ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS MORAIS
JUROS DE MORA
Sumário

1 - A uma perda de ganho efetiva equivale, para efeitos de indemnização, como dano patrimonial, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
2 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
3 - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
4 - Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
B.. intentou acção declarativa contra “Companhia de Seguros.., SA”, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização global líquida de € 202.309,03, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento e a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 222.º a 238.º da petição, vier a ser fixada em decisão ulterior ou vier a ser liquidada em execução de sentença, para ressarcimento dos danos por si sofridos em acidente de viação que ocorreu por culpa única e exclusiva de segurado da ré.
Contestou a ré, aceitando a existência do seguro e a responsabilidade pelo sinistro ocorrido e impugnando, por desconhecimento, os danos sofridos e, por excessivos, os valores peticionados.
Replicou o autor, mantendo o já alegado na petição inicial.
Elaborou-se despacho saneador e definiram-se os factos assentes e a base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de € 61.060,00, a título de danos patrimoniais e de € 80.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais e desde a data da sentença até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.

Discordando da sentença dela interpôs recurso a ré, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
1. A quantia de € 60.000,00 arbitrada a título de dano patrimonial futuro é flagrantemente excessiva, sobretudo quando comparada com a prática jurisprudencial.
2. Considerando as características do caso concreto e os critérios habitualmente em consideração, recorrendo às fórmulas vulgarmente utilizadas, nomeadamente, a estabelecida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4/4/1995 ou a prescrita na Portaria 377/2008, 26 de Maio, verifica-se que o valor arbitrado é duas vezes superior ao que daí decorreria, o que revela a sua desproporção.
3. Acresce que ao valor calculado de acordo com os pressupostos supra enunciados, deve ser retirado montante não inferior a 1/4 pelo facto da entrega antecipada e integral do capital indemnizatório permitir ao lesado obter dele um rendimento superior ao seu valor, quer através de um investimento financeiro, industrial ou comercial, quer mediante a sua colocação em conta que vença juros.
4. Estes fatores, não sendo tomados em consideração ao estipular o montante indemnizatório, implicam uma mais-valia para o Recorrido, desvirtuando a razão da indemnização e transformando-a num lucro sem causa, violando manifestamente os arts. 564.º e 566.º, do CC.
5. Assim, deve ser equitativamente reduzido o montante indemnizatório atribuído a título de danos decorrentes da IPP ao Autor, nos termos supra preconizados.
6. Por outro lado, o quantum indemnizatório atribuído a título de danos patrimoniais futuros foi calculado na data mais recente que puder ser atendida, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º do C.C., pelo que não podem estar, lógica e legalmente, vencidos quaisquer juros transcorridos em período anterior à fixação do capital indemnizatório.
7. Aliás, como foi decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 4/2002, de 9 de Maio, publicado no D.R. de 27 de Junho, que estabeleceu que a decisão atualizada nos termos do art.º 566.º n.º 2 do C.C. não vence juros desde a citação mas desde a decisão atualizadora.
8. Assim, por violar, entre outros, o disposto nos arts. 483.º, 494.º, 496.º e 566.º do CC deve o Acórdão sub judice ser alterado por outro, que corrija os montantes indemnizatórios arbitrados, de forma justa.
9. Finalmente, também a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais (dano biológico) peca por excesso, sendo violadora dos critérios fixados no art.º 496.º do CC.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão V. Ex.as. a costumada VERDADEIRA JUSTIÇA!

O autor contra alegou (pugnando pela improcedência do recurso interposto pela ré) e, do mesmo passo, interpôs recurso subordinado, cujas alegações concluiu da seguinte forma:
1a. - não se questiona, no presente recurso, a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação ao condutor do veículo automóvel segurado da Recorrida Companhia de Seguros ..SA”;
2a. - já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel segurado da Recorrida ;
3a. - discorda, porém, a Recorrente em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;
4a. - o valor de 80.000,00 €, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pela Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes;
5a. - pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 90.000,00 € e que, como se fez na petição inicial, ora se reclama;
6ª. - o valor 60.000,00 €, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho de 23,00 pontos é insuficiente, para ressarcir o Recorrente dos danos, a este título, sofridos;
7ª. - o Autor/Recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 17 anos de idade, ficou a padecer de uma IPP de 21,00 pontos e a expectativa de vida activa, para os homens, cifra-se nos 75,00 anos de idade;
9ª. - o montante de 60.000,00 €, fixado a este título, é, assim, insuficiente;
10a. - justo e equitativo é o valor reclamado, no articulado da petição inicial, de 150.000,00 €, reclamado na petição inicial e que ora, também, se reclama;
11a. - decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496°., n.º. 1, 562°. e 564°., n.ºs. 1 e 2, do Código Civil.
17a. - quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra-formuladas, com o que se fará, JUS T IÇA.

Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber:
- se foi corretamente fixada a indemnização por danos patrimoniais;
- se foi corretamente fixada a indemnização por danos não patrimoniais;
- qual a data a partir da qual devem ser contados os juros de mora relativamente à indemnização por danos patrimoniais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de Junho de 2009, pelas 05,10 horas, ocorreu um acidente de trânsito na Estrada Nacional nº. 302, ao quilómetro nº. 37,80, no lugar de Portela, freguesia de Perre, Viana do Castelo, no qual foram intervenientes o motociclo de matrícula ..-EA-.. e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-IX (A e B);
2. O EA era conduzido pelo A. e o IX, propriedade de C.., residente na Rua.., Viana do Castelo, era conduzido pela própria (C e D);
3. O EA desenvolvia a sua marcha no sentido Meadela-Outeiro, pela metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 302, tendo em conta o seu sentido de marcha, com os rodados a uma distância não superior a 0,50 metros da linha delimitativa da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Estrada Nacional nº. 302, tendo em conta o mesmo sentido de marcha. Circulava com os seus faróis traseiro e dianteiro acesos e seguia a velocidade não superior a 50 quilómetros por hora (E a I);
4. Momentos antes do acidente, o IX circulava pelo Caminho da Portela, que entronca pela margem direita da Estrada Nacional nº. 302, tendo em conta o sentido Meadela-Outeiro, desenvolvendo a sua marcha no sentido convergente em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 302. A condutora do IX pretendia penetrar nesta faixa de rodagem, efectuar a mudança de direcção à sua esquerda e prosseguir pela faixa de rodagem daquela via no sentido Outeiro-Meadela, em direcção a Viana do Castelo (J a L);
5. A condutora do IX conduzia de forma completamente distraída pois não prestava atenção à condução que exercia, nem atentava nos demais veículos que transitavam pela Estrada Nacional nº. 302. Ao chegar ao topo do Caminho da Portela, de onde provinha, a condutora do IX não parou em obediência ao sinal de “STOP” que ali se apresentava à sua frente, no topo da faixa de rodagem do Caminho da Portela, fixo em suporte vertical: de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, penetrou na faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 302 sem ceder a passagem ao EA, invadindo com o IX, completamente, a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 302, tendo em conta o sentido Meadela-Outeiro, assim colocando o IX na linha de trajectória seguida pelo EA, ao qual cortou completamente a linha de trânsito (M a Q);
6. A condutora do IX penetrou na metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº. 302 numa altura em que o EA se encontrava a uma distância não superior a 8/10 metros de distância dele. O A. ainda travou a fundo, mas foi-lhe impossível evitar o acidente, acabando o EA por ser embatido pelo IX, ao mesmo tempo que o EA foi também embater contra o IX. O embate verificou-se entre a parte frontal/roda da frente do EA e a parte lateral esquerda, sensivelmente a meio, do IX (R a V);
7. No mês de Janeiro de 2010, o A. regressou aos Serviços Clínicos da R, no Hospital de Santa Maria, na cidade do Porto. Foi aí internado durante um dia e uma noite; fez análises clínicas e, precedendo uma anestesia geral, foi submetido a uma intervenção cirúrgica aos testículos (W);
8. À data do acidente, o A. contava 17 anos de idade (nasceu no dia 07 de Julho de 1991) (X);
9. O A. obteve a sua consolidação médico-legal no dia 20 de Agosto de 2009 (Y);
10. À data do acidente, o A. frequentava o ensino secundário, na área da informática, no 12º. ano, na Escola Secundária de Monserrate, em Viana do Castelo. O A. concluiu esse 12º. ano em 2010 (Z e AA);
11. À data do acidente, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação com a circulação do IX encontrava-se transferida para a R. mediante contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº90.01038565 (AB);
12. Como consequência directa do acidente e da queda que se lhe seguiu, resultaram para o A. lesões corporais várias, nomeadamente traumatismo crânio-encefálico, grave traumatismo abdominal, com consequente lesão esplénica e com lesão renal, traumatismo grave do baço, laceração do rim esquerdo, fractura da base do crânio frontal e etmoidal, atingindo o rebordo superior das órbitas, ferida na região frontal esquerda, traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo do membro superior esquerdo, traumatismo dos testículos, ferida no cotovelo esquerdo, ferida em F. I. esquerda, traumatismo palpebral hematoma palpebral, extensa laceração esplénica, extensa laceração renal esquerda, com volumoso hematoma peri-renal, hemiperotoneu de médio volume, traumatismos dos dois membros inferiores, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo (1);
13. O A. foi transportado, de ambulância para o Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência. Foi também assistido na Unidade de Cuidados Intensivos dessa Unidade Hospitalar e ficou internado, em estado de coma induzido, na mesma Unidade Hospitalar (Serviço de Cirurgia) ao longo de um período de 11 dias, até 30 de Junho de 2009, com respiração assistida, ligado à máquina (2 e 3);
14. No próprio dia do acidente, o A. foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, uma da parte da manhã e outra da parte da tarde, consubstanciadas em laparatomia exploradora, esplenectomia (extracção do baço) e nefrectomia esquerda (extracção do rim esquerdo) (4 e 5);
15. No dia 30 de Junho de 2009, o A. obteve alta hospitalar e regressou à sua casa de habitação, sita no lugar de.., Viana do Castelo, onde se manteve doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de cerca de 60 dias. Durante esse período de acamamento, o A. manteve-se sempre retido no leito, deitado de costas e sem se poder virar, tomou todas as suas refeições no leito, as quais lhe foram servidas por uma terceira pessoa, e fez as suas necessidades no leito, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe era servida por uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir (6 a 9);
16. Posteriormente, o A. passou a frequentar o Serviço de Consulta Externa, da Especialidade de Cirurgia, no Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde se dirigiu por duas vezes. Nessa Unidade Hospitalar, o A. foi submetido a exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas e foram-lhe prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, que o A. se viu na necessidade de tomar, uns pela via oral e outros pela via venosa (10 e 11);
17. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o A. sofreu um “enorme” susto e, dado o carácter súbito e imprevisto que caracterizou o embate e a sua incapacidade de lhe escapar, receou pela própria vida (12 e 13);
18. O A. sofreu dores “muito” intensas nas regiões do corpo atingidas ao longo de um período superior a 2 meses. Essas dores ainda actualmente o afectam sempre que movimenta ou faz força e esforço com essas regiões do seu corpo, nomeadamente com a coluna lombar, dorsal e cervical, com o membro superior direito, com os membros inferiores e com a região abdominal, além de outras (14 a 16);
19. Como queixas, o A. apresenta: i) a nível funcional: defeito estético abdominal, que o afecta na sua imagem e na sua auto-estima; ii) a nível situacional: a) actos da vida diária: adopção de atitude defensiva e receosa em relação a um (eventual) traumatismo do rim que lhe resta; deixou de se deslocar de motociclo por medo e fobia adquirida em consequência do acidente; b) vida afectiva, social e familiar: limitadas algumas tarefas de carácter lúdico ligadas aos desportos motorizados; c) vida profissional ou de formação: dificuldades acrescidas resultantes das limitações e risco aumentado de afectar a função renal restante (17 e 37);
20. Como sequelas das lesões sofridas, o A. apresenta: abdómen: esplenectomia; nefrectomia esquerda; cicatriz cirúrgica ao longo da linha branca, com 23x0,3 centímetros, muito deformante; vestígios cicatriciais correspondentes aos pontos de sutura (18 e 37);
21. Antes do acidente o A. não padecia de nenhuma das lesões e sequelas que hoje apresenta (19 e 20);
22. Os factos descritos em 19 e 20 causam ao A. um “profundo” desgosto (21);
23. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram para o A. um défice funcional temporário total (incapacidade temporária geral total) de 12 dias, um défice funcional temporário parcial (incapacidade temporária geral parcial) de 222 dias, uma repercussão temporária na actividade profissional total (incapacidade temporária profissional total) de 93 dias e uma repercussão temporária na actividade profissional parcial (incapacidade temporária profissional parcial) de 141 dias (22 a 24);
24. O A. sofreu um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente e um dano estético de grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (25 a 28);
25. A final, o A. ficou a padecer de um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica (incapacidade permanente geral) de 23%, sendo as respectivas sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, embora impliquem esforços suplementares (29, 30, 36 e 38);
26. No dia 4 de Janeiro de 2010, o A. passou a trabalhar por conta da empresa C.., Lda, com sede na Rua.., em Penafiel, com a categoria de aprendiz de montador de vidros de automóveis e com as funções de montagem e desmontagem de vidros em veículos automóveis; como contrapartida do desempenho dessa sua profissão, o A. passou a auferir o ordenado mensal (incluindo subsídio de refeição) de cerca de € 534,00 líquidos. Em Novembro de 2012 o A. deixou de trabalhar na referida empresa (31 a 33);
27. É intenção do A. continuar os seus estudos na área da informática (34);
28. Em consequência directa e necessária das lesões sofridas no acidente e das sequelas delas resultantes, o A. teve que adquirir medicamentos, pagar taxas moderadoras e deslocar-se em veículos próprios, tendo gasto pelo menos a quantia de € 500,00 (39);
29. O A. viu danificadas e inutilizadas as peças de vestuário que usava na altura do acidente: 1 par de calças, 1 casaco, 1 camisa, 1 par de sapatos, 1 capacete de protecção, 1 relógio e 1 telemóvel, no valor global de € 560,00 (€ 60,00 + € 100,00 + € 30,00 + € 70,00 + € 150,00 + € 100,00 + € 50,00) (40 e 41).

Assim fixada a matéria de facto, com a qual ambos os recorrentes se conformam, concentremo-nos na resolução das questões jurídicas suscitadas.
Uma vez que ambos os recorrentes discordam dos valores fixados a título de indemnização por danos patrimoniais (perda patrimonial futura) e por danos não patrimoniais, iremos conhecer os recursos em simultâneo, ficando apenas para posterior análise a questão dos juros.
A sentença recorrida condenou a ré no pagamento das quantias de € 60.000,00 (a que acrescem € 1060,00 de prejuízos já sofridos em virtude do acidente) e € 80.000,00, respetivamente, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Entende a seguradora que tais valores deveriam ser reduzidos para € 35.000,00 e € 30.000,00, respetivamente enquanto o autor pugna para que os mesmos sejam aumentados para € 150.000,00 e € 90.000,00, também respetivamente.
Comecemos pelos danos de natureza patrimonial.
Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e esta obrigação só existe, nos termos do artigo 563.º do mesmo Código, em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1, também do CC).
Ficando provado – como é o caso - que o lesado ficou afetado com sequelas e com uma incapacidade permanente parcial, não há dúvida de que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta alteração tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição de indemnização.
Se a incapacidade permanente parcial tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.
Contudo, pode a IPP não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque embora afetado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade com um esforço complementar, quer porque o lesado está desempregado, quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho.
Em todos estes casos, pode-se discutir se a IPP constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
No caso dos autos, o autor era, ainda, estudante e, se é certo que prosseguiu os seus estudos, terminando o 12.º ano e tendo até já entrado no mercado de trabalho, como aprendiz de montador de vidros, com um ordenado mensal de cerca de € 534,00 líquidos (durante cerca de dois anos e meio), deixou já de trabalhar nessa empresa e não se sabe o que irá fazer no futuro. Apenas se sabe que ficou com uma IPG de 23 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, embora impliquem esforços suplementares.
Nestas situações, a uma perda de ganho efetiva equivale, de alguma forma, para efeitos de indemnização, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
Ou seja, a incapacidade para o trabalho que vai passar a afetá-lo, não determina nenhuma diminuição atual de rendimento – de que ainda não dispõe – mas afetá-lo-á em toda a sua vida futura, condicionando, por exemplo, as suas hipóteses de emprego, ou a sua progressão na carreira.
Na verdade, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
“A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
De igual modo se defende no Ac. do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” – cfr. Acórdãos do STJ de 28/10/1999, in www.dgsi.pt e de 25/06/2009, in CJ/STJ, II, pág. 128, sendo que, neste último expressamente se consagra a ideia de que, também deve considerar-se, por isso mesmo, o período de esperança média de vida, de modo a contar com a vida ativa e com o período posterior à normal cessação da atividade laboral.
Daí que se venha considerando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente, num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuído as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a excução do seu trabalho.
Na sentença recorrida foram equacionados todos estes parâmetros e considerou-se como salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média, um salário de € 700,00 mensais.
Ora, de acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), no final do segundo trimestre de 2010 o rendimento salarial médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem fixava-se nos 777 euros, enquanto que na Base de Dados Portugal Contemporâneo – Pordata (consultável em www.pordata.pt) o salário médio mensal líquido em Portugal, em 2011, andaria nos € 905,00 e se consultarmos os dados do Banco de Portugal relativos a transferências bancárias no pagamento de remunerações de trabalho, veremos que esse valor sobe para € 1014,00. Assim, pode dizer-se que, neste particular, a sentença recorrida peca por defeito.
Em qualquer dos casos, a questão do montante exato da remuneração que o autor poderá vir a auferir, neste contexto, perde relevância, uma vez que, como já vimos este tipo de incapacidade, constitui uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização. Nestes casos de incapacidade sem rebate nos rendimentos provenientes do trabalho, o rendimento anual do lesado não tem a mesma relevância que nos casos em que tem repercussão no nível dos rendimentos auferidos. O dano biológico traduzido numa determinada incapacidade sem perda de rendimento de trabalho, é sensivelmente o mesmo, quer o sinistrado aufira € 900,00, quer aufira € 2000,00.
Assentes os pressupostos acima definidos, deve ainda dizer-se que a fixação da indemnização deve pautar-se por critérios de igualdade e razoabilidade, indispensáveis à realização do princípio da equidade, relevando como de particular importância a análise de decisões de tribunais superiores relativas à reparação deste tipo de danos: Veja-se, a este propósito as seguintes decisões (todas consultáveis em www.dgsi.pt): um estudante de 21 anos que ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 50%, com aumento previsível de 3%, julgou-se adequada indemnização, por danos patrimoniais, de € 110 000,00 (STJ, 25.6.2009, 08B3234); a lesado com 28 anos, que à data do acidente auferia € 6 181,70 anuais e ficou com 40% de IPP, atribuiu-se € 80 000,00 pela perda da capacidade de ganho (STJ, 26.01.2010, 220/2001-7.S1); a um lesado com 32 anos de idade, que à data do acidente não trabalhava mas tencionava fazê-lo e ficou a padecer de IPG de 30%, fixou-se a indemnização por danos patrimoniais correspondentes, em € 60 000,00 (STJ, 06.12.2011, 52/06.0TBVNC.G1.S1); a um sinistrado com 22 anos de idade, que tinha boas perspetivas de seguir carreira militar, que se goraram em virtude das sequelas do acidente, que ficou afetado com IPP de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, atribuiu-se, a título de dano patrimonial respetivo, € 100 000,00 (STJ, 01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1); No acórdão do STJ de 4 de Dezembro de 2007, foi fixada uma indemnização de € 110.000,00 a um lesado que auferia € 698,32 por mês como empregado do comércio, que já tinha 44 anos à data do acidente, mas que ficou afectado de uma IPP de 47%; no Acórdão do STJ de 30/09/2010, considerou-se adequada a indemnização de € 80.000,00 para uma estudante de 17 anos de idade, com uma IPP de 20%.
Veja-se, ainda, decisão deste mesmo coletivo, em caso em que o lesado tinha 14 anos de idade e ficou com IPP de 15% que não o impossibilitam de exercer a sua atividade, mas que implicam esforços suplementares, em que a 1.ª instância havia fixado indemnização a título de danos patrimoniais no valor de € 85.000,00 e, aqui, foi reduzida para € 70.000,00 (processo n.º 852/10.6TBVCT.G1).

No nosso caso, o autor tinha 17 anos e ficou com uma IPP de 23 pontos, que não o impossibilitam de exercer a sua atividade, mas que implicam esforços suplementares.
Ora, se resolvermos, num juízo hipotético, averiguar através de fórmula matemática a indemnização que seria devida, considerando aquele salário médio atrás referido e tomando como boa a metodologia adotada nos Acórdãos do STJ de 26/01/2012 e de 25/06/2002, respetivamente nos processos 220/2001-7.S1 e 02A1321 (www.dgsi.pt) , para um rendimento anual de € 12.600,00 (€ 900,00 x 14), uma IPG de 23%, uma taxa de juros de capital de 3%, teríamos a perda salarial anual do autor a cifrar-se em € 2898,00 (12600 x 0,23). Aplicando uma regra de três simples para determinar qual o capital necessário para, ao indicado juro de 3%, se obter o rendimento anual de € 2898,00, obtém-se o resultado de € 96.600,00. Dada a circunstância de a antecipação do recebimento do capital constituir um benefício para quem o recebe, por não ser a mesma coisa receber uma quantia de uma só vez ou recebê-la em diversas parcelas ao longo do tempo, justificar-se-ia que àquele valor se descontasse ¼, com o que se obteria o valor final de € 72.450,00.
Já vimos que, no caso dos autos, em que o autor ainda não trabalhava, sendo o seu dano biológico, no supra apontado sentido, o exercício matemático é um mero auxiliar ou indicativo para o juízo de equidade que há que fazer e ao qual não podem ser estranhas as noções de igualdade e razoabilidade, também já acima defendidas.
Considerando tudo o acima dito, parece-nos que o valor fixado em 1.ª instância, pode e deve ser aumentado para € 70.000,00, dando parcial procedência ao recurso do autor e julgando, nessa parte, improcedente o recurso da ré.

Relativamente à indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, entende-se que a quantia arbitrada pelo tribunal recorrida é justa e adequada.
Vejamos.
No caso dos danos não patrimoniais, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Como ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta. Devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso, considerando especialmente, em situações de mera culpa, a possibilidade da indemnização ser inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que a culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado o justifiquem (art.ºs 494º e 496º, nº 3, do Código Civil), o que confere ainda mais a natureza de compensação, de satisfação, do que de indemnização à quantia a atribuir.
Tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores, de há anos a esta parte, que, para responder de modo atualizado ao comando do art.º 496º, a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa - Cf., entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 11.10.94, BMJ 440/449, de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492, in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso - neste sentido veja-se o recente Acórdão da Relação de Guimarães de 05/02/2013, in www.dgsi.pt.
São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras.

No caso dos autos, importa realçar os seguintes factos:
- o autor contava apenas 17 anos de idade à data do acidente;
- foi sujeito a três intervenções cirúrgicas;
- foi-lhe retirado o baço e um rim;
- teve traumatismo crâneo-encefálico;
- esteve internado onze dias em estado de coma induzido, com respiração assistida, ligado à máquina;
- esteve sessenta dias retido no leito em casa;
- tomou diversa medicação e efetuou vários exames, designadamente, radilógicos;
- teve dores intensas (grau 5);
- dores que continuam a afetá-lo no dia-a-dia quando faz movimentos ou força com as regiões atingidas;
- tem uma cicatriz deformante no abdómen (dano estético de grau 3);
- receou pela própria vida;
- adopta uma atitude defensiva na vida em virtude de recear eventual traumatismo do rim que lhe resta;
- medo de se deslocar de motociclo;
- profundo desgosto com toda esta situação.

O quadro fáctico traçado demonstra elevado sofrimento físico e psicológico que bem justifica a importância da atribuição de indemnização por dano moral.
Padeceu o autor o sofrimento inerente a várias intervenções cirúrgicas, com extração do baço e do rim esquerdo), muitos dias de internamento hospitalar, muitos dias de imobilidade total ou condicionada, muitos exames complementares de diagnóstico, dores de grau 5, numa escala de 1 a 7, dano estético elevado (grau 3 em 7) com várias cicatrizes, IPP de 23 pontos, susto, desgosto e vergonha que muito desfavorecem o seu futuro desempenho e afirmação pessoal e social, em toda a sua dimensão, tendo apenas 17 anos de idade na data do acidente.
Pese embora a mera culpa do lesante, a vítima não contribuiu com qualquer culpa para o acidente.
Tendo em conta as especificidades do caso submetido à nossa apreciação e não desconhecendo os valores que vêm sendo atribuídos, a este título, pelo STJ – veja-se, a título exemplificativo o Acórdão do STJ de 07/06/2011 (processo 3042/06.9TBPNF.P1.S): “Não é excessiva uma indemnização de € 90.000,00, arbitrada como compensação de danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas dolorosas, que implicaram sucessivas intervenções cirúrgicas, internamento por tempo considerável, dano estético relevante e ditaram sequelas irremediáveis e gravosas para o padrão e a qualidade de vida pessoal do lesado”, temos como justa e equilibrada a indemnização pelos danos não patrimoniais fixada em 1.ª instância, que, assim, se mantém, improcedendo, em consequência, ambos os recursos no que diz respeito a esta questão.

Falta apreciar a questão dos juros.
No sentido de que os juros apenas são devidos desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão do S.T.J., de 18 de Dezembro de 2007, e mais recentemente o acórdão deste Tribunal de 12.02.2009, in www.dgsi.pt. Neste aresto, citando-se o acórdão do mesmo S.T.J., de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt), afirma-se “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado”. Do mesmo modo, no acórdão desse STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), refere-se “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”
No caso dos autos, refere-se expressamente na sentença que o valor de indemnização por danos não patrimoniais foi encontrado por referência à data da decisão, pelo que apenas vence juros de mora a partir dessa mesma data e não a contar da citação, o que já não se verifica relativamente aos danos patrimoniais.
É sabido que o n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 262/83, de 16.6, estipula que, no caso de crédito ilíquido emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora antes da data da citação. E o legislador não fez qualquer distinção entre danos verificados antes da propositura da acção, durante a sua pendência ou que venham previsivelmente a ocorrer após o trânsito em julgado da decisão (cfr., acórdão do STJ, de 28.9.1995, CJ/STJ, ano III, tomo III, pág. 36 e seguintes, citado no Ac. da R. de Lisboa de 21/03/2012, in www.dgsi.pt).
Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão (ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil) é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, publicado no D.R., I-A, de 27.6.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação (“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigo 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e, 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”).
Não existindo fundamento legal para se presumir que os tribunais proferem sentenças actualizadas face aos pedidos formulados (neste sentido, v.g., STJ, acórdão de 04.12.2007, processo 07A3836) - cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 21/03/2012, já supra citado – e decorrendo mesmo do exposto na sentença em análise que tal atualização não foi efetuada relativamente aos danos patrimoniais, teremos que concluir que, também nesta parte, improcede o recurso da apelante seguradora, sendo de manter a sentença recorrida no que diz respeito à fixação da data de início da contagem dos juros de mora.

Sumário:
1 - A uma perda de ganho efetiva equivale, para efeitos de indemnização, como dano patrimonial, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade têm que desenvolver para realizar o seu trabalho.
2 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
3 - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
4 - Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso da ré seguradora e parcialmente procedente o recurso do autor, alterando-se a sentença recorrida, no que diz respeito à condenação a título de danos patrimoniais, passando a ré a ser condenada a pagar ao autor, a esse título, a quantia de € 71.060,00 (setenta e um mil e sessenta euros = € 1060,00 + € 70.000,00) e mantendo-se a sentença quanto ao demais.
Custas da apelação da ré por esta e da apelação do autor, por autor e ré, na proporção do decaimento.
***
Guimarães, 10 de abril de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho