TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário

Nas acções de simples apreciação, cujo único fim é a apreciação de um direito e não o cumprimento ou incumprimento de uma obrigação, não havendo convenção expressa das partes a afastar a aplicação das regras da competência em razão do território, a regra geral a aplicar é a do artigo 85 do Código de Processo Civil que atribui competência para a acção ao tribunal do domicílio do réu.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No Tribunal Cível da Comarca do Porto, Américo... intentou acção de simples apreciação contra ...--Companhia de Seguros na qual pede que esta seja condenada a reconhecer que o crédito do A. ascende, quanto à apólice 3.176.049J, a quantia de 58.320.000$00, a que acrescem juros capitalizados anualmente de 64.411.147$00 e os que se vencerem até integral pagamento.
Deve ainda ser reconhecido que a Ré está constituída no dever de indemnizar, a título de lucros cessantes, à razão que da apólice 3500381 consta, com juros, desde 01.08.92 e até que se mostre satisfeita a indemnização decorrente do sinistro e incêndio.
A acção tem como fundamento um incêndio que, em 02.07.92, deflagrou no seu prédio identificado no art. 1° da petição.
Na contestação a Ré ...-Companhia de Seguros,SA defende-se por excepção, arguindo a incompetência territorial do Tribunal do Porto para dirimir o presente litígio.
Sustenta a Ré resultar das condições gerais da apólice donde o Autor pretende imputar-lhe responsabilidade que «O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local da emissão da apólice.».
A apólice donde o Autor faz emergir o seu pretenso direito foram emitidas em Lisboa. Por outro lado dispõe o art. 74° n°1 do C.P.Civil que a acção será proposta à escolha do credor, mas ou “no Tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida” ou “no Tribunal do domicilio do Réu”.
Deste modo, conclui a Ré, quer ao abrigo das condições gerais da apólice, quer do disposto da lei, o Tribunal competente para apreciar a matéria de facto vinculativa ou não para a Ré, será sempre o Tribunal de Lisboa.
O Autor no seu articulado de resposta alega que a proposta de seguro foi apresentada e negociada na dependência da Ré sita na cidade do Porto, pelo que, dever-se-á entender que foi nesta cidade do Porto que se celebrou o contrato de seguro, sendo, pelo exposto, o tribunal territorialmente competente o da comarca do Porto.
De qualquer das forma a Ré foi por diversa vezes notificada para apresentar em Tribunal cópia das apólices do seguro em apreço, e jamais cumpriu, o que equivale por dizer que sempre a mesma seria responsável por eventuais custas do incidente a que só ela teria dado causa, face à recusa em colaborar com a administração da justiça.
Notificada a Ré para, no prazo de dez dias, juntar aos autos as apólices em apreço nos autos, veio juntar documentos referenciados como 2ª via da apólice n° 303176049, emitida em Lisboa a 2000.01.06.
Notificado o Autor da junção dos documentos, articula este que o documento apresentado, para além de estar datado de 2000.01.06, quando a apólice em causa data de 1988, e foi celebrado pela ..., SA.- o documento foi em todo o caso impresso em papel timbrado da ...-Companhia de Seguros AS, com sede em Lisboa.
Apreciando a questão, o Tribunal “a quo” julgou o Tribunal da Comarca do Porto territorialmente incompetente para os termos da presente demanda e competente para o efeito o Tribunal Judicial de Lisboa (Varas Cíveis).
Inconformado com a decisão dela agravou o A. que nas suas alegações conclui do seguinte modo:
1 - Porque ao A. assiste a faculdade de optar por intentar a acção no Tribunal da área onde a obrigação devia ser cumprida ou no Tribunal do domicílio do devedor- art. 74 do C.P.C., é ele e mais ninguém que tem o Direito de escolha.
2 - Porque o Tribunal, em sede de incompetência relativa, só pode conhecer oficiosamente quando os autos fornecerem os elementos necessários (art. 110 n°1 a) do C.P.C.) e
1- E porque o Tribunal reconhece que para tal decisão carecia de analisar as apólices que não foram juntas segundo as suas -versões originais, está-lhe vedado conhecer oficiosamente esta matéria.
4 - Porque o Réu excipiente não juntou aos autos tais apólices nem com a dedução do incidente nem após o Tribunal o ter ordenado, o Tribunal não pode julgar procedente a deduzida excepção, pois que lhe falta o pressuposto base cominado nos arts. 109 n°3 e 111 n°1 do C.P.C. que é A PRODUÇÃO DE PROVA SOBRE A MATÉRIA ALEGADA (art. 342 do Cód.Civil) e que, repete-se, não é do seu conhecimento oficioso;
5- E porque a Ré excipiente juntou aos autos a minuta ou PROPOSTA DE SEGURO, que foi negociada, datada e assinada na cidade do Porto.
6 - E porque como bem decidiu o Assento do S.T.J. de 22/01/29 in -D.G. II Série de 05/02/29, “A MINUTA DO CONTRATO DE SEGURO EQUIVALE, PARA TODOS OS EFEITOS, A APÓLICE”
7 - E porque como bem decidiu a Rel. Lisboa in Ac. de 01/11/30 in Gaz Rel. Lisboa 47 -103 “Desde que foi feita e devidamente assinada a respectiva minuta considera-se concluído o contrato de seguro, independentemente da entrega da apólice pela companhia seguradora ao seu segurado”;
8- E porque como bem ensina o Ac. Rel. de Lisboa de 30/07/38 in Rev. Leg. e Jur. 23- 334 “Sendo a minuta do contrato de seguro feita e assinada na Agência onde se praticam todos os Actos para se realizar o contrato, deve considerar-se este como tendo sido ce1ebrado pela Agência, pois, nos termos da legislação em vigor,a minuta equivale para todos os efeitos à apólice.”
9 - E porque o A. ora agravante juntou aos autos certidão da qual consta uma Acta da Apólice que a refere como sendo da Dependência 02- Porto.
10 - E porque tal documento não foi objecto de impugnação especificada ou de incidente de falsidade, é óbvio que o contrato de seguro em causa nos autos foi celebrado na cidade do Porto e, consequentemente, é nesta cidade que as obrigações recíprocas, de pagamento de prémio de seguro por banda do segurado e das indemnizações devidas, por banda da seguradora, devem ser cumpridas e, assim, face ao disposto no art. 74 do C.P.C. é o Tribunal Cível do Porto competente para julgar a acção.
A Douta Decisão em crise violou, assim, o disposto nos arts 74, 109 -n°3, 110 n°1 a) e 111 n°1 do C.P.C., nos arts 342, 374 e 376 do Cód.Civil e ainda no art. 426 do C.Comercial.
A Ré seguradora não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
As partes podem afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras da competência em razão do território (art. 100 do CPC), salvo nos caso a que se refere o art.110.
A R. arguiu a incompetência territorial do Tribunal do Porto alegando que das condições gerais da apólice donde o A. pretende imputar-lhe a responsabilidade resulta que “o foro competente para derimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local da emissão da apólice”.
Como as apólices donde o A. faz emergir o seu pretenso direito foram emitidas em Lisboa, conclui a Ré ser o Tribunal de Lisboa o competente.
Mas, apesar de a Ré ... alegar a existência de um pacto quanto ao tribunal competente para apreciar qualquer litígio emergente do contrato de seguro celebrado com o A., o certo é que não logrou provar tal acordo e o lugar de emissão da apólice, como lhe competia (art. 342 n°1 do CC).
Na verdade, como refere o despacho recorrido e resulta dos autos, a Ré foi por diversas vezes notificada para apresentar em Tribunal cópia das apólices só o fez na sequência do despacho de fls. 175 que lhe fixou um prazo de 10 dias para o efeito.
Porém, alega o A. que o duplicado junto foi impresso apenas em 06.01.00 em papel timbrado da ..., sendo que o contrato de -seguro foi celebrado pela ... e na sua dependência 02, ou seja, da cidade do Porto.
Invocando a Ré um pacto de jurisdição que confere competência territorial ao tribunal de Lisboa, impunha-se que juntasse ao autos o meio de prova documental bastante que eram as aludidas apólices, para se verificar a existência ou não da tal pacto e o lugar da respectiva emissão da apólice.
Apesar de a Ré juntar a 2ª via não deixou de continuar controvertida a existência de tal pacto, bem como o lugar da emissão das apólices, como é bem patente pelo modo como as partes se posicionam quanto a esta questão.
Ora, na análise em concreto de uma questão de competência territorial importa averiguar, desde logo, se há ou não convenção das partes, uma vez que, como vimos a competência territorial depende prioritariamente do seu acordo.
Nos casos dos autos, não logrando a Ré provar a convenção a que alude na sua contestação, há que aplicar a lei.
Quer a decisão recorrida quer a agravante fundamentam-se no art. 74 do CPC para concluirem, respectivamente, pela competência do Tribunal Judicial de Lisboa e Porto.
Afigura-se-nos ser de aplicar ao caso “sub judice”, não o art. 74 n°1 o do CPC, mas sim a regra geral estabelecida no art. 85 do CPC.
Vejamos.
O art. 74 nº 1° do CPC dispõe que “a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu”.
Acontece que, estamos em presença de uma acção de simples apreciação que tem por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência dum direito.
Na verdade, o A. pede que a R. “seja condenada a reconhecer que o crédito do A. ascende, quanto à apólice 3.176.049J, a quantia de 58.320.000$00...”
Segundo A. Reis (CPC anot.-I-19) na acção declarativa de simples apreciação, não se exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma incerteza que o prejudica: incerteza sobre a existência de um direito. A norma do art. 74 n° 1º do CPC aplica-se às “acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações ou a indemnização pelo não cumprimento", portanto, às acções de condenação a exigir a prestação duma coisa ou dum facto, pressupondo ou prevendo a violação dum direito (art. 4° n° 2° do CPC.).
Pelo contrário, na acção de simples apreciação o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação; é esta a sua função específica e o seu único escopo.
Ora, como estamos em presença de uma acção de simples apreciação (também assim designada pelo A.) cujo único fim é apreciação dum direito e não o cumprimento ou incumprimento de uma obrigação, então é de aplicar a regra geral do art. 85 do CPC que determina que “em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para acção o tribunal do domicílio do reu”.
Como a Ré tem a sua sede em Lisboa, o Tribunal territorialmente competente para conhecer da acção é o Tribunal Judicial de Lisboa.
Em face do exposto, embora com outros fundamentos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo agravante.
Porto, 11 de Dezembro de 2000
Narciso Marques Machado
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
António Manuel Machado Moreira Alves