APOIO JUDICIÁRIO
DEFERIMENTO TÁCITO
REVOGAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário

1- A forma própria de reação processual contra a decisão da Segurança Social que indeferiu ou deferiu apenas parcialmente um pedido de proteção jurídica é a impugnação judicial, nos termos dos art.ºs 27º e 28º da lei 34/2004, de 29 de julho.
2- Se acaso se formar ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário e a administração, por decisão posterior, o revogar, negando o apoio requerido, esta decisão revogatória torna-se eficaz e consolida-se na ordem jurídica, ainda que ferida de vícios geradores de anulabilidade, se o requerente a não impugnar nos termos legais em favor do ato tácito.
3- Devolvida a notificação postal enviada para a residência do requerente, sob registo, para audiência prévia, com a proposta de decisão de indeferimento, nos termos dos art.ºs 23º da lei do apoio judiciário, e do art.º 70º, nº 1, al. a), do C.P.A., só a ilisão da presunção de notificação obsta à sua eficácia.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I.
A…, residente da Rua…, Guimarães, deduziu oposição à execução que lhe é movida pela exequente B…, com sede na Rua…, Lisboa, onde juntou comprovativo do requerimento de proteção jurídica que deduziu nos serviços da Segurança Social, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e de atribuição de agente de execução.
O pedido de apoio judiciário foi-lhe parcialmente concedido nas modalidades de pagamento faseado e de atribuição de agente de execução, com a obrigação de pagar mensalmente a quantia de € 160,00.
Após diligências do tribunal no sentido de que a executada procedesse ao pagamento da taxa de justiça, a mesma veio informar que nada deve por beneficiar de ato tácito de deferimento do pedido de apoio que apresentou, por terem decorrido mais de 30 dias entre o pedido que apresentou e a decisão que o indeferiu parcialmente.
Invocou, assim, a oponente, que nada deve pagar a título de taxa de justiça, e que deve considerar-se deferido o seu pedido de apoio judiciário.
O tribunal proferiu então o seguinte despacho, datado de 12.2.2013:
«Fls. 117ss.:
O teor do oficio do ISS de fls. 145 ss. é claro e fundamentado no que diz respeito à não formação, no caso concreto, de deferimento tácito, sendo certo que, conforme daí resulta, não foi deduzida qualquer impugnação à decisão de indeferimento oportunamente notificada à aqui exequente (vd. fls. 145-153).---
Nesse particular, e no que diz respeito à notificação alegadamente em falta, não vem posta em causa pela Opoente que a mesma foi remetida para a sua morada, e que apenas foi devolvida por não ter sido reclamada (vd. fls. 130-134), pelo que não deixou de produzir os seus efeitos, atento desde logo o disposto no artigo 224.°, n.º 2 do Cód. Civil.--
Termos em que face ao exposto, por infundado, e sem necessidade de acrescidas considerações, indefere-se ao requerido a fls. 117-119 e 158-162 dos autos.—
*
Em face do supra decidido, e na sequência do despacho proferido a fls. 103-104, cumpra-se o disposto no artigo 486.°-A, n.º 3 do Cód. De Proc. Civil.--». (sic)

Inconformada com esta decisão, a oponente apelou, apresentando alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«1ª – Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho de fls…, proferido em 12 de Fevereiro de 2013, que decide não conhecer a formação de acto de deferimento tácito no tocante ao pedido de protecção jurídica que formulou a Recorrente, mais ordenando a Mma. Juiz, nesse seguimento, o cumprimento do disposto no artigo 486-A, n.º 3 do C.P.C., tendo sido passadas e emitidas as guias da competente multa.
2ª – Ora, em 3 de Fevereiro de 2011, a aqui Recorrente ofereceu oposição à Execução que lhe foi movida na qualidade de avalista, juntando para o efeito comprovativo de ter requerido o benefício do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de agente de execução, que fez nesse mesmo dia 3 de Fevereiro de 2011, por telefax, dirigindo o requerimento ao Centro Distrital da Segurança Social de Braga, área da sua residência.
3ª – Através do Tribunal vem a Recorrente a tomar conhecimento que, em 23/03/2011, enviou ofício à Recorrente para audiência prévia, com advertência de que a falta de resposta determinaria o indeferimento, que a Recorrente não recebeu, tendo sido devolvido por não reclamado.
4ª – Sucede, porém, que decorre inequivocamente dos autos que, quando foi endereçada à Recorrente a notificação para o exercício do direito de audição prévia (que esta não recebeu, repita-se) já se havia formado o acto de deferimento tácito, que ocorreu em 5 de Março de 2011 (considerando que o dia 4 foi Domingo), isto é, cerca de 20 dias antes da notificação de que cuidamos (cf. artigo 25°, n.ºs l, 2 e 3 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho).
5ª – Nos termos da mesma notificação/ofício não foram solicitados quaisquer elementos ou documentos adicionais, arredando a possibilidade de falta ou insuficiente instrução do procedimento que pudesse ser assacada à Requerente e determinasse a suspensão do prazo para a conclusão do procedimento (n.º 3, do artigo 8°-A da citada lei), nem invocada ilegalidade que justificasse intenção de revogar o acto anterior.
6° - Não obstante, se após o deferimento tácito, a Segurança Social vem a proferir decisão expressa indeferindo o pedido de protecção jurídica, o requerente não ter que impugnar esse indeferimento, uma vez que existe um acto administrativo de deferimento tácito anterior, válido e em vigor, certo é que a Recorrente o fez junto do Tribunal a quo, através do seu requerimento oferecido em 19/01/2012.
7° - Neste mesmo sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, em recente acórdão proferido em 21/06/2011, relatado pela Exma. Senhora Desembargadora Margarida Blasco e Acórdão proferido em 12/06/2007, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Folque Magalhães, ambos publicados in www.dgsi.pt.
8 ° - No acórdão proferido pela Relação de Lisboa, em 12/06/2007, já citado, igualmente se rejeita a necessidade de impugnação judicial de acto de indeferimento expresso proferido após a formação do deferimento tácito, qualificando aquele segundo acto de indeferimento como irrelevante e de nulo efeito.
9 ° - No actual regime de apoio judiciário, estabelecido na referida Lei, o deferimento do pedido de apoio judiciário pode ser sempre revogado, total ou parcialmente, em conformidade com o que for apurado em relação à situação de maior ou menor insuficiência económica do beneficiário, seja por se ter alterado a situação de insuficiência económica do beneficiário, seja por nunca se ter verificado tal insuficiência. O que não é o caso nos presentes autos, pois, o pedido efetuado pela ora recorrente não foi revisto, mas sim apreciado com os elementos juntos naquela data (Neste sentido veja-se acórdão do TR de 21/06/2011, já citado).
10º- Mal andou, também, o despacho recorrido ao mencionar que, “no que diz respeito à notificação alegadamente em falta, não vem posta em causa pela Opoente que a mesma foi remetida para a sua morada, e que apenas foi devolvida por não ter sido reclamada (vd. Fls. 130-134), pelo que não deixou de produzir os seus efeitos, atento desde logo o disposto no artigo 224.°, n.º 2 do Cód. Civil.”, quando a Recorrente sempre alegou que nunca lhe foi depositado no receptáculo postal um aviso para levantar tal correspondência, não tendo como demonstrar um facto negativo.
11ª- Ademais, a administração não cumpriu o artigo 70° do CPA, não repetiu a notificação, não contactou telefonicamente a Recorrente, nem, tendo o requerimento sido remetido por advogado a sua mandatária.
12ª – A Requerente está desobrigada do pagamento de taxa de justiça, acolhendo o sentido do recente acórdão do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 273/2012), proferido no processo n.º 116/12 (publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 120 — 22 de junho de 2012) que, sem votos de vencido e argumentação exemplar, decidiram: “a) Julgar inconstitucional a norma contida na leitura conjugada dos artigos 12.°, n. ° 1, alínea a), e 6.º n.° 1, 1ª parte, do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação de que a apreciação da impugnação judicial da decisão administrativa que negou a concessão de apoio judiciário está condicionada ao pagamento prévio da taxa de justiça prevista no referido artigo 12.°, n.° 1, alínea a)”.
13° - Ao assim não decidir fez o despacho recorrido uma errada interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1°, 6°, 8°-A, 25° a 29° do Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais, 224°, 2 do Código Civil, 486-A do C.P.C., artigos 66° e 70° do C.P.A e 20° da Constituição da República Portuguesa, pelo que, por ilegal e ferido de inconstitucionalidade. Não pode manter-se.» (sic)
Termina no sentido de que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que “conheça a formação de acto de deferimento tácito no tocante ao pedido de apoio judiciário formulado pela Recorrente, cancelando a condenação em multa”.
*
Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto, aqui aplicável).
Cumpre-nos apreciar e decidir as seguintes questões:
1- Formação de ato tácito de deferimento no pedido de apoio judiciário;
2- Devolução do ofício de notificação da decisão administrativa que deferiu parcialmente o pedido de apoio judiciário.
III.
As circunstâncias processuais mais relevantes para o conhecimento do recurso[1] :
1- A apelante apresentou, com o requerimento de oposição à execução, comprovativo de, no dia 3.2.2011, ter requerido apoio judiciário junto da Segurança Social, nas modalidades de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” e de “atribuição de agente de execução”;
2- Por ofício datado de 21.3.2011, a Segurança Social endereçou à executada a comunicação escrita de fl.s 80 a 82, via postal, com registo de 23.3.2011, com a proposta de decisão sobre o apoio judiciário, advertindo a destinatária para se pronunciar por escrito, no prazo de dez dias, “sobre a proposta de decisão na modalidade de pagamento faseado que se anexa, sob pena deste serviço INDEFERIR o pedido de apoio judiciário formulado”;
3- O expediente foi devolvido ao remetente;
4- A oponente não se pronunciou ao abrigo daquela comunicação;
5- Por requerimento de 19.1.2012, a recorrente dirigiu um requerimento ao tribunal, pelo qual alegou que não foi notificada pela Segurança Social da proposta de decisão referida sob o item 2, para o exercício do direito de audição prévia, e que só teve conhecimento daquela comunicação escrita após ter sido notificada de um despacho judicial de 16.12.2011 (junto a fl.s 29) e ainda que se formou ato tácito de deferimento do seu pedido;
6- A Segurança Social lançou informação expressa de que “não houve impugnação da decisão de indeferimento”;
7- A oponente tomou conhecimento dessa informação e voltou a pugnar pela relevância do ato tácito de deferimento, em requerimento de 16.1.2013 (fl.s 37 e seg.s) dirigido ao processo judicial [2];
8- Por despacho de 12.2.2013 --- que encerra a decisão recorrida --- o tribunal ordenou à secretaria que desse cumprimento ao disposto no art.º 486º-A, nº 3, do Código de Processo Civil, considerando, além do mais, que “não foi deduzida qualquer impugnação à decisão de indeferimento oportunamente notificada à aqui exequente”.
*
IV.
1- A título de questão prévia: o pagamento de taxa de justiça pela interposição da apelação
A recorrente entende que, se nos termos da jurisprudência constitucional não deve ser exigido pagamento de taxa de justiça pela impugnação da decisão administrativa junto do Tribunal de Comarca e que, “por igualdade de razão, não será devido o pagamento de taxa de justiça para a Recorrente que pretende impugnar, ainda que sindicando em 2ª instância, uma decisão acerca do pedido de apoio judiciário que formulou que reputa de ilegal e inquinada de vício de violação de forma e de lei”.
Por isso, no final das suas alegações, invocou a sua desobrigação do pagamento de taxa de justiça pela interposição da apelação.
Ora, resultando dos autos que não lhe foi imposto o pagamento daquela taxa, tem-se como prejudicada a apreciação da questão prévia suscitada.
*
2- Formação de ato tácito de deferimento no pedido de apoio judiciário
A apelante defende que, tendo apresentado o requerimento para proteção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, junto da Segurança Social, no dia 3.2.2011, já se tinha formado ato tácito de deferimento da sua pretensão quando, em 21.3.2011 proferiu proposta de decisão no sentido de conceder apenas parcialmente o benefício requerido. O ato tácito ter-se-ia formado no dia 5 do mesmo mês de março, por então se ter esgotado o prazo de 30 dias sobre a data em que aquele requerimento foi apresentado na Segurança Social.
É conhecida a preocupação do legislador do apoio judiciário com a simplificação e celeridade de procedimentos, apesar de ter consignado a regra da autonomia relativamente à causa a que respeita, não tendo, em princípio, qualquer repercussão sobre o andamento desta (art.º 24º, nº 1, da LAJ [3]) [4]. São vários os afloramentos daquele desígnio, de que são exemplos a fixação de um prazo pela administração para o requerente se pronunciar, em audiência prévia, sobre a proposta de decisão de indeferimento ou de indeferimento parcial, sob pena da decisão se converter em definitiva (art.º 23º, nº 2), também a decisão judicial que recaia sobre a impugnação da decisão administrativa dever ser imediata e por despacho concisamente fundamentado (art.º 28º, nº 4) ou ainda a regra da suficiência de um grau de recurso fixada pela irrecorribilidade da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, nos termos daquele normativo (nº 5 do mesmo preceito legal).
A par daquelas normas, o legislador estabeleceu, sob o art.º 25º, nº 1, que “o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias [5], é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.° dia útil seguinte”, acrescentando, sob o nº 2, que, “decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica”. Neste caso, é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito (nº 3). Mas o tribunal não fica dispensado de confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis (nº 4 do art.º 25º), pois que pode ter ocorrido, designadamente, uma situação de suspensão do decurso do referido prazo de 30 dias, como ocorre na situação prevista no art.º 8º-B, nº 3.
Importa notar que a avaliação dos pressupostos necessários ao deferimento do pedido de apoio judiciário está hoje atribuída a uma entidade administrativa e não ao tribunal (o que sucede desde a lei nº 30-E/2000, de 20 de dezembro), nos termos do art.º 20º, competindo também à Segurança Social cancelar ou verificar a caducidade da proteção jurídica concedida (art.º 10º, nº 3 e 11º) podendo a decisão administrativa ser judicialmente impugnada (art.º 12º).
O tribunal deixou, assim, de conhecer diretamente daquelas matérias, fazendo-o apenas se for chamado ao seu conhecimento, sempre pela via da impugnação judicial e apenas num grau de recurso (art.ºs 27º e 28º).
A questão estaria em saber se há “ato tácito de deferimento” e, na afirmativa, qual seja o seu significado no âmbito do pedido de proteção jurídica. Afigura-se-nos, no entanto, que este Tribunal da Relação não pode conhecer da questão, como passamos a explicar, seguindo de perto o acórdão desta mesma Relação de Guimarães de 12.5.2011 [6].
Mesmo admitindo que a oponente não foi notificada, no devido tempo, da proposta de decisão de indeferimento parcial do pedido de apoio judiciário que deduziu, a verdade é que --- como acaba por reconhecer --- teve conhecimento dessa decisão, pelo menos, na sequência da notificação que lhe foi efetuada do despacho de 16.12.2011, destinado a diligenciar pelo cumprimento do art.º 486º-A, nº 3, do Código de Processo Civil, ao que reagiu por mero requerimento dirigido ao Tribunal Judicial de Guimarães (cf. fl.s 31), invocando a referida falta de notificação e a formação de ato tácito de deferimento.
A decisão sobre o pedido de proteção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo apenas suscetível de impugnação judicial nos termos dos art.ºs 27º e 28º (cf. art.º 26º, nº 2), ou seja, por via de recurso para o tribunal. Os atos tendentes à obtenção do apoio judiciário constituem um procedimento administrativo, apenas jurisdicionalizado em sede de recurso da decisão.
Atualmente qualquer inadvertência na sua atribuição escapa ao controlo judicial, a não ser que da decisão se interponha recurso. [7] Eis mais uma manifestação legal da simplicidade e da celeridade que se quiseram imprimir ao procedimento para atribuição do apoio judiciário.
Ao reagir daquela forma, a recorrente preteriu formalidades legais indispensáveis, não tendo apresentado uma verdadeira impugnação judicial, assim, com observância das condições legalmente previstas, designadamente, entregando-a no serviço da segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica, no prazo de 15 dias a contar do conhecimento da decisão. Preterindo esta formalidade, impediu aquele serviço administrativo de a reapreciar, revogando-a ou mantendo-a, neste caso, enviando a impugnação e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente para apreciação (art.º 27º, nºs 1 e 3). Levou indevidamente, por forma imprópria, a questão para o tribunal recorrido. Não reagiu à posição daqueles serviços na forma processual adequada e chamou diretamente a decidir sobre a questão a entidade com competência apenas para apreciar, de forma irrecorrível, em tal matéria através da impugnação judicial (art.º 28, nº 5).
E, como se diz no citado acórdão desta Relação de Guimarães, “se… não deitou mão do meio próprio para se opor à aludida decisão da Segurança Social, não poderia conseguir decisão sobre a questão (da concessão ou não do benefício do apoio judiciário) no Tribunal “a quo” e, muito menos, a reapreciação da mesma através de recurso para esta Relação. Se assim fosse … obteria nesta instância decisão sobre matéria que a mesma jamais poderia ser chamada a decidir em condições normais por via de recurso, atento o disposto no citado nº 5 do art. 28 da Lei nº nº 34/2007” [8].
Como assim, não pode esta Relação conhecer da questão.
Sobre o ato tácito de deferimento, colhe-se do acórdão da Relação do Porto de 27.3.2008 [9]: «… dispõe o art. 108º nº 1 do C. Procedimento Administrativo que, quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido na lei. Nos termos do nº 4 deste preceito, para o cômputo do prazo, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao particular.
Afirma Freitas do Amaral que, nestes casos, a lei atribui ao silêncio da Administração o significado de acto tácito positivo: perante um pedido de um particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. O silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração em sentido positivo para o particular [10].
Marcello Caetano, por seu turno, ensinava que esta manifestação resulta de uma presunção legal “iuris et de iure”: a lei, em certas circunstâncias, manda interpretar a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento do pedido sobre o qual ele tinha obrigação de se pronunciar [11].
Portanto, pressuposto da formação do acto tácito é o silêncio ou abstenção da administração, isto é, a falta de decisão desta no prazo fixado na lei.
No caso, trata-se de solução que decorre claramente da letra das referidas normas, uma vez que se exige que a decisão seja proferida no prazo aí estabelecido: o prazo de 30 dias foi fixado para conclusão do procedimento e decisão.».
A lei, em determinadas circunstâncias, manda interpretar para certos efeitos a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou o indeferimento do pedido sobre o qual tinha obrigação de se pronunciar. Não obstante e, porque assim é, a manifestação expressa da vontade contrária à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, pelo que existindo vontade real expressa através de um ato administrativo deixa de haver vontade presumida. Contudo a prolação de ato expresso não significa por si só que este seja legal e que, portanto, o ato tácito esteja definitivamente arredado da ordem jurídica.
Segundo o acórdão da Relação do Porto de 28.3.2007[12] , «a primeira grande regra, no nosso Direito Administrativo, sobre a revogabilidade dos actos administrativos é esta: os órgãos administrativos dispõem da faculdade de, respeitados certos limites, extinguir os efeitos jurídicos dos actos anteriormente praticados, desde que os reputem inválidos ou inconvenientes”. O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido uniformemente que um acto expresso de sentido contrário, proferido posteriormente a um acto tácito é, nesta medida, um acto revogatório: “A prática de acto de deferimento expresso de recurso hierárquico, para além do prazo regularmente fixado, vale como revogação do indeferimento tácito entretanto ocorrido.»
Admitindo, por mera hipótese, que ocorreu o ato de deferimento tácito --- como defende a recorrente --- tal ato teria sido revogado pelo posterior ato de indeferimento expresso, resultante da proposta de decisão administrativa não devidamente impugnada. Isto, apesar deste último ato ser ilegal e anulável, por, naquela situação, revogar anterior ato constitutivo de direitos (art.º 135º e 136º do C.P.A.), uma vez que não foi impugnado pela requerente através do meio próprio (art.º 27º), tendo-se consolidado definitivamente. O ato revogatório é eficaz, ainda que ferido de vícios geradores de anulabilidade. Assim, se o ato anulável não for impugnado junto dos tribunais competentes, consolida-se na ordem jurídica. [13]
Na verdade, a revogação dos atos administrativos, ainda que estes sejam tácitos, está sujeita à disciplina prevista nos art.ºs 138.º e seg.s do C.P.A. (designadamente dos seus art.ºs 140.º e 141.º), pelo que essa revogação pode ser contenciosamente impugnada --- se, por ex., não respeitar a mencionada disciplina --- e desta impugnação pode resultar decisão judicial que anule o ato expresso revogatório. E se assim for, essa anulação tem por consequência a repristinação do ato tácito.
Ou seja, o ato revogatório só se consolida na ordem jurídica se não for judicialmente impugnado ou se, sendo-o, essa impugnação não tiver êxito.
Nesta conformidade, o interessado, notificado do ato expresso, deve reagir à prolação deste, impugnando-o contenciosamente --- se considerar que o mesmo é ilegal --- e pugnar pela manutenção do ato tácito.
Dado que o ato de indeferimento expresso não foi impugnado, nos termos legalmente previstos no art.º 27º, os seus efeitos têm que ser respeitados neste processo.
Como se refere ainda naquele acórdão da Relação do Porto de 27.3.2008, não sendo admitido, no caso, reclamação ou recurso hierárquico, sobre a recorrente passou a impender, a partir do conhecimento da decisão, o ónus processual de a impugnar no que toca a anomalias, nulidades ou ilegalidades que tivessem acompanhado o respetivo processo de formação ou de que a mesma enfermasse. Não o tendo feito ..., sibi imputet, constituindo a via do presente recurso um meio processual impróprio e inadequado à prossecução dos correspondentes desígnios.
Termos em que, mesmo que admitindo a invalidade da notificação escrita de 21.3.2011, enviada pela Segurança Social, a oponente não impugnou regularmente a decisão administrativa após conhecimento do estado do processo, não relevando o eventual ato tácito de deferimento.
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3- Devolução do ofício de notificação da decisão administrativa que deferiu parcialmente o pedido de apoio judiciário
Mas, será aquela comunicação postal inválida?
Já não seu requerimento de 16.1.2013, a recorrente não negou a remessa de carta registada pela Segurança Social para o seu domicílio, no sentido de a notificar para a audiência prévia, nos termos do art.º 23º, designadamente com as formalidades ali previstas, aliás, em conformidade com a documentação agora certificada a fl.s 80 a 82. Diz, aliás, expressamente, que não consegue descortinar os motivos pelos quais não rececionou a notificação e que, quiçá, os CTT também não os conhecem, tendo a missiva sido devolvida ao CRSS.
Ora, a Segurança Social cumpriu as formalidades legais previstas para a notificação postal (art.º 70º, nº 1, al. a), do CPA).
A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, e não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o domicílio escolhido (art.º 254º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil [14]). Esta regra, que impera nas notificações às partes que constituíram mandatário, é também aplicável às partes não representadas por aquela forma (art.º 255º, nº 1, também do Código de Processo Civil).
Estabelecida aquela presunção, cabe à parte ilidi-la, não podendo defender-se que a ilisão não se impõe pelo simples facto de se tratar da demonstração de um facto negativo. Sempre cumpria à apelante munir-se de elementos de prova, designadamente junto dos CTT, para colocar em causa a efetuação da notificação, invocando a preterição ou a nulidade do ato processual no momento ou lugar próprio, segundo o regime especial instituído, ou seja, na impugnação judicial que sempre deveria ter deduzido (e não deduziu) ao abrigo do art.º 27º. Não fosse a presunção de notificação, facilmente se retiraria ao correio postal a confiança de que se tem revelado merecedor e se colocaria em causa a tão desejada e conseguida segurança na prática daquele ato processual via postal. No caso, nem sequer se conhece a realização de diligência junto daquela entidade no sentido de recolher prova que sustente, minimamente que seja, a posição da recorrente [15].
Com efeito, sempre teria que se considerar como válido o ato de notificação à oponente da proposta de decisão administrativa de 21.3.2011 e, como tal --- atenta a data do respetivo registo e da data da notificação presumida ---, largamente decorrido o prazo de 15 dias previsto para a impugnação judicial, mesmo sem qualquer reação processual da oponente.

Pelos fundamentos expostos, a apelação não pode proceder.
*
SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- A forma própria de reação processual contra a decisão da Segurança Social que indeferiu ou deferiu apenas parcialmente um pedido de proteção jurídica é a impugnação judicial, nos termos dos art.ºs 27º e 28º da lei 34/2004, de 29 de julho.
2- Se acaso se formar ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário e a administração, por decisão posterior, o revogar, negando o apoio requerido, esta decisão revogatória torna-se eficaz e consolida-se na ordem jurídica, ainda que ferida de vícios geradores de anulabilidade, se o requerente a não impugnar nos termos legais em favor do ato tácito.
3- Devolvida a notificação postal enviada para a residência do requerente, sob registo, para audiência prévia, com a proposta de decisão de indeferimento, nos termos dos art.ºs 23º da lei do apoio judiciário, e do art.º 70º, nº 1, al. a), do C.P.A., só a ilisão da presunção de notificação obsta à sua eficácia.
*
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custa pela apelante.
Guimarães, 2 de julho de 2013
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Para além do que consta do relatório.
[2] À senhora Agente de Execução.
[3] Lei do Apoio Judiciário (lei nº 34/2004, de 29 de julho, alterada pela lei nº 47/2007, de 28 de agosto). Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[4] Tal regra estava já estabelecida na lei nº 30-E/2000, de 29 de dezembro (sob o respetivo art.º 25º, nº 1) com o qual se iniciou a desjudicialização do processo de concessão da proteção jurídica, ao contrário do que previam os regimes anteriores, designadamente o do decreto-lei nº 387-B/87, de 29 de dezembro (art.º 24º, nºs 1, al. b) e 2).
[5] Prazo perentório.
[6] 4483/09.5TBGMR-A.G1, in www.dgsi.pt.
[7] Acórdão da Relação do Porto de 18.10.2012, proc. 6672/10.0YYPRT-A.P1, in www.dgsi.pt.
[8] Cf. também o acórdão da Relação do Porto de 22.2.2010, proc. 58/09.7TBPFR-B.P1, in www.dgsi.pt.
[9] Proc. 0831359, in www.dgsi.pt, citando um outro acórdão da mesma Relação.
[10] Direito Administrativo, Vol. III (1989), 262.
[11] Manual de Direito Administrativo, Vol. I. (10ª ed.), 474.
[12] Proc. 0710310, in www.dgsi.pt, citando doutrina e jurisprudência.
[13] Acórdão da Relação de Lisboa de 7.7.2009, proc. 4878/07.9TVLSV.L1-7, acórdãos da Relação do Porto de 31.1.2007, proc. 0645010, de 31.1.2008, proc. 0736344, de 22.2.2010, proc. 58/09.7TBPFR-B.P1, de 25.10.2011, proc. 717/10.1TBSTS-A.P1, de 21.6.2012, proc. 8182/09.0TBVNG-A.P1, de 18.10.2012, proc. 6672/10.0YYPRT-A.P1, de 9.4.2013, proc. 934/11.7TBMTS-C.P1, in www.dgsi.pt.
[14] Vide ainda art.º 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (lei 15/2002, de 22 de fevereiro).
[15] Veja-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.02.2006, proc. 05B4290, in www.dgsi.pt.