CONTRATO DE CONTA CORRENTE
Sumário

I - O contrato de conta corrente, previsto no artigo 344 do Código Comercial não se pode confundir com escrituração em forma de conta corrente; nesta, os lançamentos, tanto dos débitos como dos créditos, são feitos em forma de conta corrente, donde resulta sempre um saldo credor ou devedor e naquele, as partes obrigam-se a lançar a débito e a crédito os valores que mutuamente entregam e a exigir o seu pagamento somente com o saldo final resultante da sua liquidação.
II - Embora o contrato de conta corrente não necessite de forma expressa, podendo resultar de mero consenso, dos factos provados haverá que resultar, de forma inequívoca, que a vontade dos contraentes foi no sentido de ser firmado um verdadeiro contrato de conta corrente.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
U..........., L.da, com sede à ....., ......., Matosinhos, deduziu a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a ré C... & P....., L.da., sociedade com sede na Rua ........, ...., Oliveira de Azeméis, alegando que no exercício da sua actividade de produção e comercialização de cervejas e refrigerantes, águas minerais e vinhos, celebrou com esta sociedade cuja actividade é o comércio por grosso de produtos alimentares, nomeadamente bebidas, em 1 de Fevereiro de 1985, um contrato de distribuição do produtos da sua actividade, em consequência do qual esta encomendou e aquela forneceu à autora sucessivas e diversas quantidades de cervejas, refrigerantes e águas.
O pagamento seria efectuado no prazo de 25 dias após o fim da quinzena a que se referisse cada extracto da conta corrente e respectivo aviso de saldo remetidos quinzenalmente à ré e na quantia do saldo devedor patenteado por esse extracto e aviso de saldo, sendo que, devido à falta de pagamento atempado de fornecimentos efectuados, cujo montante ascendia em 02.12.92 a 15 784 691$00, rescindiu o contrato em 11 de Dezembro de 1995, mostrando-se a ré devedora em 15.12.95 da quantia de Esc. 24 645 002$90, e em 18 de Fevereiro de 1997 da quantia de 12 718 158$00, depois de deduzidas subsídios de distribuição, abonos de frete, descontos e a quantia de 5 000 000$00 respeitante ao pagamento de uma garantia bancária. Entende que lhe são devidos Esc. 7 402 741 $00 de juros de mora vencidos a partir de 10.01.93, os quais computa sobre a quantia de 12 718 158$00
Temina pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de Esc. 20 120 900$30.
Contestou a ré impugnando o saldo invocado pela A., a débito da ré em 02.12.92, alegando que as transacções e operações comerciais entre ambas eram escrituradas em forma de conta-corrente, o que fazia variar automaticamente o saldo da mesma em função dos lançamento nesta efectuados, pelo que, aceitando dever o montante de 12.718.158$00, impugna os juros reclamados pela autora desde 10.01.93, sustentando que só em 18.02.97 a dívida se tomou certa, líquida e exigfvel.
Pede que a acção seja julgada improcedente, por não provada, e ainda que a A. seja condenada como litigante de má-fé.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente condenou a ré no capital em divida mas nos juros apenas a partir de 18-2-97 e até pagamento .
Inconformada recorre a autora, recurso que foi recebido como de apelação e efeito suspensivo.
Apresentou a apelante alegações e a apelada contra alegações.
Este tribunal superior manteve a espécie e efeito de recurso.
Colheram-se os vistos legais.
Cumpre decidir.
II - Fundamentos do recurso
São as conclusões formuladas com as alegações de recurso que demarcam e delimitam o seu âmbito - artigos 684° n.º 3 e 690º n.º 1, ambos do C.P.C. -
Deste facto resulta a relevância e importância da sua transcrição que, no caso concreto, foram do seguinte teor:
1° - O contrato de conta corrente pressupõe que os dois contraentes estipularam lançar a débito e a crédito os valores que foram entregando mutuamente e se obrigaram a exigir somente o saldo final.
2° - Para existir um contrato de conta corrente, não basta que haja uma escrituração em forma de conta corrente, sendo necessário e requisito imprescindível que a vontade conjunta seja inequivocamente a de converterem, ambos, em artigos de "deve" e "há-de haver" as entregas que reciprocamente fizeram, por forma a que só o saldo final seja exigível.
3° - Dos factos dados como provados, resulta inequívoco que as partes não celebraram, nem pretenderam celebrar, um contrato de conta corrente, contrariamente ao sustentado na douta sentença.
4° - Do facto constante no artigo 1º da B.I., dado como provado, decorre que as partes não quiseram que só o saldo final da liquidação fosse exigível, pelo contrário, estabeleceram inequivocamente que os fornecimentos dos produtos e vasilhame efectuados pela Recorrente à Recorrida teriam que ser pagos 25 dias após o final da quinzena a que respeitavam, ou seja, venciam-se e eram exigíveis decorridos esses 25 dias.
5° - Aliás, se a Recorrente só pudesse exigir o pagamento dos fornecimentos efectuados à Recorrida após cessação do contrato de distribuição, como se sustenta na douta sentença, não faria qualquer sentido que a Recorrente tivesse exigido por diversas vezes o pagamento do saldo devedor à Recorrida e que o contrato fosse resolvido com justa causa precisamente pelo não pagamento do saldo devedor, como se encontra provado-
6° - A partir de 4 de Dezembro de 1992, os pagamentos efectuados pela Recorrida destinavam-se a pagar os fornecimentos efectuados desde então, uma vez que conforme se encontra provado, a Recorrida tinha que os liquidar a pronto.
7° - Assim sendo, resulta manifesto que o saldo devedor da Ré" ora Recorrida, naquela data de 4 de Dezembro de 1992, venceu-se, pelo menos, em 10 de Janeiro de 1993, decorridos 25 dias do final da última quinzena em causa.
8° - Conforme resulta dos restantes factos como provados, o saldo devedor acabou por reduzir-se dos referidos 15.874.691$90 para 12.718.158$50, em virtude da Recorrente ter creditado à Recorrida determinadas quantias posteriormente àquela data.
9° - A quantia peticionada pela Recorrente e em que a Recorrida foi condenada encontrava-se, assim, totalmente vencida desde 10 de Janeiro de 1993.
10° - Deste modo e uma vez que a Recorrida, de acordo com o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 805° do Código Civil, se encontrava em mora desde então, deveria ter sido condenada no pagamento de juros desde a referida data, ou seja, 10 de janeiro de 1993 e não apenas a partir de 18 de Fevereiro do 1997.
11º - Ao condenar a Recorrida a pagar juros apenas desde 18.02.97 e não desde 10.02.93, o Meritissimo Juiz aquo violou, pelo menos, as seguintes disposições legais:
- Artigo 344º do Código Comercial;
- Artigos 804º, nº 2, 805º, n° 2, alínea a), e 806º, nº1, do Código Civil ;
- Artigo 659°, nº3, do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o presente recurso de apelaqlo merecer integral provimento, revogando-se parcialmonte a douta sentença e condenando-se a recorrida a pagar à recorrente juros desde 10 de janeiro de 1993 e não apenas 18.02.97.
Posição diferente manifesta, obviamente, a parte contrária para quem a decisão deve ser mantida.
III - Factos Provados.
O tribunal, após a audição de julgamento e tendo como fundo a matéria considerada assente no saneador e na base instrutória, considerou provada a seguinte matéria factua1:
a) - A A. e uma sociedade comercial que se dedica à actividade de produção e comercialização de cervejas e refrigerantes, bem como à comercialização de águas minerais e vinhos;
b) - A ré é uma sociedade comercial que exerce o comércio de compra e venda por grosso de diversas mercadorias, designadamente produtos alimentares e bebidas;
c)- No exercício das respectivas actividades, a A. e a R. celebraram, em 01 de Fevereiro de 1985, um contrato de distribuição { cujo clausulado, constante do documento de fls. 5 a 10. se dá aqui por integralmente reproduzido), mediante o qual a autora passou a fornecer à ré os produtos que comercializa, a fim de esta os distribuir na área acordada entre ambas do Concelho de Oliveira de Azeméis;
d) - Ficou convencionado entre a A. e a R., sendo essas, aliás, as condições de venda consignadas nas tabelas em vigor para todos os distribuidores da A., que o pagamento dos fornecimentos deveria ser efectuado no prazo de 25 dias após o fim da quinzena a que se referisse cada extracto da conta-corrente e respectivo aviso e saldo remetidos quinzenalmente à R. e na quantia do saldo devedor patenteado por esse extracto e aviso de saldo;
e )- Ao abrigo do aludido contrato de distribuição, a R. encomendou à A. e esta, em execução dessas encomendas, forneceu àquela sucessivas e diversas quantidades de cervejas, refrigerantes e águas, designados abreviadamente por Produtos, e os respectivos vasilhames (grades, garrafas, barris, tanquetas, tubos e paletes);
f) - Todos os produtos e vasilhames foram entregues pela A. à R. nos armazéns daquela sitos no seu estabelecimento industrial de ......., Matosinhos, e facturados à R. pelos preços acordados e pactuados com a R. e, ademais, constantes das tabelas de preços da A. em vigor à data dos fornecimentos;
g) - As transacções e operações comerciais entre a A. e Ré ficaram escrituradas em forma de conta corrente;
h)- Em virtude de a R. não ter liquidado os valores em dívida referentes às 1ª e 2ª quinzenas de Outubro de 1992 no prazo previsto no quesito antecedente, a partir de 04 de Dezembro de 1992 os fornecimentos da A. à R. passaram a ficar condicionados pelo regime de pronto pagamento;
i)- A R. não pagou os fornecimentos da A. efectivados na 1ª e 2ª quinzenas de Novembro de 1992, bem como, a factura n.º 64947 de 02/12/92.
j) - De tal forma que, em 02/12/92, a conta-corrente da R. apresentava um saldo devedor de 15.784.691$90, conforme extractos quinzenais de Outubro, Novembro e da 1ª quinzena de Dezembro de 1992, remetidos à R. nos termos referido na alínea d) supra, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
k) - O aludido saldo devedor de 15.784.691$90, respeita, por um lado, aos fornecimento de produtos e vasilhames, efectivados entre 01/10/92 e 02/12/92, produtos e vasilhames discriminados nas facturas n.ºs 55513, 56252, 56589, 56606, 57048, 57048, 57363, 57553, 58152, 58426, 58469, 59010, 59207, 59418, 1264, 60058, 60254, 60703, 61342, 61814, 62257, 1356, 62672, 63265, 63278, 63470, 64358, 64575, 64947, tudo no importe global de 26.909.332$50, conforme documentos juntos a fls. 16 a 46, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
I) - Respeita, ainda, ao débito discriminado na nota de débito n.º 224, no importe de 15.083$10, bem como a várias diferenças de regularização no importe de 179.318$00 verificadas nos pagamentos das facturas anteriores a Outubro de 1992, totalizando este conjunto de débitos a quantia global de 194.401$90;
m) E respeita, por outro lado, aos créditos efectuados 01/10/92 até 02/12/92 na conta- corrente da R. resultantes de:
i - devoluções de vasilhames, discriminados nas notas devolução de vasilhame nos. 45613, 46241, 46531, 46941, 7140, 47209, 47376, 47911, 48146, 48680, 48865, 49061, 49829, 50188, 50774, 51119, 51462, 51818, 51836, 52396, 52589, 53319, 53510 e 53794, no montante global de 10.686.160$00;
ii - abonos de frete e bónus discriminados nas notas de crédito nos 3185, 3358, 3526, 1578, 1630 e 3696, no montante global de 632.882$50;
n) - No período de 08/03/95 a 15/12/95 devido à falta de provisão dos cheques entregues pela R., ficaram também por pagar os fornecimentos de produtos e vasilhames discriminados nas facturas n.ºs 90014470, 90036907, 900400060, 90048394, 90048775, 90091644, 90093413, 90093864, 90101174, 90104616, 90112837, no importe global de 8.860.311$00;
o) - Acrescentando o débito referido na alínea anterior ao saldo devedor em 02/12/92, no importe de 15.784.691$90" resulta um saldo devedor de 24.645.002$90;
p) - Ao saldo devedor de 24.645.002$90 referido, foram deduzidos vários subsídios de Distribuição, Abonos de Frete e outros Descontos, tudo no valor global de 6.926.844$40;
q) -Foi ainda deduzida a quantia de 5.000.000$00 relativa a uma garantia bancária com o n.º 405-7948/91, do Crédito Predial Português S.A.) de que a A. era beneficiária, cujo pagamento se verificou em 28/02/96;
r) - A partir de Dezembro de 1992 alguns pagamentos passaram a ser feitos pela R. através de cheques pós-datados;
s) - Em 11 de Dezembro de 1995 a A. rescindiu o contrato de distribuição acima referido com efeitos imediatos.
t) - A A. solicitou várias e insistentes vezes no sentido de a R. regularizar a situação
faltosa;
u) - Em 04/10/95, a autora exigiu à ré e pela primeira vez por escrito, o pagamento do saldo devedor de Esc.: 32.910.768$50;
v) A Ré deve à A. a quantia de Esc. 12.718.158$501, relativa ao capital. (por manifesto lapso, na alínea h) da matéria de facto assente, escreveu-se 12 178 58$50).
w) - A aqui Ré instaurou uma acção contra a A. conforme o documento junto a fls. 155 e seguintes.
x) - Ao comunicar à ré a resolução do contrato, a autora exigiu-lhe o pagamento do saldo final do extracto de conta corrente no prazo de 30 dias ( doc. de fls. 125);
y) - Através da carta fotocopiada a fls. 175, datada de 13.05.96, a autora comunicou à ré que subsistia um saldo a seu favor de Esc. 12.725.476$00, pedindo o pagamento imediato de Esc. 4.987.453$00, respeitante a cheques devolvidos por falta de provisão, e manifestando o propósito de analisar uma proposta de regularização da quantia remanescente, de Esc. 7. 738.023$00.
IV - O Direito
O tribunal entendeu que entre autora e réu se terá firmado um contrato de conta corrente e daí que os juros devidos o sejam apenas desde o encerramento definitivo dessa conta corrente, por se tomar então a dívida exigível, contando-se desde a sua liquidação, tudo nos termos dos artigos 344° e 348° do C. Comercial.
Para a apelante não se está perante um contrato de conta corrente, por não se haver demonstrada vontade nem factores essenciais que integram esse tipo contratual, mas sim e antes que os fornecimentos dos produtos e vasilhames efectuados pela autora à ré teriam de ser pagos 25 dias após o fmal de quinzena a que respeitavam, para além de várias vezes ter exigido o pagamento do saldo devedor, originando a resolução até do contrato.
Daqui resulta que a questão essencial deste recurso consiste em averiguar, face à matéria dada como provada, que contrato existiu e se fixou entre as partes, ou melhor, se o contrato celebrado entre as partes se pode classificar de contrato de conta corrente, sem esquecer que apenas releva para efeitos de determinação desde quando são devidos juros.
Vejamos.
O artigo 344º do C. Comercial define o contrato de conta corrente da seguinte forma:
" Dá-se o contrato de conta corrente todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar seus créditos em artigos de «deve» e «há-de haver» , de sorte que só o saldo final resultante da sua liquidação seja exigível”
Vários tratadistas, desde Cunha Gonçalves em Comentário Código Comercial, 2, pág. 355 e segts, Vaz Serra no BMJ 72, pág. 53 a Alberto dos Reis, Procossos Especiais, 1°, pág. 315, tentam definir e limitar o âmbito deste tipo contratual.
E dos seus ensinamentos, podemos retirar que este contrato tem como bases fundamentais duas características essenciais e podemos até aceitar e assentar que ele pressupõe:
1° - que duas pessoas tenham de entregar valores uma à outra;
2° - que se obriguem a transformar os seus créditos em «deve» e «há-de haver».
3° - que apenas o saldo final resultante da liquidação seja exigível.
Resulta daqui que para se estar na presença de um contrato de conta corrente necessário se torna que resulte da matéria factual que as partes tenham estipulado, ainda que de forma meramente consensual, na medida em que este tipo de contrato não está sujeito a forma específica, lançar a débito e crédito os valores que forem entregando mutuamente, obrigando-se a exigir somente o saldo final.
Tendo só o saldo final individualidade, quando apurado e pago, apenas deste haverá quitação, constituindo este pressuposto mesmo, o seu traço fundamental, na medida em que os juros do saldo correm apenas da data da liquidação - art. 348° & único do C. Comercial-.
Ora, dos elementos constantes dos autos, verificamos a fls. 5 e seguintes que entre a autora e a ré foi firmado um "contrato de distribuição n.º 372/2" que na sua cláusula 7ª n.º 3 determina que " no caso de extinção, por qualquer forma, do presente contrato, a U..... enviará ao Distribuidor o saldo da sua conta corrente, o qual deverá ser regularizado no prazo de 30 dias".
Deste facto e ainda da comunicação da autora na fase pré-contenciosa em que exigiu.
Apenas o pagamento do saldo, excluindo os juros e na interpelação feita no sentido de regularização do saldo final do extracto de conta corrente, conclui o tribunal recorrido que se está perante um verdadeiro contrato de conta corrente.
Ora, embora não sejam despiciendos os argumentos usados, outros factos existem na matéria provada que nos levam a não concordar com a posição tomada pelo tribunal a quo e que teve o apoio expresso da apelada, mas antes com os argumentos da apelante.
Desde logo, a cláusula 7ª nº 3 do contrato refere-se apenas para a situação de "caso de extinção, por qualquer forma, do presente contrato" que nada poderá ter a haver com o pagamento dos produtos durante a pendência e duração desse mesmo contrato, podendo constituir uma previsão localizada no tempo, isto é, apenas para a situação de extinção do contrato.
Depois, não se pode esquecer a matéria factual constante de d), pela qual " ficou convencionado que o pagamento deveria ser efectuado no prazo de 25 dias após o fim da quinzena a que se referisse cada extracto de conta corrente e respectivo aviso e saldo remetidos quinzenalmente à ré e na quantia do saldo devedor patenteado por esse extracto e aviso de saldo"
E da al. h) pela qual;
" em virtude de a ré não ter liquidado os valores em divida referentes às 1ª e 2ª
quinzenas de Outubro de 1992, a partir de 4 de Dezembro os fornecimentos da autora à ré passaram a ficar condicionados pelo regime de pronto pagamento " .
E ainda das alíneas i) e j) pelas quais se verifica que a ré não paga os fornecimentos de 1ª e 2ª quinzena de Novembro de 1992, nem da factura n.º 64947 de 2-12-92, apresentando um saldo devedor de Esc. 15784 691$90, conforme extractos quinzenais de Outubro, Novembro e da 1ª quinzena de Dezembro de 1992.
Relevante para todo este entendimento, ou seja, que se não está perante um contrato de conta corrente, mostram-se os factos dados como provados e inseridos em r) e t) donde resulta que a partir de Dezembro de 1992 alguns pagamentos passaram a ser feitos através de cheques pré-datados e que a autora solicitou várias e insistentes vezes a regularização da situação faltosa. Da conjugação de todos estes factos, resulta, desde logo, que não há prova nos autos de que as partes tenham convencionado e estipulado que apenas se pudesse exigir o pagamento dos fornecimentos com a cessação do contrato de distribuição, tendo a autora exigido várias vezes à ré o pagamento do saldo devedor, para além de existir uma resolução desse mesmo contrato por falta de cumprimento atempado dos seus débitos.
Saldo este obtido em 4 de Dezembro de 1992 e que se encontrava vencido desde 10 de Janeiro de 1993, decorridos os 25 dias do final da última quinzena em causa.
Para além de tudo em defesa ainda desta tese, haverá que interpretar a matéria provada de g) donde resulta claro o que efectivamente existia entre as partes:
" as transacções e operações comerciais entre a autora e a ré ficaram escrituradas em forma de conta corrente".
Ora, também deste facto provado não se pode concluir que entre ambas as partes se estabeleceu um verdadeiro contrato de conta corrente, mas antes constitui um fortíssimo argumento de que se está aqui perante uma mera "escrituração em forma de conta corrente".
E como ensina Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª ed., pág. 220;
"Não deve, pois, confundir-se o contrato de conta corrente com o simples processo de escrituração ou forma contabilística vulgarmente apelidado também de conta corrente ( a que ainda se chama « sistema diagráfico de escrita »".
No mesmo sentido se tem pronunciado diversos autores em que anotam a necessidade de se não confundir o contrato de conta corrente com a conta corrente meramente contabilistica [Entre outros, citaremos o Prol. Pires Cardoso, Compêndio de Noções de Direito Comercial: Ac. STJ, de 22-3-60, BMJ, 95, 298; Ac. R.E. de 14-3-96, CJ. 1996, Vol. II, pág. 274], que consiste em efectuar lançamentos, tanto de débitos como de créditos, em forma de conta corrente, da qual resultará um saldo credor ou devedor.
Por tudo isto não temos dúvidas que entre as partes nunca foi convencionado nenhum contrato de conta corrente e que ambas nunca celebraram nem nunca quiseram que entre si vigorasse este tipo de contrato.
Retira-se esta conclusão da posição da autora nestes autos e neste recurso e da ré na acção que intentou contra a aqui autora em que pede uma indemnização de clientela.
De facto e conforme consta da petição junta aos autos a fls. 155 e segts. e na fase em que descreve o tipo de relacionamento existente entre a ela e a aqui ré, começa por classificar o contrato existente entre ambos de "concessão comercial" (4ª), para depois reconhecer ser-lhe devedora de montante na ordem das duas dezenas de milhares de contos (5ª), que entre ambos ficou assente que aquele débito iria ser amortizado, sem fixação de data limite, com os abonos dos fretes e “rappels” (6ª) e quanto aos produtos daí em diante comprados à ré seriam as facturas de cada fornecimento pagas, no fornecimento seguinte, com cheques pré-datados, primeiro a 8 dias e depois a 15 dias(7ª) e tudo se foi normalizando com o débito antigo a ser amortizado, os cheques pré-datados iam tendo provisão assegurada na data prevista e o contrato entre ambas ia sendo, no final de cada ano, sucessivamente renovado.
Ora, não pode a ré ter uma posição quanto ao tipo de contrato que entre ambos vigorou para receber e justificar o pagamento de uma indemnização de clientela e outra posição quando se trata de pagar os juros de um saldo devedor de mercadoria adquirida e não paga.
Isto é, não pode a ré entender nem sustentar, pese embora tratar-se de processos e pedidos diferentes e mesmo em que num é réu e noutro autor que, para receber, o contrato foi de concessão comercial, para pagar, foi de um contrato de conta corrente.
O contrato firmado entre ambos tem que ser o mesmo e a tomada de tal posição expressa nas suas contra alegações bordeja a litigância de má-fé.
Não deverão ser aplicados aos juros o disposto no art. 348 & único do C. Comercial, mas antes o disposto no art. 805° n.º 2 al. a) e 806°, ambos do C. Civil.
Assim, entendemos que se não pode concluir que entre ambas as partes se tenha firmado um contrato de conta corrente, pelo que serão devidos juros desde 10 de Janeiro de 1993 e até pagamento e não como entendeu a sentença recorrida apenas desde 18 de Fevereiro de 1997.
E como se trata de dívida comercial, serão tidos como comerciais os juros, aplicando--se-lhe a devida taxa - art. 102° & 3° do C. Comercial.
Por fim, podemos retirar deste processo as seguintes conclusões:
- O contrato de conta corrente previsto no art. 344º do C. Comercial não se pode
confundir com escrituração em forma de conta corrente;
- Nesta, os lançamentos, tanto dos débitos como dos créditos, são lançados em forma de conta corrente, donde resulta sempre um saldo credor ou devedor, naquele, as partes obrigam-se a lançar a débito e crédito os valores que mutuamente entregam e a exigir o seu pagamento somente com o saldo final resultante da sua liquidaçdo.
- Embora o contrato de conta corrente não necessita de forma expressa, podendo resultar de mero consenso, da factualidade provada haverá que resultar, de forma inequívoca, que a vontade dos contraentes foi no sentido de ser firmado um verdadeiro contrato de conta corrente.
V – Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença apenas na parte da condenação em juros, que deverão ser a partir de 10 de Janeiro de 1993 e até integral pagamento, à taxa legal fixada para os actos comerciais - art. 102° do C. Comercial.
Custas pela ré.
Porto, 15 de Janeiro de 2001
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues