I –Para o preenchimento do tipo de crime de roubo, constitui violência todo o uso de força física necessária e adequada para se efetivar a subtração/apropriação. A lei não exige o emprego de violência de certa intensidade.
II – Comete um crime de roubo e não de furto o arguido que aborda a vítima por trás e lhe tapa os olhos, enquanto agarra e tira o telemóvel que ela tem na mão.
1. Nestes autos de processo comum nº 570/12.0GBAVV, o Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez condenou o arguido Manuel R... como autor de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso pedindo a revogação da sentença e consequente alteração da qualificação jurídica para o crime de furto e condenação em pena de multa ou de prisão de execução suspensa
O magistrado do Ministério Público no Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez formulou resposta, concluindo que o recurso não merece provimento e a decisão recorrida deve ser integralmente mantida.
Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer concluindo que o recurso não merece provimento.
Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. Para compreensão das questões a resolver e fundamentação da decisão, torna-se necessário transcrever parcialmente a sentença recorrida.
O tribunal judicial de primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição) :
“1.1. - No dia 12 de Outubro de 2012, pela 22h e 45m, quando Berta P... se preparava para entrar na sua residência, sita na Rua S..., em Arcos de Valdevez, o arguido Manuel R... aproximou-se desta, por detrás, tapou-lhe os olhos com uma mão, ao mesmo tempo que com a outra mão tentou retirar o telemóvel que esta trazia na mão.
1.2. - Ao que Berta P... se opôs, resistindo, apertando a mão com força, ao mesmo tempo que o arguido puxava a mão desta, percorrendo assim cerca de 50 m ao longo da referida Rua.
1.3. - A dada altura, o arguido cruzou uma das suas pernas nas pernas de Berta P..., projetando-a ao chão e nesse momento conseguiu retirar da mão desta o telemóvel, de marca LG, Máximo Black, de cor branca, à mesma pertencente, no valor aproximado de 220 € (duzentos e vinte euros), levando-o consigo e fazendo-o seu.
1.4. - Objeto este que lhe viria a ser apreendido pela GNR, alguns minutos após, numa Rua próxima, nesta Vila e entregue à sua proprietária.
1.5. - O arguido ao apoderar-se, do telemóvel de Berta P..., agarrando-a, puxando-a e derrubando-a, impossibilitando-a de resistir, agiu com o intuito de o fazer seu, o que efetivamente conseguiu.
1.6. - Sabia que o telemóvel descrito não lhe pertencia, mas mesmo assim apoderou-se deste.
1.7. - Agiu livre e conscientemente.
1.8. - Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
1.9. O arguido trabalha em França como manobrador/sucateiro sendo considerado pela sua entidade empregadora como um trabalhador dedicado e zeloso.
1.10. - Por acórdão proferido em 18/02/1999, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 240/98, foi o arguido condenado pela prática, em 07/05/1998, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 204.°, n.º 2, al. f) e 210.°, n.º 1 e 2, al. b) do Código Penal, na pena de 3 anos e seis meses de prisão.
1.11. - Por sentença proferida em 17/03/1999, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 191/98, foi o arguido condenado pela prática, em 14/04/1998, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°, e 204.°, n." 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos de pensão.
1.12. - Por acórdão proferido em 27/05/1999, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n." 33/99, foi o arguido condenado pela prática, em 02/09/1998, pelos crimes de dano, ameaças, furto qualificado e furto simples, p. e p. pelos artigos 212.°, n.º 1, 153.°, n.º 1 e 2, 203.°, n.º1, 204.°, n.º 2, al. e), 22, 23, 73 do Código Penal, na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão.
1.13. - Por acórdão proferido em 07/07/1999, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 44/99, foi o arguido condenado pela prática, em 14/05/1998, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°, e 204.°, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
1.14. - Por acórdão proferido em 07/07/1999, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 44/99, foi o arguido condenado pela prática, em 14/05/1998, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°, e 204.°, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
1.15. - Por acórdão proferido em 03/02/2000, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 101/99, foi o arguido condenado pela prática, em 02/08/1998, pelos crimes de sequestro, ameaças e dano, p. e p. pelos artigos 158.°, n.º 1, 153.°, n.º 1 e 202.°, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão.
1.16. - Por acórdão proferido em 03/02/2000, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n." 102/99, foi o arguido condenado pela prática, em 08/1998, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.°, e 204.°, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.
1.17. - Por acórdão proferido em 20/06/2002, pelo Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 569 /98.8GBA VV, foi o arguido condenado, por cúmulo de penas aplicadas nos processos n.º 44/99, 38/99, 33/99, 191/98, 102/99, 240/98 do Tribunal Judicial de Arcos de Valdevez, na pena única de 19 anos de prisão. Por decisão datada de 07/10/2011 do Tribunal de Execução de Penas do Porto foi concedida ao arguido a liberdade condicional pelo período de 5 anos (até 07/10/2016).
Na motivação da decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, consta o seguinte (transcrição):
“Nos termos do disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, inexistindo, portanto, quaisquer critérios pré-definidores do valor a atribuir aos diferentes elementos probatórios.
A convicção do Tribunal fundou-se na análise em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas Berta P... (estudante), Lucinda B... (hotelaria) e João L... (militar da G.N.R. do Posto da G.N.R. de Arcos de Valdevez).
O Tribunal teve igualmente em consideração todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o Auto de Apreensão de fls. 9 e fotografia de fls. 10; o relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais de fls. 78, declaração de fls. 86; e o certificado do registo criminal de fls. 99-106.
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser impraticável na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
A audiência de discussão e julgamento foi realizada na ausência do arguido porquanto o mesmo nesse sentido expressamente anuiu, nos termos do artigo 334.°, n." 2 do Código de Processo Penal.
Quanto a Berta P... (estudante), a mesma logrou auxiliar o Tribunal a captar a realidade dos factos, uma vez que prestou as suas declarações de forma credível, porque segura, circunstanciada e baseada no conhecimento direto dos mesmos e foi congruente com a demais prova produzida e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Concretizando, a mencionada ofendida referiu no essencial que, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas nos factos provados, o arguido Manuel R... aproximou-se daquela, por detrás, tapou-lhe os olhos com uma mão, ao mesmo tempo que com a outra mão tentou retirar o telemóvel que esta trazia na mão. Mais referiu a ofendida que resistiu aos intuitos apropriativos do arguido mas após algum tempo o arguido projetou-a ao chão e nesse momento conseguiu retirar da mão desta o telemóvel, de marca LG, Máximo Black, de cor branca, à mesma pertencente, no valor aproximado de 220 € (duzentos e vinte euros), levando-o consigo e fazendo-o seu.
Mais asseverou a ofendida que durante a sua luta com o arguido, para impedir que este ficasse com o seu telemóvel, acabou por lhe tirar a camisola, tendo o arguido se afastado em tronco nú. Após, a ofendida dirigiu-se de imediato ao posto da GNR participar os factos.
Mencionou ainda a ofendida a circunstância de ter reconhecido o arguido no posto da GNR pois o mesmo foi detido pela polícia em local próximo donde retirara o telemóvel, estando ainda em tronco nú. De imediato reconheceu o arguido como sendo o autor do roubo do telemóvel, pois não teve qualquer dúvida.
Quanto à testemunha Lucinda B..., a verdade é que depôs de forma credível, porque isenta (o seu testemunho não refletiu qualquer interesse em beneficiar a ofendida em detrimento dos interesses do arguido, mas apenas revelou a vontade em colaborar no apuramento da verdade), justificando pormenorizadamente a sua razão do conhecimento direto, e conforme ao testemunho de outras pessoas inquiridas que o Tribunal julgou credíveis (i. e., a ofendida e o militar da GNR).
No essencial referiu, de forma isenta e credível (porque apresentou um discurso fundamentado e desapaixonado por qualquer interesse de algum dos sujeitos processuais), que no dia e hora dos factos viu "um casal enganchado" (ou seja, a ofendida e o arguido enquanto estes lutavam pelo telemóvel) e que depois viu o arguido a atirar a ofendida para o chão, ao que a testemunha gritou para com o arguido ao que após foi ajudar a ofendida.
Por sua vez João L... (militar da G.N.R. do Posto da G.N.R. de Arcos de Valdevez) confirmou ao Tribunal que, após receber um aviso que tinha havido um roubo de um telemóvel, encetou diligências no sentido de apurar o paradeiro do agente delinquente, tendo-se deslocado ao local e arredores da prática dos factos e (passado cerca de 10 minutos depois de ter recebido o aviso) encontrou o arguido em tronco nú em local próximo do sítio donde fora roubado e procedeu à apreensão do telemóvel depois do arguido ter confessado que o tirara (dizendo em justificação que ficara com o telemóvel porque ela tinha ficado com a roupa dele).
Mais referiu o militar que acompanhou o arguido ao posto da G.N.R. tendo aí a ofendida reconhecido o arguido de imediato.
Quanto à situação pessoal, familiar e económica do arguido a comprovação da mesma decorreu do relatório do Órgão de Polícia Criminal e a declaração de fls. 86.
Para o apuramento da existência de antecedentes criminais, foi determinante o teor do certificado do registo criminal do arguido junto aos autos.
Finalmente, na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários.”
5. Tendo em conta o teor das conclusões da motivação, que delimitam o objecto do recurso e os poderes de cognição deste Tribunal, as questões a apreciar são as seguintes: a) Impugnação da decisão em matéria de facto; b) Preenchimento do elemento “violência” do tipo de crime de roubo e c) Consequências jurídicas dos factos.
6. Se no plano da impugnação por vícios decisórios do artigo 410.º do CPP existe uma limitação do objecto da análise, já na “verdadeira impugnação da decisão em matéria de facto” do artigo 412.º do C.P.P., a apreciação não se encontra limitada ao texto da sentença e envolve a valoração da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento.
Ainda assim, como insistentemente se tem afirmado, o recurso não pressupõe nem se destina a uma reapreciação global de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas a uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham (não apenas que “permitiam”) uma decisão diferente. Neste âmbito, é essencial que o recorrente cumpra o dever de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa e ainda, se for o caso, das provas que devem ser renovadas (artigo 412º nº 3 e nº 4 do Código de Processo Penal). Segundo escreveu Paulo Saragoça da Mata, “Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar” (A Livre Apreciação da Prova, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pp. 253, Almedina, Lisboa, 2004).
Nestes autos, o recorrente questiona a decisão quanto aos factos constantes dos pontos 1.1 a 1.5 da matéria de facto provada e invoca discordância quanto à apreciação da valoração pelo tribunal dos depoimentos da ofendida, Berta Catarina Pereira e de Lucinda Barros, que transcreve parcialmente na motivação. Serão assim estas as concretas provas que este tribunal de recurso pode e deve analisar, juntamente com outras que entenda relevantes (artigos 412.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Código do Processo Penal).
Tanto quanto resulta para nós da audição do registo áudio das declarações e depoimentos prestados na audiência de julgamento, a ofendida Berta Catarina Pereira relatou os acontecimentos com serenidade e distanciação apesar do envolvimento directo. Afirmou, em síntese, que quando “metia a chave à porta de casa” lhe surgiu uma pessoa por detrás;. Essa mesma pessoa com uma mão tapou os olhos da ofendida e com a outra mão agarrou no telemóvel que ela trazia na mão. A partir desse momento, essa pessoa ficou com o telemóvel e a ofendida reagiu, tentando recuperar o aparelho, segurando o indivíduo “pelas camisolas”. Em certa ocasião, acabou por ficar no chão com as “camisolas” dessa pessoa, que assim abandonou o local “em tronco nu”, levando-lhe o telemóvel. Segundo depôs, a testemunha Lucinda Canossa Barros viu uma pessoa deitar ou tombar a ofendida Berta ao chão (cfr. 01m.20s a 01m45s e 02m53s a 03m.02s)) e abandonar o local sem camisola. Por fim, o guarda da GNR João L... depôs na audiência, narrando que a pessoa que encontrou em “tronco nu” e com um telemóvel que veio a apurar-se ser o que tinha acabado de ser retirado à ofendida, tem a identificação do arguido nestes autos.
Conjugados estes elementos à luz de regras normais de experiência comum, é possível concluir, para lá de uma dúvida razoável, que foi o arguido nestes autos, Manuel R..., a pessoa que agindo de uma forma livre e consciente e com o propósito de retirar o aparelho e de o fazer seu, agarrou e tirou o telemóvel da mão de Berta P..., sendo que para tanto, abordou a ofendida de noite, pelas costas e tapou-lhe os olhos. Mais se provou ainda que na sequência da resistência da vítima para tentar recuperar o aparelho, o arguido projectou-a ao chão, após o que abandonou o local levando com ele o telemóvel da ofendida.
Perante estes elementos, revela-se-nos indiscutível a ausência de fundamento do recorrente. Bem ao invés do que se escreve na motivação, segundo o relato claro das testemunhas na audiência de julgamento, foi o arguido quem surpreendeu a ofendida, lhe tirou o telemóvel, resistiu e acabou por “fazer tombar” a Berta, de pois de “dar um puxão”, como se exprimiu Lucinda Barrosa.
Em conclusão, depois de termos procedido à audição do registo áudio das declarações e depoimentos, nestes se incluindo os segmentos indicados na motivação do recurso, não encontramos qualquer erro no processo de formação da convicção ou outro fundamento que nos faça divergir da decisão em matéria de facto que consta da sentença em apreço e, muito menos, que nos imponha uma solução diferente.
Termos em que improcede o recurso de impugnação em matéria de facto e se mantém na íntegra a decisão recorrida neste âmbito.
7. A questão suscitada em segundo lugar pelo arguido consiste em saber se se encontram provados factos susceptíveis de integrarem o elemento típico objectivo do crime de roubo correspondente ao uso de violência contra uma pessoa.
A doutrina e jurisprudência têm afirmado persistentemente que a violência no crime de roubo compreende o uso da força física necessária e adequada para efectivar a subtracção/apropriação, não se exigindo um mínimo de intensidade da violência para o preenchimento do tipo legal
Segundo Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra, tomo II, pág. 167, que a Exmª Procuradora-Geral Adjunta também cita no seu douto parecer , “Em relação ao uso de força física, não se levantam grandes problemas: a intromissão, ainda que indirecta (v.g., o caso de esticão) no corpo de uma pessoa deve considerar-se violência, importando, no crime de roubo, a violência que visa quebrar ou impedir a resistência da vítima (…). Parece, no entanto, que agressões irrelevantes à integridade física – as chamadas «insignificâncias» - ainda devem ser abrangidas por este conceito: tolher os movimentos da vítima, amordaçá-la, em certos casos de esticão em que não se provocam lesões, pelo menos significativas”.
Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que a violência, no plano do crime de roubo, pode consistir no emprego de força física, nesta se esgotando, sem mais, o «esticão simples», através do qual o agente, agredindo a liberdade de determinação do ofendido, para se apossar da coisa em poder deste, realiza o fim da apropriação (Acórdão de 15-02-1995 in Colectânea,1, pp. 205), uma vez que “a lei não exige violência de certa intensidade. A violência típica do crime de roubo é a violência do próprio acto apropriativo sob a forma de emprego da forma física, maior ou menor. Não se impõe que ela vá alem do mero acto necessário e tendente ao apoderar do bem. Todo o emprego da força física contra a pessoa ofendida, à luz do escopo de alcançar a apropriação, cai, de pleno, sob a alçada do tipo legal do crime de roubo” (Acórdão de 27-02-1992 Colectânea , 1, pp. 48). O STJ decidiu ainda neste sentido nos acórdãos de 12-6-1997 no BMJ, n.º 468 pp 140 e de 11-3-1998 (P. 20/98) no BMJ n.º 475, pp 217).
Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) de 27-4-2011,processo 133/09.8GAOHP.C1, a jurisprudência a nível dos tribunais de segunda instância tem seguido este mesmo entendimento. Assim, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP) de 13-4-1988, processo 0021905 considerou-se que “I – A violência exigida no tipo legal do crime de roubo terá de consistir no emprego de força física. II – Constitui violência, para o efeito, a subtracção por meio de «esticão»; mas, para este se verificar, é necessário que a coisa subtraída se encontre cingida ou presa à pessoa sobre quem o esticão incide”;No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 10-5-1995, processo 0039603, foi tido em conta que “a violência, imprescindível à configuração do crime de roubo, não tem, necessariamente, que consistir na lesão corporal da vítima, bastando o uso de força física em vista da subtracção, independentemente de qualquer contacto físico”; posteriormente, no Acórdão de 12-7-1995 processo 0004583, o TRL entendeu que “a violência, que é elemento integrante do tipo, significa o emprego de força física, não pressupondo, necessariamente, que tenham sido causadas lesões corporais, ex: «o processo de esticão».Mais recentemente se consignou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3-5-2005, processo 185/05-1 que “a violência não pressupõe necessariamente que no ofendido sejam provocadas lesões, pois que pode até nem existir contacto físico, importando verdadeiramente a força empregue pelo agente em vista da subtracção” A tomada de qualquer objecto contra a vontade de quem o transporta é já um acto de violência, uma vez que implica força sobre a pessoa transportadora, nomeadamente quando é subtraída uma mala do colo da proprietária que a protege com as mãos em cima; .
Perante um circunstancialismo muito semelhante ao provado nos presentes autos, o acórdão do TRP de 12-5-2010, processo 361/08.3PAVNG.P1, decidiu que “III – No crime de roubo a violência traduz-se no emprego da força física necessária e adequada a efectivar a subtracção/apropriação, não exigindo a lei um mínimo de intensidade da violência para o preenchimento do tipo legal. IV – A força empregue contra o ofendido para lhe retirar o telemóvel – perante a recusa, o agente, de forma brusca e imprevista, agarrou-lho da mão – basta para a consumação do crime de roubo” (todos acessíveis in www.dgsi.pt).
O arguido não indica, e também não vislumbramos, qualquer argumento válido que justifique discordar deste entendimento sedimentado na nossa jurisprudência.
Ora, a matéria de facto provada evidencia que o arguido abordou a vítima por trás, necessariamente de surpresa, tapou-lhe os olhos enquanto agarrou o telemóvel que a ofendida tinha na mão.
Assim sendo, o circunstancialismo de facto provado constitui um comportamento intrusivo que atingiu o corpo da vítima, executado com o objectivo de lhe quebrar ou de lhe impedir a resistência e como meio para alcançar a apropriação.
Nestes termos o concreto agir do arguido perante a vítima constituiu o uso de violência relevante para efeito de preenchimento do tipo objectivo de roubo. A circunstância de a vítima ter reagido revela-se aqui absolutamente despicienda, uma vez que posteriormente o arguido manteve o domínio e o consequente poder de disposição sobre o telemóvel.
As considerações expostas conduzem-nos assim a uma conclusão: o enquadramento jurídico dos factos pelo tribunal recorrido encontra-se correctamente delineado, nada havendo que alterar.
8. Cumpre de seguida apreciar o recurso no segmento das consequências jurídicas do crime
Neste âmbito, improcedem manifestamente as longas considerações contidas no recurso quanto à reincidência, por um lado, e à possibilidade de atenuação especial da pena, por outro.
A censura do recorrente quanto à aplicação da agravante especial prevista no artigo 75.º do CP não faz qualquer sentido porque a sentença não contem a mínima referência que permita supor ter sequer o tribunal equacionado a condenação do arguido como reincidente. A alegação é tanto mais incompreensível quanto a pena aplicada ao arguido na sentença recorrida se fixou em medida inferior ao limite mínimo aplicável caso o arguido tivesse sido condenado como reincidente (cfr. artigo 76.º n.º 1 do Código Penal).
Liminarmente também se tem de afastar a hipótese de aplicação do regime da atenuação especial, que no artigo 72.º o Código Penal reserva para as situações que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena e que o legislador não terá previsto ao fixar a moldura legal do crime. A este propósito apenas se invoca a actual situação laboral, em França. Seguramente que a circunstância de uma pessoa se encontrar empregada desde há alguns meses e de ser considerado um trabalhador zeloso pela entidade patronal pode beneficiar o arguido, mas também pode ser comum a uma generalidade de pessoas e nunca excepcional ou particularmente relevante para os fins das penas.
Os factores concretos de medida da pena, enunciados de forma exemplificativa no artigo 71º nº 2 do Código Penal, compreendem circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, se relacionam com a execução do facto, a personalidade do agente e, por ultimo, os elementos relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto.
No caso concreto, analisando o circunstancialismo de facto à luz dos enunciados critérios, serão de considerar fundamentalmente os seguintes elementos:
a)A intensidade criminosa do arguido, ao actuar de noite, num local de previsível passagem de outras pessoas, surpreendendo uma pessoa indefesa;
Ainda assim, a censurabilidade do comportamento violento do arguido não excede a já prevista no preceito incriminador;
b) Na apreciação do desvalor do resultado haverá que ponderar no reduzido valor patrimonial e na recuperação integral do telemóvel, pouco tempo depois. Neste âmbito será contudo de considerar que em circunstâncias normais, a violência num crime como o roubo destes autos causa na vítima um conjunto de sentimentos de revolta e de humilhação, que perduram no tempo e são insusceptíveis de “reparação”;
c) Nos factores relativos à personalidade e ao comportamento anterior aos factos, interessa salientar que o arguido regista um numero muito considerável de antecedentes criminais, o que agrava sobremaneira as exigências de prevenção especial;
e) No que respeita às condições pessoais e económicas, dever-se-á ter em conta, que o arguido se encontra a trabalhar em França, como manobrador/sucateiro, sendo considerado pela sua entidade empregadora como um trabalhador dedicado e zeloso
f) A frequência e danosidade próprias do crime de roubo provocam justificado alarme social e acentuam as exigências de reprovação e de prevenção geral.
Sopesando em conjunto todos os factores enunciados, afigura-se-nos que a pena de um ano e dois meses de prisão, fixada pelo tribunal recorrido em medida ainda tão próxima do limite mínimo abstractamente aplicável, constitui uma reacção institucional consentânea com exigências de tutela das expectativas da comunidade na validade e no reforço das normas jurídicas afectadas pela conduta do arguido e as necessidades de prevenção especial, assim como ainda consentida pela culpa exteriorizada pelo arguido.
A profusão dos crimes de roubo na via pública a pessoas com menor capacidade de defesa, causa notória intranquilidade pública e censura social.
No âmbito dos elementos da personalidade do arguido, não se poderá deixar de notar que um sincero arrependimento ou a demonstração de capacidade de autocrítica poderia contribuir para afastar a necessidade de cumprimento efectivo de prisão. Naturalmente que o arguido nunca poderá ser prejudicado em nada pela circunstância de ter consentido a realização do julgamento na ausência, por se encontrar a trabalhar no estrangeiro e de não prestar declarações em audiência de julgamento quanto à matéria de facto da acusação, mas também é certo que não pode beneficiar da correspondente moderação das preocupações de prevenção. Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-01-2010, “O arguido tem o direito ao silêncio, ou a contar a “sua verdade”, cuja invocação, em circunstância alguma, o pode prejudicar. Porém, o que está em causa não é a valoração de tal postura processual em sentido negativo, mas sim a valoração num sentido positivo, em termos de prevenção especial, da conduta contrária, ou seja, de uma assunção plena, e responsável, do acto ilícito cometido a qual inexiste no caso vertente.” (Santos Cabral, processo 6040/02.8TDPRT.S1, ww.dgsi.pt)
Como se assinala na sentença recorrida, as exigências de prevenção especial que necessariamente sobressaem do comportamento anterior aos factos são muito significativas. Com efeito, no juízo de ponderação dos efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do arguido, haverá de ponderar que entre 1999 e 2002, o arguido sofreu sete condenações pelos crimes de roubo, furto qualificado, dano, ameaças, sequestro, registando-se por fim a condenação numa pena de 19 anos de prisão. Será ainda de notar que arguido revelou não merecer o juízo de prognose favorável e tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em Outubro de 2011, logo decorrido cerca de um ano cometeu os factos destes autos.
Ou seja, mesmo tendo em conta a extensão do período de tempo entre a última condenação e os acontecimentos destes autos (tempo durante o qual cumpriu pesada pena de prisão), o comportamento anterior de Manuel R... evidencia uma significativa impermeabilidade perante as regras de conduta em sociedade e pelas advertências dos tribunais.
Nestes termos, a evidência dos factos da personalidade e do comportamento desmente a conclusão enunciada no recurso, devendo entender-se que perante uma personalidade com tão reduzidas inibições em relação à prática de ilícitos criminais e para quem sucessivas penas privativas de liberdade não alcançaram efeito dissuasor útil para o futuro, a pena de suspensão de execução, ainda que subordinada a deveres ou com regime de prova, sempre seria também manifestamente insuficiente, quer para satisfazer as expectativas da comunidade, quer para servir de advertência individual ao arguido.
Sopesando em conjunto as enunciadas circunstâncias, mesmo tendo em conta que hoje o arguido tem actividade profissional remunerada, concluímos que o cumprimento efectivo da prisão por um ano e dois meses constitui a reacção institucional, não só justa e equitativa para a culpa exteriorizada pelo arguido nos factos destes autos, mas também necessária e imprescindível, para garantir a tutela do ordenamento jurídico e para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias.
Nestes termos, improcede na íntegra o recurso do arguido.
9. O arguido será condenado nas custas pela actividade processual a que deu causa (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais). Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar a taxa de justiça em quatro UC.
10. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso e em manter na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo arguido-recorrente com quatro UC de taxa de justiça.
Guimarães, 31 de Março de 2014.