PENHORA
USUFRUTO
Sumário

À penhora do direito de usufruto de imóveis aplicam-se as regras da penhora de imóveis e, consequentemente, a mesma deve fazer-se por termo no processo, com nomeação de depositário.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1- RELATÓRIO
Na execução ordinária que Adelino ......., com os sinais dos autos, intentou contra Tomás ........., identificado nos autos, para deste obter o pagamento de Esc.19.024.818$00, veio o exequente insistir, além do mais, pela penhora do usufruto de imóveis situados na área da comarca de V.N. de Gaia.
Entendendo que tal penhora já havia sido efectuada e não há lugar à emissão de notificação de termo de penhora, porquanto tal penhora não é efectuada por termo, o julgador a quo indeferiu o requerido pelo exequente.
Inconformado, o exequente agravou do mencionado despacho, tendo, nas alegações, concluido:
1ª - Para determinar como deve ser efectuada a penhora do direito de usufruto sobre um imóvel, há que analisar se, pela sua natureza, o objecto do direito poderá ou não ser aprendido.
2ª - Para verificar se o objecto do direito de usufruto pode ou não ser aprendido há que ver se tal apreensão é susceptível de ofender o direito de outrem.
3ª - Os casos dos direitos previstos no artigo 862º do C.P.C., .são nitidamente, casos em que a apreensão do objecto do direito privaria os demais utentes dos bens do uso a que também têm direito.
4ª - Tal, não é, contudo, o caso da penhora do direito de usufruto, na qual o objecto do direito, mais do que poder ser apreendido, deve sê-lo.
5ª - Pelo exposto, a penhora deverá ser feita nos termos do artigo 838° do C.P.C., pelo que deverá ser efectuada mediante termo no processo, com a inerente nomeação de fiel depositário, imprescindível para o recebimento dos rendimentos do imóvel que o usufruto implica.
6ª - Sendo, também, imprescindível lavrar auto do termo de penhora do usufruto dos imóveis em questão para conseguir registar a penhora do usufruto em questão.
NORMAS VIOLADAS:
O despacho recorrido violou o disposto nº 4 do artigo 862º, 863º, 838º e 839ºdo C.P.C. .
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a decisão em referência e consequente condenação em custas, e ordenando-se o prosseguimento dos autos com a emissão do termo de penhora do usufruto dos imóveis em questão.
Não houve resposta às alegações.
O julgador a quo sustentou o seu despacho.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO
-2.1- OS FACTOS ALEGADOS E DESDE JÁ ASSENTES E O DIREITO APLICÁVEL
Considera-se como assente, em termos de matéria de facto e no que releva, o que já se deixou referido.
Entende o agravante que a penhora do usufruto deverá ser efectuada por termo e com nomeação depositário, não por notificação, como decidido na 1ª instância.
Vejamos.
É sabido que a penhora de bens imóveis efectua-se por termo no processo (artº 838°, nº3, do C PC) , a de bens móveis faz-se através de auto (artº 849°, do C PC) e a de direitos realiza-se, por via de regra, mediante notificação de terceiros (artº 856° e segs. do C PC) .
No nº4, do artº 862°, do C PC (penhora de direito a bens indivisos e de quotas de sociedade) , estabelece-se que "o disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à penhora do direito real de habitação periódica e de outros direitos reais cujo objecto não deva ser apreendido, nos termos previstos na subsecção anterior" (penhora de bens móveis) .
Como ensina J. Lebre de Freitas (A Acção Executiva, 2ª ed., p. 200, nota 10) , «a sujeição dos direitos reais menores que acarretam a posse efectiva e exclusiva da coisa às normas reguladoras da penhora de móveis ou imóveis é feita por analogia, visto todos terem de comum o acto de desapossamento do executado, enquanto que os direitos reais menores, que não acarretam a posse, dão lugar a penhora de direitos».
A penhora de direitos tem lugar quando não está em causa o direito de propriedade plena e exclusiva do executado sobre coisa corpórea nem um direito real menor que possa acarretar a posse efectiva e exclusiva de coisa (corpórea) móvel ou imóvel.
O usufruto de imóveis tem objecto susceptível de apropriação?
A noção de usufruto é-nos dada pelo artº 1439°, do CC.
Trata-se de um direito real de (totalidade ou plenitude) gozo, limitado e temporário (J. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 5ª ed., p. 470 e segs., P. Lima-A. Varela, C. Civil Anot., III, notas ao artº 1439°) .
O titular desse direito real pode usar, fruir e administrar a coisa (alheia), como o faria um bom pai família, respeitando o seu destino económico (artº 1446º, do CC).
Ao lado do usufrutuário, há o proprietário da raiz ou nu proprietário.
O usufrutuário tem a posse em nome alheio referida à (nua) propriedade e a posse em nome próprio referida ao usufruto.
Verifica-se, assim, uma sobreposição de posses, cumulando--se a posse do usufrutuário com a posse do proprietário da raiz ( Manuel Rodrigues, A Posse, n° 31, e O. Ascensão, ob. cit., p. 125) .
Quer dizer, no usufruto não há uma posse exclusiva coisa por parte do titular daquele direito real menor, mas só este tem contacto directo com aquela (usar, fruir e administrar) enquanto que o dono da nua propriedade apenas poderá demonstrar o seu contacto directo com o prédio no caso previsto no artº 1471°, do CC, ou seja, se fizer obras ou melhoramentos de que seja susceptível a coisa usufruída e que não diminuam os direitos do usufrutuário.
Porém, a nosso ver, atentas as referidas características do usufruto, e como defende C. Lopes do Rego (Comentários ao C. Processo Civil, p. 574, citando o Prof. Castro Mendes, Acção Executiva, p. 111) o nº4, do citado artº 862°, do CPC, aplica--se à penhora de direitos reais menores cujo objecto não deva ser materialmente apreendido (v. g. a nua propriedade ou a propriedade do solo no âmbito do direito de superfície – artº 1524° e segs. do CC), por tal se revelar manifestamente incompatível com os direitos de quem não é parte na execução. A penhora de direitos é de aplicar à penhora de direitos reais cuja estrutura não abrange a efectiva detenção da coisa pelo executado.
Ora, o usufrutuário, como vimos, é efectivo possuidor da coisa (imóvel), que goza plenamente. O usufruto revela-se como um direito real cujo objecto, ou seja, a própria coisa sobre que incide o direito de usufruto, pode ser apreendida.
Assim, à penhora do direito de usufruto de imóveis terão que aplicar-se, salvo melhor opinião, as regras do penhora de imóveis, e, consequentemente, fazer-se a mesma por termo no processo, o que implica a nomeação de depositário ( arts. 838°, nº3, e 863°, do CPC).
Procedem, deste modo, as conclusões do recurso.
3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juizes deste Tribunal em dar provimento ao recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido, devendo o julgador a quo ordenar a realização da penhora do usufruto dos imóveis nos termos do estatuído no artº 838°, n° 3, do CPC, com a subsequente tramitação processual.
Sem custas – artº 2°, al. o), do CCJ.
Porto, 22 de Janeiro de 2001
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
Maria Amélia Alves Ribeiro