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APOIO JUDICIÁRIO
TAXA DE JUSTIÇA
LITISCONSÓRCIO
Sumário
1 – Os artigos 447.º-A, n.ºs 4 e 5 do CPC e os artigos 6.º, n.º 1 e 13.º, n.º 6 do RCP, tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto á respetiva base de cálculo. 2 – Estando em causa uma situação de litisconsórcio passivo, que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual. 3 – Assim, enquanto não for decidido o apoio judiciário solicitado por um dos litisconsortes, o outro litisconsorte, em virtude do indeferimento do pedido de apoio judiciário por si formulado, não terá que pagar taxa de justiça pelo impulso processual devido pelo oferecimento da contestação.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A…, réu na acção de processo ordinário que lhe move a si e à sua mulher R…, “P…, SA” interpôs recurso do despacho que entendeu que o apoio judiciário que venha a ser concedido à co-ré R…, não é comunicável ao réu e que, considerando o apoio judiciário requerido pelo recorrente, indeferido, o notificou para o pagamento da taxa de justiça e multa, nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 486.º-A do CPC, sob pena de desentranhamento da contestação.
Para o efeito, apresentou alegações, que concluiu da seguinte forma:
1 - A douta decisão/despacho deve ser revogado, na sua totalidade, porque desfavorável ao aqui apelante.
2 – Com o devido respeito, a decisão do tribunal a quo que considerou que ao recorrente foi indeferido o pedido de apoio judiciário e manda proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa nos termos do n.º 3 e n.º 5 do artigo 486.º-A do CPC, sob pena de desentranhamento, deve ser revogado.
3 – Na realidade, a presente acção foi movida contra o recorrente e esposa numa relação de litisconsórcio, nos termos do n.º 3 do artigo 28.º-A do CPC.
4 – Estando a esposa (co-ré e litisconsorte do recorrente) ainda a beneficiar de uma prorrogação de prazo para apresentação de documentos e apreciação do pedido de apoio judiciário, a acção deveria seguir os seus termos com base no artigo 447.º-A n.º 4 do CPC.
5 – Isto porque, existindo uma relação de litisconsórcio passivo, apenas o primeiro litisconsorte está obrigado ao pagamento de taxa de justiça.
6 – Não tendo ainda sido proferida decisão sobre a concessão de apoio judiciário relativamente à co-ré R…, o recorrente deverá beneficiar da eventual decisão favorável que venha a ser proferida ainda.
7 – Até porque, nos termos do artigo 6.º n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, para efeitos de avaliação do direito ao apoio judiciário, são tidos em conta os rendimentos líquidos do agregado familiar.
8 – Por força deste despacho, o tribunal a quo viola claramente o princípio de acesso ao direito e aos tribunais do artigo 20.º n.º 1 da CRP, porquanto a lei obriga ao pagamento da taxa de justiça apenas por um dos litisconsortes.
9 – Por outro lado, tratando-se de marido e mulher, ambos demandados na presente lide, não pode o recorrente ser prejudicado em relação à esposa (co-ré), tendo em conta que ambos ocupam a mesma posição na lide e os rendimentos para efeitos de protecção jurídica são os de ambos.
10 – Assim, a decisão agora em crise viola também o artigo 13.º da CRP segundo o qual “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
11 – Assim, apodíctico será concluir como provada a violação dos artigos 447.º-A n.º 4 do CPC e bem assim os artigos 13.º n.º 1 e 20.º n.º 1, ambos da CRP.
12 – Deste modo, revogando-se tal despacho, deverá aguardar-se pela decisão de pedido de apoio judiciário apresentado pela co-ré R… e, caso seja indeferido, deverá notificar-se para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida. Termina pedindo a revogação do despacho proferido, na sua totalidade.
Não foram oferecidas conta alegações
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se, no caso de acção proposta contra marido e mulher – injunção com base em obrigação emergente de transação comercial, que passou a seguir a forma comum ordinária, em virtude de oposição deduzida pelos réus – o apoio judiciário de um aproveita ou não ao outro.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Os factos com relevo são os que constam do relatório que antecede, não sendo possível apurar quaisquer outros face à exiguidade da certidão enviada a este Tribunal.
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Salvo o devido respeito, o apoio judiciário que eventualmente venha a ser concedido à requerida não é comunicável ao requerido enquanto cônjuge.
Aliás, se esse fosse o entendimento do requerido não se percebe porque decidiu apresentar dois pedidos de apoio judiciário, um para cada um dos cônjuges.
Custas pelo incidente que se fixa em 1 UC.
Notifique.
Face ao exposto, é inequívoco que o apoio judiciário requerido por A… foi indeferido pelo que se mantém o despacho de fls. 87.
Não tendo o requerido procedido ao pagamento das quantias referidas no n.º 3 do artigo 486.º-A, n.º 3 do CPC, determina-se a sua notificação, nos termos e para os efeitos do n.º 5, do mesmo artigo, com a advertência de que o não cumprimento do aí disposto, implicará o desentranhamento da sua contestação.»
O acesso ao Direito e aos Tribunais está garantido no art. 20º da Constituição da República: ”a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a Justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. Este normativo visa promover a todos os cidadãos o acesso à Justiça, especialmente por parte daqueles que, por via da sua condição económica e sócio-cultural, mais dificuldades enfrentarão para poderem estar em juízo a conhecer, fazer valer ou defender os seus legítimos direitos.
A Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e, posteriormente, a Lei 34/2004 de 29 de Julho (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto), deram conteúdo a essa exigência fundamental, estabelecendo um sistema de protecção jurídica que envolve, para além da dispensa, total ou parcial, da taxa de justiça e demais encargos do processo, a nomeação de patrono e o pagamento de honorários ou, alternativamente, o simples pagamento de honorários do patrono já escolhido pelo impetrante.
No caso dos autos, o apelante foi demandado conjuntamente com sua esposa, através de injunção, tendo em vista o pagamento de dívida emergente de transação comercial, tendo ambos oferecido, conjuntamente, oposição à mesma, motivo pelo qual a dita injunção foi distribuída como acção com processo ordinário, face ao valor do pedido (€ 94.121,44).
Com a oposição, cada um dos réus juntou comprovativo do pedido, na Segurança Social, de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
A questão que aqui nos ocupa é, precisamente, a de saber se, tendo já sido indeferido o pedido efetuado pelo marido, mas encontrando-se o pedido efetuado pela mulher ainda em prazo para apresentação de documentos de prova da alegada insuficiência económica, devem os autos aguardar a decisão quanto a este último, não se ordenando, desde logo, o pagamento da taxa de justiça devida e respetiva multa, sob pena de desentranhamento da oposição.
E esta questão implica a resposta a uma outra, anterior, qual seja a de saber quem está obrigado ao pagamento de taxa de justiça numa situação de litisconsórcio, como é a dos autos.
Vejamos.
Dispõe o artigo 447.º do CPC que «1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. 2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.(…)»
E, dispõe o artigo 447º-A do CPC, no que aqui interessa, que:
«1 - A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
(…)
4 - Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.
5 - Nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais.»
Por seu turno, o Regulamento das Custas Processuais, no seu artigo 6º, estatui que: 1 – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.(…)
Prevê-se no artigo 13º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais que “A taxa de justiça é paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário”, enquanto o seu n.º 6 dispõe que a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B para as partes coligadas (…)
Vemos assim que (com a excepção do pagamento faseado no apoio judiciário), com o novo Regulamento das Custas Processuais, o pagamento da taxa de justiça passa a ser devido num só momento, ou quando a parte assim o entenda, em duas prestações até um prazo de 90 dias.
E, como se determina nos artigos 447.º e 447.º-A do Código de Processo Civil, a taxa de justiça é uma tributação aplicável no âmbito judicial como contrapartida pela prestação de serviços de justiça e é fixada em função do valor e complexidade do processo, sendo devido o pagamento da taxa de justiça pelo impulso processual de cada parte.
Tal significa que, quando alguém der início a um processo, ou o conteste, será, em regra, responsável pelo pagamento de uma taxa de justiça, vigorando o princípio da tipicidade tributária em matéria de custas processuais (artigo 9.º n.º 7 do RCP). É que, para que seja devido o pagamento da taxa de justiça é necessária uma actividade processual, devendo para a mesma estar previsto, no RCP, o pagamento de uma taxa.
Na Tabela I anexa ao Regulamento das Custas Processuais, elencam-se os diversos valores da acção e as correspondentes taxas de justiça, aí se referindo que a taxa de justiça será aplicável a cada parte ou conjunto de sujeitos processuais.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 24/03/2011, in www.dgsi.pt, que, nesta parte, vimos seguindo de perto, “a lei faz referência, simultaneamente, à parte e aos sujeitos processuais, visto que tais conceitos não se equivalem. A parte processual é a pessoa ou cada uma das pessoas que pede a composição do litígio, ou contra quem ela é pedida. Os sujeitos processuais são, ao invés, as pessoas que podem integrar uma parte ou uma pluralidade de partes”.
E, não existindo neste Código, preceito que expressamente identifique cada conjunto composto por mais de um autor ou um réu, como uma única parte para efeitos de cálculo da taxa de justiça (como no pretérito artigo 13.º, n.º 3 do CCJ), a verdade é que a actual lei não regula de forma uniforme as figuras do litisconsórcio e da coligação e, como é sabido, o litisconsórcio distingue-se da coligação pelo facto de, no primeiro caso, existir uma só relação material controvertida, enquanto no segundo, serem duas ou mais e reportando-se, necessariamente, a pretensões objetivamente diferentes - EURICO LOPES CARDOSO, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 3ª edc. 105 e SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da Instância”, 3.º ed., 78, citados no Acórdão da Relação de Lisboa supra identificado, que prossegue, afirmando, quanto a esta diferença:
“A doutrina tem entendido que o litisconsórcio e a coligação se distinguem porque nesta, há pedidos diferentes dirigidos por cada um dos autores discriminadamente contra uma pluralidade de partes; e naquele, unidade de pedido dirigido contra mais de uma parte, ou pluralidade de pedidos não discriminadamente dirigidos ou dirigidos discriminadamente se idênticos no seu conteúdo e fundamentos – v. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, 256 e ss”.
Ora, como acima se mencionou, o artigo 447º-A, nº 4 do CPC, ao tratar do litisconsórcio estatui que será o litisconsorte que, designadamente, figurar como primeiro autor na petição inicial, que deverá proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, sem prejuízo do direito de regresso sobre os demais.
Já no caso da coligação, expressamente decorre do nº 5 do citado artigo 447º-A do CPC que, designadamente, cada um dos autores será responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça.
Daí se considerar, como muito bem se entende no citado Acórdão da Relação de Lisboa, que não será exigível, numa situação de litisconsórcio inicial, o pagamento de tantas taxas de justiça quantos os autores, aplicando-se a Tabela I-A. E, tratando-se de partes coligadas, cada um dos autores haja de pagar a sua taxa de justiça, mas fixada nos termos da Tabela 1-B, que é metade da Tabela I-A (v. artigo 13º, nº 6 do RCP).
Assim, no nosso caso, de litisconsórcio passivo, estando em causa uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual.
Ora, não estando ainda decidido o apoio judiciário quanto a um dos sujeitos processuais que compõem o lado passivo do litisconsórcio, não se justifica ordenar o pagamento da taxa de justiça, apenas porque foi já decidido indeferir o mesmo pedido em relação ao outro sujeito.
É que só será exigido o pagamento da totalidade da taxa de justiça a um dos sujeitos processuais e se um deles vier a gozar do benefício do apoio judiciário, sendo marido e mulher e encontrando-se em situação de litisconsórcio, não é de exigir o pagamento exatamente àquele que dele não beneficia, tendo em conta, aliás, que para cálculo da situação de insuficiência económica necessária à atribuição do referido apoio judiciário, haverá que ter em conta os rendimentos do agregado familiar.
E muito menos se justifica ordenar o desentranhamento da peça processual que a ambos aproveita, quando apenas um deles está em falta.
No mesmo sentido, se bem que em situação enquadrada na legislação anterior (CCJ), ver Acórdão da Relação de Guimarães de 29/05/2008, in www.dgsi.pt.
Daí que se discorde da posição assumida no despacho recorrido (que, aliás, não está minimamente fundamentada, o que sempre conduziria à sua nulidade), procedendo as conclusões da alegação do apelante, o que conduzirá à revogação daquele.
Sumário:
1 – Os artigos 447.º-A, n.ºs 4 e 5 do CPC e os artigos 6.º, n.º 1 e 13.º, n.º 6 do RCP, tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto á respetiva base de cálculo.
2 – Estando em causa uma situação de litisconsórcio passivo, que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual.
3 – Assim, enquanto não for decidido o apoio judiciário solicitado por um dos litisconsortes, o outro litisconsorte, em virtude do indeferimento do pedido de apoio judiciário por si formulado, não terá que pagar taxa de justiça pelo impulso processual devido pelo oferecimento da contestação.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se que os autos aguardem a decisão do pedido de apoio judiciário formulado pela co-ré R…, nos termos supra expostos.
Sem custas.
***
Guimarães, 2 de julho de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas
Purificação Carvalho