FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
OBRIGAÇÃO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
RENDIMENTOS ACTUALIZADOS
Sumário


I. Os rendimentos a considerar para efeitos de atribuição - e de cessação - da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores deverão ser os rendimentos actualizados mais recentes, desde que idoneamente provados; e, quando tal não se verifique, os reportados ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, para os quais os meios de prova se encontrem disponíveis, ou os reportados ao ano imediatamente anterior, quando aquela disponibilidade ainda não exista.

II. Para o apuramento do rendimento para efeitos de atribuição - e de cessação - da obrigação de garantia de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores devem os rendimentos anuais ilíquidos do agregado familiar onde se integra o menor ser divididos pelos doze meses correspondentes ao ano civil (independentemente de naquele montante global estarem, ou não, englobados os subsídios de férias e/ou de Natal).

(Maria João Marques Pinto de Matos)

Texto Integral


Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. SM (aqui Recorrente), residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Guimarães, propôs um incidente de incumprimento de regulação de responsabilidades parentais, contra AF, antes residente na Rua de …, freguesia de …, concelho de Guimarães, e hoje emigrado em parte incerta na Suíça, pedindo que:

· fosse reconhecido o incumprimento, pelo Requerido, da prestação de alimentos devida a Maria (filha comum de Requerente e Requerido), nascida no dia 6 de Junho de 2002, ascendendo os mesmos em 31 de Outubro de 2008 (data de propositura dos autos) a € 2.940,90.

Alegou para o efeito, em síntese, ter-se o Requerido obrigado, por acordo efectuado no dia 31 de Março de 2006, nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento e Regulação do Exercício do Poder Paternal (que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Guimarães) a contribuir mensalmente com a quantia de € 150,00, para o sustento da Filha, cuja guarda foi confiada a ela própria, bem como a suportar metade das respectivas despesas médicas, medicamentosas e escolares, sendo ainda aquele primeiro montante actualizado anualmente mercê da taxa de inflação verificada no ano anterior; e ter deixado de o fazer regularmente desde 2007.

1.1.2. Regularmente processados os autos (com notificação do Requerido para alegar o que tivesse por conveniente - nada tendo dito -, averiguação oficiosa da sua condição económica e patrimonial, realização posterior de inquérito às respectivas socio-económicas da Requerente e do Requerido, e notificação do mesmo às partes, que nada disseram), foi proferida sentença, julgando totalmente procedente o incidente de incumprimento lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)

Nestes termos, e pelo exposto:

a) julgo totalmente procedente por provado o incidente de incumprimento deduzido pela requerente SM, condenando o requerido AF a pagar (para além da pensão mensal no valor de 162,64 € - cento e sessenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos - que é devida a partir de 08/12/2009, actualizável em Janeiro de 2010 de acordo com o índice de inflação de 2009 a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística), a quantia de 5.047,08 € (cinco mil e quarenta e sete euros e oito cêntimos) a título de prestações vencidas e não pagas até ao presente momento;
b) condeno o requerido AF no pagamento de uma multa no valor de 150,00 € (cento e cinquenta euros).
(…)»

1.1.3. Não se tendo conseguido localizar o Requerido, ou identificar qualquer património ou rendimentos do mesmo, sob impulso da Requerente (e após realização de inquérito às condições da Menor, do respectivo agregado familiar, do Requerido, e do respectivo agregado familiar), foi proferida sentença, fixando a prestação mensal de alimentos devida àquela em € 150,00, e cometendo a sua satisfação ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (F.G.A.D.M.), lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Pelo exposto, decido fixar em € 150,00 a prestação de alimentos devida aos menores, montante que, sem prejuízo da ocorrência de qualquer circunstância superveniente, será satisfeito pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
(…)»

1.1.4. A Requerente veio, no início de 2007, renovar a prova relativa aos pressupostos de cometimento da prestação de alimentos a cargo do F.G.A.D.M., pedindo que o mesmo se mantivesse.
Alegou para o efeito, em síntese: manter a guarda da Filha; não pagar o Requerido, desde 2008, qualquer prestação de alimentos devida à mesma, continuando emigrado em parte incerta; ter ela própria começado a trabalhar em 23 de Janeiro de 2017, auferindo o salário mínimo nacional; e suportar mensalmente € 250,00 com renda de casa, € 50,00 com água e gás, € 11,00 com a alimentação da Menor na escola, todas as outras despesas exigidas pelas suas necessidades básicas, incluindo educação.

1.1.5. Realizou-se inquérito às condições de vida do Requerido e do agregado familiar da Menor, que concluiu que «a Requerente não reúne a condição de recurso à prestação social em apreço»; e, notificado o mesmo à Requerente, veio a mesma defender ser aquele inquérito parcial e erróneo, já que teria considerado os seus rendimentos no ano de 2017, quando se lhe impunha que considerasse os relativos ao ano transacto, em que apenas auferira € 3.393,90 de subsídio de desemprego, determinando assim um valor per capita inferior ao indexante de apoio social em causa.
A Segurança Social reiterou, porém, a sua informação anterior, defendendo terem de ser considerados os rendimentos actualizados mais recentes conhecidos.

1.1.6. Sob conforme promoção do Ministério Público («P. se julgue cessada a intervenção do FGAM e se determine o oportuno arquivamento dos autos»), foi proferida decisão, julgando não verificados os requisitos legais que autorizariam o pagamento da prestação de alimentos devida à Menor pelo F.G.A.D.M., lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
O art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19-11 determina que o Estado, através do Fundo se Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, deve assegurar os alimentos devidos a menores, quando a pessoa judicialmente obrigada a fazê-lo não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Todavia, no uso do direito que assiste a um garante, o Estado decidiu limitar a sua garantia.
Assim, nos termos do art.º 2.º, n.º 1 da referida Lei e art.º3.º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 164/99, de 13-05, estabeleceu um tecto máximo mensal de um ASI, por cada devedor, independentemente do número de filhos, os credores.
Ora, da leitura dos documentos juntos aos autos (cfr.154 e segs), resulta que o rendimento per capita do agregado familiar da menor Maria é superior ao valor indexante dos apoios sociais (IAS), atentos os rendimentos do agregado familiar calculados de acordo com as disposições legais em vigor, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei n.º70/2010 de 16 de Junho e 17º da Lei n.º64/2012 de 20-12, pelo que, nos termos do artigo 3º, n.º1 alínea b) do Decreto-lei n.º164/99 de 13 de Maio, não continuam reunidos os requisitos para que o pagamento da prestação de alimentos seja assegurada pelo FGADM.
Deste modo, atenta a actual redacção em vigor das normas supra referidas, o pagamento da prestação de alimentos devida à menor, não poderá continuar a ser assegurado pelo FGADM, pois não estão verificados os requisitos previstos artigo 3º, n.º1 alínea b) do Decreto-lei n.º164/99 de 13 de Maio.
Notifique.
Comunique ao FGADM.
Oportunamente arquive.
(…)»
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1.2. Recurso (fundamentos)

Inconformada com esta decisão, a Requerente (SM) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a decisão recorrida, e se substituísse a mesma por outra, dando provimento à sua pretensão.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizadas, sem repetições de processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ser a decisão recorrida nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al d) do C.P.C., uma vez que não se teria pronunciado sobre os factos alegados pela Requerente no seu articulado de renovação de prova (pertinentes aos rendimentos por si auferidos no ano anterior).

22. O Despacho/Sentença recorrido é nulo por não ter atendido, nem positivamente nem negativamente, aos factos alegados pela recorrente no requerimento inicial.

23. A causa de pedir alegada pela recorrente foi completamente olvidada apesar de se ter junto a demonstração do IRS de 2016.

24. O Tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado sobre a causa de pedir e sobre a prova junta.

25. Por isso, a sentença é nula nos termos do n.º 1 da alínea d) do art.º 615.º do CPC.

2ª - Terem de ser considerados os rendimentos auferidos no ano anterior ao requerimento de renovação de prova, que são inferior per capita ao valor do indexante social em causa.

1. A recorrente requereu que o Fundo de Garantia de Alimentos a menores continuasse a substituir o devedor na sua obrigação da prestação de alimentos.

2. Para isso deduziu o requerimento nos próprios autos e alegou o seguinte quanto à causa de pedir:
10- A requerente, mãe da menor, esteve desempregada até 03/10/2016, auferindo o € 377,10 de subsídio de desemprego. (Doc. n.º 1)
11- Começou a trabalhar em 23/01/2017 como cortadora manual, passando a auferir o salário mínimo. (Doc. n.º2)
12- Paga mensalmente de renda de casa a quantia de € 250,00. (Doc. n.º3)
13- Tem que pagar água e gás, no montante médio mensal de €50,00. (Doc. n.º 4 e 5)
14- Tem ainda que pagar as despesas de alimentação da filha na escola, no valor de cerca de € 11,00.
15- Além de suportar todas as despesas decorrentes das necessidades básicas da menor, designadamente, vestuário que se torna inadequado de ano para ano, alimentação adequada a uma criança em fase de crescimento, bem como material escolar.
16- Por conseguinte, a menor continua a não beneficiar de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficia nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontra,

3. Foi solicitado à segurança social relatório social e esta entidade, em causa própria, emite parecer que a recorrente não reúne os requisitos da condição de recursos para lhe ser continuada a proporcionar a prestação social em causa.

4. A segurança social alegou que os rendimentos da recorrente são € 649,83 por mês que dividido por um divisor de 1,5 – recorrente e a filha menor – daria um quociente de € 433,22.

5. € 433,22 é superior ao valor do Indexante dos Apoios Sociais, actualmente em € 421,00.

6. De acordo com o n.º 2 do art.º 3.º do decreto lei 70/2010, de 16 de Junho, «Os rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele».

7. Os rendimentos da recorrente em 2016, registe-se que o requerimento da recorrente é de Fevereiro de 2017, foram de € 3.393,90 provenientes na sua quase totalidade do subsídio de desemprego.

8. Em 23 de Janeiro de 2017, a recorrente começou a trabalhar e aufere o salário mínimo nacional - € 557,00.

9. Os rendimentos verificados para efeitos de determinação de recursos deverão ser calculados numa base anual.

10. Não pode ser numa base mensal ou circunstancial.

11. Os rendimentos a proporcionar aos menores têm que ser constantes e não pontuais.

12. Por isso a defesa da base anual da verificação de recursos.

13. E essa base anual que a segurança social aplica: ao dizer que o rendimento da recorrente é de € 649,83 resulta do salário mínimo, € 557,00, por 14 meses dividindo-se o produto por 12 meses.

14. E se calculam a verificação dos rendimentos em base anual, têm de esperar que o ano se complete para afirmarem esses rendimentos.

15. Por isso, não terá qualquer aplicação o n.º 3 do art.º 3.º do decreto lei 70/2010, de 16 de Junho ao presente caso.

16. A ratio da lei é bem clara: deverão ser verificados os rendimentos do ano anterior e se não houver registos fiáveis – meios de prova, ao ano imediatamente anterior àquele.

17. Não podem ser verificados rendimentos que ainda não aconteceram.

18. A presente alegação é meramente preventiva porque poderá haver a tentação de considerar o rendimento do mês em que a segurança social dá a informação.

19. Se assim for, a informação também está errada porque a recorrente só aufere, unicamente, € 557,00 e não € 649,83 por mês.

20. De facto, os rendimentos da recorrente calculados de acordo com o decreto lei n.º 70/2010 são inferiores ao Indexante de Apoios Sociais,

21. pelo que a recorrente reúne condições para lhe ser atribuído a prestação pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.
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1.3. Recurso (contra-alegações)

O Ministério Público contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma:

1ª - Ter de ser considerada a situação económica mais actualizada, mercê da qual se verifica que os rendimentos auferidos neste momento pela Requerente são superiores, per capita, ao valor do indexante social em causa.

1° - Nos termos do art.º 2°, n.º 1 da referida Lei e art.° 3º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 164/99, de 13-05, estabeleceu um tecto máximo mensal de um ASI, por cada devedor, independentemente do número de filhos, os credores.

2° - Da leitura dos documentos juntos aos autos (cfr.154 e segs), resulta que o rendimento per capita do agregado familiar da menor Maria é superior ao valor indexante dos apoios sociais (IAS), atentos os rendimentos do agregado familiar calculados de acordo com as disposições legais em vigor, nos termos do artigo 5° do Decreto-Lei nº 70/2010 de 16 de Junho e 17° da Lei nº 64/2012 de 20-12, pelo que, nos termos do artigo 3°, nº 4, alínea b) do Decreto-lei n. °164/ 99 de 13 de Maio, não continuam reunidos os requisitos para que o pagamento da prestação de alimentos seja assegurada pelo FGADM.

3° - A Portaria n.º 4/2017 procedeu à atualização anual do valor do IAS - atualização anual do valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o montante de (euro) 421,32.

4° - O rendimento do agregado familiar, no caso, é de 557,14 € x 14 meses = 7.798: 12 meses = 649,83 € (rendimentos de trabalho da progenitora).

5° - Assim, o rendimento per capita = ( rendimento mensal global ilíquido) /ponderação do agregado familiar = 649, 83 euros: 1, 50 = 433, 22 euros.

6° - No caso, o valor obtido é superior ao IAS - indexante dos apoios sociais -.

7º - A decisão recorrida obedeceu ao disposto no art 30., nº, 3, do DL 70/2010, que manda atender à situação económica mais actualizada.

8º - Deste modo, atenta a actual redacção em vigor das normas supra referidas, o pagamento da prestação de alimentos devida à menor, não poderá continuar a ser assegurado pelo FGADM, pois não estão verificados os requisitos previstos no artigo 30, n.Pt alínea b) do Decreto-lei n.0164/99 de 13 de Maio.

2ª - Ser o F.G.A.D.M. um fundo fechado, com apertada previsão de situações que lhe sejam subsumíveis, tendo as demais que encontrar cobertura noutros mecanismos de apoio económico e social criados pelo Estado.

9º - O pagamento de prestação de alimentos a menores através do Estado quando o progenitor / a tenha situação económica que não lhe permite pagar a prestação, sem violar o seu mínimo de sobrevivência ou se ignore totalmente a situação económica daquele e até o paradeiro, é questão a merecer a devida atenção do legislador, cabendo a este definir a política social que entender adequada a esta situação, no âmbito da sua competência exclusiva e de acordo com as prioridades definidas politicamente.

10° - Não é ao julgador a quem compete definir a política social aplicável ao caso, nem subverter o sistema "ficcionando" uma situação económica do progenitor / a quem cabe prestar alimentos e, dessa forma, fixar uma pensão alimentar que não é adequada à realidade provada, apenas com base num pretenso superior interesse do menor, sem quadro legal.

11º - O FGADM é um "fundo fechado", constituído mediante pressupostos taxativos, para garantia dos alimentos devidos a menores antes fixados por decisão judicial ou equivalente, que o poder legislativo criou, com efeitos em 15. 10.1998 mas com entrada em vigor apenas em Janeiro de 2000 (artº 11° DL nº 164/99, de 13,95), com o OE de 2000, para garantir uma prestação autónoma mas substitutiva do progenitor/devedor originário; todo o regime jurídico desta garantia tem como pano de fundo aquele fim: daí a sub-rogação, daí os reembolsos, daí a cessação da prestação a cargo do FGADM a partir do momento em que o obrigado a alimentos comece o pagamento das prestações.

12° - Poderá o poder legislativo criar prestações sociais/subsídios de protecção da infância e juventude, em termos gerais e abstratos de acordo com as opções político-legislativas, de futuro; não podem é os tribunais, na falta de mecanismos legais em vigor, subverter o sistema político-constitucional e fazer integrar no FGADM situações de facto que não tenham cobertura na apertada/fechada previsão das normas que o regulam.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a decisão recorrida nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do C.P.C. (por não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar) ?

- Encontra-se a Requerente neste momento em condições de beneficiar do cometimento ao F.D.A.D.M. da prestação de alimentos devida à sua Filha menor (nomeadamente, por deverem ser considerados para o efeito os rendimentos auferidos no ano anterior ao da formulação do seu requerimento nesse sentido) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidade da decisão
3.1. Conhecimento de nulidades da sentença – Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».
Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C. que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
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3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Recorrente (SM) a «nulidade da sentença por violação da alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC», deverá ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
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3.2. Nulidades da sentença
3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).
Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Omissão de pronúncia - Art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C.
Lê-se no art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do C.P.C. (como já antes se lia no anterior art. 668º, nº 1, alínea d), I parte, do mesmo diploma), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. omissão (de pronúncia) - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608º, nº 2 do C.P.C. (art. 660º, nº 2 do anterior C.P.C.), que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., p. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo nº 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ nº 439, pg. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, p. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, p. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira).
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo nº 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo nº 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo nº 00A3277).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.2.2. Concretizando, compulsada a decisão proferida - e recorrida - nos autos, verifica-se que, tendo sido submetida ao Tribunal a quo a renovação da «prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à concessão da prestação de alimentos a cargo do» F.D.A.D.M., o mesmo a apreciou, concluindo pela não manutenção dos ditos pressupostos.
Mais se verifica que, na sua decisão, considerou necessariamente os factos alegados antes pela Requerente, nomeadamente o facto de se encontrar a trabalhar desde 23 de Janeiro de 2017, o de auferir o salário mínimo nacional, e o de ser o seu agregado familiar composto por ela própria e pela Filha Menor.
Por fim, verifica-se que, tal como a Requerente sustentou nas suas alegações de recurso, o Tribunal a quo não considerou, porém, que no ano civil anterior (2016) a mesma esteve desempregada até 03 de Outubro de 2016, auferindo a esse título um subsídio mensal de € 377,10.
Contudo, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, essa omissão não consubstancia qualquer falta de pronúncia sobre questão que devesse apreciar, mas sim eventual erro de julgamento: o Tribunal a quo, tendo conhecimento dos actuais rendimentos laborais da Requerente, entendeu que seria a estes que deveria atender (de acordo com a interpretação que fez da lei aplicável), e não àqueles outros (cujo conhecimento ficou, assim, prejudicado).
A correcção, ou incorrecção, desse seu juízo será feita em sede de apreciação do mérito da decisão recorrida, não contendendo com qualquer nulidade da mesma.

Logo, e ao contrário do sustentado pela Recorrente, a decisão recorrida não padece de nulidade consistente na falta de pronúncia sobre questões que devesse apreciar.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da segunda questão enunciada, encontram-se assentes nos autos (por documentos, por confissão e por acordo das partes), os seguintes factos:

1 - Maria nasceu no dia 06 de Junho de 2002, sendo registada como filha de AF e de SM (conforme certidão de assento de nascimento que é fls. 5 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

2 - Por acordo de 31 de Março de 2006, transitado em julgado no dia 31 de Março de 2006, efectuado nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento e Regulação do Exercício do Poder Paternal, que correram termos sob o nº 79/2006, na Conservatória do Registo Civil de Guimarães, ficou decidido que (conforme certidão daqueles autos que é fls. 6 a 12 destes, e que aqui se dá por integralmente reproduzida):

. Maria ficaria confiada à guarda da Mãe, a quem caberia o exercício do poder paternal sobre ela;

. o respectivo Pai contribuiria, a título de pensão de alimentos, com a quantia mensal de € 150,00, actualizável em Janeiro de cada ano de acordo com o índice de inflação publicado pelo I.N.E. para o ano anterior, suportando ainda metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares que lhe fossem documentalmente comprovadas.

3 - Por sentença proferida no dia 10 de Novembro de 2009, nestes autos de Incidente de Incumprimento de Responsabilidades Parentais, foi reconhecido o incumprimento do pagamento da prestação de alimentos devida pelo Requerido (AF), e condenado este a pagar, quer a prestação mensal actualizada de € 162,64, quer a quantia de € 5.047,08, esta última a título de prestações vencidas e não pagas até então (conforme decisão que é fls. 48 a 52 destes autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

4 - Constatada a impossibilidade de cobrança coerciva daqueles montantes, foi proferida sentença nestes autos, no dia 09 de Fevereiro de 2015, fixando em € 150,00 a prestação de alimentos mensal devida a Maria, e cometida a sua satisfação ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (conforme decisão que é fls. 93 a 95 destes autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

5 - O agregado familiar de Maria é formado exclusivamente por ela própria e pela Requerente (SM) (conforme «RELATÓRIO SOCIAL» da Segurança Social, que é fls. 156 e 157 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

6 - A Requerente (SM) alegou ter estado desempregada no ano de 2016, até 03 de Outubro de 2016, e ter auferido um subsídio mensal de € 377,10, que teria perfeito nesse ano o montante global de € 3.393,90 (requerimento de fls. 138 a 140 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e alegações de recurso).

7 - A Requerente (SM) começou a trabalhar em 23 de Janeiro de 2017, como cortadora manual, auferindo o salário mínimo nacional aprovado pelo Decreto-Lei nº 86-B/2016, de 29 de Dezembro, de € 557,00 (conforme recibo de vencimento de Janeiro de 2017, que é fls. 146 dos autos, e «RELATÓRIO SOCIAL» da Segurança Social, que é fls. 156 e 157 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

8 - O Requerido (AF) continua emigrado em parte incerta na Suíça (conforme «RELATÓRIO DE DILIGÊNCIAS» da Segurança Social, que é fls. 155 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores
5.1.1.1. Criação - Pressupostos (requisitos) de intervenção

Lê-se no art. 69º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) que as «crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todos as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».
Logo, é função da sociedade e do Estado, e seu dever, assegurar, não só o direito das crianças à vida e à integridade física (arts. 24º e 25º, ambos da C.R.P.) - direitos especiais de personalidade -, como ao respectivo desenvolvimento integral e a uma vida digna, como pessoas em formação que são; e assume aqui particular importância a garantia da sua subsistência, nomeadamente quando seja incumprida a obrigação de alimentos para com elas, comprometendo o princípio da solidariedade familiar (art. 67º da C.R.P.).
Com efeito, o direito fundamental ao «mínimo de existência condigna», ou ao «mínimo de sobrevivência», radica no princípio da dignidade da pessoa humana - na sua génese de mínimo vital (estatuto jurídico do património mínimo) - consagrado nos arts. 1º e 26º, nº 3, ambos C.R.P.; decorre da ideia de Estado de Direito Democrático - consagrado nos arts. 2º e 63º, ambos da C.R.P.; e tem sido reconhecido na jurisprudência do Tribunal Constitucional (v.g. Ac. do TC nº 62/2002, ou Ac. do TC nº 509/2002).
Esta protecção à criança (em particular, no que toca ao direito a alimentos), tem merecido também especial consagração em instrumentos vinculativos de direito internacional, onde se destacam: as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, e R(89)l, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais; e a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade.

Compreende-se, por isso, a edição da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro (aqui considerada com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e pela Lei nº 24/2017, de 24 de Maio), em cujo art. 1º se lê: quando «a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação» (nº 1); e esse pagamento cessará «no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil», isto é, manter-se-á desde que o respectivo processo de educação ou formação profissional ainda não esteja concluído, e até que complete 25 anos (nº 2).
Mais se lê, no art. 6º, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, que é «constituído o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, cuja inserção orgânica será definida por diploma regulamentar do Governo» (nº 1), sendo «gerido em conta especial e» assegurando «o pagamento das prestações fixadas nos termos da presente lei» (nº 2).
Por fim, no art. 7º desta Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, ficou desde logo previsto que o «Governo regulamentará no prazo de 90 dias, mediante decreto-lei, o disposto no presente diploma e tomará as providências orçamentais necessárias à sua execução».

Viria, assim, a ser publicado o Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio (aqui considerado com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, e pela Lei nº 64/2012, de 20 de Dezembro), cujo art. 1º esclareceu destinar-se precisamente a regular «a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro».
Conforme expressamente assumido no preâmbulo deste diploma (com bold apócrifo), apercebeu-se o legislador que «a evolução das condições sócio-económicas, as mudanças de índole cultural e a alteração dos padrões de comportamento têm determinado mutações profundas a nível das estruturas familiares e um enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente no que se refere à prestação de alimentos»; e que «entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais».
Justificar-se-ia, deste modo, que «o Estado crie mecanismos que assegurem, na falta de cumprimento daquela obrigação, a satisfação do direito a alimentos», «pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º)», possibilitando o «acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna».
Assim, e pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio: foi «constituído, no âmbito do ministério responsável pela área da solidariedade e da segurança social, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, (…) gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (nº 1); e foi-lhe cometido que assegurasse «o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro» (nº 2).
Esclareceu ainda o art. 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, que o «Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando: a) a pessoa judicialmente obrigada a prestar não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL 314/78 de 27 de Outubro; b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre».
Precisa-se que o indexante de apoios sociais (I.A.S.) foi criado pela Lei nº 53-B/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei nº 254-B/2015, de 31 de Dezembro, e pela Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro), constituindo «o referencial determinante da fixação, cálculo e actualização dos apoios (…) da administração central do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, qualquer que seja a sua natureza, previstos em actos legislativos ou regulamentares» (art. 2º, nº 1); e sendo seu valor «actualizado anualmente com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de cada ano» (art. 4º, nº 1).

Dir-se-á, assim, que são cumulativos requisitos de intervenção do F.G.A.D.M. (isto é, pressupostos de reunião necessária para que o mesmo assegure o pagamento de prestações de alimentos a menores): que tenha sido judicialmente reconhecida a obrigação de alimentos a favor de menor residente em território nacional (ou adulto de idade inferior a 25 anos, que frequente formação académica ou profissional); que a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não os satisfaça pelas formas previstas no art. 189º da OTM (hoje, no art. 48º do R.G.P.T.C.); e que o menor credor de alimentos não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (I.A.S.), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, tendo-se em conta a capitação de rendimentos do agregado familiar em que se insira.
Veio, porém, a jurisprudência a dividir-se: entendeu parte dela que o F.G.A.D.M. poderia satisfazer a pensão de alimento que se justificasse atribuir ao menor credor, mesmo que não tivesse sido prévia e judicialmente fixada, por insuficiência económica do obrigado, ou por nada se ter apurado quanto ao seu património e rendimentos (v.g. Ac. da RP, de 06.10.2002, Abílio Costa, Processo nº 0653974, ou Ac. da RP, de 06.02.2006, Ana Paula Lobo, Processo nº 0630817); e entendeu outra parte dela que o F.G.A.D.M só poderia satisfazer uma pensão de alimentos que tivesse sido prévia e judicialmente fixada (v.g. Ac. da RC, de 10.07.2007, Hélder Roque, Processo nº 53/06.8TMCBR-B.C1, Ac. da RL, de 16.12.2008, Rui Vouga, Processo nº 9301/2008-1, Ac. da RP, de 08.09.2009, Cândido Lemos, Processo nº 887/06.3TBPNF.P1, Ac. da RL, de 17.09.2009, Ondina Carmo Alves, Processo nº 5659/04.7TBSXL.L1-2, Ac. da RP, de 01.02.2010, Mendes Coelho, Processo nº 1307/08.4TMPRT.P1, Ac. da RC, de 09.02.2010, Manuela Fialho, Processo nº 415/05.8TBAGD.C1, Ac. do STJ, de 12.07.2011, Hélder Roque, Processo nº 4231/09.0TBGMR.G1.S1, Ac. da RL, de 06.12.2011, Tomé Ramião, Processo nº 3464/08.0TBAMD.L1-6, Ac. do STJ, de 22.05.2013, Gabriel Catarino, Processo nº 2485/10.8TBGMR.G1.S1, Ac. da RC, de 05.11.2013, Carvalho Martins, Processo nº 1339/11.5TBTMR.A.C1, ou Ac. da RP, de 15.05.2014, Madeira Pinto, Processo nº1860/08.2TBPRD-4.P1).
Seria, por isso, proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2009, Uniformizador de Jurisprudência, de 07 de Julho de 2009 (D.R., nº 150/2009, Série I, de 05 de Agosto de 2009), decidindo que: «A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores».
Ora, dir-se-á que, embora «não seja vinculativa, a jurisprudência uniformizada do STJ tem a força persuasiva que é inerente ao respeito pela sua qualidade e pelo seu valor intrínseco, devendo, por isso, ser ponderada e, em princípio, respeitada, a não ser que existam novos factos, argumentos, razões ou circunstâncias que, não tendo sido considerados no acórdão uniformizador, possam justificar uma nova e diferente decisão» (Ac. da RG, de 04.10.2011, Purificação Carvalho, Processo nº 376/09.4 TMBRG.G2); e estes «princípio do interesse na unidade interpretativa e aplicativa do direito e (…) princípio do interesse na estabilidade da jurisprudência recomendam que os tribunais apliquem a jurisprudência uniformizada» ainda que «esta não traduza o entendimento que vinham adotando» (Ac. da RG, de 25.06.2015, Manso Rainho, Processo nº 3977/05.6TBBCL-A.G1).

Por fim, dir-se-á ainda que a impossibilidade de cobrança coerciva dos alimentos prévia e judicialmente fixados será aquela que resulte da mera frustração do «incidente de descontos» intra-processual, não sendo igual e cumulativamente exigível a prévia frustração do recurso a uma acção executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos de estrangeiro, ao abrigo de Convenção Internacional - v. g. da Convenção de Nova Iorque de 20.06.1956 - ou de instrumento normativo comunitário - Regulamento (CE) nº 4/2009 de 18.12.2008.
(Neste sentido, Ac. da RL, de 13.10.2011, Esagüy Martins, Processo nº 148-A/2002.L1-2, Ac. da RC, de 11.12.2012, Luís Cravo, Processo nº 46/09.3TBNLS-A.C1, Ac. da RL, de 11.04.2013, Magda Geraldes, Processo nº 2415/11.0TMLSB-A.L1-2, Ac. da RL, de 28.01.2016, Jorge Leal, Processo nº 6491/14.5T8SNT.L1-2, ou Ac. da RL, de 23.02.2017, Maria Amélia Ameixoeira, Processo nº 5647-14.5T8SNT-B.L1-8. Em sentido contrário, porém, Ac. da RG, de 07.05.2013, António Beça Pereira, Processo nº 4360/08.7TBGMR-A.G2, e Ac. do STJ, de 30.04.2015, Tavares de Paiva, Processo nº 1201/13.7T2AMD-B.L1.S1).
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5.1.1.2. Montante das prestações

Lê-se art. 2º, nº 1 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, que as «prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores»; e reitera-o o art. 3º, nº 5 do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que as «prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS».
Resulta dos preceitos citados que «o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento - no exercício da sua livre discricionariedade político-legislativa em sede de opções sobre a afectação de recursos financeiros a políticas sociais - de um tecto» para a «responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/credores de alimentos, mas a cada progenitor/devedor incumpridor»; e este «resultado interpretativo não viola o princípio da igualdade nem qualquer outro preceito ou princípio constitucional» (Ac. do STJ, de 07.04.2011, Lopes do Rego, Processo nº 9420-06.6TBCSC.L1.S1).
O dito I.A.S., para o ano de 2017, corresponde a € 421,32 (conforme art. 2º da Portaria nº 4/2017, de 03 de Janeiro).
Logo, e em 2017, o tecto máximo para cada devedor (independentemente do número de filhos menores que possua) será de € 421,32.

Mais se lê, no art. 2º, nº 2 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, que para a determinação do montante da prestação de alimentos, o «tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».
Veio, porém, a jurisprudência a dividir-se: entendeu parte dela que o F.G.A.D.M. poderia satisfazer a pensão de alimentos que se justificasse atribuir ao menor credor, independentemente de ser superior à que fora - prévia e judicialmente - imposta ao respectivo devedor, desde que contida no limite legal próprio (v.g. Ac. da RL, de 18.12.2012, Ana Resende, Processo nº 5270/08.3TBALM-A.L1-7, Ac. da RL, de 11.07.2013, Maria José Mouro, Processo nº 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, Ac. da RC, de 22.10.2013, Fonte Ramos, Processo nº 2441/10.6TBPBL-A.C1, Ac. da RG, de 14.11.2013, Jorge Teixeira, Processo nº 699/11.2TBCBT-A.G1, Ac. da RP, de 28.11.2013, Judite Pires, Processo nº 3255/11.1TBPRD-A.P1, Ac. da RG, de 17.12.2013, Moisés Silva, Processo nº 987/03.1TBFLG-B.G1, Ac. da RG, de 23.01.2014, Conceição Bucho, Processo nº 315-C/2000.G1, Ac. da RG, de 30.01.2014, Manuela Fialho, Processo nº 689/08.2TBCBT-B.G1, Ac. da RC, de 11.02.2014, Catarina Gonçalves, Processo nº 10033-A/1999.C1, Ac. da RE, de 17.03.2014, Acácio Neves, Processo nº 36-F/2000.E1, Ac. do STJ, de 29.05.2014, Bettencourt de Faria, Processo nº 257/06.3TBORQ-B.E1.S1, Ac. da RL, de 09.07.2014, João Ramos de Sousa, Processo nº 2704/05.2TBVFX-D.L1-1, Ac. da RL, de 29.01.2015, Catarina Manso, Processo nº 1731/ 10.2TMLSB.L1-8, ou Ac. da RL, de 10.02.2015, Dina Monteiro, Processo nº 175/13.9TMPDL-B.L1-7; e na doutrina, Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, Coimbra Editora, 2ª edição revista, 2007, p. 237-239); e entendeu outra parte dela que o F.G.A.D.M só poderia satisfazer uma pensão de alimentos que não fosse superior à que fora judicialmente fixada ao devedor originário, não cumprida voluntariamente por ele, nem coercivamente cobrada (v.g. Ac. da RL, de 08.11.2012, Aguiar Pereira, Processo nº 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, Ac. da RC, de 18.02.2013, Alberto Ruço, Processo nº 3819/04.0TBLRA-C.C1, Ac. da RC, de 05.11.2013, Carvalho Martins, Processo nº 1339/11.5TBTMR.A.C1, Ac. da RL, de 30.01.2014, Tomé Ramião, Processo nº 130/06.5TBCLD-E.L1-6, Ac. da RP, de 18.02.2014, Márcia Portela, Processo nº 2247/05.4TBPRD-A.P1, Ac. da RL, de 13.03.2014, Fátima Galante, Processo nº 848/11.0TBLNH-A.L1-6, Ac. da RL, de 20.03.2014, Maria de Deus Correia, Processo nº 850/07.7TMLSB-B.L1-6, Ac. do STJ, de 13.11.2014, Ana Paula Boularot, Processo nº 415/12.1TBVV-A.E1.S1, ou Ac. da RG, de 16.04.2015, Helena Melo, Processo nº 359/10.1TBVPA-A.G1).
Seria, por isso, proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 5/2015, Uniformizador de Jurisprudência, de 19 de Março de 2015 (D.R., nº 85/2015, Série I, de 04 de Maio de 2015), decidindo que (com cinco votos de vencido): «Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º n.º 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário».
(Sobre esta questão, e outras que têm sido levantadas sobre a intervenção do FGADM, vide, por todos, Tomé d’ Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível - Anotado e Comentado, Quid Juris, p. 178 e segs.)

Por fim, lê-se no art. 3º, nº 4 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, que o «montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado»; e reitera-o o art. 9º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que o «montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado» (nº 1), ficando a «pessoa que recebe a prestação (…) obrigada a renovar anualmente a prova, perante o tribunal competente, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição» (nº 4).
Precisa-se, porém, que esta nova decisão judicial estará necessariamente limitada à apreciação da questão da «renovação da prova», uma vez que o Tribunal se encontra vinculado relativamente ao quantum da prestação a cargo do F.G.A.D.M., por força do caso julgado formada sobre a primitiva decisão que a fixou, conforme art. 619º, do C.P.C..
(Neste se sentido, Ac. da RP, de 15.02.2016, Caimoto Jácome, Processo nº 21/08.5TBPRD-D.P1, e Ac. da RL, de 13.09.2016, Orlando Nascimento, Processo nº 1002/14.5T8CSC-C.L1-7).
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5.1.2. Concretizando, verifica-se que, tendo Maria nascido no dia 06 de Junho de 2002, tem neste momento apenas 15 anos; e reside com a Requerente (SM), sua mãe, em território nacional.
Mais se verifica que, tendo sido previamente fixada uma pensão de alimentos de € 150,00 mensais, a cargo do Requerido (AF), seu pai - no âmbito do processo de divórcio por mútuo o consentimento dos seus Progenitores, e de regulação do poder paternal que lhe dizia respeito - , a mesma deixaria de ser paga por ele em 2008, incumprimento que foi reconhecido nestes mesmos autos.
Verifica-se ainda que, estando o Requerido (AF) emigrado em parte incerta na Suíça, e sendo-lhes desconhecidos rendimentos ou património, não se mostrou possível cobrar coercivamente a prestação de alimentos que deve à sua Filha.
Por fim, verifica-se que viria ainda a ser reconhecido que o agregado familiar da Menor é composto exclusivamente por ela própria e pela sua Mãe, a qual possuía em 09 de Fevereiro de 2015 um rendimento per capita inferior ao I.A.S. então vigente, possibilitando por isso o cometimento ao F.D.A.D.M. da satisfação da prestação de alimentos determinada de € 150,00, o que foi feito por nova decisão judicial.

Ora, tendo a Requerente (SM) vindo, em 03 de Fevereiro de 2017, renovar a prova da alegada manutenção dos pressupostos que permitiriam que o F.D.A.D.M. continuasse a satisfazer a prestação de alimentos em causa, por os rendimentos do agregado familiar da Menor continuarem a ser inferiores ao I.A.S., de outro modo entendeu a Segurança Social e decidiu o Tribunal a quo (por terem os rendimentos actuais do dito agregado familiar como superiores ao I.A.S.).

Mantendo-se inalterados todos os demais requisitos de verificação necessária e cumulativa de intervenção (no caso, de manutenção da intervenção) do F.G.A.D.M. nos autos, importa então determinar de que forma é que se deverá apurar aqui o montante do I.A.S. controverso.
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5.2. Indexante Social - Forma de cálculo

5.2.1. Recorda-se que se lê: no art. 1º, nº 1 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, que quando «a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação»; e reitera-o o art. 3º, nº 1, als. a) e b) do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, onde se lê que o «Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro» e «o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre».
Mais se lê, no mesmo art. 3º (do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio), que: se entende «que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor» (nº 2); e para «efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre» (nº 4).
Esclarece-se, porém, e expressamente, no nº 3 do art. 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, que o «agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis nº 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho».

Lê-se, a propósito, no art. 1º, nº 1 do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho (ainda alterado pelo Dec-Lei nº 90/2017, de 28 de Julho), que o «presente decreto-lei estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito às (…) prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade», nomeadamente às «prestações por encargos familiares» (alínea a) do mesmo art. 1º, nº 1 citado).
Precisando, lê-se no art. 2º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, que: a «condição de recursos referida no artigo anterior corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição» (nº 1); e na sua verificação «são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º» (nº 3).

Integrarão o agregado familiar do titular às prestações sociais em causa as «pessoas que com ele vivam em economia comum» - «em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos» -, nomeadamente o «cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos», «parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau», «parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral», «adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito», «adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar» (art. 4º, nº 1 e nº 2 do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho).

Definido o agregado familiar relevante, importará atender à capitação de cada um dos seus elementos, já que «a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com» uma «escala de equivalência», em que ao requerente é atribuído o peso 1, a cada indivíduo maior é atribuído o peso, 0,7, e a cada indivíduo menor é atribuído o peso 0,5 (art. 5º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho).

Precisando novamente, e agora quanto à determinação dos rendimentos a considerar, lê-se no art. 3º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, que: para «efeitos da verificação da condição de recursos, consideram-se os seguintes rendimentos do requerente e do seu agregado familiar: a) Rendimentos de trabalho dependente; b) Rendimentos empresariais e profissionais; c) Rendimentos de capitais; d) Rendimentos prediais; e) Pensões; f) Prestações sociais; g) Apoios à habitação com carácter de regularidade» (nº 1); mas para «efeitos de atribuição e manutenção de cada prestação ou apoio social, o respectivo valor não é contabilizado como rendimento relevante para a verificação da condição de recursos» (nº 4).
A definição do que sejam os referidos «rendimentos de trabalho dependente» resulta do art. 6º do Dec-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, onde se lê que serão «os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei».
Importa, porém, considerar ainda o disposto no nº 2 do art. 3º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, onde se esclarece que os «rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportam-se ao ano imediatamente anterior àquele, sem prejuízo do disposto no número seguinte». Com efeito, sempre «que as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes, esses rendimentos podem ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos» (nº 3 do mesmo art. 3º).

Torna-se, assim, pertinente a dúvida quanto à consideração, nos «rendimentos de trabalho dependente» a considerar para este efeito, do subsídio de férias e do subsídio de natal, isto é, se aqueles se deverão limitar aos doze salários anuais, ou deverão abranger as catorze prestações auferidas anualmente, resultantes da adição aos doze salários dos ditos dois subsídios.
Dir-se-á, desde já, que se perfilha este último entendimento, nomeadamente mercê da ponderação dos seguintes argumentos interpretativos da lei:

. argumento histórico
Lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho (com bold apócrifo), que o mesmo surge no «âmbito do actual contexto global, de crise económica e financeira internacional», em que, «à semelhança da economia mundial, também a economia portuguesa tem sentido os impactos adversos daí resultantes», impondo a definição, «no Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013», de «um conjunto de medidas de consolidação orçamental, algumas delas estruturais», que «visam conter de forma sustentada o crescimento da despesa pública», e procedem à «redefinição das condições de acesso aos apoios sociais. Deste modo, o presente decreto-lei procede, não só à harmonização das condições de acesso às prestações sociais não contributivas, possibilitando igualmente que a sua aplicação seja mais criteriosa, como estende a sua aplicação a todos os apoios sociais concedidos pelo Estado, cujo acesso tenha subjacente a verificação da condição de rendimentos».
Procurando «atribuir maior coerência na concessão das prestações sociais não contributivas e (…) reforçar de forma significativa a eficiência e o rigor, nomeadamente ao nível do controlo da fraude e evasão prestacional», tomou-se «como referência (…) o complemento solidário para idosos, criado em 2006, por ser a prestação com condições de acesso mais exigentes e à qual foram associadas rigorosas condições de verificação», procurando «generalizar aos restantes estratos da população o rigor no acesso aos apoios sociais públicos.
Esta harmonização centra-se em aspectos fundamentais na verificação da condição de recursos, independentemente dos apoios públicos em causa, assente em três esferas distintas, como o conceito de agregado familiar, com uma tendência de aproximação ao conceito de agregado doméstico privado, como os rendimentos a considerar, mediante a introdução de uma maior efectividade na determinação da totalidade dos rendimentos, incluindo designadamente a consideração de apoios em espécie, como os apoios ao nível da habitação social, assim como a consideração dos rendimentos financeiros e da respectiva situação patrimonial, e finalmente a definição de uma capitação entre as definidas pela OCDE, em função da composição dos elementos do agregado familiar, incluindo as famílias monoparentais, tendo em consideração a existência de economias de escala no seio dos mesmos».
Logo, o Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho (para o qual remete o nº 3, do art. 3º do Dec-Lei nº 164/99, de 13 de Maio), pretendeu indiscutivelmente: definir, de uma forma mais rigorosa e exigente, os critérios de verificação da condição de recursos (nomeadamente, mediante uma maior efectividade na determinação da totalidade dos rendimentos); harmonizar esses critérios de atribuição para os vários apoios sociais a que se refere o diploma (tendo como parâmetro o complemento solidário para idosos, reconhecido expressamente como o mais exigente nas condições de acesso); e restringir os beneficiários dos apoios sociais, por forma a conter o crescimento da despesa pública, reservando-os para os mais necessitados.
Ora, todas estas considerações depõem no sentido de que o subsídio de férias e o subsídio de natal, equivalendo a dois salários mensais adicionais num ano, fossem considerados no cálculo dos «rendimentos de trabalho dependente».

. argumento literal
Lê-se no nº 2 do art. 3º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, que os «rendimentos referidos no número anterior reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento», isto é, aos 365 dias ou aos 12 meses anteriores.
Ora, se na «fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (art. 9º, nº 3 do C.C.), os rendimentos em causa (auferidos em doze, ou em catorze prestações mensais) serão todos aqueles que tenham sido recebidos nos 365 dias, ou nos doze meses, anteriores (período a que corresponde a expressão «ano civil»).
Se outra fosse a intenção do legislador, teria o mesmo optado por uma redacção diferente, nomeadamente falando no «salário médio mensal auferido no ano anterior», ou nos «rendimentos ilíquidos médios mensais» auferidos pelo beneficiário da prestação.
O mesmo conceito de «ano civil» é ainda considerado para a definição dos rendimentos empresariais e profissionais (art. 7º), de capitais (art. 8º), prediais (art. 9º), e de pensões (art. 10º, sempre do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho)

. argumento sistemático
Lê-se no art. 6º do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho, que se consideram como «rendimentos de trabalho dependente» «os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei».
Ora, para efeitos de IRS, o respectivo Código considera, e tributa, não só os doze ordenados/salários mensais, mas também o subsídio de férias e o subsídio de Natal (art. 2º, nº 1, nº 2, e nº 3, al. b) do Código de IRS).

Por fim, dir-se-á que o entendimento aqui defendido assegura uma desejável igualdade de tratamento entre trabalhadores dependentes (que auferirão catorze prestações mensais num ano civil) e trabalhadores independentes, ou beneficiários de subsídio de desemprego (bem como todos aqueles que, como estes dois últimos, auferiram apenas doze prestações mensais de rendimento num ano civil).
Com efeito, tendo o «tribunal (…) como dever primário a fiscalização e controlo do cumprimento da legalidade, postulando por uma aplicação da lei uniforme e igualitária, sob pena de as suas decisões serem elas mesmas uma fonte de injustiça», como se poderá entender que a capitação do trabalho dependente corresponda a 1/14 avos do rendimento anual bruto e a capitação da maioria dos demais rendimentos seja apurada mediante a divisão do rendimento anual por 12 meses ?
Com que base legal ou justificação moral há-de defender-se que numa situação como a dos autos (2 adultos e dois menores) o Fundo seja chamado a substituir o devedor porque o agregado familiar aufere o rendimento anual ilíquido por trabalho dependente (ou a título de pensão de reforma) de € 16.813,43, mas se negue a prestação no caso de terem recebido tal montante a título de subsídio de desemprego ou a coberto de “recibos verdes” ?
Na verdade, no primeiro caso os menores só deixariam de beneficiar da prestação paga pelo Fundo se o agregado tivesse um rendimento anual superior a € 18.333,00 (2,7 x € 485,00 x 14), ao passo que, sendo rendimento auferido por trabalho independente (ou por desemprego, ou nas restantes situações elencadas nos artigos 7 a 13), a intervenção do Fundo cessaria logo que o agregado tivesse recebido € 15.714,00 (2,7 x €485,00 x 12).
Como justificar, no silêncio da lei, tal disparidade de tratamento?» (Ac. da RL, de 09.04.2013, Gouveia Barros, Processo nº 1025/09.6TBBRR-A.L1-7).

Concluindo, os «rendimentos de trabalho dependente» a considerar para determinação da intervenção do F.G.A.D.M. - ou cessação da mesma - serão todos aqueles auferidos no ano civil anterior, incluindo salários, subsídio de férias e subsídio de natal.
(Neste sentido - para além do já citado Ac. da RL, de 09.04.2013, Gouveia Barros, Processo nº 1025/09.6TBBRR-A.L1-7 - pronunciaram-se o Ac. da RG, de 17.12.2013, Maria Purificação Carvalho, Processo nº 2026/11.0TBGMR-A.G1, embora apenas pressupondo o entendimento qui defendido, sem o explicitar, o Ac. da RG, de 06.10.2016, Isabel Silva, Processo 3273/12.2TBBCL.G2, onde a aqui Relatora foi respectiva 2ª Adjunta, o Ac. da RG, de 20.10.2016, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo nº 1527/15.5T8BCL-A.G1, onde a aqui Relatora foi respectiva 1ª Adjunta, e o Ac. da RC, de 12.07.2017, Manuel Capelo, Processo nº 92/14.5TBNLS-A.C1).

Já relativamente ao período de tempo a que deverão ser reportados os rendimentos a considerar para efeitos de renovação da prova de manutenção dos pressupostos de intervenção do F.G.A.D.M., tem-se a letra da lei por suficientemente clara: pretendendo-se a decisão mais conforme com a realidade de facto que então subsista, desde que conhecida com rigor, reportam-se ao ano civil anterior ao da data da apresentação do requerimento, desde que os meios de prova se encontrem disponíveis, e, quando tal se não verifique, reportar-se-ão ao ano imediatamente anterior, excepto quando as «as instituições gestoras das prestações e dos apoios sociais disponham de rendimentos actualizados mais recentes», já que então estes poderão «ser tidos em conta para a determinação da condição de recursos» (art. 3º, nº 3 do Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de Junho).
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5.2.2. Concretizando, verifica-se que, permanecendo o agregado familiar da Menor a ser composto exclusivamente por ela e pela Requerente (SM), sua mãe, tem como únicos rendimentos os provenientes do trabalho dependente desta, iniciado em 23 de Janeiro de 2017, e remunerado com o salário mínimo nacional actual, de € 557,00 mensais.
Logo, e independentemente da Requerente (SM) se ter encontrado no ano anterior desempregada, e ter apenas auferido o rendimento anual global de € 3.393,90, precisamente a título de subsídio de desemprego (conforme referiu nas suas alegações de recurso, mas não ficou demonstrado nos autos, nomeadamente porque a declaração de I.R.S. que juntou foi pertinente ao ano de 2015), certo é que, sendo conhecidos os seus rendimentos laborais actuais, pela prova segura do recibo de vencimento junto por ela própria, deverão ser estes ponderados (e não aqueles outros).

Mais se verifica que, vindo a auferir catorze prestações mensais num ano - por pagamento de um subsídio de férias e de um subsídio de natal -, o seu rendimento de trabalho dependente no presente ano será de € 7.798,00 (€ 557,00 x 14 meses), tendo por isso como rendimento médio mensal € 649,83 (€ 7.798,00 : 12 meses).
Aplicando ao mesmo a capitação de 1,5 aqui devida (1,00 pela Requerente + 0,5 pela Menor) obtém-se o valor de € 433,22 (€ 649,83 : 1,5), superior ao I.A.S. vigente no ano de 2017, de € 421,32.; e o dito valor de € 433,22 impede a manutenção da intervenção do F.G.A.D.M., tal como foi decidido pelo Tribunal a quo.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto, e pela confirmação integral da decisão recorrida.
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por SM e, em consequência, em confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Recorrente respectiva (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 30 de Novembro de 2017.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)