I – A possibilidade de não transcrição da sentença em certificado do registo criminal requerido por particular destina-se a evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade significativa e as repercussões negativas que a divulgação da condenação pode carretar para a reintegração social do delinquente, nomeadamente no acesso ao emprego.
II – Sendo requisito da não transcrição que “das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo da prática de novos crimes”, esta não deve ser decidida quando se demonstra que o condenado por crime condução de veículo em estado de embriaguez já tinha sido condenado por tal crime e que, posteriormente, veio a sofrer mais condenações de idêntica natureza.
I – RELATÓRIO
1. No processo sumário, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o arguido António S..., foi julgado e condenado pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º,n.º1 do CP na pena de 120 dias de multa, tendo cumprido a pena que lhe foi aplicada.
2. Na sequência de tal condenação veio requerer ao tribunal que lhe emitisse certificado de registo criminal negativo, de molde a poder obter visto de trabalho que lhe permita a legalização e exercício da profissão no estrangeiro, ao abrigo do disposto nos artigos 11º e 17º,n.º1 da lei 57/98 de 18 de Agosto.
3. Tal requerimento veio a ser objeto de decisão que passo a transcrever:
--------Requerimento de fls. 37 a 47:
--------O arguido veio requerer a não transcrição da condenação aplicada nos presentes autos no seu certificado de registo criminal, nos termos do artigo 17º n.° 1, e 11.° da Lei n.° 57/98, de 18 de Maio.
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--------A Digna Magistrada do Ministério Público, em vista do processo pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerimento apresentado.--------------
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--------Cumpre apreciar e decidir.---------------------------------------------------------
--------Nos termos do disposto no artigo 17.°, n.° 1, da Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto, "os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.° e 12.° deste diploma".-------------------------
--------São requisitos de aplicação da supra referida norma:------------------------------
- Requisito formal - condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;---------------------------------------------------------
- Requisito material - ausência de perigo de comissão de novos crimes, resultante da análise das circunstâncias que acompanharam o crime.-------
--------No presente caso, encontra-se, desde logo, preenchido o requisito formal supra descrito. -------------------------------------------------------------------------------------
--------Com efeito, o arguido foi condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 500$00 (quinhentos Escudos), pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, n.° 1, do Código Penal - adiante designado pela sigla C.P..----------------------------------------------
--------No entanto, não se encontra preenchido o requisito material supra referido, uma vez que da fundamentação de facto da sentença não resulta qualquer facto que permita concluir seguramente pela ausência de perigo da prática de novos ilícitos jurídico-penais.------------------------------------------------------------------------------------------
1--------Bem pelo contrário, do certificado de registo criminal do arguido entretanto junto a fls. 53 a 59, resulta que o mesmo praticou entretanto mais quatro crimes, tendo sido alvo de outras tantas condenações pela prática não só do mesmo crime, mas igualmente do crime de desobediência e do crime de violação de proibições.-----
--------Pelo exposto, no seguimento da douta promoção da Digna Magistrada do Ministério Público e porque não se verifica o preenchimento do requisito material descrito no artigo 17.°, n.° 1, da Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto, indefiro o requerido.
--------Custas do incidente a cargo do Requerente, fixando a taxa de justiça em 02 (duas) Unidades de Conta.---------------------------------------------------------------
-----Notifique.---------------------------------------------------------------------------
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4. O arguido veio, na sequência de tal despacho, apresentar recurso para este tribunal, passando-se de imediato a transcrever as suas conclusões:
CONCLUSÕES:
aa. O presente recurso tem como objeto o despacho judicial que indeferiu a dispensa de transcrição da pena no certificado de registo criminal.
ab. Nos autos do processo supra referenciado, o ora recorrente/arguido, por sentença -já transitado em julgado foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292°. n° 1 do CP. na pena de 120 dias de multa. A pena foi cumprida.
ac. Sucintamente, no requerimento de fls. 37 a 47 solicita-se a não transcrição e emissão do certificado de registo criminal para fins de emprego (art. 17°, n.° 1 e art. 11° da Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto),
ad. O ora recorrente tem uma promessa de trabalho (um contrato promessa de trabalho) da "Prébuild", em Angola, como serralheiro.
ae. A transcrição desta sentença impede o exercício desta atividade profissional em Angola, dado que as autoridades angolanas, perante o certificado de registo criminal e esta pena dele constante, não lhe concederão o respetivo visto (de residência e de trabalho) em Angola.
af. O ora recorrente, bem como a sua esposa, estão desempregados e têm a seu cargo dois filhos menores, um deles ainda em idade escolar- cfr. does. 3 e 4 juntos com aquele mesmo requerimento que motivou o despacho de indeferimento.
ag. Na verdade, o arguido sofre de alcoolismo, problema intimamente relacionado com todos os crimes cometidos - condução sob o efeito de álcool e desobediência -todos transitados em julgado entre 2000 e 2008 - cfr. registo criminal junto a fls. 53 a 59. cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
ah. Esse problema tende a agravar-se com a atual situação de desemprego, que jamais mudará se o recorrente se mantiver em Portugal, dada a estagnação da área da construção civil.
ai. Desta forma, a emigração é a única solução viável para a vida deste agregado familiar.
aj. Impedir o arguido de emigrar e de refazer a sua vida significa, tão só, agravar a situação de todo o agregado familiar e, infelizmente, a manutenção do vício do álcool, que também tende a agravar-se.
al. Está em questão a pequena criminalidade, todos ligados à condução sob influência de álcool, e os crimes são bastante recuados no tempo: a última condenação foi há cinco anos.
am. Não se vê nenhuma necessidade imperiosa de prevenção especial, nenhum perigo de futuras repetições criminosas, nenhuma causa que justifique o indeferimento do requerido.
an. Ora, o caso sub iudice constitui, precisamente, uma das situações contidos no escopo do art. 17o da Lei 57/98, de 18 de Agosto.
ao. Na verdade, a transcrição da sentença dos autos impede, infundadamente, o acesso ao emprego e o direito à emigração, direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados - cfr. arts 44°/2 e art. 58° da CRP.
ap. Não se pode admitir que estes direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados possam ser cerceados pelos motivos alegados no despacho em crise, pela infundada perigosidade do condenado.
DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS:
aq. Porque se afigura oportuno e relevante, refira-se, por fim, que todas as sentenças das condenações a que o Tribunal a quo faz referência foram todas dispensadas de transcrição no certificado para efeitos de trabalho, pelos mesmos motivos alegados supra - cfr. does. 2 a 4 -, e todos relativamente a crimes ocorridos posteriormente ao dos presentes autos..
ar. A junção destes despachos não foi possível antes, sendo contemporâneos do despacho sob censura, com o que se requer a sua junção, por tempestiva e com interesse para os autos.
as. EM SUMA, porque o perigo da prática de mais ilícitos penais é potenciado pela permanência em território nacional, desempregado, muito mais do que a reiteração dos crimes já praticados, diga-se, de condução sob o efeito do álcool e de desobediência, em território Angolano, no exercício da sua atividade profissional de serralheiro, não se encontram quaisquer fundamentos para indeferimento do requerido.
at. Há mais de cinco anos que o arguido não é condenado ou, sequer, acusado da prática de qualquer crime.
au. Indeferir o requerido implica impedir que o condenado, pelo simples facto de já ter cumprido penas, refaça a sua vida e aufira rendimentos que o permitam sustentar-se a si e à sua família.
DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
av. Ao indeferir o requerido a fls. 37 a 47, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 11°. 12° e 17º da Lei n.° 57/98, de 18 de Agosto, bem como os arts. 44° e 58° da Constituição República Portuguesa.
TERMOS EM QUE.
Deve o despacho em crise ser revogado no sentido de ser deferida a não transcrição da sentença dos autos nos certificados de registo criminal para fins de emprego, nos termos dos arts. 17° e 11o da Lei 57/98, de 18 de Agosto.
5. O Ministério público junto daquele tribunal apresentou resposta pugnando pela manutenção do decidido, embora por fundamento diverso.
6. Junto desta Relação a ex. mo procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido de que o recorrente teria de ter solicitado o cancelamento provisório dado que decorreram mais de dois anos sobre a data da extinção da pena, sendo para tal competente o tribunal de execução das penas e como tal mantém o propósito de que deve ser indeferida a pretensão do ora recorrente.
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. Como sabemos, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
· Não inscrição do certificado registo criminal de decisão condenatória
· Se pedido de cancelamento provisório;
O n° 1, do art° 1°, da Lei n° 57/98, de 18/08 (Lei de Identificação Criminal) dispõe que "a identificação criminal tem por objeto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões e de comunicações de factos referidos no artigo 5° provenientes de tribunais portugueses, e de tribunais estrangeiros, relativamente a portugueses e a estrangeiros residentes em Portugal neles julgados, com o fim de permitir o conhecimento dos seus antecedentes criminais".
No art° 2° consagra-se o princípio da legalidade, autenticidade e veracidade do registo, por forma a refletir e dar a conhecer os antecedentes criminais dos cidadãos.
Do art° 5°, n° 1, al. a) da referida Lei infere-se que, constitui regra geral a inscrição nos certificados de registo criminal de todas as decisões que apliquem penas.
A não transcrição das decisões, nos termos do art° 17°, n° 1, constitui uma exceção àquela regra.
Dispõe este preceito: "os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11° e 12° deste diploma".
Para tanto, é necessário que o arguido tenha sido condenado em pena de prisão não superior a um ano ou em pena não privativa de liberdade e que as circunstâncias que rodearam e determinaram a prática do ilícito cometido não permitam concluir pelo perigo de cometimento de novos crimes.
Os certificados a que se referem os artigos 11 ° e 12° são os requeridos por particulares para fins de emprego e os requeridos por particulares para outros fins, respetivamente. Como facilmente se intui, a medida prevista na norma em causa visa evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade muito significativa (pena não superior a um ano de prisão ou pena não privativa da liberdade) e as eventuais repercussões negativas que a divulgação dessa condenação poderia acarretar, designadamente no acesso ao emprego, concorrendo assim para a reintegração social do delinquente
No caso concreto, o arguido foi condenado na pena de um cento e vinte dias de multa mas, para além deste requisito, é ainda necessário que as circunstâncias que acompanharam o crime não induzam o perigo de prática de novos crimes, isto é, das mesmas tem de resultar elementos que permitam formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido.
O juízo de prognose deverá, assim, ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, isto é, a culpa do arguido, as exigências de prevenção e - a sua atitude perante os factos pelos quais foi condenado.
De acordo com a ata de julgamento junta aos autos a fls.28 o tribunal considerou “ a elevada gravidade da ilicitude dos factos, atenta a elevada taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido e que contra ele milita, um antecedente criminal também relativo a álcool considerando, todavia, o seu bom comportamento familiar e social, a sua profissão de motorista, o facto de ser o principal sustentáculo económico da família e as dívidas cujo pagamento depende o seu salário, opta-se pela aplicação de pena de multa…”
Resulta do exposto que já em 29 de Janeiro de 2000 quando teve lugar o julgamento este arguido contava com condenação anterior de álcool.
Sabemos ainda que posteriormente veio a sofrer mais condenações de idêntica natureza como evidencia o CRC junto a fls. 53 a 59.
Resulta do exposto que o juízo de prognose desfavorável que o despacho judicial evidenciou inviabiliza o pressuposto contido no artigo 17º,n.º1 da lei n.º 57/98 para a não transcrição da sentença.
Em relação á proposta do MP junto desta relação, sempre o recorrente, se assim o entender, optar pela via sugerida e que , como daí também ressalta, não compete a este tribunal avaliar, sendo competente para o efeito o Tribunal de Execução das Penas.
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III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
· Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente
· Condená-lo no mínimo de taxa de justiça