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DIVISÃO DE COISA COMUM
FRACCIONAMENTO DA PROPRIEDADE RÚSTICA
DIVISÃO DE PRÉDIO EM LOTES
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
ALVARÁ
USUCAPIÃO
Sumário
I - Na acção de divisão de coisa comum, em que se pretende o fraccionamento de um prédio rústico em várias parcelas, para construção ou em que se efectuaram já construções, tal divisão envolve uma operação de loteamento, pelo que a acção não pode prosseguir sem a junção de alvará de loteamento do prédio. II - Porém, o estado de facto criado por uma divisão feita pelos comproprietários, sem escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, pelo princípio da usucapião, o que se não reconduz a divisão de coisa comum.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
Maria Celeste......., Isaura........., Alice............e Rogério.......... vieram propor acção especial de divisão de coisa comum contra Américo...... e mulher Maria Palmira.......
Como fundamento, alegaram, em síntese, que requerentes e requeridos são comproprietários, em comum e partes desiguais, do prédio rústico, de cultura hortícola, com a área de 2800 m2, descrito na CRP sob o nº --- e inscrito na matriz predial rústica nos arts. 895, 896, 897 e 898.
Tal prédio veio à propriedade de requerentes e requeridos por escritura de compra e venda, rectificação e troca de 29.08.80.
Algum tempo após a celebração dessa escritura, os requerentes e o requerido Américo acordaram, entre si, proceder à divisão de facto do prédio referido, tendo como objectivo a desintegração para construção de habitações próprias, demarcando os artigos matriciais que o constituem da seguinte forma:
- o art. 895 foi atribuído em comum e partes iguais às requerentes, Maria Celeste, Alice e Isaura;
- o art. 896 foi atribuído à irmã dos requerentes, Maria Fernanda........ que, por escritura de 29 de Maio de 1989, o doou à requerente Isaura;
- o art. 897 foi atribuído ao requerente Rogério;
- o art. 898 foi atribuído ao requerido Américo.
E, a partir desse acordo, requerentes e requeridos passaram a exercer o seu direito de compropriedade sobre cada um dos artigos, como se fossem proprietários exclusivos porque o eram de facto, embora não de direito, do artigo que entre si acordaram atribuir.
Na sequência do mesmo acordo, a requerente Isaura, no ano de 1990, construiu uma casa de habitação, implantada no terreno correspondente ao artigo 896 e, do mesmo modo, o requerido Américo autorizou que um seu tio, em 1992, construísse uma casa, implantada no terreno correspondente ao artigo 898.
O prédio rústico aqui em causa é perfeitamente divisível, encontrando-se os artigos que o constituem delimitados e devidamente demarcados, com inscrição própria na Repartição de Finanças.
Tendo cada um dos referidos artigos acesso autónomo ao caminho que cada um dos requerentes e requeridos utiliza de per si e em exclusividade.
Em consequência, são divisíveis de facto e em substância, faltando apenas a divisão jurídica.
Não convém aos requerentes permanecer na indivisão dos referidos prédios, pelo que, nos termos dos arts 1412º e 1413º do Código Civil, deve proceder-se à respectiva divisão, atribuindo-se o direito de propriedade de cada um dos artigos, conforme o acordo estabelecido entre os requerentes e o requerido Américo.
Os requeridos não contestaram.
Foi então proferido despacho em que o Sr. Juiz, no essencial, afirmou ser possível o fraccionamento do prédio, por este visar a desintegração de terrenos para construção (art. 1377º a) do CC).
Acrescentou, porém, que neste caso a divisão envolve uma operação de loteamento, nos termos do art. 3º a) do DL 448/91, de 21/11, pelo que a acção não pode prosseguir sem que se mostre junto o alvará de loteamento do prédio identificado nos autos.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 53º nº 1 DL 448/91, determinou que os requerentes fossem notificados para juntarem aos autos o referido alvará de loteamento e a certidão comprovativa do respectivo registo.
Discordando desta decisão, dela interpuseram os requerentes recurso, de agravo, concluindo assim as suas alegações:
1. Ao contrário da interpretação dada pelo Mmo Juiz, os AA., com a presente acção, não pretendem obter o fraccionamento de um prédio rústico (ainda juridicamente indiviso) em quatro parcelas, nas quais se encontram já implantadas construções, o que, aliás, nunca foi requerido pelos AA..
2. O facto de se alegar que o prédio "tem como objectivo a desintegração do terreno para construção de habitações próprias" não significa que se esteja a requerer o fraccionamento do prédio, nos termos do artigo 1377º do CC.
3. O que os recorrentes pretendem - e que resulta claramente do pedido formulado quer na petição inicial quer no requerimento de fls. 45 a 48 - é que a propriedade de cada um dos quatro artigos matriciais que compõem o prédio em causa (que pertence actualmente em comum e nas respectivas proporções a vários comproprietários) fiquem a pertencer a um só proprietário, à excepção de um deles que se pretende fique a pertencer, em comum e partes iguais, às recorrentes Maria Celeste, Alice e Isaura.
4. Para que a propriedade de cada um dos artigos matriciais que compõem o prédio em causa deixe de pertencer a todos os comproprietários e passe a pertencer apenas a um deles, não é necessária qualquer operação de loteamento, porque tal não é legalmente exigido ou imposto.
5. De facto, o art. 3º nº 1 a) do DL 448/91, de 21/11, não tem aqui aplicação porquanto dos autos resulta que os requerentes nunca pretenderam ou requereram a divisão em lotes do prédio aqui em causa.
6. Porque assim é, não podia o Mmo Juiz ter ordenado a notificação dos requerentes "para juntarem aos autos o referido alvará de loteamento e a certidão comprovativa do respectivo registo", ao abrigo do disposto no art. 53º nº 1 do citado DL.
7. Com tal disposição legal, o legislador pretende "não só que quaisquer escrituras de compra e venda de lotes de terrenos sejam celebradas mediante o comprovativo (alvará) de que tais lotes surgiram na sequência de uma operação de loteamento licenciada pela Câmara Municipal, mas que quaisquer outras acções que indiciem a prática de divisão de um prédio rústico em lotes destinados à construção urbana, sejam igualmente fiscalizadas pelo notário (ou pelo Juiz) por forma a que este, só se decida pela sua celebração (ou decisão), caso os outorgantes (ou as partes) exibam o competente alvará (José Miguel Sardinha, O Novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento e de Obras de Urbanização, comentado e anotado).
8. Tal situação verificar-se-ia, por exemplo, no caso da divisão de coisa comum - artigos 1412º e 1413º do CC - caso seja visível aos olhos do notário (ou do Juiz) que o que os comproprietários querem é efectuar uma operação de loteamento, embora "disfarçado" de divisão de coisa comum (José Miguel Sardinha, op.cit.).
9. Não é essa a situação dos presentes autos, não só porque não pretendem os recorrentes o fraccionamento do prédio, mas também porque, com a presente acção não pretendem estes obter ou efectuar qualquer operação de loteamento "disfarçado" de divisão de coisa comum.
10. Os recorrentes pretendem a definição e delimitação do direito de propriedade de cada um dos comproprietários, formalizando, de forma jurídica a divisão, definição e concretização que, de facto, já foi efectuada e existe entre os comproprietários, a qual não envolve qualquer operação de loteamento.
11. Acresce que, não tem razão o Mmo Juiz quando afirma que o prédio aqui em causa é juridicamente indiviso, porquanto o título (escritura pública de "compras e vendas, rectificações e trocas"), pelo qual os AA. adquiriram a propriedade de tal prédio, refere claramente que tal prédio se encontra inscrito na matriz sob quatro (4) artigos distintos.
12. Ou seja, já em 1980 - há cerca de vinte anos - que o prédio aqui em causa comportava e era constituído por quatro (4) prédios distintos e autónomos, motivo pelo qual lhe correspondia a inscrição em quatro (4) matrizes diferentes.
13. A situação matricial do prédio opõe-se à conclusão defendida pelo Tribunal recorrido, que o considera como "ainda juridicamente indiviso".
14. Na verdade, o prédio aqui em causa, não só está dividido de facto - face ao acordo celebrado entre os AA./recorrentes e os RR./recorridos, e por todos cumprido - como já se encontra juridicamente dividido - conforme inscrição matricial do mesmo.
15. Por todo o exposto nenhuma razão assiste ao Mmo Juiz, violando o douto despacho recorrido o disposto nos artigos 3º a) e 53º nº 1, ambos do DL 448/91.
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, com as consequências legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr Juiz sustentou o seu despacho.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, relevando, para este efeito, os elementos indicados no relatório precedente.
II. Mérito do recurso
Pressuposto da decisão recorrida é o entendimento de que os requerentes pretendem obter o fraccionamento de um prédio rústico em quatro parcelas, para construção, e que tal divisão envolve uma operação de loteamento.
Os recorrentes discordam de tal decisão, sustentando que não pretendem qualquer fraccionamento, mas apenas a definição e delimitação do direito de propriedade de cada um dos comproprietários, formalizando juridicamente a divisão que, de facto, já foi efectuada e existe entre os comproprietários, a qual não envolve qualquer operação de loteamento.
Acrescentam que o prédio não está juridicamente indiviso, uma vez que foi dividido de facto - face ao acordo celebrado entre requerentes e requeridos e por todos cumprido - encontrando-se também juridicamente dividido, conforme inscrição matricial.
Cremos, com o devido respeito, que não têm razão.
Dispõe o art. 1412º nº 1 do CC que nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão ...
A divisão pode ser feita amigavelmente ou nos termos da lei do processo (art. 1413º nº 1).
A divisão amigável é feita extrajudicialmente, estando sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa (nº 2 do mesmo preceito).
O meio processual será a acção de divisão de coisa comum; nos termos do art. 1052º nº 1 do CPC, todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ...
Como tem sido entendido, o estado de facto criado pela divisão feita pelos comproprietários sem escritura ou auto público pode converter-se em estado de direito, pelo princípio da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais [Cfr., entre outros, Pires e Lima e Antunes Varela, CC Anotado, III, 2ª ed., 390; Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, I (1979), 413].
Os recorrentes afirmam que o prédio não está indiviso, visando a acção, no fundo, formalizar apenas a divisão de facto já efectuada.
Como parece evidente, não pode entender-se esta posição nos seus precisos termos.
Com efeito, pressuposto lógico indispensável do pedido de divisão de coisa comum é que exista uma situação de compropriedade, de indivisão.
A acção - o meio escolhido pelos requerentes - é, justamente, um dos meios de pôr fim a essa indivisão.
O outro meio será a divisão amigável, mas esta está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa, dependendo assim da celebração de escritura pública - arts. 875º e 219º do CC.
Poderá, como se disse, ser criada uma situação de divisão de facto do prédio, em que as fracções ficam consolidadas em propriedade individual ou singular, por usucapião.
Ora, no caso, os recorrentes invocaram a divisão de facto do prédio, efectuada em data desconhecida, posterior a 1980.
Afigura-se que esta alegada divisão de facto apenas reflecte a divisibilidade do prédio, não assumindo outro relevo.
Trata-se, na verdade, de uma mera situação de facto, na medida em que traduz apenas uma repartição consensual do gozo do prédio sem qualquer significado jurídico [Neste sentido, o Ac. do STJ de 12.12.89, BMJ 392-458 e o Ac. da Rel. do Porto de 16.2.94, CJ XIX, 1, 39], visto que a divisão amigável só teria validade legal se fosse efectuada por escritura pública.
Essa divisão de facto apenas conduziria a uma situação de direito, ou seja, à cessação ou extinção da compropriedade, juridicamente eficaz, pelo decurso do prazo de usucapião, desde que tivesse havido posse efectiva da cada parcela e essa posse se revestisse dos requisitos legais exigidos.
Os requerentes não invocaram, todavia, os factos necessários ao reconhecimento de que cada um adquiriu a propriedade exclusiva sobre a fracção que lhe foi atribuída, por usucapião; nem esta via, aliás, lhes interessaria aqui, uma vez que nesse caso poriam em causa o próprio recurso a esta acção. A divisão estaria já consumada; não existira uma situação de compropriedade.
Em suma, existe uma situação de compropriedade, de indivisão do prédio.
A alegada "divisão jurídica", traduzida na distinta inscrição matricial de cada parcela de terreno que compõe o prédio, não assume qualquer relevância para este efeito; a inclusão na matriz não acarreta nenhuma presunção de natureza civil, tendo significado meramente fiscal [Neste sentido, o Ac. da Relação do Porto de 2.4.81, CJ VI, 2, 103; cfr. também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo II, 123].
Como afirma o Prof. Antunes Varela, deve, segundo um critério económico jurídico, ser considerado um único prédio rústico todo o conjunto de pedaços de terra contíguos, que a mesma pessoa tenha adquirido de alienantes diferentes, a partir do momento em que se opera a junção deles no mesmo domínio e na mesma unidade de exploração agrícola ou agro-industrial [(RLJ 115-221; no mesmo sentido, Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, 110), (Mesmo a adoptar-se entendimento diferente - prédios independentes em função da diferente inscrição matricial - tal não se reflectiria na decisão, como se verá adiante ao aludir-se aos elementos do conceito de loteamento)].
Está em causa, pois, um único prédio, como, aliás, os requerentes o identificam na petição inicial; assim está descrito também no registo predial.
Tratando-se de um prédio, a divisão pretendida pelos requerentes traduzir-se-á, necessariamente, no seu fraccionamento.
Embora cada uma das parcelas tenha área inferior à unidade de cultura (mesmo a área global é inferior a esta - cfr. Portaria nº 202/70, de 21/4), esse fraccionamento não será proibido, nos termos do art. 1377º a) do CC, visto que se destina a construção, fim diferente da cultura.
Envolve todavia, necessariamente, uma operação de loteamento.
Com efeito, entende-se por operação de loteamento todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana - art. 3º a) do DL 448/91, de 29/11.
São assim elementos constitutivos do conceito de loteamento [Cfr. F. Alves Correia, Grandes Linhas da Reforma do Direito do Urbanismo, 79 e segs.; J Osvaldo Gomes, Manual dos Loteamentos Urbanos, 68 e segs; Maria do P. Vaz Ferreira e L. Perestrelo de Oliveira, O Novo Regime dos Loteamentos Urbanos, 8 e segs.]:
- a divisão em lotes - a divisão fundiária, com origem num acto do proprietário ou proprietários do prédio ou prédios e que pode resultar de actos materiais ou de actos jurídicos (podendo estes assumir qualquer modalidade jurídica);
- a divisão de um ou vários prédios - abrange um ou vários prédios contíguos, pertencentes ao mesmo proprietário ou à mesma indivisão, bordejados por vias públicas ou por parcelas pertencentes a terceiros e que constituem, por esse facto, uma unidade autónoma, independentemente da circunstância desses prédios contíguos serem objecto de descrições prediais e inscrições matriciais distintas;
- o destino imediato ou subsequente a construção urbana pelo menos de um dos lotes.
Perante estes elementos constitutivos, verificados claramente no caso, não sofre qualquer dúvida que a divisão pretendida pelos recorrentes integra uma operação de loteamento.
A própria divisão material do prédio em lotes, com a finalidade de construção (concretizada em dois lotes), embora se mantenha a compropriedade, já integra uma operação de loteamento.
Aliás, como é reconhecido sem discrepância, a divisão entre os comproprietários tem de considerar-se sujeita aos comandos dos arts. 1376º e segs. do CC e do DL 448/91, conforme os casos [Cfr. J. Osvaldo Gomes, Ob. Cit., 79].
No caso em apreço e pelo que se expôs, deve observar-se apenas o regime deste diploma.
Terá, pois, de atender-se desde já ao que dispõe o seu art. 53º nº 1, aí se exigindo que em todos os documentos judiciais ou instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a divisão em lotes nos termos da al. a) do art. 3º, deve constar [Sob pena de nulidade - art. 54º nº 3 do mesmo diploma ] o número do respectivo alvará, a data da sua emissão e a certidão do registo predial.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.
III. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos agravantes.
Porto, 21 de Dezembro de 2000
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva Vaz
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo