INTÉRPRETE
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Sumário

I – Sob pena de nulidade, dependente de arguição no prazo supletivo de 10 dias, a contar da notificação para qualquer termo posterior do processo, é obrigatória a nomeação de intérprete no ato de constituição de arguido de pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa.
II – Todavia, só o efetivo desconhecimento da língua portuguesa e não a mera condição de estrangeiro fundamenta a imposição legal de nomeação de intérprete.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do tribunal da Relação de Guimarães

I)
Relatório

No processo sumário supra referido do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, por Sentença de 6.05.2013, foi para além do mais, decidido:
- Condenar o arguido VALERICA C..., como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artº 292°, nº 1, do Código do C. Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, o que perfaz a multa global de 500 Euros.
- Condenar o arguido na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de oito meses.

Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, concluindo a sua motivação com conclusões das quais resulta serem as seguintes as questões a decidir:
Saber se a sentença padece de nulidade por virtude de o recorrente não ter sido assistido por defensor no momento em que foi constituído arguido e prestou TIR, visto que desconhece a língua portuguesa - Artº 64º, c) do CPP;
Da falta de fundamentação da decisão recorrida e da impugnação da matéria de facto; Saber se o tribunal a quo deveria ter lançado mão do princípio in dubio pro reo e absolvido o arguido.
Saber se as penas aplicadas são excessivas.

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Admitido o recurso a ele responderam o MºPº, concluindo pela sua improcedência.

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O Exmº Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no qual conclui que o recurso não merece provimento.

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Foi cumprido o disposto no artº417º, nº2 do C.P.P.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir:
(a) Da nulidade prevista no artº 64º, nº 1, al c) do CPP.
Alega o recorrente que desconhece a língua portuguesa, o que impunha que no acto de constituição de arguido e prestação de termo de identidade e residência fosse assistido por defensor e intérprete, nos termos dos artigos 64°, n° 1, d), do Código de Processo Penal, o que não sucedeu, assim se cometendo a nulidade prevista no artigo 64°, n°1, e), do Código de Processo Penal e no artigo 11° da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
E o que desde já se dirá, é que não assiste razão ao recorrente quanto a esta matéria, pelas razões que constam da douta resposta da Magistrada do Ministério Público à motivação de recurso, que está fundamentada de forma cuidadosa, sem merecer quaisquer reparos, e por isso, limitar-nos-emos a trazê-la à colação, transcrevendo-o, o excerto respectivo:
De facto, é a partir do momento em que o cidadão adquire o estatuto de arguido que lhe é assegurado o exercício de direitos e deveres processuais (art. 60° do CPP) entre eles, os previstos no art. 61° do C. Processo Penal (vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. I, 4a Ed., pg. 289).
Entre os direitos de que, em especial, goza o arguido, conta-se o direito de ser assistido por Defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele (art. 61°, n° 1, f), do CPP).
Dispõe o artigo 64°, n°l, alínea d), do CPP, sob a epígrafe "obrigatoriedade de assistência" que:
«1- É obrigatória a assistência de Defensor – d) Em qualquer acto processual, à excepção da constituição de arguido, sempre que o arguido for (...) desconhecedor da língua portuguesa».
Mais dispõe o artigo 92°, n°2, do CPP que «Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado (...) intérprete idóneo (...)».
Presume-se, nestas situações, que as capacidades do arguido para apresentar a sua defesa pessoal se encontram diminuídas, impondo-se por isso a defesa técnica assegurada pelo defensor, enquanto técnico do direito para tal habilitado.
A inobservância desta regra da presença obrigatória do Defensor é sancionada pela lei como nulidade insanável (art. 119°, c), do CPP).
Já a falta da nomeação de intérprete, nos casos em que é obrigatória, é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição, constituindo, portanto, uma nulidade sanável (art. 120°, n° 2, c), do CPP).
Assim, o arguido desconhecedor da língua portuguesa – o que vale dizer, necessitado de intérprete, tem, obrigatoriamente, de ser assistido por Defensor (excepção feita à constituição de arguido) sob pena de nulidade insanável, pelo que competirá ao Defensor, enquanto técnico habilitado para assegurar a sua defesa, arguir atempadamente a nulidade da falta de nomeação de intérprete, se tal entender ser do interesse da defesa. O que não sucedeu no caso dos autos.
Não sendo razoável que a invocação desta nulidade tenha que ser efectuada até ao termo do acto a que o visado assistiu sem intérprete, mas isto apenas nos casos em que não está presente o Defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias – cfr. o art. 105°, n° 1, do CPP, a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em acto nele praticado - vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, 3a Ed., pg. 85.
De facto, o arguido é romeno e invocou, mas apenas em sede de recurso, ser desconhecedor da língua portuguesa.
Todavia, só o efectivo desconhecimento da língua portuguesa, e não a mera condição de estrangeiro, fundamenta tanto a imposição legal de assistência de defensor, como a nomeação de intérprete.
De resto, na previsão do art. 64°, n° 1, d), do Código de Processo Penal, não cabe a obrigatoriedade de assistência do defensor nos actos processuais relativos a cidadãos estrangeiros.
Acresce que o arguido não invocou, em momento algum (excepto, como dissemos, em sede de motivações de recurso), o facto de ser desconhecedor da língua portuguesa. Aliás, nem o arguido, nem a Ilustre Defensora Oficiosa que o assistiu.
Mais acresce, resultar dos autos, de modo inequívoco, que o arguido compreendeu perfeitamente o sentido e alcance do acto a que foi sujeito, pois só assim pode ser interpretado o facto de se ter identificado cabalmente, fornecendo à autoridade policial que o fiscalizou informação que não consta do bilhete de identidade e da carta de condução, designadamente o contacto telefónico, a profissão, a situação de desemprego, a falta de rendimentos e bem assim informação relativa ao seu património, tal como consta da declaração de rendimentos de fls. 7. Além disso, o arguido assinou o auto de constituição de arguido, o termo de identidade e residência, o talão do teste de alcoolemia a que foi submetido, a notificação para comparecer em Tribunal pelas 9:30 horas do dia 05.05.2013 (fls. 6), prescindiu de Defensor Oficioso e não requereu a realização de contraprova.
Com efeito, a perfeita normalidade que ressuma dos elementos documentais juntos aos autos, mormente das notificações ostentando a assinatura do arguido, tal como o T.I.R., no qual também consta uma morada como tendo sido a que foi fornecida pelo recorrente para futuras notificações, e de até ter afirmado não pretender dar conhecimento aos seus familiares da detenção, transmite a ideia de que a comunicação entre as autoridades policiais e o recorrente se pautou pela perfeita compreensão das mensagens trocadas entre ambos em língua portuguesa. E caso assim não tivesse sucedido e o recorrente tivesse evidenciado na ocasião dificuldades em entender os agentes que o fiscalizaram, certamente alguma referência a esse facto teria ficado a constar do expediente então elaborado, sendo que nada nesse sentido ali se detecta.
Em suma, estava em causa a mera submissão do arguido/condutor ao teste de detecção e quantificação da taxa de álcool, sendo que o arguido compreendeu plenamente o acto processual/rodoviário em que participou, com perfeito conhecimento da sua finalidade e consequências.
Assim, porque o arguido demonstrou conhecer a língua portuguesa, pelo menos na medida em que tal conhecimento lhe permitiu compreender totalmente o sentido e alcance do acto processual a que foi sujeito pela autoridade policial competente, fica, cremos, afastada a subsunção deste caso ao disposto no aludido art. 64°, n°1, d), do CPP, não sendo obrigatória a sua assistência por defensor naquela fase inicial do processo.
Ora, tendo-se concluído, pelas razões expostas, que o recorrente compreendeu perfeitamente tudo aquilo que lhe foi transmitido, em língua portuguesa, pelos agentes da autoridade que intervieram na sua fiscalização e detenção, durante os procedimentos subsequentes a estas, é forçoso concluir que, no caso, não era obrigatória a nomeação de intérprete Acrescentaremos apenas em reforço do que fica exposto que, ouvida a gravação do depoimento da testemunha Daniel L... (agente autuante) dele resulta inequivocamente que o recorrente aquando da detenção percebia a língua portuguesa. Na verdade segundo o depoente o recorrente respondeu depois de devidamente identificado respondeu às perguntas que então lhe foram feitas, designadamente quanto à sua situação pessoal..
Logo, as garantias de defesa do arguido foram cabalmente asseguradas, tendo sido observado o disposto no n° 2, do art. 92°, não se configurando a nulidade prevenida na al. c), do n° 1, do art. 120° do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no art. 122°, do Código de Processo Penal.
A Constituição da República Portuguesa assegura, no seu artigo 20°, n° 4, que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Como ensinam os Profs. Drs. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4a Edição Revista, pg. 415, "O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. (...). O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cfr. art. 32°) – a garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em prazo curto compatível com as garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito de intervenção no processo, etc.".
Ora, sendo o arguido conhecedor da língua portuguesa, não se vê como possa não ter beneficiado de um processo equitativo e nem se vê, assim, em que medida foram violados o artigo 32°, n° 2, da C.R.P, o artigo 11°, n° 1 (rectius 10°) da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 14°, n°2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Carta Internacional dos Direitos Humanos) e o artigo 6°, n°2, da Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Improcede, pois o recurso neste particular.

(b) Da nulidade da Sentença por falta de fundamentação.
Antes de mais, importa ter presente o preceituado no artigo 389°-A do Código de Processo Penal, com as alterações introduzidas pela Lei n°20/2013, de 21 de Fevereiro.
Com efeito dispõe esta norma que:
«1- A sentença é logo proferida oralmente e contém:
A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n°3, do artigo 374.
O dispositivo é sempre ditado para a acta.
A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363° e 364a
Pois bem.
A enumeração dos factos provados e não provados, escreve-se no Ac. nº312/2012 do Tribunal Constitucional http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120312.html, «segundo decorre do artigo 368.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, (…), traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua aprecia­ção e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa.
Esta enumeração revela-se de extrema importância, pois evidencia quais os factos que foram efectivamente considerados e apreciados pelo tribunal e sobre os quais recaiu um juízo de prova».
Quanto à exposição dos motivos que fundamentam a decisão, são eles de facto e de direito. Os motivos de facto "…que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência" Marques Ferreira - Jornadas de Direito Processual Penal, págs 229/230.
A indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal consiste na «…enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.» Ac. do STJ, de 15-10-2008, citando o acórdão do mesmo Tribunal, de 03-10-2007, Proc. n.º 07P1779 -3.ª.
Segundo Pires da Graça Aspectos Metodológicos do Discurso Judiciário - http://www.stj.pt/ficheiros/estudos/apiresgraca_discursojudiciario.pdf , «A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controle indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja a crítica por que umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas, a favor ou contra, que constituem a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada.
Não basta uma mera referência dos factos às provas, torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam de forma a poder concluir-se quais as provas e, em que termos, garantem que os factos aconteceram ou não da forma apurada.
Somente assim se cumpre a função intraprocessual, endoprocessual e ainda exoprocessual da motivação.
(…)
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
Como recentemente decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
Por outro lado, a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada facto fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena der se transformar o acto de decidir num tarefa impossível.
O que se torna necessário é a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, sendo que o exame crítico das provas consiste tão somente na indicação das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal.»
Uma sentença só não estará fundamentada, escreve-se no processo nº140/11.0GTBRG.G1, deste Tribunal Relatora: Desembargadora Nazaré Saraiva, «se não for possível perceber o «porquê» do seu conteúdo e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o juiz chegou.»
No caso, ouvida a gravação, conclui-se que não assiste razão ao recorrente quando aponta à sentença falta de exame crítico da prova e da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
Com efeito, o Senhor Juiz a quo valorou toda a prova documental dos autos, mormente o auto de notícia por detenção, o resultado do exame de alcoolemia a que foi submetido o arguido e bem assim o seu certificado de registo criminal e sopesou o depoimento do Agente autuante, Daniel José Barbosa, cujo depoimento se lhe afigurou, citamos, "sereno, preciso e seguro". Não valorou naturalmente qualquer confissão ou arrependimento do arguido, porquanto não obstante pessoalmente notificado para o efeito (com a advertência expressa de que caso faltasse à audiência de julgamento esta se realizaria na sua ausência, representado por Defensor), o arguido não compareceu à audiência de julgamento.
E nem se diga que o Mm° Juiz não teve em conta quaisquer circunstâncias atenuantes. Com efeito, a favor do arguido considerou quer a inexistência de antecedentes criminais, quer a inexistência de quaisquer consequências danosas (patrimoniais e não patrimoniais) da sua conduta.
O que não podia mesmo era valorar as circunstâncias invocadas na conclusão 22a – o arguido vive de favor em casa de amigos, faz biscates no ramo da sucata, auferindo em média €300,00 mensais e depende da carta de condução para poder trabalhar e sobreviver - posto que o arguido não obstante notificado pela autoridade policial para comparecer em Tribunal no día 05 de Maio de 2013, pelas 9:30 horas a fim de ser julgado em processo sumário, com a advertência da realização da audiência de julgamento na sua ausência, sendo representado por Defensor, o certo é que não compareceu.
Bem vistas as coisas, a discordância do arguido tem a ver não com a falta de fundamentação dos meios da prova mas antes com a questão de saber se perante a prova produzida se pode chegar à convicção de que o recorrente praticou a conduta delituosa em causa. Só que isso é matéria a tratar em sede de impugnação da matéria de facto.
Em suma, a Sentença proferida não padece do invocado vício de falta de fundamentação, não tendo sido violados os artigos 64°, e), 546°, n°1, e) e n°3, todos do Código Penal, o artigo 32°, n° 2, da C.R.P, o artigo 11°, n° 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o artigo 14°, n°2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o artigo 6°, n°2, da Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e o artigo 340°, n°2, do CPP.
(c) Saber se o tribunal a quo deveria ter lançado mão do princípio in dubio pro reo e absolvido o arguido:
O princípio in dubio pro reo, como se escreve no acórdão do STJ de 12/07/05 www.dgsi.pt/jstj.nsf/, este «é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar favoravelmente ao arguido quando não conseguir adquirir a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” e não “dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos ou que tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido» ou, segundo Eb. Schmidt, só quando ao juiz se apresentam várias possibilidades sobre a conformação factual, sem poder fixar-se apenas numa delas.
Como de forma muito expressiva se escreve no Ac. da Rel. do Porto, de 10/10/01 www.dgsi.pt/jtrp, o julgador «Inevitavelmente terá que conviver com a ausência de certeza absoluta e com a dúvida. Mas nem por isso se pode demitir de, com recurso à experiência comum e à lógica das coisas, porfiar por uma certeza relativa sobre os factos (tenha-se em atenção que “certeza relativa” não equivale a “certeza dominada por incertezas”; significa antes “convicção honesta e responsável da realidade ou irrealidade do factos”). Se conseguir superar o umbral da dúvida razoável, de modo a sentir a necessária segurança sobre a realidade ou irrealidade de um facto, então tem que o assumir».
Ora, no caso dos autos, é bem evidente como acima salientámos que o Senhor juiz a quo indica de forma clara e precisa as razões em que se baseou para dar como provado o comportamento delituoso do recorrente. Assim sendo, não tinha que lançar mão do princípio in dubio pro reo uma vez que não teve dúvidas de que o recorrente foi o autor dos factos em questão.
Acresce que ouvida a prova que se encontra gravada, nenhumas dúvidas subsistem a este Tribunal de que a versão dos factos acolhida nos factos provados está em perfeita harmonia com a prova que foi produzida em julgamento.
Na verdade e como acima referimos o Senhor Juiz apreciou criticamente o depoimento do Agente da PSP Daniel L... que confirmou de forma clara e inequívoca o teor do auto de notícia e valorou igualmente os elementos probatórios documentais constantes dos autos nos termos que anteriormente analisámos.
Concluindo, não se detecta nenhum erro de julgamento ou qualquer um dos vícios prevenidos nas alíneas do n° 2 do art° 410°, do CPP, e, por isso, tem-se por definitivamente estabilizada a matéria de facto provada, a qual permite o juízo subsuntivo operado na decisão recorrida.
(d) da excessividade das penas aplicadas ao recorrente.
Nos termos do art° 71° do Código Penal a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, enumerando-se exemplificadamente alguns desses factores.
Deve, porém, ter-se em conta que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa - art° 40°, n° 2 do CP.
Como refere o Prof. Jorge Figueiredo Dias, in " Direito Penal Português" – "As consequências Jurídicas do Crime", Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214: "Culpa e prevenção são assim, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena (em sentido estrito, ou de determinação concreta da pena...)" ou, como se escreveu em Ac. do STJ de 23/10/96, " De acordo com estes princípios, o limite da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios da prevenção geral, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validada das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. A medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade. Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes da sociedade — BMJ 460-410.
Por outro lado, visando a pena de multa punir pecuniariamente uma infracção criminal e cumprindo, como qualquer outra, as mencionadas finalidades de protecção de bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade, é manifesto que a mesma não pode deixar de consistir num sacrifício imposto ao condenado, tão severo quanto o necessário para que tais finalidades sejam atingidas.
O crime em causa é punido a título de dolo e negligência. In casu, o recorrente agiu com dolo intenso (directo).
O grau de ilicitude dos factos é já relevante uma vez que a taxa de álcool no sangue acusada pelo arguido (2,43 g/l) se situa bem acima do limite a partir do qual a condução nessas condições constitui crime.
São acentuadas as necessidades de prevenção geral perante a ligação que há entre a condução sob o efeito do álcool e muita da sinistralidade rodoviária.
As exigências de prevenção especial não se mostram acentuadas uma vez que o arguido não possui antecedentes criminais.
Tudo visto e ponderado, conjugando o que agrava a responsabilidade do arguido com as apuradas atenuantes De referir que as condições pessoais invocadas pelo recorrente não resultaram apuradas pelas razões que acima foram especificadas., e sem esquecer as ditas expectativas comunitárias, entende-se que a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros encontrada é justa e adequada.
Relembre-se ainda neste particular que a pena de multa para alcançar os seus objectivos não pode ter um carácter meramente simbólico, devendo antes constituir para o condenado um sacrifício pelo crime cometido.
Se assim não fosse a pena de multa não possuiria eficácia preventiva nem realizaria as finalidades da punição.

Da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor:
Como é sabido, a determinação da medida concreta da pena acessória deve fazer-se mediante recurso aos critérios gerais consignados no art° 71° do Código Penal, com a limitação constante do n° 2 do art° 40° do mesmo diploma, segundo o qual, conforme acima se referiu, a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Acresce que a pena acessória apenas visa prevenir a perigosidade do agente, sendo-lhe alheia a finalidade de reintegração do mesmo na sociedade.
In casu, o comportamento delituoso do arguido é merecedor de um juízo de censura acentuado, na medida em que se dispôs a conduzir veículo automóvel sabedor de que era portador de um grau de alcoolémia superior ao previsto na norma do art° 292° do Código Penal, desconsiderando o perigo daí decorrente quer para si, quer para terceiros. Ou seja, agiu de forma dolosa e não meramente negligente, como de resto, acima se sublinhou.
São acentuadas as necessidades de prevenção geral perante a ligação que há entre a condução sob o efeito do álcool e muita da sinistralidade rodoviária.
No plano da prevenção especial há que relembrar a concreta TAS de que o arguido era portador (2,43 g/1).
Por outro lado, em favor do recorrente temos apenas o facto de o arguido não possuir antecedentes criminais.
E, por último, tendo igualmente presente que relativamente à pena acessória, esta tem, além do mais, um carácter dissuasor;
Entendemos, assim, que a sentença recorrida não é passível de censura, no que concerne ao tempo de duração fixado para a pena acessória, uma vez que o sancionamento efectuado se mostra equilibrado e adequado e sem que se mostre ultrapassada a medida da culpa.
O recurso não pode, pois, deixar de improceder.
Resta decidir:
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pela recorrente em duas Ucs.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.)
Guimarães,