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ARMA BRANCA
ARMA PROIBIDA
Sumário
I – É proibida a detenção de facas de abertura automática.~
II – A verificação dos requisitos cumulativos da “ausência de aplicação definida”, “capacidade para uso como arma de agressão” e “não justificação do agente para a sua posse” refere-se apenas à detenção de "outras armas brancas", que não as primeiramente especificadas no art. 86 nº 1 al. d) da Lei 5/2006 de 23-2 (RJAM).
Texto Integral
Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
CARLOS D... veio interpor recurso do acórdão, na parte em que pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs 2º, nº1, als. m) e ax), e 86º, nº1, al. d), da Lei 5/2006, de 23.02 (com a redacção da Lei 17/2009, de 06.05) o condenou na pena de 10 meses de prisão.
O arguido expressa as seguintes “conclusões”: I- DAS RAZÕES DE DISCORDÂNCIA - DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (Art.º 410.º n.º 2 al. a) CPP) - DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (Art.º 410.º n.º 2 al. c) CPP) A- FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA Itens 1, 2 e 3 transcritos da sentença e discriminados na motivação de recurso. 1. O Tribunal a quo deu como provada a matéria de facto descrita no item 2 supra enunciado, mas, salvo melhor opinião, devê-la-ia ter dado por “não provada” em relação ao arguido CARLOS D.... 2. Basta ouvir a prova produzida, para não merecer dúvidas a resposta negativa a dar. (Cfr. declarações prestadas pelo arguido CARLOS D..., no dia 12.10.2012 e gravado no CD nº 1, através do sistema integrado de gravação digital, desde o n.º 00.00.01 ao n.º 00.04.34, rotação 00.00.09 a 00.02.10 e 00.02.19 a 00.03.30; depoimento prestado pela testemunha José C..., militar da GNR no dia 12.10.2012 e gravado no CD nº 1, através do sistema integrado de gravação digital, desde o n.º 00.00.01 ao n.º 00.07.41, rotação 00.00.13 a 00.07.31) 3. O Tribunal recorrido não deu como provado que existia a falta de justificação da posse e que as armas se destinavam ao uso como meio de agressão (elementos típicos cumulativos da norma incriminatória). 4. O Tribunal a quo deu como provado que o arguido exerce a actividade de pescador desde os 10 anos de idade até à presente data. (Cfr. item da matéria de facto dada como provada supra transcrita e relatório social de fls...) 5. É entendimento do Tribunal a quo que a pesca é uma das actividades profissionais que necessita da utilização de facas e navalhas. (Cfr. item DO DIREITO da sentença ora recorrida) 6. É sobejamente conhecido e sabido que esse tipo de instrumento é utilizado e de uso comum na actividade piscatória, designadamente, entre outros, por todos os pescadores e por todos aqueles que exercem qualquer actividade relacionada com o mar e a pesca. 7. A posse das armas brancas foi justificada pelo arguido, a aplicação das armas brancas (navalhas) foi definida – i.e., para exercer a sua actividade profissional (pescador) - e não se destinavam ao uso como meio de agressão. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 815/11.4PAVCD.P1, de 12.09.2012) 8. As duas navalhas apreendidas foram encontradas e apreendidas no hall de entrada, no interior de uma gaveta de um móvel. (Cfr. auto de apreensão a fls. 614 e suporte fotográfico de fls. 622 a 623) 9. O Tribunal recorrido afirma que apesar de o arguido ser pescador e necessitar de utilizar navalhas na actividade que exerce, isso não é suficiente para legitimar a posse, uma vez que existe um leque de profissões que pode usar sem incorrer na prática deste crime. 10. No entender do Tribunal a quo o arguido tinha de exercer todas as actividades profissionais em que se podem usar armas brancas sem incorrer na prática de um crime de detenção de arma proibida para legitimar a posse das navalhas. 11. Salvo o devido respeito, o raciocínio e a fundamentação do Tribunal a quo estão inquinados, desprovidos de qualquer sentido e de sustentação factual e legal. 12. As armas brancas (navalhas) são insusceptíveis de registo e de manifesto, uma vez que tais actos são unicamente obrigatórios em relação às armas de fogo, como decorre do disposto no art.º 86º n.º 2 Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1752/11.8TAVFR.P1, de 04.07.2012) 13. O Tribunal a quo não deveria ter dado como provado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente que a sua detenção, por não autorizada, fora das condições legais e por não ser titular de licença de uso e porte de arma, era punida por lei. 14. E, por isso, não cometeu, assim, o recorrente o crime que lhe é imputado e pelo qual vem condenado. 15. Pelo que, ao dar como provado o ponto 2 supra enunciado e transcrito da sentença, face à prova produzida, que se encontra toda no processo, que impunha julgamento contrário, violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 368.º n.º 2 CPP e 86.º n.º 1 al. d) Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. 16. Podendo e devendo este Tribunal alterar tal decisão, ao abrigo e por força do disposto nos art.os 410.º n.º 2, 412.º n.º 3 e 4, 431.º CPP. B- DA INEXISTÊNCIA DE FACTOS DA TIPIFICAÇÃO LEGAL (ÓNUS ALLEGANDI E PROBANDI) 17. O crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art.º 86.º n.º 1 al. d) RJAM, tem três elementos constitutivos típicos cumulativos: a) ausência de aplicação definida; b) capacidade para o uso como arma de agressão; e c) falta de justificação para a posse. 18. Da acusação não consta e não são alegados nenhuns dos factos relativos aos elementos do tipo objectivo do crime de detenção de arma proibida e não descreve nenhuma conduta tipificadora do crime imputado ao arguido. (Art.º 86.º n.º 1 al. d) RJAM) 19. A acusação proferida enfermava de vício, uma vez que não continha todos os elementos típicos de facto constitutivos e necessários ao preenchimento do tipo legal de crime, cuja prática nela vem imputada ao arguido e, por isso, deveria ter sido declarada manifestamente infundada e, consequentemente, rejeitada. (Art.º 311.º n.os 2 al. a) e 3 al. b) e d) CPP) 20. De igual sorte, uma qualquer sentença condenatória, relativamente a este tipo de crime, que decida pela condenação sem sequer referenciar os pressupostos tipificados no art.º 86.º n.º 1 al. d) RJAM, carece de fundamentação e matéria factual que sustente a sanção que venha a aplicar e, por isso, deve acarretar a absolvição do arguido. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1752/11.8TAVFR.P1, de 04.07.2012, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 581/10.0GDSTS.P1, de 27.06.2012 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1229/08.9GBAGD.C1, de 30.06.2010) 21. Para que as armas brancas em apreço nos autos (navalhas) fossem consideradas proibidas tinha-se de alegar, de provar e de se demonstrar, cumulativamente, i) a falta de justificação da posse, ii) a falta de aplicação definida e iii) que possa ser utilizada como arma de agressão. 22. O Tribunal recorrido não deu como provado nenhum dos pressupostos cumulativos tipificados na norma incriminadora, e bem, uma vez que esses factos não foram alegados na acusação e não foram provados. 23. Destarte, o tribunal a quo ao dar como provado o ponto 2 da matéria de facto supra enunciada, violou o disposto no art.º 311.º, 368.º n.º 2 CPP, 86.º nº 1 al. d) RJAM. Caso assim se não entender, II- DAS BUSCAS DOMICILIÁRIAS E DAS APREENSÕES 24. A habitação do arguido sita na Rua A..., freguesia de C..., concelho de Viana do Castelo, foi alvo de busca domiciliária no pretérito dia 21.02.2012. (Cfr. fls. 610) 25. No final da busca, CARLOS D... foi constituído arguido e prestou Termo de Identidade e Residência. (Cfr. 613, 615 e 616) 26. Conforme consta do relatório intercalar foram os autos remetidos ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal para que a constituição de arguido, as buscas domiciliárias e as apreensões fossem validadas. (Cfr. a fls. 633) 27. Compulsados os autos, verifica-se que apenas os arguidos Manuel M... e Maria E... foram sujeitos a primeiro interrogatório judicial – art.º 141.º CPP. (Cfr. de 681 a 693) 28. O arguido Paulo D... foi submetido a primeiro interrogatório não judicial – art.º 143.º CPP. (Cfr. de fls. 674 a 676) 29. O arguido não foi interrogado, após realização das buscas domiciliárias pelos OPC, por nenhuma autoridade judiciária, fosse ela qual fosse. 30. As únicas buscas domiciliárias validadas pelo JIC foram as realizadas aos arguidos Manuel M... e Maria José Zamora Echeverria. (Cfr. despacho proferido pelo JIC, a fls. 688 in fine) 31. A busca domiciliária realizada na habitação do arguido CARLOS D... foi efectuada por OPC sem o seu consentimento e fora de flagrante delito. (Art.os 126.º n.º 3 e 176.º n.º 6 e 177.º n.º 4 CPP) 32. Neste caso a busca domiciliária efectuada pelos OPC tinha de ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao JIC e por este validada. 33. Acontece, porém, que, a diligência não foi imediatamente comunicada ao JIC, como não houve validação - nem expressa nem tácita - da busca domiciliária realizada à habitação do arguido CARLOS D.... (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 2189/04-1, de 10.01.2005) 34. A prova dos autos assim obtida viola os n.os 2 e 8 do art.º 32.º da CRP, uma vez que a falta de comunicação imediata ao JIC da realização da diligência, de forma a ser apreciada e validada a busca domiciliária, viola as garantias de defesa do arguido.35. As provas proibidas contempladas no art.º 126.º CPP têm como consequência a proibição da sua valoração e a sua inexistência. (Neste sentido, SILVA, GERMANO MARQUES, Curso de Processo Penal, Volume II, Editorial Verbo, 1993, página 106) 36. Daí que a busca domiciliária realizada à habitação do arguido CARLOS D..., sem o seu consentimento, enferme da vicissitude de nulidade, a valoração da prova obtida seja proibida e, consequentemente, acarrete a invalidade / inexistência da prova, 37. por não terem sido cumpridas as formalidades legais obrigatórias e não ter sido imediatamente comunicada ao JIC a diligência efectuada pelo OPC, de modo a ser apreciada e validada - expressa ou tacitamente - pela autoridade judiciária competente. (Art.os 118.º n.º 1 e 3, 120.º n.º 1 e 2, 126.º n.º 3, 174.º n.º 6 e 177.º n.º 4 CPP) 38. Destarte, ao dar como provado o item 1 supra transcrito e que foram encontradas e apreendidas as armas brancas descritas nos autos, o tribunal a quo desrespeitou o disposto no art.os 118.º n.º 1 e 3, 126.º n.º 3, 174.º n.º 6 e 177.º n.º 4 CPP. SEM PRESCINDIR, III- DA ESCOLHA, DA MEDIDA E DA DOSIMETRIA DA PENA 39. Condenou o Tribunal a quo o recorrente na pena de 10 meses de prisão (efectiva) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.os 86.º n.º 1 al. d) e 2.º n.º 1 al. m) e ax) RJAM. 40. As armas brancas apreendidas no caso sub judice, objecto do processo e vinculação temática do tribunal, são as duas navalhas descritas no auto de apreensão e na perícia realizada. (Cfr. fls. 614, 785 e 786) 41. Caso se considere que o recorrente praticou o crime pelo qual vem condenado, é de atentar ao grau diminuto da ilicitude do facto, a pena aplicada deve ser reduzida e determinada em função da sua culpa e das exigências de prevenção. (Art.º 40.º n.º e 71.º CP). 42. O Tribunal a quo deveria ter dado preferência pela aplicação da pena alternativa de multa, uma vez que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. (Art.º 70.º CP) 43. O arguido exerce a profissão de pescador e necessita de utilizar as navalhas em apreço nos autos. 44. As duas navalhas apreendidas foram encontradas e apreendidas no hall de entrada, no interior de uma gaveta de um móvel. (Cfr. auto de apreensão a fls. 614 e suporte fotográfico de fls. 622 a 623) 45. Resulta que a navalha com o comprimento total de 19,6 cm, distribuídos por 8,1 cm de lâmina e 11,7 cm de cabo/ empunhadura encontrava-se em mau estado de conservação e de utilização. (Cfr. perícias realizadas de fls. 785 a 786) 46. As necessidades de prevenção geral e especial são médias, sendo proporcional, adequado e suficiente aplicar ao recorrente a pena de multa (pena alternativa) ou 47. prisão de oito meses, substituída por pena de multa ou suspensa a sua execução, uma vez que a censura do facto e ameaça da prisão realizam, assim, indubitavelmente, as finalidades da punição. (Art.os 43.º, 50.º, 70.º e 71.º CP) 48. Caso assim se não entenda, deve ser a pena aplicada de prisão (efectiva) substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (Art.º 58.º n.º 1, 2 e 5 CP) (Cfr. neste sentido a conclusão do relatório social, a fls…) IV- DA PERDA DE INSTRUMENTOS E PRODUTOS 49. O Tribunal determinou no dispositivo que aos demais objectos apreendidos nos autos fosse dado o cumprimento do disposto no art.º 186.º n.º 3 CPP, no entanto, na fundamentação da sentença consta que as armas apreendidas devem ser declaradas a favor do Estado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 109.º CP. 50. Não constam elementos na sentença e nos autos que permitam considerar que os objectos apreendidos ao recorrente serviram para a prática de um facto ilícito típico e que pela sua natureza põem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. (Art.º 109.º CP) 51. A declaração de perda das navalhas e da reprodução da arma de fogo não parece adequada, nem produzirá o efeito pretendido, dado que não é possível e viável privar o condenado de exercer a profissão de pescador ou qualquer outra profissão relacionada com o mar que o obrigue a utilizar instrumentos de trabalho (navalhas) idênticos aos que foram apreendidos nos autos. 52. Pelo que, no que concerne aos objectos apreendidos ao recorrente, não estão preenchidos os pressupostos da declaração da perda de instrumentos ou produtos a favor do Estado. 53. A sentença deve ser corrigida, a final, e ordenada a restituição ao arguido, ora recorrente, de todos os objectos apreendidos a fls. 614, inclusive as navalhas e a reprodução de arma de fogo - que não pode fazer disparos. (Cfr. de fls. 783 a 786 e 790) 54. Destarte, ao não terem sido, integralmente, observados os requisitos do dispositivo da sentença, no que concerne à restituição dos objectos apreendidos ao recorrente, violou o tribunal a quo o disposto no art.º 374º n.º 3 al. c) CPP.
O Ministério Público respondeu “reconhecendo a validade das razões do recorrente (…)” e concluindo pela respectiva absolvição.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto não aderiu àquela posição e emitiu parecer no sentido da confirmação do acórdão condenatório proferido.
O arguido respondeu, pugnando pela inaplicabilidade ao caso do disposto no artº 86º, nº1, al. d), do RJAM.
II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
As razões da discordância do arguido prendem-se com:
1ª) a nulidade da busca domiciliária;
2ª) os vícios da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e do “erro notório na apreciação da prova”;
3ª) a impugnação da matéria de facto;
4ª) a “inexistência de factos” para a tipificação legal;
5ª) a escolha e medida da pena;
6ª) o perdimento dos objectos a favor do Estado. 2. O ACÓRDÃO RECORRIDO (transcrevendo-se, a seguir, nas partes que ora relevam). FACTOS PROVADOS No dia 21 de Fevereiro de 2012, pelas 20h35m, na Rua A..., em C..., nesta comarca, efectuada busca à residência do arguido Carlos, foram encontrados e apreendidos, no hall de entrada, no interior de um móvel, duas navalhas de abertura automática (uma com cabo em plástico de cor verde e comprimento total de 19,4 cm – 8,6 cm de lâmina e 10,8 cm de cabo – e um botão, no lado esquerdo, que quando premido permite a abertura da lâmina, e outra com cabo em metal e comprimento total de 19,6 cm – 8,1 cm de lâmina e 11,7 cm de cabo – e um botão, no lado esquerdo, que quando premido permite a abertura da lâmina), uma réplica de uma arma do tipo de caça com os dizeres “Browning” (reprodução de arma de fogo, de construção artesanal, com configuração de uma espingarda) e um bastão de ferro com cabo vermelho, construído com um tubo em ferro, com 73,3 cm de comprimento e 2,75 cm de diâmetro, terminando com uma esfera de 2,5 cm de diâmetro. Tinham os arguidos Paulo e Carlos conhecimento das características das armas e munições supra referidas; agiram de forma livre, deliberada e consciente, cientes que a sua detenção, por não autorizada, fora das condições legais e por nenhum deles ser titular de licença de uso e porte de arma, era punida e proibida por lei. À data dos factos, o arguido Carlos tinha sofrido as seguintes condenações: - em Janeiro de 1994, 90 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa, por crime de condução ilegal; - em Janeiro de 1995, 120 dias de multa, à taxa diária de 200$00, por crimes de dano e ofensas corporais; - em Novembro de 1997, 60 dias de multa, à taxa diária de 700$00, por crime de ofensa à integridade física; - em Janeiro de 2001, 500 dias de multa, à taxa diária de 500$00, por crime de ofensa à integridade física; - em Novembro de 2004, 280 dias de multa, à taxa diária de € 3,50, por crime de ofensa à integridade física, multa que pagou; - em Novembro de 2006, 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por crime de condução sem habilitação legal, que pagou depois da conversão em prisão subsidiária; - em Maio de 2007, 6 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 1 ano, por crime de resistência e coacção sobre funcionário; - em Novembro de 2007, 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por crime de maus tratos a cônjuge; efectuado cúmulo jurídico com a condenação anterior, foi o arguido condenado, em Novembro de 2009, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa por igual período; - em Julho de 2008, 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, por crime de condução sem habilitação legal, que pagou; - em Dezembro de 2008, 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por crime de condução sem habilitação legal; - em Abril de 2009, 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por crime de condução perigosa e de condução sem habilitação legal, que foi objecto de cúmulo jurídico com a anterior, resultando na pena única de 295 dias de multa, à taxa diária de € 5,50; - em Maio de 2009, 6 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, por crime de ameaça e de ofensa à integridade física; - em Julho de 2009, 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, por crime de burla na forma tentada e crime de falsificação de documentos, que foi objecto de cúmulo jurídico com as aplicadas aos crimes de Julho de 2008, Dezembro de 2008 e Abril de 2009, resultando na pena única de 460 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, que foi paga; - em Outubro de 2009, 7 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade, por crime de detenção de arma proibida; - em Novembro de 2010, 5 meses de prisão, substituída por multa, por crime de ameaças; - em Agosto de 2011, 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por crime de condução ilegal. O arguido Carlos é o irmão mais velho dos arguidos Paulo e Manuel; interrompeu a escola no 3.º ano, trabalhando como pescador desde os 10 anos. Casou com 21 anos, teve dois filhos e a relação terminou após episódios de violência doméstica; desde há 7 anos tem uma relação afectiva, sendo a companheira viúva e mãe de um filho menor, que está entregue a uma família de acolhimento. O casal vive há cerca de um ano na casa da mãe da companheira do arguido, que tem problemas de saúde, tendo o arguido realizado alguns trabalhos para melhoria das condições de habitabilidade. O arguido não vai ao mar desde Janeiro de 2010, por doença, ajudando na preparação de material para a pesca, do qual retira cerca de €250,00 por mês; a companheira aufere €400,00 como operária têxtil e a sua mãe tem €300,00 de reforma. Ambos os membros do casal têm problemas com o consumo de álcool, o arguido é acompanhando na unidade local de saúde por doença infecto-contagiosa e é conhecido na comunidade por protagonizar vários incidentes relacionados com o seu comportamento agressivo e instável. FUNDAMENTAÇÃO A convicção do tribunal assentou na análise crítica da prova produzida, à luz das regras da experiência comum. (…) Relativamente às armas, serviram as buscas de fls. 568 a 570, com fotos de fls. 579 e 593 (ao arguido Paulo) e de fls. 612 a 614, com fotos de fls. 622/623 (ao arguido Carlos), a informação de fls. 129 e o exame pericial de fls. 782 a 790; se necessário fosse, àquelas buscas também aludiram os agentes da GNR que nelas participaram, Ricardo C... e Carlos M... na primeira e José C... na segunda. (…) Para os antecedentes criminais, serviram os certificados de registo criminal de fls. 649 e 2184 a 2214; quanto à situação pessoal dos arguidos, além dos relatórios sociais de fls. 2169 a 2173, 2176 a 2179, 2216 a 2220 e 2222 a 2226, e dos relatórios periciais de fls. 1847 a 1849 e 2135 a 2138, valeram os depoimentos de Maria D..., Ana M... (respectivamente mãe e irmã dos três arguidos homens, sogra e cunhada da arguida), Martinho F... (empresário de hotelaria), António S... (antigo patrão do arguido Manuel), Augusto L... e Ana S... (das relações do casal de arguidos). DO DIREITO Cabe agora analisar os crimes de detenção de arma proibida que vêm imputados ao arguido Paulo e ao arguido Carlos. Comete um crime de detenção de arma proibida, nos termos do art. 86.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, “quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo” arma que se enquadre nalguma das quatro alíneas do mesmo número. (…) Já para o arguido Carlos estão em causa quatro armas: duas navalhas, uma réplica de uma arma de caça e um bastão de ferro. A propósito das navalhas, prevê o art. 2.º, n.º 1, ax), RJAM, que é faca de abertura automática ou faca de ponta e mola “a arma branca (…) composta por um cabo ou empunhadura que encerra uma lâmina, cuja disponibilidade pode ser obtida instantaneamente por acção de uma mola sob tensão ou outro sistema equivalente”; ora, uma vez que ambas as navalhas dispõem de um botão que, quando premido, permite a abertura da lâmina, e porque também as duas têm cabo e lâmina, é evidente que se está perante duas facas de abertura automática, para efeitos de aplicação desta lei. Assim, ambas as navalhas encaixam no conceito legal de arma branca, conforme o art. 2.º, n.º 1, m), RJAM: “todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina (…) e, independentemente das suas dimensões, (…) as facas de abertura automática ou de ponta e mola”; a sua posse é punível nos termos do art. 86.º, n.º 1, d), RJAM. Diga-se que, para legitimar esta posse, não basta o arguido ser pescador: mesmo precisando de facas para essa actividade, há uma miríade delas que pode usar sem incorrer na prática deste crime. Conhecendo os arguidos as características das munições e das armas em causa, não tendo o primeiro arguido licença de uso e porte de arma (que pudesse justificar a posse das munições) e sabendo que não as podiam deter, cometeram os crimes de detenção de arma proibida pelos quais vinham acusados, ambos puníveis com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias. No caso do arguido Carlos, está ainda em causa a posse de uma reprodução de arma de fogo – uma arma do tipo de caça –, tal como definida pelo art. 2.º, n.º 1, aac), RJAM, o que consubstancia a prática de uma contra-ordenação, prevista no art. 97.º do RJAM; no entanto, está tal contra-ordenação exaurida, face ao disposto no art. 20.º do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, já que o mesmo facto – a posse das armas – é simultaneamente punida como crime, como já ficou dito. (…) Quanto às armas e às munições cuja posse fez incorrer os arguidos em crime ou contra-ordenação (quer dizer, excluindo o bastão, mencionado na acusação e nos factos provados mas não incluído pelo libelo acusatório na punição), devem também ser declaradas perdidas a favor do Estado, mas nos termos do art. 109.º, n.º 1, Código Penal, já que serviram para a prática de um facto ilícito típico, pela sua natureza (potencialmente letal) põem em perigo a segurança das pessoas e, não estando legalizadas ou sendo insusceptíveis de legalização, oferecem também sério risco de ser utilizadas em novo crime, que se basta com a sua detenção. MEDIDA DA PENA Apesar do disposto no art. 70.º Código Penal, e pese embora os crimes de detenção de arma proibida sejam punidos, em alternativa, com prisão ou multa, entende-se que a aplicação desta última não satisfaz, para os dois arguidos que neles incorreram, as exigências punitivas, dada a existência de antecedentes criminais em ambos. Passando à fixação das penas concretas, devem ser atendidas as circunstâncias a que alude o art. 71.º Código Penal. Assim, como agravantes, verificam-se, para todos os arguidos, a forte intensidade do dolo (já que agiram com dolo directo) e, para o tráfico de estupefacientes, a grande gravidade das suas consequências, atentos os efeitos danosos, por demais conhecidos (mesmo dos próprios) das substâncias traficadas na saúde dos seus consumidores e no tecido social envolvente; quanto aos arguidos Paulo e Carlos, há ainda a considerar a existência de antecedentes criminais, do mesmo tipo de ilícito (quanto à detenção de arma) no caso do último, o que deve agravar consideravelmente a pena em relação à do primeiro. (…) Assim, julgam-se adequadas as seguintes penas: (…) - para o arguido Carlos, 10 meses de prisão (que, pese embora o disposto no art. 43.º, n.º 1, Código Penal, não se substituirá por multa, atentas as considerações já aduzidas, uma vez que, depois de tantas oportunidades que lhe foram dadas e, ainda assim, desperdiçadas, é altura de a prevenção especial falar mais alto para este arguido). Isto posto, cabe ponderar a aplicação do instituto da suspensão de execução das penas ora fixadas, face ao disposto no art. 50.º, n.º 1, Código Penal. A suspensão de execução exige que haja elementos de facto que permitam um juízo de prognose favorável, de forma a concluir que a censura do facto, traduzida na condenação, e a ameaça de prisão são suficientes para assegurar a finalidade da punição. Ora, tal juízo não é de todo possível no caso do arguido Carlos, face ao seu largo percurso criminal, nos últimos 18 anos: sofreu já dez condenações em pena de multa e seis em pena de prisão (uma das quais por crime idêntico ao destes autos), cuja execução foi suspensa ou que foi substituída por trabalho a favor da comunidade, e nem assim se mostra disposto a arrepiar caminho; aliado ao consumo abusivo de álcool e à difícil inserção da comunidade, pelo seu comportamento agressivo e instável, tudo contraria aquele juízo favorável que a lei exige para que se suspenda a execução da pena. Não há, portanto, qualquer âncora que permita concluir que, no caso do arguido Carlos, bastaria a suspensão da execução da pena para o consciencializar da gravidade da sua conduta.
3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. A nulidade da busca
Invoca o Recorrente – com apoio nos “artºs 118º, nºs 1 e 3, 120º, nºs 1 e 2, 126º nº3, 174º, nº6, 177º, nº4, do CPP, e 32º, nºs 2 e 8, da CRP” -, que a busca realizada na sua habitação“foi efectuada por OPC sem o seu consentimento e fora de flagrante delito”, pelo que “tinha de ser, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao JIC e por este validada”.
Semelhante arguição é claramente extemporânea.
Trata-se de “nulidade” respeitante a diligência da fase de inquérito, dependente de arguição, a qual foi, na sequência de requerimento do arguido Contendo argumentação em tudo idêntica à presente - Cf. requerimento respectivo, a fls. 2164-2167. , alvo de apreciação judicial em 19/10/2012 Cf. despacho de fls. 2278..
Tal despacho, notificado ao Distinto Defensor do Recorrente Cf. fls. 2284., não foi impugnado no prazo legal, pelo que transitou em julgado (artº 620º, nº1, do CPC, ex vi do artº 4º do CPP).
Significa isto que, não estando o Recorrente de acordo com a decisão proferida pela Mmª Juiz a quo em Outubro de 2012, deveria da mesma ter interposto recurso, para aí debater e tentar obter vencimento da sua tese da “nulidade” da busca domiciliária.
Não pode é tentar agora contornar tal inércia, suscitando uma reponderação de argumentos já decididos mediante despacho que deixou transitar em julgado e que, sobre essa matéria, adquiriu força obrigatória dentro do processo.
Mesmo assim, sempre se relembra o Recorrente que a busca realizada à sua residência no dia 21 de Fevereiro de 2012 foi ordenada por Juiz (como, desde logo se constata, do teor do “mandado de busca e revista” de fls. 610 Assinado por “A Juiz de Direito”, cujo duplicado, bem como do despacho respectivo, lhe foram entregues, no acto – v. fls. 610vº. ), pelo que se não vislumbra qualquer fundamento para as considerações que teceu sobre “prova proibida”, a preterição das “garantias de defesa do arguido” ou a violação de qualquer preceito constitucional (por “abusiva” intromissão no domicílio ou outro).
3.2. Os vícios
Encabeça o Recorrente as “razões de discordância” com a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e o “erro notório na apreciação da prova”.
Estatui o citado artº 410º, nº2, als. a) e c), do CPP: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; Erro notório na apreciação da prova”.
Do transcrito preceito decorre, claramente, que estes vícios da matéria de facto têm de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações e depoimentos exarados ou a documentos juntos ao processo.
“A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (…) ocorrerá (…) quando exista lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher. Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final. Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a «formulação incorrecta de um juízo» em que «a conclusão extravasa as premissas» ou quando há «omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.»” Acórdão da RE de 26/06/2012, proc. 329/10.0JAFAR.E1, in www.dgsi.pt..
“O erro notório na apreciação da prova (…) verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.” Acórdão do STJ de 02/02/2011, proc. 308/08.7ECLSB.S1, in www.dgsi.pt..
Ora, ao invocar a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e o “erro notório na apreciação da prova”, o que o arguido verdadeiramente pretende é impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Colectivo de Viana do Castelo,traduzindo as respectivas alegações uma desconformidade entre a decisão de facto tomada por aquele e a que teria sido a sua própria.
Semelhante discordância com a avaliação da prova efectuada pelo tribunal recorrido não se confunde com os vícios da sentença previstos na lei adjectiva.
E, objectivamente, nada resulta do conteúdo do acórdão que constitua “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” ou “erro notório” na apreciação da prova.
3.3. A impugnação de facto
O Recorrente considera que o Tribunal a quo deveria ter dado por não provado, no que a si diz respeito, o segmento factual “tinham os arguidos Paulo e Carlos conhecimento das características das armas e munições supra referidas; agiram de forma livre, deliberada e consciente, cientes que a sua detenção, por não autorizada, fora das condições legais e por nenhum deles ser titular de licença de uso e porte de arma, era punida e proibida por lei.”; para tanto, convoca as suas próprias declarações (em partes que transcreve) e o depoimento da testemunha José C... (de uma forma genérica, com um suposto “resumo” do que terá dito).
Em matéria de impugnação da decisão sobre matéria de facto e da respectiva modificabilidade pela Relação, exige-se:
- para além da especificação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, que sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação realizada que imponham decisão sobre aqueles pontos impugnados diversa da recorrida (o que o Recorrente não fez no que concerne ao “depoimento prestado pela testemunha José C...” - artº 412º, nºs 3, e 4, do CPP);
- e só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª Instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Por outro lado, o objecto do recurso não pode ser a liberdade de apreciação das provas (nos termos consentidos pelo artº 127º do CPP) nem compete ao tribunal de 2ª instância proceder a um novo julgamento.
Definida a parametrização necessária (legal e comummente aceite na jurisprudência), cumpre aplicá-la ao caso concreto.
Nem as declarações do arguido plasmadas na Motivação de recurso Cf. fls. 2414-2417. (cujo estatuto processual E que, seguramente, bem conhece, dado o número de vezes que já respondeu em tribunal, como arguido., aliás, lhe permite afirmar o que entender conveniente à sua defesa – artº 343º, nº1, do CPP) nem o depoimento (insuficientemente especificado) de José C... são insusceptíveis de “impor decisão diversa da recorrida Expressão legal, utilizada no artº 412º, nº3, al. b), do CPP.”.
Tanto mais que, em regra, os factos de natureza psíquica, como os que respeitam ao conhecimento e vontade próprios do dolo ou à consciência da ilicitude (onde se enquadram, precisamente, os que são objecto da discordância do Recorrente), não são objecto de prova directa Ou seja, a prova não é feita com base em meios probatórios que versem directamente sobre esses mesmos factos., antes têm por base inferências lógicas assentes em factos objectivos, maxime os relativos aos elementos objectivos do tipo, e em regras da experiência comum, não constituindo a prova indirecta de tais factos qualquer ilegalidade.
A decisão sobre a Matéria de Facto Provada proferida pelo Tribunal Colectivo de Viana do Castelo “assentou na análise crítica da prova produzida, à luz das regras da experiência comum”, sendo esta o resultado de um conjunto de provas produzidas e não de uma ou outra prova desgarrada.
É certo que o Recorrente refuta a convicção do julgador mas de forma inconvincente, sem que se vislumbre, relativamente aos pontos de facto questionados, elementos que forcem outra decisão.
3.4. A tipificação legal
O Recorrente sustenta que “para que as armas brancas em apreço nos autos (navalhas) fossem consideradas proibidas tinha-se de alegar, de provar e de se demonstrar, cumulativamente, i) a falta de justificação da posse, ii) a falta de aplicação definida e iii) que possa ser utilizada como arma de agressão”.
Não lhe assiste razão.
Estão em causa 2 “facas Muito embora a constante designação de “navalhas”, resulta dos exames efectuados tratar-se de “facas” – cf. fls. 785 e 786. de abertura automática”, cuja definição legal consta do artº 2º, nº1, al. ax), e enquanto “armas brancas”, da al. m) do nº1 do mesmo artº, ambos do RJAM (Lei 5/2006, de 23.02, na versão da Lei 17/2009, de 06.05). São armas da “classe A” (artº 3º, nº2, al. e), do RJAM) Não sendo, por isso, exacto o que o Recorrente invoca na Resposta ao Parecer do MP, artº 24º, a fls. 2528. , cuja “venda, aquisição, cedência, detenção, uso e porte” são “proibidos” (artº 4º, nº1, do RJAM).
O tipo de crime da condenação – artº 86º, nº1, al. d), do RJAM - pune “quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários (…)”.
Decorre claramente da leitura do preceito transcrito que os requisitos legais cumulativos a acrescer à detenção da arma branca – da “ausência de aplicação definida”, “capacidade para o uso como arma de agressão” e “não justificação do agente para a sua posse” – se referem às “outras armas brancas” que não as primeiramente especificadas no tipo, nas quais as concretas armas detidas pelo arguido, atentas as suas características de abertura automática, se inserem No mesmo sentido, ac. da RE de 24/09/2013, relatado pela Desemb. Ana Barata Brito no proc. 356/09.0GELLE.E1, www.dgsi.pt..
A letra da lei é clara e não permite, na nossa óptica, outra interpretação possível; sendo certo que em matéria de hermenêutica, nunca poderia ser tido em conta um pensamento legislativo sem um mínimo de correspondência verbal com aquela e o intérprete deve presumir “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artº 9º, nºs 2 e 3, do CC).
Por conseguinte, a eventual justificação para a posse das armas brancas em apreço – que o Recorrente insiste, embora infundadamente (porque não consta em parte alguma do acervo factual apurado Como se vê da leitura dos “Factos Provados”.), serem destinadas ao exercício da actividade piscatória – sempre seria juridicamente inoperante; e a subsunção dos respectivos factos ao direito levada a cabo no acórdão não merece reparo.
3.5. A pena
Insurge-se o Recorrente contra a medida e a efectividade da execução da pena de prisão, propugnando a “substituição por pena de multa ou aplicação do instituto da suspensão da execução da pena” ou, caso assim se não entenda, a substituição por “prestação de trabalho a favor da comunidade” e invocando a violação dos artºs 43º, 50º, 70º e 71º, do CP.
Analisada a decisão recorrida e as circunstâncias do caso concreto, verifica-se que a escolha e a dosimetria da sanção imposta foram levadas a cabo com ponderação da matéria fáctica apurada e respeito pelos critérios legais aplicáveis (estatuídos nos artºs 40º, nºs 1 e 2, 70º e 71º, do CP).
E não se vislumbra fundamento válido para as pretendidas “substituições” (por multa ou trabalho a favor da comunidade) ou o também pretendido regime probatório de suspensão.
Ainda que o grau de ilicitude dos factos não ultrapasse a mediania, não se apuraram factores que beneficiem o arguido ou suscitem maior benevolência.
As apuradas personalidade do arguido, condições da sua vida e conduta anterior ao crime são reveladoras de elevadas exigências de prevenção especial, não permitindo concluir – com seriedade – que a simples censura do facto e a ameaça da prisão ou a prestação de trabalho comunitário realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cf. os artº 50º, nº1, e 58º, nº1, do CP).
A realidade patenteada nos autos, com inelutável destaque para o passado criminal do arguido, contraria firmemente um juízo de prognose social favorável, reflectindo-se necessariamente na escolha da efectividade da sanção: contando 42 anos de idade à data dos factos, são 16 as condenações que já sofreu – por condução não habilitada de veículo, dano, ofensas corporais, resistência e coacção sobre funcionário, maus tratos a cônjuge, ameaça, burla tentada, falsificação de documentos e até por crime idêntico ao deste processo (detenção de arma proibida, em Outubro de 2009) -, 2 das quais em penas de prisão substituídas por prestação de trabalho a favor da comunidade e 3 com penas de prisão suspensas na execução.
Absolutamente indiferente às advertências contidas nessas sentenças, o arguido cometeu o crime em apreço em pleno período probatório da última condenação (4 meses de prisão suspensa na execução por 1 ano); ou seja, o arguido tem enorme dificuldade em adoptar um estilo de vida conforme à lei, o que patenteia fortíssimas exigências de prevenção especial.
Por último, há que levar em consideração que a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, para além de constituir um elemento dissuasor.
3.6. O perdimento
Pretende o Recorrente a “restituição de todos os objectos apreendidos a fls. 614, a final”, inclusive “as navalhas e a reprodução de arma de fogo”.
Só nos pronunciaremos sobre estes 3 últimos objectos (as 2 facas de abertura automática e a réplica de espingarda), os únicos que determinaram a condenação do arguido. Quanto a eventuais outros, é pacífica a ordem de restituição contida no acórdão recorrido – cf. último § de fls. 2377.
Como se viu, as 2 facas de abertura automática são armas brancas proibidas; e decorre da fundamentação de direito do acórdão que a posse da “reprodução de arma de fogo”, qualificada como arma da “classe A”, consubstancia a prática de uma contra-ordenação, prevista pelas disposições conjugadas dos artºs 97º, 2º, nº1, al. aac), e 3º, nº2, al. n) Este acrescentado por nós, ao abrigo do princípio jura novit curia., do RJAM.
Tratando-se de bens “proibidos” (as facas) e cuja detenção é “ilegal” (a réplica), mostra-se impossível a aventada “restituição” ao Recorrente.
A detenção de arma proibida é um crime de realização permanente e de perigo abstracto, em que o que está em causa é a própria perigosidade das armas, visando-se, com a incriminação, tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas.
Ora, insusceptíveis de serem detidas à luz da lei vigente, em razão da sua própria natureza e, também, das suas características, as ditas armas configuram-se como claramente idóneas a potenciar, objectivamente, o perigo para a segurança das pessoas, cujo enquadramento no artº 109º, nº1, do CP, se tem de reputar, desde logo, como adequado.
Num pequeno ponto tem, todavia, o Recorrente razão: o Tribunal a quo olvidou a indicação, a final, do destino a dar-lhes, de harmonia com o estatuído no artº 374º, nº3, al. c), do CPP.
Constando da própria decisão recorrida - “Do Direito” - que “Quanto às armas e às munições cuja posse fez incorrer os arguidos em crime ou contra-ordenação (quer dizer, excluindo o bastão, mencionado na acusação e nos factos provados mas não incluído pelo libelo acusatório na punição), devem também ser declaradas perdidas a favor do Estado, mas nos termos do art. 109.º, n.º 1, Código Penal,(…)”, afigura-se líquido que a omissão do correspondente “perdimento” na parte dispositiva se deveu a puro lapso.
Lacuna essa que importará – naturalmente - corrigir, lançando mão do disposto no artº 380º, nºs 1, al. a), e 2, do CPP.
Em conclusão: é intempestiva a arguição de “nulidade” da busca; não se verificam os vícios de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e “erro notório na apreciação da prova; a argumentação aduzida é ineficaz para obrigar à modificação da decisão sobre a matéria de facto tomada pelo Tribunal a quo; a qualificação jurídica dos factos é correcta; inexiste motivo para alterar a escolha e medida da pena; não há fundamento para a pretendida “restituição” das navalhas e da reprodução de arma de fogo, devendo antes corrigir-se o “dispositivo” do acórdão, declarando o seu perdimento a favor do Estado. III - DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirma-se a douta decisão recorrida.
2. Ao abrigo do disposto no artº 380º, nºs 1, al. a), e 2, do CPP, procede-se à correcção do acórdão, aditando-se ao Dispositivo Constante de fls. 2376-2378.: “Ao abrigo do disposto no artº 109, nº1, do CP, declara-se perdidas a favor do Estado as 2 navalhas e a reprodução de arma de fogo apreendidas a fls. 614, sob os nºs B2 e B3 Examinadas a fls. 783, 785 e 786.”.
3. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 5 (cinco) UCs a taxa de justiça devida.