguia a uma velocidade de 130 KM/hora;
20. A referida viatura começou a rodopiar;
21. Entrou na na berma do lado esquerdo da faixa de rodagem atento o alegado sentido de marcha;
22. Subiu o talude e capotou;
(resposta aos quesitos 1.º a 4.º da base instutória)
23. Na data da alta do internamento (23.10.2001), apresentava hemiparesia direita de predomínio braquial, períodos de desorientação e alterações de comportamento;
24. Transitou para a consulta externa de Neurologia e começou a ser observado e tratado por Medicina de Reabilitação e por Cirurgia Plástica;
25. Em 15 de Janeiro de 2002, iniciou de tratamento de recuperação funcional dos membros direitos devido às sequelas do traumatismo crâneo-encefálico;
26. Em 5 de Abril de 2002, foi submetido a ligamentoplastia do ligamento cruzado posterior no Hospital Narciso Ferreira em Riba d´Ave;
27. Em 2 de Maio de 2002, iniciou tratamento de recuperação funcional do membro inferior esquerdo (coxa e joelho);
28. Em 1 de Julho de 2002, o autor fazia marcha independente, ainda com atrofia da coxa esquerda, mantendo tratamento de recuperação funcional;
29. Relativamente à actuação por cirurgia plástica o autor, a 3 de Outubro de 2001, foi operado a várias feridas da face;
30. O autor veio a ter alta definitiva a 2 de Outubro de 2002;
31. Durante estes meses o autor realizou todos os tratamentos, cirurgias e outras actuações médicas supra referidas; (resposta aos quesitos 6.º a 14.º da base instrutória)
32. Desde a data do acidente tem queixas de cefaleias, alterações do sono, irritabilidade acentuado e défice de memória;
33. Bem como disfunção sexual com dificuldade de erecção;
34. Recorre diariamente a analgésicos, por vezes injectáveis, dada a intensidade das dores;
35. Tem dores, nomeadamente ao nível da coluna cervical e joelho esquerdo;
36. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o autor ficou a padecer definitivamente de:
I.- síndrome pós-traumático, pós-tramático crâneo-encefálico;
- cefaleias diárias, por vezes intensas, de predomínio occipital;
- alterações amnésicas, com amnésia do sucedido;
- alterações de equilíbrio;
- dificuldade de concentração e de associação de ideias;
- memória recente afectada;
- insónias diárias;
- modificação de humor e do carácter, tornando-se facilmente irritável e pouco sociável;
- sentimento de insegurança quanto à sexualidade, com diminuição da libido e dificuldades na erecção;
II. - hemiparesia direita fruste, de predomínio braquial (membro ativo);
- ligeira diminuição da preensão e manipulação no membro ativo, principalmente para movimentos finos, essenciais na sua actividade física diária;
- urgência miccional e facto urinário descontínuo;
- disartria ligeira;
III. - cervicalgias residuais persistentes e diárias, resultantes do traumatismo da coluna cervical (protusões discais medianas a nível C4-C5 e C5-C6), com recurso diário a analgésicos, por vezes injectáveis;
IV. - traumatismo do joelho esquerdo;
- instabilidade auricular no sentido antero-posterior, apesar da ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior;
V. dismorfias e cicatrizes
- cicatriz viciosa ao nível da região supra-ciliar direita;
- cicatriz viciosa transversal com 5 cm, desde o ângulo externo esquerdo até à região pré-auricular, com repuxamento da pálpebra superior;
- cicatriz viciosa na região malar esquerda e asa esquerda com nariz com hiposresia loco-regional;
- cicatriz na região malar direita;
- cicatriz desde o lábio superior direito até à raiz da narina direita;
- cicatrizes múltiplas ao nível do dorso da mão direita, uma delas dolorosa;
- cicatriz viciosa na face anterior do joelho esquerdo, em forma de L, com cerca de 13 cm de extensão;
- cicatriz viciosa ao nível do calcanhar direito, dolorosa à palpação, e que impede o uso de certo calçado.
37. Resultante destas lesões o autor ficou com incapacidade permanente parcial para o trabalho de 59 pontos; (resposta aos quesitos 16.º a 21.º da base instrutória)
38. As suas alterações amnésicas, modificações de humor, memória recente afectada e alterações de equilíbrio dificultam-no de exercer uma actividade profissional;
39. A situação clínica do autor tende a evoluir, com agravamento das sequelas, com evolução para artrose no joelho esquerdo; (resposta ao quesito 25.º da base instrutória)
40. O que agravará a sua incapacidade permanente parcial;
41. As lesões sofridas provocam-lhe dores físicas, tanto no momento do acidente como no decurso dos tratamentos a que foi submetido;
42. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas intensas, incómodos e mal-estar;
43. Situação que vai ocorrer até ao fim da sua vida e com tendência para agravamento;
44. Sofre grandes períodos de angústia, ansiedade e depressão, devido ao desgosto que tem pelas sequelas de que ficou a padecer definitivamente, nomadamente dores intensas, incontinência urinária, disfunção sexual, com diminuição da libido e dificuldades e erecção, insónias diárias;
45. Sequelas que o vão acompanhar e agravar durante toda a vida;
46. Era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e cheio de vida;
47. Praticava futebol e ténis;
48. Actualmente não pratica desporto;
49. Actualmente tem dificuldades em correr ou andar muito tempo a pé;
50. Apenas consegue levantar pesos e transportá-los durante pequenas distâncias;
51. Tornou-se numa pessoa triste, deprimida, sempre alheio ao que o rodeia e complexada;
52. O que lhe causa desgosto, vergonha e amargura;
53. O autor frequenta mensalmente consultas de psicologia e neuropsicologia, por via das referidas sequelas;
54. Na altura do acidente o autor era estudante;
55. Ia entrar no serviço militar, para onde tinha guia de marcha para se apresentar na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém;
56. Com o objectivo de se candidatar à academia militar e aí tirar o curso de medicina;
57. A 1 de Outubro de 2007 terminou a licenciatura Bietápica em Prótese Dentária no ISAVE, mas não exerce a carreira de Protésico Dentário mas sim de vendedor de material para este tipo de especialidade, auferindo em média o salário mínimo nacional;
(resposta aos quesitos 29.º a 48.º da base instrutória)
58. Como Protésico Dentário poderia auferir entre 2.000,00 a 3.000,00 Eur., por mês;
59. Em consultas médicas, tratamentos, intervenções clínicas, deslocações, etc, despendeu dinheiro em valor não concretizado;
60. O autor, dada a natureza e gravidade das suas lesões, necessitará de realizar fisioterapia;
61. Devida à ruptura completa dos ligamentos cruzados posteriores do joelho esquerdo, foi submetido a ligamentoplastia;
62. Fisioterapia que já realiza;
63. Fisioterapia que terá de realizar, duas vezes por ano, até ao fim da vida; (resposta aos quesitos 50.º a 55.º e 58.º da base instrutória)
64. O autor seguia a dormitar, como banco ligeiramente reclinado. (resposta ao quesito 59.º da base instrutória)
65 (aditado, com base no doc. De fls. 38) O autor nasceu a 19/3/1981.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Tendo em atenção o decidido pelo colendo STJ importa reapreciar a questão dos danos futuros, à luz da factualidade relativa ao dano biológico sofrido, e reapreciando a base salarial levada em consideração.
A anterior decisão da relação, apreciando o item questionado, o 50 da base instrutória (facto 58), e compulsada a prova, concluiu não restarem dúvidas relativamente à resposta dada, correspondendo ao que foi claramente afirmado pelas primeira e segunda testemunhas.
Relativamente á pretensão de ser considerada não escrita a resposta, por extravasar do quesitado, independentemente das considerações ali expendidas, sempre seria de atender, dentro do que cabe no quesitado. Contudo vejamos:
Quesitou-se:
“ Como protésico dentário as suas perspectivas de salário não podem nunca ultrapassar os 2.000 euros mensais.”
O item pretende demonstrar a perda do autor, em confronto com os ganhos que teria se seguisse medicina, em que alegadamente tinha perspetivas de vir a auferir salário nunca inferior a 3.000 euros mensais – item 49 (considerado não provado).
Ora, estando o item formulado de forma que, quanto menos auferisse como protésico mais seria o prejuízo, fácil é de ver que a resposta dada não ultrapassa o quesitado, antes estando aquém do mesmo (que era provar os diminutos ganhos como protésico em face do médico). A resposta, em face do alegado, é restritiva, extraindo-se que (tendo em consideração o alegado), como protésico afinal poderá conseguir os mesmos níveis salariais.
***
Dano futuro (perda da capacidade de ganho):
A recorrente pugna pela diminuição do montante indemnizatório para a quantia de 100.000 €. O autor havia peticionado o montante de 490.000 €.
A indemnização é devida nos termos dos artigos 483º, 562º, 564º, 566º do C.C..
Nos termos do artigo 483º C.C. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Nos termos do artigo 562º do CC quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Nos termos do artigo 564º a indemnização compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, podendo atender-se a danos futuros desde que sejam previsíveis.
Nos termos do artigo 566º a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
A indemnização deve fixar-se com base na equidade, porquanto reconstituir a hipotética situação que o lesado teria não fosse a lesão, constitui tarefa impossível, atentas as vicissitudes da vida.
Sem embargo, como refere Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª ed., Almedina, pág. 118, a fixação da indemnização de acordo com a equidade não pode sair de determinados limites, em função da matéria de facto e na medida em esta fornece por assim dizer um pano de fundo relativamente à extensão do dano, dando-nos, nas palavras de Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7ª ed. Ver, Petrony, pág. 392ss, “ um retrato do Status socioeconómico da vítima e dos familiares que deixa: o nível de vida a que estava habituado…”.
Assim o julgamento de equidade deve ponderar a expetativa de vida ativa do lesado, devendo atender-se como normal os 70 anos, o período de perda de “rendimento” que com a indemnização se pretender ressarcir (no caso aceita-se que o início de vida ativa do sinistrado rondaria os 25/26 anos), o facto de a indemnização ser liquidada de uma só vez, e outros fatores que se mostrem atendíveis no caso concreto.
Têm-se entendido, sem postergar o critério da equidade, ser útil como auxiliar, a utilização das tabelas matemáticas que procuram encontrar o capital produtor do rendimento que o lesado irá perder e que se extinguirá no final do período provável da vida ativa, tal como a constante do Ac. do STJ de 5.5.94, C. J. do STJ, tomo II de 94, pág. 86ss.
Revisitando os factos:
O autor nasceu a 19/3/81. Teve alta definitiva a 2 de Outubro de 2002.
O quadro clínico é grave:
- Apesar dos tratamentos a que se submeteu o autor ficou a padecer definitivamente de:
I.- síndrome pós-tramático crâneo-encefálico;
- cefaleias diárias, por vezes intensas, de predomínio occipital;
- alterações amnésicas, com amnésia do sucedido;
- alterações de equilíbrio;
- dificuldade de concentração e de associação de ideias;
- memória recente afectada;
- insónias diárias;
- modificação de humor e do carácter, tornando-se facilmente irritável e pouco sociável;
- sentimento de insegurança quanto à sexualidade, com diminuição da libido e dificuldades na ereção;
II. - hemiparesia direita fruste, de predomínio braquial (membro ativo);
- ligeira diminuição da preensão e manipulação no membro ativo, principalmente para movimentos finos, essenciais na sua actividade física diária;
- urgência miccional e facto urinário descontínuo;
- disartria ligeira;
III. - cervicalgias residuais persistentes e diárias, resultantes do traumatismo da coluna cervical (protusões discais medianas a nível C4-C5 e C5-C6), com recurso diário a analgésicos, por vezes injectáveis;
IV. - traumatismo do joelho esquerdo;
- instabilidade auricular no sentido antero-posterior, apesar da ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior;
V. dismorfias e cicatrizes
- cicatriz viciosa ao nível da região supra-ciliar direita;
- cicatriz viciosa transversal com 5 cm, desde o ângulo externo esquerdo até à região pré-auricular, com repuxamento da pálpebra superior;
- cicatriz viciosa na região malar esquerda e asa esquerda com nariz com hiposresia loco-regional;
- cicatriz na região malar direita;
- cicatriz desde o lábio superior direito até à raiz da narina direita;
- cicatrizes múltiplas ao nível do dorso da mão direita, uma delas dolorosa;
- cicatriz viciosa na face anterior do joelho esquerdo, em forma de L, com cerca de 13 cm de extensão;
- cicatriz viciosa ao nível do calcanhar direito, dolorosa à palpação, e que impede o uso de certo calçado.
Estas lesões demandam actualmente uma IPP de 59 pontos. Contudo, vem provado que se agravará a IPP, designadamente devido à evolução para artrose no joelho esquerdo e aos grandes períodos de angústia, ansiedade e depressão, devido ao desgosto que tem pelas sequelas de que ficou a padecer definitivamente, nomadamente dores intensas, incontinência urinária, disfunção sexual, com diminuição da líbido e dificuldades de ereção, insónias diárias.
Ficou ainda provado que as suas alterações amnésicas, modificações de humor, memória recente afetada e alterações de equilíbrio lhe dificultam o exercício de uma atividade profissional. Até ao final da vida as sequelas irão provocar-lhe dores intensas incómodo e mal estar.
Era jovem saudável e ativo, praticando desporto, o que apontava no sentido de uma forte predisposição para lutar pelos seus objectivos, designadamente a nível profissional.
No vertente caso temos que o sinistrado à data do acidente era estudante, com projeto para tirar medicina. Não tirou este curso, mas tirou outro que lhe permite auferir rendimentos dentro do mesmo nível salarial. Deve atender-se a estes níveis salariais demonstrados como possíveis, dentro da licenciatura que tirou – 2000 a 3000 € mês, embora a prazo e não imediatamente no início da carreira -.
O autor ficou fortemente afetado em termos de capacidade, conforme atrás referido, com tendência para o agravamento. Não são desprezíveis as consequências psicológicas e sua influência na capacidade do autor de lutar e procurar progredir salarialmente, considerando as energias acrescidas que tem que despender para exercer a profissão.
A maior penosidade na realização do trabalho é evidente, sendo que no caso pode concluir-se sem esforço que existe uma afetação real na capacidade de ganho. A situação do autor não lhe permitirá ombrear com jovens da mesma idade e na mesma área e profissão, devido às múltiplas sequelas que o afetam.
A indemnização, contudo, deve atender essencialmente a critérios de equidade – Entre outros, Ac. STJ de 17/11/05, www.dgsi.pt/jstj, processo nº 05B3167 –, levando em consideração a afetação real na capacidade de ganho, a maior penosidade na execução do trabalho, o que representa uma diminuição em relação aos seus pares, e as perspectivas de agravamento das sequelas e consequentemente da incapacidade. Deve ponderar-se o rendimento médio previsível para alguém com as qualidades do autor (os já referidos 2000/3000 euros mensais), as possibilidades de evoluir profissionalmente, o rendimento que conseguiu auferir e as demais circunstâncias do caso.
Tendo em atenção as circunstâncias referidas a quantia fixada em primeira instância (300.000 €), se peca é por defeito, pelo que é de manter o decidido.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão.
Custas nesta Relação pela recorrente.

Guimarães, 25 de Junho de 2013
Antero Veiga
Maria Luísa Ramos
Raquel Rego