CRIME DE PERIGO
CRIME DE EXECUÇÃO PERMANENTE
CONCORRÊNCIA DESLEAL
CONSUMAÇÃO
Sumário

I - O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico.
II - Também é um crime permanente, e não um crime de efeitos permanentes, pois as suas execução e consumação prolongam-se no tempo.
III - Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação jurídica de todas as condutas, como se elas se tivessem verificado no momento da última conduta.
IV - No caso de concorrência desleal, esta verifica-se enquanto existir o acto susceptível de criar confusão.
V - No caso concreto, enquanto o arguido não retirou o cartaz ou logotipo, que imitava a marca protegida, o crime estava em permanente consumação, havendo a obrigação daquele o retirar, sob pena de o crime estar em contínua consumação.
VI - Não se coloca, deste modo, no caso concreto, um problema de aplicação da lei no tempo já que, sendo o cartaz ou logotipo retirado na vigência da lei nova - Código da Propriedade Industrial vigente -, é esta a lei aplicável, independentemente de um acto de execução se ter verificado no domínio da lei antiga.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No 1º Juízo Criminal da Comarca de Paredes, foi o arguido ARMINDO ..........., filho de José ......... e de Laura ......, natural da freguesia de ...., concelho de Felgueiras, nascido a ../../...., casado, comerciante, residente na Rua ......, ......, Felgueiras, pronunciado como autor material de um crime de concorrência: desleal, previsto e punível pelo art. 260.º, alínea a) do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro.
A final, veio a ser condenado, como autor do aludido crime, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 2.000$00 (dois mil escudos), o que perfaz o total de 400.000$00 (quatrocentos mil escudos), sendo absolvido do pedido de indemnização civil.
Inconformado, interpôs recurso o arguido, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Estamos em face de um crime de efeitos permanentes e não em face de um crime permanente, pelo que o evento ocorreu no domínio do Código da Propriedade Industrial de 1940 e não no de 1995, devendo o arguido ser absolvido por aplicação da amnistia prevista no art.º7.º, al. d), da Lei 29/99, de 12 de Maio;
2. Mas se, - o que apenas se concebe por cautela de patrocínio - se entender que o crime é permanente, então o seu espaço de tempo é um só e não dois, pelo que lhe deve ser aplicada a lei concretamente mais favorável- o CPI de 1940 - por levar á aplicação da Lei da Amnistia: a acção e não a omissão ocorreu toda ao abrigo da lei velha;
3. Em qualquer dos casos o Tribunal "a quo" aplicou retroactivamente a lex severior, violando, designadamente o n.º4 do art.º2.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º4 do art.º2.º do Código Penal vigente;
4. Há insuficiência da matéria de fato para a decisão de direito, pois na sentença do tribunal "a quo" limitou-se a enunciar um conceito legal - o acto susceptível de criar confusão - sem discriminar os factos materiais e concretos dos quais se deduza haver susceptibilidade legal de confusão
5. Há contradição insanável na fundamentação da sentença, pois deu-se simultaneamente como provado ter-se praticado acto susceptível de causar confusão para os consumidores e como não provado que os consumidores se tenham confundido.
6. O Tribunal "a quo" fez uma alteração do enquadramento jurídico constante da pronúncia - da alínea a) para o corpo do art.º 260º do Código da Propriedade Industrial de 1995 - sem ter dado ao arguido oportunidade de se defender da nova incriminação, pelo que foi violado o art.o 358°, n.º 3, do CPP;
7. O Tribunal recorrido cindiu artificialmente os elementos figurativo e gráfico do cartaz, reclamo ou logotipo, pelo que dividiu um evento indivisível para decidir que o elemento figurativo foi imitado do da L....;
8. O Tribunal recorrido não fez a distinção entre o risco de confusão e risco de associação de ideias dos consumidores, pelo que, por erro de interpretação do art.º 260°, al. a), do CPI, caiu em erro de julgamento; e
9. Cabe sempre, em caso de dúvida deste Mui Digno e Venerando Tribunal da Relação do Porto, o reenvio prejudicial dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
Contra alegou o M.º P.º, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A douta sentença ora em recurso captou com rigor a prova produzida na audiência de julgamento.
2. E operou uma sábia subsunção jurídica e aplicação do direito.
3. Também a pena aplicada ao arguido se nos afigura justa e adequada, tendo sido devidamente ponderados os critérios do artigo 70° e as circunstâncias do artigo 71° do Código Penal.
4. Não foram violadas quaisquer disposições legais na douta sentença recorrida.
Neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto pronuncia-se no sentido do não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, e realizada a audiência com observância do pertinente formalismo legal, cumpre apreciar e decidir.
O arguido, nas suas conclusões, levanta as seguintes questões:
1. Qual a lei aplicável no tempo e, no caso de se concluir pela aplicação do revogado CPI, a infracção deve ser declarada amnistiada;
2. Insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição nos factos dados como provados e não provados;
3. Alteração da incriminação constante da pronúncia, sem que ao arguido tenha sido dada a possibilidade de se defender;
4. Erro de julgamento por haverem sido cindidos os elementos figurativo e gráfico do cartaz, não se fazendo a distinção entre risco de confusão e risco de associação de ideias dos consumidores.
5. Reenvio dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades, em caso de dúvida, para se saber se há risco de confusão, conforme a define a Directiva 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988.
A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos:
1. O arguido é sócio estatutário e sócio gerente da sociedade comercial denominada F........., LDA, com sede na ......, freguesia de ........., concelho de ...... .
2. Como principal administrador da referida empresa, é o arguido que escolhe, adquire e vende as respectivas matérias primas ou produtos com que trabalha e assume quotidianamente as funções gestionárias daquela empresa, sendo assim o primeiro responsável nas relações comerciais que entabula com terceiros.
3. Por inerência do exercício dessas funções e à efectiva profissão de industrial têxtil, possui o arguido inteiro conhecimento do conteúdo das grandes normas reguladoras do exercício desta actividade, conhecendo para além do mais, o renome transnacional e as características figurativas de diversas marcas reconhecidamente internacionais e de âmbito planetário.
4. A referida sociedade F...., gerida pelo arguido, é proprietária de um estabelecimento comercial de venda ao público de artigos têxteis de pronto a vestir, nomeadamente, calças, gangas, casacos, blusões, camisas e outros artigos para homem ou mulher, designado T.........., sito no ......, na cidade de P..... .
5. Na frente da respectiva loja, o arguido mandou afixar um cartaz ou logotipo tricolor, de fundo preto, base encarnada e letras brancas - conforme melhor o documentam as fotografias juntas a fls. 116 e 117 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos, em tudo idêntico às marcas registadas em Portugal, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial com os n.ºs 264260 e 264261, desde 30/09/1992 - conforme melhor o documentam as certidões de fls. 132 e 133 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos -, com a excepção dos caracteres alfabéticos que no cartaz e nas marcas se encontram.
6. As referidas marcas estão registadas a favor da sociedade L...... & Co, com sede em ...., em ......, ....., Estados Unidos da América, com representação em Espanha e com sucursal em Portugal na Rua ......., n.º....., Lisboa.
7. Essas marcas destinam-se a artigos de vestuário, calçado e chapelaria.
8. Não obstante saber que as ditas marcas pertenciam e pertencem à L...... & Co, o arguido, sem qualquer autorização, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja (ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P.....
9. O arguido promoveu a remoção do reclamo luminoso em causa logo que foi notificado da acusação proferida nestes autos, na qualidade de legal representante da F...... .
10. O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter para si e para a sociedade de que é gerente vantagem ou beneficio patrimonial ilegítimo, tendo preordenadamente utilizado os elementos figurativos de uma marca internacionalmente reconhecida para melhor assegurar o êxito das suas intenções.
11. Sabia que as referidas marcas se encontravam devidamente registadas em Portugal, que não podia utilizar elementos figurativos alheios, susceptíveis de criar erro ou confusão no consumidor sobre a genuinidade do produto e a autenticidade da loja, não se coibindo de assim actuar com vista a alcançar beneficios decorrentes do uso de marca figurativamente idêntica com renome transnacional e dai recolher as naturais vantagens económicas.
12. Agiu ainda livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
13. O arguido não tem antecedentes criminais.
14. O arguido é licenciado em medicina e chegou a exercer a actividade de médico.
15. O arguido iniciou negócios de pronto a vestir em Abril de 1994, tendo entretanto deixado de exercer a actividade de médico para se dedicar integralmente às confecções como comerciante.
16. Encontra-se inserido na sociedade e no ramo da actividade têxtil a que actualmente se dedica.
17. O arguido vive em casa própria, com sua mulher e dois filhos menores estudantes. A sua mulher, que também é sócia-gerente da F......, LDA, trabalha como médica clínica geral no posto médico do Centro de Saúde de ...... .
18. O arguido e sua mulher são os únicos sócios e gerentes da F...... .
19. O estabelecimento comercial que a F...... possui na cidade de P... abriu ao público em Julho de 1994 e continua a sua actividade de venda de roupa até à presente data.
20. A F...... possui diversos estabelecimentos comerciais de venda de roupa, designadamente em P...., L..., F... e Po..... .
21. A F....... jamais vendeu quaisquer artigos de marca L... nos seus estabelecimentos de nome T...... .
22. Um par de calças de ganga vendido pela F...... custa cerca de um terço do preço de um par de calças de ganga de marca L..... .
23. A clientela que procura calças de ganga L.... não desenha ou descreve o elemento figurativo de tal marca para dizer o que pretende.
24. A decoração das lojas T..... contrasta com a decoração das lojas dos revendedores autorizados de produtos da marca L..... .
25. A sucursal portuguesa da sociedade L........ de Espana, S.A. tem por objecto, entre o mais, a confecção, distribuição e comercialização em geral, incluindo a compra e venda, importação e exportação em Portugal de todo o tipo de roupas de vestir .
E considerou não provados os seguintes factos:
1. Em virtude de utilizar o logotipo supra descrito, o arguido vendesse os seus produtos mais caros.
2. O arguido tenha desviado clientela da L...... & Co, clientela essa que, tomando em conta os preços mais baixos praticados na referida loja T...., deixou de comprar alguns artigos directamente aos revendedores autorizados da L...... & Co.
3. Os únicos produtos similares entre a F...... e as ofendidas sejam calças de ganga.
4. A clientela que procura calças de ganga L.... ou de outra marca equivalente não vai aos estabelecimentos T..... .
Para podermos responder a todas as questões postas pelo arguido nas suas conclusões, importa, antes de mais qual o tipo de crime que o arguido cometeu.
O arguido foi pronunciado, e condenado, pela prática de um crime de concorrência desleal p. e p. pelo art.º 260°, al. a) do CPI, aprovado pelo DL 16/95, de 24 de Janeiro.
Contrapõe que, atendendo a que a sua conduta teve o início em Julho de 1994 e cessou em Maio de 1997, o ilícito se consumou no domínio da anterior legislação - CPI aprovado pelo DL 30.679, de 24/08.
No que para os autos interessa, dispunha o corpo e o n.º 1 do art.º 212° do CPI revogado:
"Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica. São como tais expressamente proibidos:
1. Todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado".
Esta conduta era punida, nos termos do art.º 213°, com a pena de multa, que poderia agravar-se com prisão de 15 dias a 6 meses.
Por seu turno, o corpo e a al. a) do art.º 260º do CPI V, dispõem:
"Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um beneficio ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente:
a) Os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os Serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado;
Será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360
dias".
Se compararmos o n.º 1 do art.º 212° com a al. a) do art.º 260º, logo constatamos que as suas redacções são coincidentes.
Em ambos os preceitos se pune a concorrência desleal, havendo agora uma definição, em nossa opinião, mais precisa.
Coincidem os elementos do tipo, salvo no que tange ao dolo, em que hoje se exige um dolo específico.
"A repressão da concorrência desleal configura-se como a reacção da lei contra a inobservância de um dever geral de proceder honesta e correctamente na luta mercantil..." - Tolda Pinto e Reis Bravo, "Colectânea de Legislação Penal Extravagante", pg. 517.
Ou, como se diz no Ac. da RC de 25/9/97, CJ, ano XXII, tomo 5, pg. 43: "O bem jurídico aqui especialmente tutelado é, pois, o interesse privado, individual do concorrente, isto é, do titular dos direitos privativos da propriedade industrial, eventualmente atingido ou lesado pelos actos da concorrência desleal, conquanto reflexamente se proteja também o interesse comunitário e do estado em que a concorrência se processe lealmente, valor fundamental do direito económico vigente, constitucionalmente consagrado (art.º 81°, al. t) do Constituição Política)".
Importa, pois, averiguar quais são os direitos privativos da propriedade industrial.
Nos termos do art.º 1° do Código da Propriedade Industrial (CPI), "a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal".
Segundo o Dr. Carlos Olavo, in "Propriedade Industrial", pg.11, o Direito de Propriedade Industrial "corresponde à necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, feita essencialmente por duas formas: por um lado, a atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais, e, por outro, a imposição de determinados deveres no sentido dos vários sujeitos económicos que operam no mercado procederem honestamente".
Ou, como diz em Parecer publicado na CJ, Ano XII, tomo 1, pg. 16, "A propriedade industrial reconduz-se, essencialmente a duas ordens de ideias:
- A atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais;
- A imposição de determinados deveres.
Esses deveres representam, em linhas gerais, uma obrigação de proceder honestamente no exercício da actividade económica, e a respectiva violação dá lugar à chamada concorrência desleal.
Quanto à primeita das duas indicadas ordens de ideias, aí se integram os direitos privativos da propriedade industrial.
O Código de Processo Industrial contempla várias dessas figuras", como por ex., a marca, que é o que interessa para o caso dos autos.
A Marca, diz-nos o mesmo autor, é "o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor" - CJ Ano XII, tomo 2, pg. 21.
"1. A marca pode ser constituída por um sinal ou um conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2. A marca pode igualmente ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem independentemente do direito de autor, desde que possuam carácter distintivo" – art.º 165° do CPI. (cfr. art.º 143° do CPI revogado).
Como se vê do citado preceito legal, a marca visa distinguir produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
"Pode-se, pois, concluir que, em termos jurídicos, a função da marca se reconduz a uma indicação da proveniência" - A e loc. citados.
A propriedade de uma marca adquire-se através do registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial - art.º 167º do CPI.
Como se referiu, quando se pratiquem actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento ou produtos, verificando se os demais elementos do tipo, comete-se o crime de concorrência desleal.
E os demais elementos são:
A existência de um acto de concorrência;
Que esse acto seja contrário às normas e usos honestos;
De qualquer ramo de actividade;
Que o agente actue com dolo específico (no CPI vigente), consistindo este na intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar, para si ou para terceiro, um beneficio ilegítimo.
Cotejando a matéria de facto apurada temos que:
O arguido é sócio estatutário e sócio gerente da sociedade comercial denominada F........., LDA., com sede na ............, freguesia de ........., concelho de......
Como principal administrador da referida empresa, é o arguido que escolhe, adquire e vende as respectivas matérias primas ou produtos com que trabalha e assume quotidianamente as funções gestionárias daquela empresa, sendo assim o primeiro responsável nas relações comerciais que entabula com terceiros.
A referida sociedade F......, gerida pelo arguido, é proprietária de um estabelecimento comercial de venda ao público de artigos têxteis de pronto a vestir, nomeadamente, calças, gangas, casacos, blusões, camisas e outros artigos para homem ou mulher, designado T......, sito no ........., na cidade de P...... .
Na frente da respectiva loja, o arguido mandou afixar um cartaz ou logotipo tricolor, de fundo preto, base encarnada e letras brancas - conforme melhor o documentam as fotografias juntas a fls. 116 e 117 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos, em tudo idêntico às marcas registadas em Portugal, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial com os n.ºs 264260 e 264261, desde 30/09/1992- conforme melhor o documentam as certidões de fls. 132 e 133 dos presentes autos, cujos conteúdos foram dados por integralmente reproduzidos -, com a excepção dos caracteres alfabéticos que no cartaz e nas marcas se encontram.
As referidas marcas estão registadas a favor da sociedade L......... & Co, com sede em ............, em ..........., ........., Estados Unidos da América, com representação em Espanha e com sucursal em Portugal na Rua ........, Lisboa.
Essas marcas destinam-se a artigos de vestuário, calçado e chapelaria.
Não obstante saber que as ditas marcas pertenciam e pertencem à L..... & Co, o arguido, sem qualquer autorização, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja ( ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P...... .
O arguido promoveu a remoção do reclamo luminoso em causa logo que foi notificado da acusação proferida nestes autos, na qualidade de legal representante da F....... .
O arguido agiu deliberadamente, com intenção de obter para si e para a sociedade de que é gerente vantagem ou beneficio patrimonial ilegítimo, tendo preordenadamente utilizado os elementos figurativos de uma marca
internacionalmente reconhecida para melhor assegurar o êxito das suas intenções.
Sabia que as referidas marcas se encontravam devidamente registadas em Portugal, que não podia utilizar elementos figurativos alheios, susceptíveis de criar erro ou confusão no consumidor sobre a genuinidade do produto e a autenticidade da loja, não se coibindo de assim actuar com vista a alcançar beneficios decorrentes do uso de marca figurativamente idêntica com renome transnacional e dai recolher as naturais vantagens económicas.
Agiu ainda livre e lucidamente com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Da matéria fáctica apurada, dúvidas não há que o arguido cometeu o crime de concorrência desleal ( o que até parece nem pôr em questão salvo na última conclusão ).
Com efeito, imitou os elementos figurativos referentes àquelas marcas concorrentes, no seu cartaz, uma vez que desde a abertura da loja ( ocorrida em Julho de 1994) até finais de Maio de 1997 o utilizou como elemento distintivo e publicitário da sua loja em P...... .
E por imitação entende-se, nos termos da al. c) do art.º 193° do CPI, a semelhança gráfica, figurativa ou fonética, que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto.
Tal definição legal, adiante-se desde já, e para resposta ao pedido de reenvio prejudicial, que não se determinará, por ausência de dúvidas, em nada contende com a Directiva citada, antes vai ao seu encontro, como vai de encontro à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, citado nas alegações de recurso.
Confrontando as fotografias de fls. 450 com as de fls. 116 e 117, e com o logotipo constante do pedido de registo de marca, dúvidas não temos, como as não teve o Sr. Juiz "a quo", de que se trata de uma imitação já que a semelhança gráfica e figurativa (e não é necessário que seja também fonética, podendo perfeitamente fazer-se a cisão, salvo se esta neutralizar por completo a imitação) é de tal modo evidente que pode induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor .
Tal imitação traduz-se num acto de concorrência, contrário às normas e usos honestos, tendo o arguido actuado com dolo específico.
Logo, cometeu o crime de concorrência desleal.
Por qual dos regimes deve ser condenado o arguido?
O crime de concorrência desleal é um crime de perigo abstracto, já que para a sua consumação se basta com o risco de lesão do bem jurídico ( actos susceptíveis de criar).
Não se exige, pois, que haja uma efectiva confusão pelo que, e adiantando, não é nada contraditório o facto de se dar como provado que o acto é susceptível de causar confusão aos consumidores e como não provado que se tenham confundido.
Uma coisa é distinta da outra e para a consumação do crime, repete-se, é suficiente a primeira.
Mas é também um crime permanente e não, como defende o arguido um crime de efeitos permanentes.
Nos crimes permanentes verifica-se que a execução e consumação do delito se prolongam no tempo - Cavaleiro de Ferreira, "Lições", pg. 168.
"Tipos de crimes permanentes são aqueles em que o evento se prolonga por mais ou menos tempo.... Na estrutura dos crimes permanentes distinguem-se duas fases: uma, que se analisa na produção de um estado antijurídico, que não tem aliás nada de caracteristico em relação a qualquer outro crime; outra, e esta propriamente típica, que, corresponde à permanência ou, vistas as coisas de outro lado, à manutenção desse evento, e que, para alguns autores, consiste no não cumprimento do comando que impõe a remoção, pelo agente, dessa compressão de bens ou interesses juridicos em que a lesão produzida pela primeira conduta se traduz.
A existência deste dever, naturalmente ligada à natureza dos bens jurídicos protegidos, distingue o crime permanente dos chamados crimes de efeitos permanentes - , v. g. o furto.
Nos crimes permanentes, realmente, o primeiro momento do processo executivo compreende todos os actos praticados pelo agente até ao aparecimento do evento (v. g. no crime de cativeiro do art.º 328º a privação da liberdade do violentado), isto é, até à consumação inicial da infracção; a segunda fase é constituída por aquilo a que certos autores fazem corresponder uma omissão, que ininterruptamente se escoa no tempo, de cumprir o dever, que o preceito impõe ao agente, de fazer cessar o estado antijurídico causado, donde resulta, ou a corresponde, o protrair-se da cosumação do delito. Desta forma, no crime permanente haveria, pelo menos, uma acção e uma omissão, que o integrariam numa só figura criminosa." - Eduardo Correia in "Direito Criminal", I, pgs. 309 e 310.
Ou ainda, como refere Jescheck in "Tratado de Derecho Penal", I, pg. 357: "En los delitos permanentes el mantenimento dei estado ântijurídico cerrado por la acción punible depende de la voluntad del autor, de manera que, en cierto modo, el hecho se renova continuamente" .
Nos crimes permanentes verifica-se uma unificação juridica de todas as condutas como se todas elas se tivessem verificado no momento da última conduta.
No caso da concorrência desleal, esta verifica-se enquanto existir o acto susceptível de criar confusão existir .
Isto é, enquanto o arguido não mandou retirar o cartaz ou logotipo que imitava a marca protegida, o crime estava em permanente consumação, havendo a obrigação de o arguido o retirar sob pena de o crime estar em contínua consumação. Em cada dia os consumidores eram susceptíveis de serem confundidos.
A consumação não se esgotou com a colocação do cartaz ou logotipo. Antes diariamente os consumidores passaram a vê-lo.
Pela existência daquela obrigação - da remoção - é que o crime é permanente e não de efeitos permanentes, como o seria se inexistisse essa obrigação.
A doutrina do prof Eduardo Correia, que o arguido cita em abono da sua tese ( e a dos outros autores por nós citados) é clara no sentido do texto.
Ora, são doutrina e jurisprudência uniformes que, no caso dos crimes permanentes, " Aplica-se sempre a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último acto tenham cessado no domínio da mesma lei. Não há, verdadeiramente, aqui qualquer problema, visto que no domínio da lei nova foram praticados actos integradores do crime" - Maia Gonçalves in "Código Penal Português", VIII ed., pg. 183.
"Assim, admitindo-se o carácter unitário dos crimes permanentes ... a lei aplicável no momento da perpetração da infracção será a que vigorava no momento em que a última conduta foi praticada" - Cavaleiro de Ferteira, ob. cit., pg. 169.
Não se coloca, pois, no caso sub júdice um problema de aplicação da lei no tempo já que, tendo o cartaz ou logotipo sido retirado apenas em Maio de 1997, e portanto no domínio do CPI hoje vigente, é sempre esta a lei aplicável, independentemente de um acto de execução se ter verificado no domínio da lei antiga.
Assim, não há que falar em violação do princípio da não retroactividade da lei penal.
Sendo o crime, em abstracto, punível com pena de prisão superior a um ano, não está amnistiada a infracção .
Por outro lado, entende-se que a matéria de facto é suficiente para a condenação já que nela se faz referência a cores idênticas, remetendo-se para as fotografias juntas aos autos, bem como para o pedido de registo de marca. E do seu confronto, dúvidas não há relativamente à imitação, até pela semelhança geométrica dos cartazes.
Tem-se dificuldades em entender o alcance da conclusão F. É que a alínea a) do art.º 260° do CPI está, obviamente, subordinada ao corpo ( e à parte final onde se prevê a pena) do artigo.
E o arguido foi condenado também pela alínea a), embora, e obviamente, se tivesse de apurar dos elementos do tipo, estes constantes do corpo do artigo.
De resto, as alíneas do preceito são meramente exemplificativas, pelo que até se poderia recorrer a outra situação, desde que verificados os pressupostos constantes do tipo.
Destarte, nenhuma alteração - substancial ou não - houve da pronúncia. Finalmente, ao entender o tribunal "a quo", como o entende este tribunal, que há risco de confusão, implicitamente afasta o risco de associação de ideias dos consumidores, sendo aquela uma situação mais grave, relativamente a esta.
DECISÃO:
Nestes termos, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, acordam os Juizes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.
O arguido pagará 4 Ucs de taxa de justiça.
Porto, 20 de Dezembro de 2000
Francisco Marcolino de Jesus
Joaquim Manuel Esteves Marques
António Manuel Clemente Lima
Joaquim Costa de Morais