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LIVRANÇA
ASSINATURA
IMPUGNAÇÃO
PACTO DE PREENCHIMENTO
DOCUMENTO PARTICULAR
Sumário
1. Os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.° l do citado art.º 668.°. São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada. 2. Demonstrado que está (pela não impugnação do documento que consubstancia o mútuo – art.ºs 374º e 376º do Código Civil) que a mutuária subscreveu e entregou ao mutuante uma livrança caução em branco, e o pacto de preenchimento, como garantia de pagamento do empréstimo, alegando ela na oposição que não subscreveu a livrança dada à execução e que não é do seu punho a respetiva assinatura, tem-se como impugnada autenticidade de tal documento (que não se confunde com o contrato de mútuo, podendo também não se tratar da livrança ali referida). 3. Porém, cabendo ao Banco exequente demonstrar a autenticidade do título executivo, por regra, através de prova pericial à assinatura nele aposta como sendo da executada, dada a prova já resultante da não impugnação do documento do contrato de mútuo, basta que se prove que a livrança dada à execução é a mesma a que o contrato se refere para se concluir que foi assinada pela executada.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
M.., executada nos autos principais e ali melhor identificada, deduziu oposição à execução que lhe é movida por BANCO.., S.A., alegando essencialmente que a assinatura “M..” aposta na livrança não é do seu punho, não preencheu aquele título, não autorizou ninguém ao seu preenchimento e até desconhece a origem do valor indicado para a execução, não tendo, assim, estabelecido qualquer relação jurídica subjacente à livrança nem assumido qualquer pagamento.
Concluiu pela procedência da oposição que deduziu, “com as legais consequências” e requereu desde logo a realização de “um exame à letra constante da livrança dada à execução, a fim de se comprovar que a assinatura não foi escrita pelo punho da oponente”.
Notificado da oposição, o Banco exequente ofereceu contestação, impugnando a matéria daquele articulado e afirmando que a oponente não só subscreveu a livrança dada em caução e garantia do crédito concedido, como assinou também o “contrato de financiamento para aquisições a crédito” para compra de um veículo automóvel, para o que fez a entrega de vários documentos, obrigando-se a fazer o respetivo pagamento, como fez, mas apenas relativamente às duas primeiras prestações.
A livrança foi preenchida com respeito pelo pacto de preenchimento estabelecido entre as partes, depois da resolução do contrato de várias interpelações da executada para pagamento, sem que ela tivesse cumprido a sua obrigação.
Concluiu no sentido de que fosse julgada a oposição improcedente, juntando posteriormente vários documentos que havia protestado juntar na contestação, entre os quais cópias do “contrato de financiamento para aquisições a crédito” e de cartas alegadamente dirigidas à oponente, cujos avisos de receção juntou posteriormente, tendo estes sido impugnados pela executada com o argumento de que não residia na morada deles constante e, por isso, nunca as cartas chegaram ao seu conhecimento.
Realizada audiência preliminar, a mesma resultou infrutífera.
Conhecendo do mérito da oposição à execução no despacho saneador, o M.mo Juiz, mediante prévia fundamentação, proferiu decisão com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, julgo improcedente a oposição, pelo que dela absolvo o exequente”.
Para o efeito, o tribunal a quo aduziu a seguinte fundamentação:
«Sustenta a opoente que não existe qualquer relação jurídica subjacente à emissão da livrança apresentada como título executivo, sendo falsa a assinatura cuja autoria lhe é atribuída, e, consequentemente, que nunca autorizou, expressa ou tacitamente, o exequente a proceder ao preenchimento de tal livrança.
Todavia, notificada dos documentos juntos com a contestação, nomeadamente do teor do contrato de financiamento por si alegadamente celebrado com o exequente e donde emerge o crédito exequendo, não impugnou o respectivo teor, pelo que esse contrato e a livrança que o caucionou, cuja existência (e função) é nele expressamente reconhecida, têm de considerar-se verdadeiros, nos termos do artigo 374º do Código Civil.
Acresce que resulta do ajuizado contrato que a livrança, depois de subscrita pela mutuária, foi entregue ao exequente em branco, sendo este autorizado a proceder ao seu preenchimento se deixassem de ser cumpridas as responsabilidades por ela garantidas.
Assim, mostrando-se a livrança integralmente preenchida no momento em que foi dada à execução, cabia à opoente, atenta a disciplina vertida no artigo 10º da LULL, aplicável “ex vi” do artigo 77º do mesmo diploma legal, excepcionar o seu preenchimento abusivo, mediante a articulação dos factos concretos reveladores do abuso, sob pena de a mesma produzir todos os efeitos que lhe são próprios.
Improcede, por conseguinte, a oposição.» (sic)
*
Inconformada, recorreu a oponente formulando as seguintes conclusões:
«1. Com o devido respeito, considera a recorrente que o Tribunal a quo não fez, no caso sob mérito, correcta interpretação e aplicação da lei.
2. Daí que a douta sentença deva ser revogada e a mesma substituída por outra que declare a oposição procedente ou, se assim não se entender, o prosseguimento dos respectivos autos para produção de prova.
3. O recorrido instaurou contra a recorrente uma acção executiva, cujo título é a livrança dada à execução.
4. Por apenso à execução que lhe fora instaurada pelo recorrido, a recorrente deduziu oposição à execução, alegando para o efeito, e em resumo, que:
a) A assinatura “M..” que se encontra aposta na livrança que se encontra junta aos autos não é verdadeira, ou seja, que não foi escrita pelo seu próprio punho;
b) não procedeu ao preenchimento da livrança dada à execução e que se encontra junta aos presentes autos;
c) nunca autorizou, expressa ou tacitamente, o preenchimento daquela livrança com qualquer montante;
d) desconhece qual a origem do valor indicado à execução;
e) não subscreveu a livrança dada à execução, nem estabeleceu qualquer outra relação jurídica subjacente à mesma, não tendo assumido o pagamento da livrança em causa.
5. A recorrente pugnou, assim, pela sua absolvição da instância executiva.
6. Com a dedução da sua oposição à execução a recorrente requereu como diligência de prova um exame à letra constante da livrança dada à execução, a fim de se comprovar que a assinatura não foi escrita pelo punho da ora recorrente.
7. A recorrida apresentou contestação à oposição à execução deduzida pela recorrente, com a qual juntou documentos.
8. Os documentos juntos pela recorrida com a sua contestação, nomeadamente um contrato de financiamento, não constam, nem consubstanciam o título executivo, título executivo esse (livrança) que a recorrente expressamente impugnou nos termos atrás referidos.
9. O Tribunal a quo reconhece que a ora recorrente sustentou na sua oposição à execução não existir “(…) qualquer relação jurídica subjacente à emissão da livrança apresentada como título executivo, sendo falsa a assinatura cuja autoria lhe é atribuída, e, consequentemente, que nunca autorizou, expressa ou tacitamente, o exequente a proceder ao preenchimento de tal livrança.”
10. Todavia, a decisão ora em crise assenta nos fundamentos seguintes:
a) “(…) notificada dos documentos juntos com a contestação, nomeadamente do teor do contrato de financiamento por si alegadamente celebrado com o exequente e donde emerge o crédito exequendo, não impugnou o respectivo teor, pelo que esse contrato e a livrança que o caucionou, cuja existência (e função) é nele expressamente reconhecida, têm de considerar-se verdadeiros, nos termos do artigo 374.° do Código Civil.”;
b) “Acresce que resulta do ajuizado contrato que a livrança, depois de subscrita pela mutuária, foi entregue ao exequente em branco, sendo este autorizado a proceder ao seu preenchimento se deixassem de ser cumpridas as responsabilidades por ela garantidas.”
c) “Assim, mostrando-se a livrança integralmente preenchida no momento em que foi dada à execução, cabia à opoente (…) excepcionar o seu preenchimento abusivo (…)”.
11, Concluindo, com base nestes três argumentos pela improcedência da presente oposição.
12. Ao contrário do que vem referido na sentença ora em crise (cfr. alínea a) supra), a recorrente não celebrou com o exequente, ora recorrido, contrato de financiamento que se encontra junto aos autos, pois que em nenhum momento do processo o admitiu.
13. A recorrente não impugnou o teor do contrato de financiamento junto aos autos com a douta contestação da recorrida, por entender que tal factualidade já se encontrava impugnada na própria petição inicial, pois que decorre do confronto de tal versão, com quanto se alegou na p.i., estar, desde lego, impugnada tal factualidade,
14. Aliás, tem sido esse o douto entendimento da nossa doutrina e jurisprudência, cf. Ac. RE, de 3.4.1981; Co. Jur., 1981, 2º-250 e BMJ, 308.°-297: “I – O ónus de impugnação especificada não implica que tenham de ser, expressamente, negados todos os pormenores fácticos que o impugnante queira contradizer, bastando, para que tal ónus seja cumprido, que o impugnante apresente uma versão dos eventos essencialmente contraposta à da outra parte. II – Outrossim, não é indispensável, para cumprimento desse ónus, que a parte impugnante reafirme o que já dissera antes mesmo de ser articulado – facto a que pretende opor-se, desde que essa oposição já resulte de posição anteriormente explicitada.”
15. Com efeito, na sua petição inicial (oposição à execução) já a recorrente refere que:
a) A assinatura constante da livrança dada a execução não é verdadeira, isto é, não foi escrita pelo seu próprio punho a assinatura “M..” que se encontra aposta na livrança que se encontra junta aos autos;
b) Não foi a oponente quem procedeu ao preenchimento da livrança dada à execução e que se encontra junta aos presentes autos.
c) A oponente nunca autorizou, expressa ou tacitamente, o preenchimento daquela livrança com qualquer montante.
d) A oponente desconhece qual a origem do valor indicado à execução.
e) Não subscreveu a livrança dada à execução, nem estabeleceu qualquer outra relação jurídica subjacente à mesma, não tendo assumido o pagamento da livrança em causa.
16. Logo, tudo quanto fora alegado na p.i. pela ora recorrente é precisamente a impugnação, por estar em manifesta contradição, de tudo quanto se encontra alegado na contestação do recorrido.
17. Aliás, a recorrente na petição inicial já antecipou a sua defesa face à possível invocação, pelo recorrido, da existência de uma qualquer relação jurídica subjacente à livrança dada à execução, alegando, para o efeito, que não estabeleceu qualquer relação jurídica subjacente à mesma.
18. Perante os elementos que se encontram juntos aos autos, e sem ter ordenado a diligência de prova requerida pela oponente, ora recorrente, de exame à letra, não podia o Tribunal a quo ter dado como assente a factualidade constante dos pontos 2 e 3 da sentença ora em crise, pois tal factualidade encontra-se em expressa e manifesta contradição e, assim, impugnada, com o alegado pela recorrente na sua p.i. e que atrás se transcreveu.
19. Com efeito, têm de se considerar impugnados os factos que estiverem em oposição com o que se alega, “considerada no seu conjunto” (art.° 490.°, n.º 2 CPC), e
20. Logo que deduziu a sua oposição à execução, a ora recorrente pôs em causa o teor do referido contrato de financiamento, desde logo, ao afirmar que nunca autorizou, expressa ou tacitamente, o preenchimento daquela livrança com qualquer montante; que desconhece qual a origem do valor indicado à execução; e que não estabeleceu qualquer outra relação jurídica subjacente à mesma, não tendo assumido o pagamento da livrança em causa.
21. Acresce que, o título executivo dado à execução é a livrança que se encontra junto aos autos, e foi precisamente a assinatura aposta no título executivo, atribuída pelo recorrido à recorrente, que a recorrente impugnou por não ser da sua autoria.
22. Pelo que, independentemente do entendimento do Tribunal a quo, com o qual, com o devido respeito, se não concorda, de que a recorrente ao não impugnar o teor de um contrato de financiamento junto aos autos com a contestação (que, aliás, nunca admitiu ter celebrado com o recorrido), esse contrato e a livrança que o caucionou têm de considerar-se verdadeiros, o título executivo dado à presente execução não é o aludido contrato de financiamento, mas sim a livrança cuja assinatura fora impugnada pela recorrente.
23. Ou seja, na versão da recorrente a presente execução carece de título executivo.
24. Ao afirmar na sua oposição à execução que não assinara, não preenchera, nem autorizara o preenchimento daquele título executivo, a oponente excepcionara o seu preenchimento abusivo.
25. Ainda que o preenchimento da livrança dada à execução tivesse sido autorizado pela recorrente, o que se não aceita nem admite, nunca esta poderia autorizar (como não autorizou) a que o recorrido procedesse à sua assinatura pela recorrente.
26. Logo, ao afirmar que não assinara o título dado à execução, nunca a oposição à execução poderia improceder sem ser feita prova nos presentes autos de que fora a recorrente quem o assinara.
27. Dispõe o art.º 668.º, n.º 1 do Código de Processo Civil nas suas alíneas b) e c) que, quando a fundamentação esteja em oposição com a decisão e quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão a sentença é nula (vide art.º 668º n.º l, alíneas b) e c)).
28. No caso em apreço foi o exequente, ora recorrido, absolvido por ter sido julgada improcedente a oposição à execução deduzida pela opoente, ora recorrente.
29. Resulta, erradamente, no entendimento da aqui recorrente, que a sentença ora em crise não deu como provada a tese da recorrente.
30. Conforme se referiu “ab initio” a sentença ora em causa está ferida de nulidade atento o estipulado na alínea b), do n.º l, do art° 668,° do Cod. Proc. Civil.
31. Após leitura da sentença ora em causa, verifica-se uma notória contradição entre a fundamentação de facto e de direito, dado que, por uma lado, é reconhecido que a oponente, ora recorrente, sustentou não existir “(…) qualquer relação jurídica subjacente à emissão da livrança apresentada como título executivo, sendo falsa a assinatura cuja autoria lhe é atribuída, e, consequentemente, que nunca autorizou, expressa ou tacitamente, o exequente a proceder ao preenchimento de tal livrança”, mas por outro conclui que ao não impugnar o teor de um contrato de financiamento junto aos autos com a contestação do ora recorrido (e que não é título executivo), “(…) esse contrato e a livrança que o caucionou, cuja existência (e função) é nele expressamente reconhecida, têm de considerar-se verdadeiros (…)”; e que, “(…) mostrando-se a livrança integralmente preenchida no momento em que foi dada à execução, cabia à opoente (…) excepcionar o seu preenchimento abusivo (…)”.
32. Ou seja, reconhece que a recorrente na petição inicial sustenta que não assinou e não autorizou o preenchimento da livrança dada à execução, nem reconhece a existência de qualquer relação jurídica subjacente à emissão dessa livrança, mas, por outro lado, vem afirmar que a recorrente não impugnou um contrato de financiamento segundo o qual contrato terá autorizado o preenchimento da aludida livrança.
33. Acresce que, a oponente impugnou a assinatura constante do título executivo dado à execução e cuja autoria lhe é, indevidamente, atribuída.
34. Para o efeito, a recorrente requereu ao Tribunal a quo que fosse ordenada prova pericial, de exame à letra da oponente, a fim de lograr demonstrar que, efectivamente não assinara, o título executivo junto aos autos
35. e, consequentemente, que a execução que lhe fora instaurada carece de título executivo.
36. Porém, e mesmo assim não obteve por parte do Mm.° Juiz a quo o devido acolhimento, como se pretendia.
37. Assim sendo e salvo o devido respeito por opinião contrária, verifica-se que não existem nos autos quaisquer elementos que permitissem ao Tribunal a quo decidir-se, sem mais, pela improcedência da oposição a execução.
38. A douta sentença recorrida, viola entre outros o art° 490.°, n.º 2 e 668.º, n.º l, al. b) e c) do Código de Processo Civil.» (sic)
Defende que seja declarada nula a sentença e, se assim não se entender, se revogue a mesma e se substitua por outra que julgue a oposição procedente ou, não sendo assim, seja ordenado o prosseguimento dos autos para produção de prova.
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A recorrida não ofereceu contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto, aqui aplicável).
O Tribunal não tem que discutir todos os argumentos ou raciocínios das partes. Apenas lhe é exigível considerar o que for necessário e suficiente para resolver cada questão [1].
Com efeito, estão para apreciar e decidir as seguintes questões:
1- Nulidade da decisão, com os fundamentos previstos no art.º 668º, nº 1, al.s b) e c), do Código de Processo Civil;
2- O contrato de financiamento, o pacto de preenchimento da livrança nele previsto e a impugnação como condição de exame à letra e à assinatura aposta naquele título.
III.
A 1ª instância deu como assentes os seguintes factos [2]:
1 - O exequente é portador de uma livrança no montante de €32.229,35, em cujo anverso consta, no espaço reservado à assinatura do subscritor, a assinatura da opoente, bem como, nos espaços correspondentes à indicação das datas de emissão e vencimento, respectivamente 1 de Fevereiro de 2011 e 14 de Fevereiro de 2011 – cfr. doc. de fls. 5 do processo de execução, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
2 - Essa livrança foi emitida e entregue ao exequente, com os espaços reservados à indicação do montante e datas de emissão e vencimento em branco, para garantia do bom cumprimento das obrigações assumidas pela respectiva subscritora no âmbito de um contrato de financiamento para aquisição de um veículo automóvel com a matrícula ..-CG-.. entre ambos celebrado – cfr. doc. de fls. 20 e 21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
3 - A opoente autorizou o exequente a proceder ao preenchimento da aludida livrança em caso de incumprimento e/ou resolução do contrato, apondo-lhe, além do mais, o valor que então estivesse em dívida e as datas de emissão e vencimento;
4 - Por carta registada com aviso de recepção datada de 1 de Fevereiro de 2011, enviada para a morada constante do contrato como sendo a da residência da opoente, o exequente comunicou àquela que, nessa data, procedera ao preenchimento da livrança pelo valor em débito, que ascendia a €32.229,35, apondo-lhe como data de vencimento o dia 14 de Fevereiro desse ano – cfr. doc. de fls. 31, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
5 - Essa carta foi devolvida com a menção “não atendeu” – cfr. doc. de fls. 44 a 46;
6 - O veículo automóvel para aquisição do qual foi concedido o financiamento encontra-se inscrito no registo em nome da opoente, com reserva de propriedade a favor do exequente – cfr. doc. de fls. 35 a 36.
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1ª Questão: Nulidade da decisão recorrida
Entende a apelante que a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do nº 1 do art.º 668º do Código de Processo Civil) e que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão (al. c) do mesmo preceito).
Como tem sido entendido, sem controvérsia, os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.° l do citado art.º 668.°. São sempre vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada [3].
Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão [4].
Ao dispor o citado art.º 668º, nº 1, al. b), que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, é praticamente pacífico que só a falta absoluta de fundamentação determina a nulidade da sentença, não padecendo desse vício a sentença que contém uma fundamentação deficiente, medíocre ou errada [5].
Como escreve o Professor Alberto dos Reis [6], «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Analisada a sentença, dela resultam discriminados os factos com base nos quais se proferiu decisão (itens 1º a 6º), os motivos pelos quais se deram tais factos como provados --- essencialmente, a não impugnação dos documentos que foram juntos com a contestação, com citação do art.º 374º do Código Civil --- e as razões de Direito que conduziram à improcedência da oposição.
Embora de modo sintético, a sentença está motivada a todos os níveis, pelo que não se verifica a nulidade da citada al. b) do nº 1 do art.º 668º.
Falece, assim, a primeira questão da apelação, por não se verificar a invocada nulidade.
A apelante defende ainda a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 668º, nº 1, al. c)).
Esta nulidade constitui um vício lógico que compromete a decisão desde logo na sua construção. A decisão perde a sua justificação ao apoiar-se ostensivamente numa base que, na realidade, não a sustenta. Os fundamentos dela constantes conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso e querido pelo juiz subscritor, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, bastante diferente, de tal modo que a decisão não é um ato considerado racionalmente sustentado; antes revela uma distorção do raciocínio lógico que se impõe entre as premissas de facto e de direito e a conclusão. A fundamentação há de apontar num sentido enquanto o segmento decisório segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direção claramente diferente.
A nulidade pela oposição entre os fundamentos e a decisão está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 158° e 659°, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, de fundamentar as decisões e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Não se verifica a oposição geradora desta nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação. Assim, a circunstância de o juiz ter eventualmente extraído ilações e explanado o seu raciocínio, com argumentos e razões não sustentadas nos factos provados não é problema de nulidade de sentença.
Entende a recorrente, basicamente, que o tribunal não poderia desvalorizar ou desconsiderar a alegação feita por ela no requerimento de oposição de que não assinou nem autorizou o preenchimento da livrança dada à execução nem reconheceu a existência de qualquer relação jurídica subjacente à respetiva emissão, afirmando o M.mo juiz que a recorrente não impugnou um contrato de financiamento segundo o qual terá autorizado o preenchimento da livrança.
Não há qualquer contradição nesta posição. O que está em causa é uma pura questão de direito, tendo o tribunal considerado que a não impugnação do documento junto a fl.s 20 e 21 conduz à demonstração de factos que deu como provados, nos seguintes termos: “Todavia, notificada dos documentos juntos com a contestação, nomeadamente da teor do contrato de financiamento por si alegadamente celebrado com o exequente e donde emerge o crédito exequendo, não impugnou o respectivo teor, pelo que esse contrato e a livrança que o caucionou, cuja existência (e função) é nele expressamente reconhecida, têm de considerar-se verdadeiros, nos termos do artigo 374° do Código Civil”. Por estas e outras razões, o tribunal julgou a oposição improcedente.
Como é por demais evidente, não está em causa qualquer viciação de raciocínio lógico entre os fundamentos e a decisão que ponha em causa a sua própria construção e valor enquanto ato decisório processual. O que, na realidade, a recorrente aponta é sua discordância com os fundamentos e com a decisão.
Conforme referido, a contradição entre os fundamentos de facto e/ou de direito e a decisão a que se reporta o art.º 668.°, nº l, al. c), do Código de Processo Civil, nada tem a ver com o erro de interpretação fáctico-jurídica ou de aplicação normativa.
Corretos ou incorretos do ponto de vista jurídico, os fundamentos da decisão apontam no sentido do que foi decidido na sentença que, nesta perspectiva é, em si mesma, não só perfeitamente inteligível, como também coerente. Digamos que a decisão nela contida segue o caminho dos seus fundamentos, dos quais aquela resulta com sentido lógico-racional.
Com efeito, a sentença não padece da invocada nulidade, assim caindo por terra o segundo dos fundamentos da invocada nulidade.
A sentença é válida qua tale.
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2ª Questão: O contrato de financiamento, o pacto de preenchimento da livrança nele previsto e a impugnação como condição de exame à letra e à assinatura aposta naquele título
O tribunal argumentou na sentença recorrida que “notificada dos documentos juntos com a contestação, nomeadamente do teor do contrato de financiamento por si alegadamente celebrado com o exequente e donde emerge o crédito exequendo, não impugnou o respectivo teor, pelo que esse contrato e a livrança que o caucionou, cuja existência (e função) é nele expressamente reconhecida, têm de considerar-se verdadeiros, nos termos do artigo 374° do Código Civil”.
A recorrente defende-se no recurso, alegando essencialmente que o tribunal não podia ter tirado aquela conclusão, pelo facto da oponente não ter impugnado a junção do contrato de financiamento em virtude da respetiva factualidade já se encontrar então impugnada na própria petição inicial de oposição, como decorre do confronto de tal versão com o que alegou naquele articulado. Na sua perspetiva, a apelante “já antecipou a sua defesa face à possível invocação, pelo recorrido, da existência de uma qualquer relação jurídica subjacente à livrança dada à execução, alegando, para o efeito, que não estabeleceu qualquer relação jurídica subjacente à mesma”.
Vejamos.
Conforme resulta do documento de fl.s 20 e 21 dos autos, junto pelo Banco exequente, supostamente assinado pela executada, a esta foi concedido um financiamento para pagamento de um veículo automóvel que adquiriu.
Consta expressamente nas condições particulares desse contrato, imediatamente antes da suposta assinatura da executada a seguinte declaração, ali a ela imputada: “2. Declaro igualmente que dou o consentimento para que, em caso de incumprimento e/ou resolução do presente contrato, a livrança de caução em branco anexo ao contrato e por mim subscrita, seja preenchida nos termos da Cláusula 10ª das Condições Gerais pelo valor em dívida que for apurado nos termos das mesmas Condições”.
A dita cláusula 10ª tem o seguinte teor, sob a epígrafe “pacto de preenchimento”: “O Mutuário autoriza a B.. a preencher a livrança de caução subscrita como garantia do presente contrato, nomeadamente no que se refere à data do vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das obrigações assumidas pelo Mutuário, nos termos do presente contrato, actualizados à data do seu vencimento, acrescido dos respectivos encargos com selagem dos títulos, bem como das despesas de cobrança extrajudicial e judicial nos termos do n.° 3 da cláusula oitava”.
O contrato de mútuo junto aos autos é um documento particular simples (art.º 363º, nº 2, in fine, do Código Civil). A assinatura é um requisito essencial dos documentos particulares (art.º 373º, nº 1, do mesmo código). Porém, diferente dos documentos autênticos, os documentos particulares, em regra, não provam por si mesmos a sua autenticidade ou veracidade; nisto reside o traço fundamental que distingue uns dos outros. Não é, pois, suficiente a apresentação deles para se considerar apurado que o seu autor é aquele que neles figura como tal. Com efeito, não se exigem, para tais documentos, cautelas que obstem à sua falsidade, e não pode, portanto, presumir-se que a assinatura e a letra são efetivamente daquele a quem são atribuídas: há que apurar se tal assinatura é autêntica ou genuína [7].
Segundo o art.º 374º, nº 1, da citada lei civil, “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”. Acrescenta o nº 2 que “se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”.
Perante a apresentação do documento, a parte contra quem o documento é produzido pode tomar várias atitudes [8], entre elas --- a que aqui nos interessa --- a de impugnar a assinatura nele aposta, afirmando que, apesar de lhe ser atribuída, não lhe pertence, não foi feita pelo seu punho. Neste caso, assim impugnada a veracidade da assinatura, esta terá de ser objeto de prova cujo ónus recai sobre a parte que apresenta o documento. É a ela que cabe estabelecer a autoria ou a exactidão do documento.
Quando o documento seja oferecido com o último articulado --- como acontece no caso (foi junto com a contestação) --- ou depois dele, a sua apresentação será notificada à parte contrária, salvo se esta estiver presente (art.º 526º do Código de Processo Civil). É a salvaguarda do contraditório e do princípio da proibição da indefesa, pela concessão à parte contrária do direito de participar em todos os actos de preparação e produção da prova. E tratando-se de prova pré-constituída (por de prova documental se tratar), da atribuição da faculdade de deduzir impugnação, quer da sua admissão, quer da sua força probatória [9].
Como ensina Alberto dos Reis na grande lição do Código de Processo Civil anotado [10], “junto o documento ao processo, a parte contra quem é produzido tem de tomar posição quanto a ele; não pode, impunemente, colocar-se numa atitude de indiferença ou alheamento”. Se o fizer, remetendo-se ao silêncio, sendo-lhe atribuída a sua assinatura, tem-se a autenticidade do documento como reconhecida pela parte; reconhece-se, designadamente, de forma tácita, autor da assinatura nele aposta. O seu silêncio vale como confissão [11].
Basta compulsar os autos para verificar que, junto com a contestação, o documento em causa --- o referido contrato escrito de financiamento --- não mereceu qualquer posição expressa posterior da executada no processo [12]. A própria executada oponente o reconhece, querendo, no entanto, valer-se do que alega existir uma impugnação antecipada do documento, no requerimento inicial de oposição à execução.
Não sendo de excluir, em tese geral, a possibilidade de a parte contra a qual o documento vem a ser apresentado, conhecê-lo e prever a sua apresentação pela parte contrária e, desde logo, antecipadamente, produzir oposição à sua admissibilidade ou à sua força probatória, impugnando, designadamente, a letra ou a sua assinatura [13], mandam as boas regras da técnica jurídica que a impugnação deve ocorrer apenas após a junção do documento aos autos.
Analisando o requerimento de oposição à execução, para o efeito invocado pela executada, bem se vê que não há nele qualquer referência ao documento em causa. A oponente não o invoca, nem aduz qualquer facto que deixe antever o seu conhecimento e a futura ou, simplesmente, potencial junção. Não refere, designadamente, que não assinou tal documento; o que nega é apenas o preenchimento e a subscrição da livrança que serve de título à execução.
A fórmula utilizada pela, oponente sob o artigo 4º de que “não tendo a oponente nunca autorizado, expressa ou tacitamente, o preenchimento daquela livrança com qualquer montante” e sob o artigo 6º, de que “…a oponente não subscreveu a livrança dada à execução, nem estabeleceu qualquer outra relação jurídica subjacente à mesma, não tendo assumido o pagamento da livrança em causa” está muito longe de relevar como impugnação de um documento diferente, posteriormente apresentado pela parte contrária, e que reflete a relação jurídica subjacente à emissão da livrança.
Ademais, a recorrente confunde a alegação de factos com os meios de prova apresentados e destinados à sua demonstração. Diferente da impugnação dos factos alegados, a fazer através da sua negação ou da alegação de factos contrários e incompatíveis (art.º 490º do Código de Processo Civil), é a impugnação dos meios de prova que, no caso, tratando-se de um documento, sempre seria com o objetivo de afastar a sua autenticidade e a sua força probatória (não de negar o facto).
Há, pois, que concluir que a oponente não impugnou o documento denominado “contrato de financiamento para aquisições a crédito”, pelo que se tem por reconhecida a sua autenticidade, designadamente a assinatura da executada nele aposta e, ao abrigo do art.º 376º, nºs 1 e 2, do Código Civil, a sua força probatória plena quanto às declarações a ela ali atribuídas, na medida em que são contrárias ao seu interesse [14]. O documento diz a verdade quando o facto representado seja contrário ao interesse do seu autor [15]. Nesta medida, como observa Vaz Serra [16], “o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante”[17] (força probatória material), constituindo prova legal no sentido de que o juiz deve admitir como provados os factos nos precisos termos em que emergem do documento [18].
Dadas estas implicações probatórias, é inevitável concluir que a oponente subscreveu uma livrança de caução em branco para que o Banco mutuante a preenchesse em caso de incumprimento/resolução do contrato, nos termos da cláusula 10ª do contrato, tendo ela ficado na disponibilidade do exequente, em anexo ao mesmo contrato (cf. ainda parte final das respetivas condições particulares).
Somos, assim, tentados a afirmar, segundo regras de probabilidade, que a livrança dada à execução é aquela que a executada subscreveu nos termos do contrato, por não se conhecer qualquer outro relacionamento negocial entre as partes.
Todavia, uma coisa é a probabilidade, outra bem diferente é a prova efetiva de uma realidade de facto.
Encontramo-nos no âmbito de relações imediatas; por isso discutíveis, pese embora a abstração e a literalidade emergentes do título dado à execução.
Não impugnando o contrato escrito e assim reconhecendo a executada como verdadeiro tudo o que dele resulta e lhe é desfavorável, nem por isso deixam de relevar outros factos como objeto de prova. No seu requerimento inicial, a oponente nega que subscreveu a livrança dada à execução, nega ainda que tivesse autorizado, expressa ou tacitamente, o preenchimento daquela mesma livrança. E, sob o artigo 6º, alega mais uma vez que “não subscreveu a livrança dada à execução, … não tendo assumido o pagamento da livrança em causa. Ou seja, a prova emergente da força probatória dos termos do contrato celebrado entre oponente e exequente é insuficiente à demonstração de que a livrança dada à execução é a mesma a que o contrato se refere. Podendo não ser a mesma, não é de excluir que a assinatura nela aposta não seja do punho da executada.
Nesta inteleção, afigura-se-nos que, uma vez impugnada no requerimento de oposição a assinatura da livrança que serve de título executivo (e não a livrança que garante o contrato) --- pese embora a prova que emerge do documento de contrato de fl.s 20 e 21 --- a exequente não está dispensada de demonstrar a autenticidade da assinatura, nos termos do nº 2 do art.º 374º, nº 2, do Código Civil) para o que releva desde já como princípio de prova, a completar com outras provas, designadamente pericial, o facto de não ter invocado qualquer outra relação jurídica com o Banco exequente e de ter negado mesmo a existência de qualquer relação entre eles que justifique a emissão de um qualquer título de crédito, e a demonstração de que celebraram o contrato que denominaram de “contrato de financiamento para aquisições a crédito”, com subscrição de uma livrança.[19] Basta, aliás, que se prove que a livrança dada à execução é a livrança a que se refere o contrato para que se conclua que está assinada pelo punho da executada.
A oposição tem que prosseguir a sua normal tramitação para apurar a referida matéria de facto.
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SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.° l do citado art.º 668.°. São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.
2. Demonstrado que está (pela não impugnação do documento que consubstancia o mútuo – art.ºs 374º e 376º do Código Civil) que a mutuária subscreveu e entregou ao mutuante uma livrança caução em branco, e o pacto de preenchimento, como garantia de pagamento do empréstimo, alegando ela na oposição que não subscreveu a livrança dada à execução e que não é do seu punho a respetiva assinatura, tem-se como impugnada autenticidade de tal documento (que não se confunde com o contrato de mútuo, podendo também não se tratar da livrança ali referida).
3. Porém, cabendo ao Banco exequente demonstrar a autenticidade do título executivo, por regra, através de prova pericial à assinatura nele aposta como sendo da executada, dada a prova já resultante da não impugnação do documento do contrato de mútuo, basta que se prove que a livrança dada à execução é a mesma a que o contrato se refere para se concluir que foi assinada pela executada.
IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida, determina-se o normal prosseguimento da oposição de executado para discussão da autenticidade do título executivo, em conformidade com os fundamentos acima desenvolvidos.
Custas da apelação pelo Banco recorrido.
Guimarães, 10 de setembro de 2013
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s.
[2] Por transcrição.
[3] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.4.2004, in www.dgsi.pt.
[4] Cf. acórdão da Relação de Lisboa, de 10.5.1995, Colectânea de Jurisprudência, T. III, pág. 179.
[5] Cf., entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, in www.dgsi.pt.
[6] Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140.
[7] E, no caso de o texto ter sido redigido pelo signatário, se a letra é igualmente autêntica ou genuína. Cf. Vaz Serra, Provas, Direito Probatório Material”, BMJ 110 e seg.s, pág. 181.
[8] Os documentos particulares não provam, por si só, a sua proveniência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria. A autenticidade deles só pode ser aceite mediante reconhecimento tácito ou expresso da parte ou através do reconhecimento judicial. Se a parte contra a qual o documento particular é oferecido, e à qual é imputada a autoria, nada disser, a autenticidade do mesmo considera-se provada, nos termos do artigo 374.°, n.° l, do Código Civil.
[9] Entre outros, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, pág. 302.
[10] Volume III, pág. 409.
[11] Idem, pág. 410.
[12] Que sempre deveria ser tomada no prazo geral de 10 dias, a contar da notificação da peça processual (contestação) com que foi apresentado --- dies a quo --- (art.º 153º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
[13] O que, no mínimo, configura uma técnica jurídica deficiente e não recomendável.
[14] A oponente não arguiu a sua falsidade.
[15] Carnelutti, Sistema, 1º, pág. 791, citado por Alberto dos Reis, ob. e vol. cit., pág. 437.
[16] RLJ, Ano 114, pág. 178.
[17] Sem prejuízo da afetação por algum vício susceptível de invalidar as declarações que, no caso em análise, não se discute.
[18] Vaz Serra, ibidem, BMJ 112, pág. 78.
[19] Não sendo de afastar a possibilidade de, cumprido o contraditório e assegurado o direito de defesa, a oponente vir a ser condenada como litigante de má fé, caso se demonstre que a livrança dada à execução é a mesma que subscreveu no âmbito do contrato (factos pessoais).