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RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REQUISITOS
ESBULHO
VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS
PODERES DO TRIBUNAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
Sumário
I - São requisitos da providência cautelar de restituição provisória de posse, a posse, o esbulho e a violência. II - O esbulho só é violento se a violência tiver sido exercida sobre as pessoas. III - Provando-se apenas que em Novembro de 1999 A, aproveitando-se da ausência de B, invadiu o terreno em causa, ocupando-o com um veículo automóvel, e que, apesar de interpelado para desocupar o prédio, se recusa a fazê-lo, mesmo que se visse naquela actuação um esbulho parcial, sempre tal esbulho teria de ser considerado como não violento. IV - Para que o tribunal, perante a impossibilidade de decretar a restituição provisória da posse, pudesse conceder uma providência cautelar inominada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 395 e 392 n.3 do Código de Processo Civil, sempre se exigiria que se verificassem os requisitos das providências cautelares não especificadas.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Carolina............ requereu na comarca de Barcelos providência cautelar de restituição provisória de posse contra António............ e mulher Maria.............
Produzida a prova oferecida foi a providência julgada improcedente.
Inconformada, agravou a Requerente que, nas alegações apresentadas, formula as seguintes conclusões:
- É a Agravante dona e possuidora de prédio rústico sito na freguesia de A..... S. Martinho,
- tendo sido desapossada em Novembro de 1999 do mesmo pelos Agravados através da colocação de um veículo automóvel que impede a sua passagem e a normal fruição e utilização daquele.
- Estamos, pois, no domínio da violação da posse como poder correspondente ao exercício do direito de propriedade,
- produzida pela violência sobre um bem ou coisa pertença do esbulhado.
- Face ao exposto entendeu a Meritíssima Juiz a quo não ter existido no caso em apreço fundamento para a existência de violência, indo desta forma contra o entendimento dominante na jurisprudência, isto é, há violência no “acto de esbulho quando o possuidor fica impedido de contactar com a coisa como resultado de actos empregues pelo esbulhador”,
- O que foi inegavelmente o caso nos autos.
- Mesmo que assim não se entendesse, sempre deveria a Meritíssima Juiz a quo ter feito uso da prerrogativa conferida pela lei (artigos 395º e 392º, nº 3 do Código de Processo Civil),
- convertendo a providência cautelar especificada em providência cautelar inominada.
- Pelo exposto, foi violado o disposto nos artigos 392º, nº 3, 393º e 395º, todos do Código de Processo Civil, e 1261º, nº 2 e 255º, nº 2, ambos do Código Civil,
- Pelo que, e porque reunidos todos os elementos, se requer que se declare a providência cautelar procedente, por provada, com as consequências legais.
Não houve contra-alegações.
A Sr.ª Juíza sustentou o despacho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Cinge-se o objecto do recurso à questão de saber se houve ou não esbulho violento e no caso de resposta negativa se devia ou não o tribunal adoptar providência cautelar não especificada.
Não tendo sido impugnada a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto e não havendo fundamento para que a Relação altere oficiosamente essa decisão relativamente a qualquer ponto da referida matéria, visto o disposto no artigo 713º, nº 6 do Código de Processo Civil, aplicável ao julgamento do recurso de agravo por força do artigo 749º do mesmo Código, remete-se aqui, no que toca aos factos provados, para os termos da decisão de 1ª instância.
No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (artigo 393º do Código de Processo Civil).
Requisitos desta providência cautelar são, pois, a posse, o esbulho e a violência.
Ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 393º, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum (artigo 395º do mesmo Código).
Nem sempre é fácil, na prática, saber se estamos perante uma situação de esbulho ou antes de simples turbação.
O esbulho pressupõe que o possuidor foi privado da posse, isto é, que foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse (conf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 669).
Pode ser parcial, ou seja, verificar-se só em relação a uma parte da coisa, como sucede quando alguém se apropria de uma parte de um prédio rústico que outrem possui, murando-a por exemplo (conf. Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, pág. 363).
A turbação não priva o possuidor de continuar a possuir.
“O que sucede é que o possuidor foi incomodado, viu a sua posse embaraçada e disputada” (Alberto dos Reis, obra e local citado).
A turbação é menos que o esbulho mas mais que a simples ameaça.
Para que um certo acto constitua turbação há-de prejudicar o exercício da posse.
Mas não tanto que o possuidor fique privado dela, pois então temos esbulho.
A pedra de toque da distinção está nisso mesmo:
“Enquanto o possuidor, quaisquer que sejam os ataques e as ofensas à sua posse, conserva a retenção material ou fruição real do direito, há simples turbação” (Rev. Leg. Jurisp., Ano 44, pág. 52);
“O acto de turbação pode diminuir, alterar ou modificar o gozo e o exercício do direito, mas não destruir a retenção ou a fruição existente, ou a sua possibilidade” (Manuel Rodrigues, obra citada, pág. 362).
Ora, reportando-nos ao caso sub judice, tem-se como certo que não houve esbulho total.
Pois o que está provado, sobre o aspecto ora em questão, é tão só que em Novembro de 1999 os Agravados, aproveitando-se da ausência da Agravante, invadiram o terreno em causa, ocupando-o com um veículo automóvel, e apesar de interpelados para desocuparem o prédio, recusam-se a fazê-lo.
Cremos, porém, face ao que acima se referiu, que nem sequer de esbulho parcial se trata e apenas de turbação se poderá falar.
Do que não podem restar dúvidas é que, mesmo que se visse no acto dos Agravados um esbulho parcial, sempre tal esbulho teria de ser considerado como não violento.
O esbulho violento pressupõe que o esbulhador, para o conseguir, use de coacção física ou de coacção moral (conf. artigo 1261º, nº 2 do Código Civil).
À coacção moral refere-se o artigo 255º do mesmo Código.
O esbulho é feito sob coacção moral se o possuidor cede pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda daquele ou de terceiro (conf. nº 2 do citado artigo 255º).
A coacção física supõe completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse é usurpada.
O anterior Código Civil não dizia em que consistia violência para efeitos de posse, sendo então geralmente entendido que a violência tanto podia ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas (conf. Alberto dos Reis, obra citada, pág. 670; Manuel Rodrigues, obra citada, pág. 365).
Em face da definição de violência contida no citado artigo 1261º, nº 2 tem-se agora afirmado o entendimento de que o esbulho só é violento, se a violência tiver sido exercida sobre as pessoas (conf., por exemplo, o Acórdão do STJ de 15-3-1983, Bol. Min. Just. 325, pág. 578, e o Acórdão da Relação de Évora de 26-9-1996, Col. Jurisp., Ano XXI, tomo IV, pág. 281).
É que aquele artigo fala em uso de coacção física ou de coacção moral, sendo que a coacção, seja física (artigo 246º do Código Civil), seja moral (citado artigo 255º, nº 1), parece, por definição, só poder ser exercida sobre pessoas.
Não obstante, é ainda forte a corrente que entende que a violência que seja exercida sobre as coisas que constituam um obstáculo ao esbulho é igualmente relevante (conf, por exemplo, o Acórdão do STJ de 26-5-1998, Bol. Min. Just. 477, pág. 506).
Não há, porém, necessidade de tomarmos aqui posição definida sobre a questão.
Efectivamente, não se provou – ou foi sequer alegado – que os Agravados tenham usado de meios violentos para conseguirem tomar posse do terreno.
Dúvidas poderiam pôr-se, quanto à existência de violência, se o prédio da Agravante, por exemplo, fosse vedado e os Agravados, para o poderem invadir com o seu veículo automóvel, tivessem derrubado a vedação.
É que, como refere Manuel Rodrigues, obra citada, pág. 366, a violência “há-de exercer-se sobre as pessoas que defendem a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras”.
Porém, como já se disse, nenhuma violência se provou – ou foi sequer alegada – no caso sub judice.
Bem andou, por isso, a Sr.ª Juíza em não decretar a providência requerida.
Não tem também razão a Agravante quando pretende que, faltando o requisito da violência, sempre a Sr.ª Juíza deveria ter convertido a providência requerida em providência cautelar inominada que determinasse a entrega do prédio àquela, livre de pessoas e bens.
Decerto que, como vimos logo no início, ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que tenha ocorrido violência, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum (artigo 395º do Código de Processo Civil).
Desde que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, o possuidor que tenha sido esbulhado ou perturbado sem violência pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado (conf. artigo 381º do mesmo Código).
A tutela concedida pelo citado artigo 395º só existe, pois, quando faltam os requisitos da restituição provisória da posse, verificando-se, contudo, os requisitos legalmente estabelecidos para as providências cautelares não especificadas.
Assim resulta da expressão “nos termos gerais”, contida naquele artigo 395º.
Caberá ao possuidor, naturalmente, requerer a providência inominada que considere adequada sempre que, reconhecendo à partida que não tem fundamento para a restituição provisória da posse, entenda, todavia, estar-lhe facultado o procedimento cautelar comum.
Pode, contudo, dar-se o caso de o requerente ter razões para acreditar que a lei lhe faculta a restituição provisória da posse e vir depois a ser surpreendido em resultado das contingências da prova ou das querelas jurídicas.
Estabelece o artigo 392º, nº 3 do Código de Processo Civil que o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, sendo aplicável à cumulação de providências cautelares a que caibam formas de procedimento diversas o preceituado nos nºs 2 e 3 do artigo 31º.
Permite-se, pois, que o tribunal conceda providência cautelar diversa daquela que lhe foi requerida.
Já se nos afigura duvidoso que tal seja possível mesmo que à providência requerida e à providência a conceder caibam formas de procedimento diversas.
De qualquer modo, para que o tribunal, perante a impossibilidade de decretar a restituição provisória da posse, pudesse conceder uma providência cautelar inominada, ao abrigo das disposições conjugadas dos citados artigos 395º e 392º, nº 3, sempre se exigiria, como vimos, que se verificassem os requisitos das providências cautelares não especificadas.
Ora é manifesta, no caso sub judice, a ausência de factos que permitam concluir pela verificação de tais requisitos.
Não tinha, pois, a Sr.ª Juíza outra alternativa que não fosse o indeferimento da providência.
Nos termos expostos, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela Agrava
Porto, 12-12-2000
Armando Fernandes Soares de Almeida
Norman Luís José de Mascarenhas
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares