AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
SENTENÇA PENAL
NULIDADE INSANÁVEL
Sumário

I – A notificação do julgamento ao arguido por via postal simples para a morada por ele indicada no TIR, não nega nem enfraquece os seus direitos de defesa; responsabiliza-o por essa defesa e pelo normal andamento do processo. Observados os procedimentos de tal notificação, se o arguido não tomou efetivo conhecimento da realização do julgamento, só a si pode imputar tal desconhecimento.
II – O nº 2 do art. 333 do CPP confere ao tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.
III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119 do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.

Texto Integral

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---
I.
RELATÓRIO. ---
Nestes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, após julgamento na ausência do Arguido Laaziz L..., o 1.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Esposende, por sentença de 20.11.2012, decidiu, além do mais, ---
«Condenar o arguido (…) como autor material de um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punível pelos arts. 199.º, n.º 1, e 197.º, n.º 1, do CDADC, em pena de prisão fixada em sete meses, substituída por multa, fixada em 210 dias, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz (…) mil seiscentos e oitenta euros (€ 1.680,00);
Pela prática da mesma infracção, condenar o arguido (…) em pena de multa complementar fixada em 200 dias, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz um montante de mil e seiscentos euros (€ 1.600,00)» Cf. fls. 17 a 21. ---.
Na impossibilidade de notificar o Arguido daquela sentença, foi determinada a sua notificação edital «para se apresentar em juízo no prazo de 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz» Cf. fls. 45. --- e em 14.03.2013 o aludido Tribunal proferiu o seguinte despacho: (transcrição) ---
«Nos termos dos artigos 335.° e 337.°, do C.P.P., declaro o arguido Laaziz L... contumaz.
A presente condenação implica para o arguido, além da suspensão dos ulteriores termos do processo, a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após esta data, bem como a proibição de obter certidão junto das Conservatórias do Registo Civil, Predial, Comercial ou Automóvel, assim como a proibição de requerer cartão de cidadão, passaporte ou a renovação destes documentos.
Passe e remeta à autoridade policial competente os respectivos mandados de detenção em nome do arguido declarado contumaz, para efeitos de notificação da sentença proferida nos autos.
Notifique e publique» Cf. fls. 2. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Inconformado com tal despacho, o Ministério Público veio dele interpor recurso para este Tribunal em 15.04.2013, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) ---
«1 - O art° 335º, n° 1, do Código de Processo Penal, aplica-se a determinadas situações onde não se enquadra a que cumpre apreciar, ao invés do preconizado pelo douto despacho em crise.
2 - O arguido foi devidamente notificado para comparecer à audiência de julgamento que se realizou nos autos e, não o tendo feito, o julgamento efectivou-se na sua ausência.
3 - Deverá, portanto, ser notificado nos termos do art° 333º, n° 5, do Código de Processo Penal, o que se tentou a fls. 316 e 320 sem sucesso.
4 - Por outro lado, a pena que lhe foi aplicada, não olvidando que a sentença em causa não transitou ainda em julgado, não permite a declaração de contumácia prevista no Código da Execução das Penas e Medidas da Liberdade.
5 - Em conclusão, e por inexistir normativo legal que abarque este imbróglio processual, deverão os autos ficar a aguardar a notificação do arguido/decurso do prazo da prescrição da pena.
6 – Foi violado o disposto no artº 335º, nº 1, do Código de Processo Penal, por errada aplicação.
Termos em que se conclui no sentido exposto, julgando-se o presente recurso precedente e proferindo-se douto acórdão que revogue o douto despacho sindicado, como é de toda a Justiça» Cf. fls. 3 a 4 verso. ---. ---
Notificado o Arguido do referido recurso na pessoa do seu Ilustre Defensor, o mesmo nada disse Cf. fls. 46. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que ---
«(…) o arguido não foi notificado da data designada para julgamento, pois a respectiva carta veio devolvida», o que «constitui nos termos do disposto no art. 119°, al. c) do CPP, a nulidade insanável por ausência de arguido num dos casos em que a lei exige a respectiva comparência, e como tal deve ser oficiosamente declarada, anulando-se todo o processado posterior ao despacho que designou dia para julgamento.
Acresce que o n° 2 do art. 333° do CPP confere ao tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente.
A realização da sessão da audiência onde se procede à leitura da sentença sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito, constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119º do CPP - conforme acórdão do TRG de 11.07.2013, proc n° 2162/12.5TABRG.Gl.
Assim sendo, ainda que se considerasse que o arguido fora devidamente notificado da data designada para julgamento, não poderia ter-se procedido à leitura da sentença sem para tal ele ter sido notificado, o que não aconteceu.
De todo o modo, (…) o regime da contumácia não tem aplicação ao arguido que prestou TIR.
Pelo exposto, deve ser declarada nulidade de todo o processado posterior ao despacho que designou dia para julgamento - art. 119°, al. c) CPP, julgando-se em conformidade o recurso interposto» Cf. fls. 29 a 31. ---
Notificado daquele parecer, o Arguido nada disse Cf. fls. 32. ---. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, bem como o parecer do Ministério Público junto desta Relação, determinando tal o objecto do presente recurso, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre no presente acórdão apreciar e decidir: ---
· Da alegada nulidade insanável por ausência do arguido no julgamento realizado; ---
· Da referida nulidade insanável por falta de notificação do arguido para a leitura da decisão final; ---
· Da pretendida revogação do despacho que declarou o arguido contumaz. -
III.
1. Da alegada nulidade insanável por ausência do arguido no julgamento realizado. ---
O Ministério Público junto desta Relação invoca neste domínio o disposto no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal. ---
Segundo aquele preceito, na parte que ora releva, constitui nulidade insanável a ausência do arguido «nos casos em que a lei exigir a sua comparência», o que significa que inexiste tal nulidade sempre que tal presença não seja obrigatória. ---
Ora, um desses casos de presença não obrigatória do arguido reporta-se à audiência de discussão e julgamento: o arguido pode e deve ser julgado à revelia quando haja prestado Termo de Identidade e Residência nos termos legalmente prescritos, for notificado da realização do julgamento por via postal simples com declaração de depósito na morada por ele indicada em tal Termo Conforme disposto no artigo 313.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. --- e o Tribunal considerar que a sua presença em julgamento não «é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material» Nos termos do artigo 333.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência». --- . ---
Tal foi o que sucedeu in casu. ---
Com efeito, decorre dos autos que ---
· O Arguido foi constituído como tal em 20.08.2010 Cf. fls. 35. ---; ---
· Então, prestou «Termo de Identidade e Residência», tendo aí indicado como sua residência a «Rua dos Ferreiros, n.º 109, Póvoa do Varzim», referindo ser esse o local «para o efeito de ser notificado por via postal simples nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 113º do Código de Processo Penal» Cf. fls. 36. ---; -
· Na altura, em conformidade com o n.º 3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal, o Arguido tomou conhecimento: ---
«a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada, excepto se este comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada aos serviços onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legítima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º» Cf. fls. 36. ---. ---
· Em 15.03.2012 foi designado o dia 13.11.2012 para a realização de audiência de discussão e julgamento Cf. fls. 39 e 40. ---; ---
· Em 28.03.2012 foi expedido ao Arguido notificação por via postal simples com prova de depósito com referência à «Rua F... Póvoa do Varzim» Cf. fls. 41 e 42. ---; ---
· Com data de 29.03.2012, o carteiro declarou que então «depositou no receptáculo postal domiciliário da morada acima descrita a notificação a ele referente» Cf. fls. 43. ---, ---
· Entretanto, com a data de 30.03.2012, consta que tal notificação, «depois de devidamente entregue voltou ao correio sem nova franquia e com a indicação de: Desconhecido», motivo pelo qual se encontra nos autos Cf. fls. 44 e 44 verso. ---; ---
· Em 13.11.2012 realizou audiência de discussão e julgamento nos autos principais, tendo nela se consignado a falta do Arguido e a certa altura sido proferido o seguinte despacho:
«Atento o disposto no art. 333º nºs. 2 e 3 do C.P.P. a audiência de julgamento será efectuada na ausência do arguido, o qual será representado para todos os efeitos pelo seu Ilustre Defensor Oficioso». ---
· Com data de 26.11.2010, 25.03.2011 e 07.12.2012 constam informações no sentido de que o Arguido não reside na indicada morada sita na Rua F... Póvoa do Varzim Cf. fls. 37 e 38. ---; ---
Ou seja, decorre dos autos que o Arguido foi devida e eficazmente notificado do despacho que designou dia para a audiência de discussão e julgamento, pois foi-o na morada indicada no TIR que prestou, por aviso postal simples com declaração de depósito, assim como resulta igualmente dos autos que tal audiência decorreu sem a presença do Arguido, por o Tribunal não a ter considerado absolutamente indispensável. ---
Nesse contexto, atento o apontado regime legal, urge entender como válida e eficaz a audiência de discussão e julgamento de 13.11.2012 realizada nos autos principais. ---
A circunstância do Arguido ter entretanto deixado de residir na morada indicada no TIR ou de a sua notificação para julgamento ter entretanto sido devolvida ao Tribunal não obsta a que tal se entenda. ---
A lei não exige que notificação do Arguido para julgamento seja feita com referência à sua efectiva residência mas tão só reportada à morada constante do TIR prestado pelo Arguido. ---
Por outro lado, ao prestar o TIR o Arguido fica obrigado a «não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado», bem sabendo que o incumprimento de tal obrigação torna legítima «a realização da audiência na sua ausência» se para tal tiver sido notificado por «via postal simples para a morada» constante do TIR. ---
Ora, tal regime legal seria em absoluto postergado caso se entendesse que a simples alteração da morada do Arguido não comunicada ao Tribunal impediria sem mais a realização de audiência de discussão e julgamento. ---
Enquanto sujeito processual, o arguido tem direito e deveres, sendo que no âmbito destes, além do mais, incumbe-lhe actualizar permanentemente junto do Tribunal a sua morada constante do TIR, sob pena de poder ser julgado à revelia. ---
“Só assim se cumpre o desiderato legislativo de «estabelecer medidas de simplificação e combate à morosidade processual» (expressão constante da própria designação do diploma), que está na base do Decreto–Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que introduziu no Código de Processo Penal o regime em apreço. Só assim se evita que um arguido possa fazer atrasar o andamento do processo furtando-se às notificações ou ausentando-se para parte incerta, como tantas vezes sucedia no regime anterior, situação que o legislador pretendeu combater.
Não se trata de negar direitos de defesa do arguido (com assento no artigo 32º, nº 1, da Constituição). Se o arguido, por efeito deste regime, deixar ter efectivo conhecimento da data designada para julgamento, tal facto só a ele (ao facto de ele ter deixado de cumprir uma obrigação decorrente da prestação de termo de identidade e residência) será imputável. E ele foi devidamente alertado para a possibilidade de tal vir a ocorrer.
O legislador não nega, ou enfraquece, os direitos de defesa do arguido; responsabiliza-o por essa defesa e pelo normal andamento do processo, num propósito de combate à morosidade processual. É o que resulta claramente da exposição de motivos do referido Decreto-Lei nº 320-C/2000, onde se afirma, em relação ao arguido, que «não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento», o que justifica «a introdução da modalidade de notificação por via postal simples, nos termos acima expostos»” Cf. Acórdão da Relação do Porto de 20.06.2012, Processo n.º 4073/08.0TDPRT-A.P1, in www.dgsi.pt/jtrp. Em sentido similar, vejam-se ainda o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de 18.12.2008, Processo n.º 08P2816, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt/jstj, e acórdãos da Relação do Porto de 09.06.2004, Processo n.º 0412931, in www.dgsi.pt/jtrp, e 04.06.2008, in CJ, III, página 214. ---. ---
Em situações como a presente, se o Arguido não tomou efectivo conhecimento da realização da audiência de discussão e julgamento, só a si pode imputar tal desconhecimento, não se vislumbrando na matéria qualquer violação das suas garantias de defesa. ---
Como se diz no acórdão n.º 17/2010 do Tribunal Constitucional «a solução normativa da notificação por via postal simples (…) oferece garantias suficientes de que o respectivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa.
Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a transmitir o acto notificando ao conhecimento do destinatário.
E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si (…).
Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o pro­cesso, consubstanciado, pelo menos, na respectiva constituição como arguido e na respectiva sujeição a termo de identidade e residência.
Por outro lado, o receptáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.
É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v.g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido receptáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal.
Mas o não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no receptáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local.
Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efectivo esse conhecimento.
Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.
Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais.
(…) Finalmente, e ainda que as garantias previstas para uma dada fase proces­sual não possam ser completamente postergadas com base na invocação de garantias previstas para a fase processual subsequente, não se pode deixar de relembrar que a defesa do arguido ausente é sempre assumida pelo defensor e, que nesse caso, a lei exige a notificação da sentença ao arguido por contacto pessoal, estando assim mini­mamente acauteladas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (artigos 333.º, n.os 5 e 6, e 334.º, n.º 4, do CPP).
Ponderados todos estes dados (…) não se vislumbra que a interpretação normativa aqui» sufragada «viole qualquer parâmetro constitucional, maxime as garantias de defesa do arguido em processo criminal e o direito fundamental a um processo equitativo» In www.tribunalconstitucional.pt. ----. ---
Pelo exposto, por a notificação do Arguido ter sido valida e eficazmente efectuada e, pois, no caso o julgamento à revelia do Arguido ser legalmente admissível, inexiste a apontada nulidade, termos em que improcede nesta parte o parecer do Ministério Público junto desta Relação. ---
2. Da referida nulidade insanável por falta de notificação do arguido para a leitura da decisão final. ---
Com fundamento igualmente no referido artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, o Ministério Público junto desta Relação invoca também tal nulidade. –
Vejamos. ---
Nos termos do artigo 61.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal, enquanto sujeito processual, o Arguido «goza» do direito de «estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito». ---
Indubitavelmente, um desses actos é a leitura da decisão final: determinando esta o desfecho do procedimento criminal em causa, seguramente que o Arguido goza do direito de estar presente no acto de leitura da sentença. ---
Para tal efeito, o arguido deve ser devidamente notificado. ---
Consolida aquele entendimento o preceituado no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, na redacção vigente à data em que o Tribunal recorrido procedeu à leitura da sentença, redacção essa que actualmente, após a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro corresponde ao n.º 10 do mesmo preceito legal. ---
Com efeito aí se refere expressamente que o Arguido deve ser pessoalmente notificado da «designação de dia para julgamento», neste se devendo compreender a própria leitura da sentença uma vez que esta corresponde ao desfecho do julgamento em si e, pois, está ainda compreendido naquele. ---
Ou seja, «O nº 2 do art. 333º do CPP confere ao Tribunal o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença física do arguido, se considerar que esta não é indispensável à descoberta da verdade material, e, no limite, de a concluir sem essa presença, mas não o isenta do dever de notificar pessoalmente o arguido da designação de data e hora para a realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente, caso a venha ter lugar, tanto mais que o arguido, nos termos do nº 3 do mesmo normativo, conserva o direito de prestar declarações, se assim o entender, até ao final da audiência e de estar presente na leitura pública da sentença» Cf. Acórdão deste Tribunal da Relação de 11.07.2013, Processo n.º 2162/12.5TABRG.G1, de que o aqui relator foi adjunto. ---. ---
Neste contexto, nos termos da apontada alínea c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal e em conformidade com o disposto no artigo 122.º, n.ºs. 1 e 2, do Código de Processo Penal, a falta de notificação do Arguido da leitura de sentença e a sua efectiva não comparência em tal acto processual constitui uma nulidade insanável, determinando a anulação da leitura assim efectuada, bem como do processado posterior a ela No mesmo sentido vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09.06.2009, Processo n.º 332/07.7SILSB.L1 5ª Secção, in www.pgdlisboa.pt e desta Relação de Guimarães de 10.05.2010, Processo n.º 587/01.0TB BCL.G1, in www.dgsi.pt/jtrg. ---. ---
No caso vertente. ---
O Tribunal não procedeu a qualquer diligência no sentido de notificar o Arguido da data agendada para a leitura da sentença e no dia agendado para tal procedeu-se à respectiva leitura sem que o Arguido estivesse presente. ---
Ao assim proceder, o Tribunal recorrido cometeu uma nulidade insanável, pelo que importa anular o processado desde tal leitura, inclusive, devendo os autos prosseguir seus termos com a designação de nova data para leitura de sentença e a sua notificação aos demais sujeitos processuais, nomeadamente ao Arguido, por aviso postal simples, para a morada indicada no respectivo TIR. ---
Procede, pois, nesta parte o parecer do Ministério Público desta Relação. ---
3. Da pretendida revogação do despacho que declarou o arguido contumaz. -
A anulação do processado nos termos indicados torna insubsistente o despacho recorrido que declarou a contumácia do Arguido, pelo que está prejudicada a questão em apreço. ---
De todo o modo diga-se que face ao disposto nos artigos 335.º, n.º 1, e 313.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal afigura-se infundada a declaração de contumácia ao Arguido que prestou válida e eficazmente TIR: em tal caso os autos prosseguirão seus termos até à publicação da sentença sendo o Arguido até então notificado com referência à morada constante do respectivo TIR, não podendo, pois, ser declarado contumaz nos termos daquele regime legal o arguido que tenha prestado TIR Cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2011, página 868, e Acórdão da Relação de Coimbra de 11.06.2008, in CJ, III, página 53. --- . ---
Claro que o trânsito em julgado da sentença depende da sua prévia notificação pessoal ao Arguido e desconhecendo-se o paradeiro deste tal notificação pode vir a suceder num lapso de tempo mais ou menos longo e até pode vir antes a ocorrer a prescrição do procedimento criminal. ---
Trata-se, contudo, de um traço do nosso actual regime processual-penal, competindo aos tribunais nesse domínio tão-só envidar todas as diligências necessárias ao apuramento do paradeiro do Arguido e à sua notificação pessoal da sentença, nesse sentido podendo, e seguramente devendo, recorrer a instrumentos inerentes ao Sistema de Informação Schengen (SIS) e à Interpol, ou seja, a mecanismos de auxílio mútuo em matéria cooperação penal quando se suspeite que o arguido não se encontra em território português. ---
IV.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, anula-se o processado desde a leitura da sentença, inclusive, devendo os autos prosseguir seus termos com a designação de nova data para tal leitura e a sua notificação aos demais sujeitos processuais, nomeadamente ao Arguido, por aviso postal simples, para a morada indicada no respectivo TIR. ---
Sem tributação. ---
Notifique. ---
Guimarães, 2 de Dezembro de 2013