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ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
CONTESTAÇÃO
COMPROPRIEDADE
Sumário
1 - Em ação de divisão de coisa comum, cabe ao autor alegar a compropriedade e indicar as quotas de cada comproprietário, cabendo ao réu contestar a compropriedade, afirmando e demonstrando, ou que a proporção é outra, diversa da indicada na petição inicial, ou que não há compropriedade (porque nunca houve ou porque deixou de haver). 2 – Neste caso, cabe ao juiz decidir, de forma sumária (se tal se revelar possível), ou seguindo os termos do processo comum (se a questão não puder ser decidida sumariamente), se procede a alegação do réu, caso em que o processo finda, sendo a ação julgada improcedente (se se prova que não há compropriedade), ou se o réu decai, caso em que o processo segue para a fase de nomeação de peritos e conferência de interessados.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A… intentou contra J… ação declarativa sob a forma de processo especial para divisão de coisa comum, alegando que autora e réu são comproprietários de um prédio rústico e que, na sequência de divórcio, não se entenderam, na partilha dos bens comuns do casal, quanto à propriedade do imóvel (tendo sido objeto de reclamação na relação de bens apresentada) que, assim, continua a integrar o património comum do extinto casal, não pretendendo a autora permanecer na indivisão. Pediu, também, que se proceda à rectificação da composição do referido prédio.
Contestou o réu excecionando o erro na forma de processo e a ineptidão da petição inicial por incompatibilidade de pedidos. Por impugnação, alegou que a parte maior do prédio foi adquirida por si no estado de solteiro e que apenas adquiriu com a autora, no estado de casados, uma parcela de terreno para rectificação de estremas do seu prédio, pelo que a autora não tem comunhão naquele prédio, nem sequer compropriedade, sendo que a parcela adquirida para retificação de extremas não tem autonomia. Mais alegou que é já a quarta vez que a autora pretende fazer valer um direito seu sobre um prédio que não lhe pertence (reclamação contra a relação de bens no Inventário, remetida para os meios comuns, ação de divisão de coisa comum cuja instância foi declarada extinta, ação especial para partilha adicional, em que o réu foi absolvido face ao caso julgado decorrente da decisão relativa à reclamação da relação de bens e, agora, esta ação)
Respondeu a autora peticionando, sem prescindir do alegado, o aproveitamento dos articulados caso se verifique erro na forma de processo e mantendo que o imóvel foi adquirido na constância do casamento de ambos.
Foi proferido despacho saneador em que se julgou verificada a nulidade de todo o processado por erro na forma de processo, absolvendo-se o réu da instância.
Discordando da decisão, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, que decidiu, pela absolvição do Réu da instância;
II. A Recorrente, intentou a presente acção de divisão de coisa comum, após decurso de processo de Partilha subsequente ao Divórcio em que o bem ora em causa não foi relacionado e após reclamação apresentada pela ora Recorrente, e da falta de entendimento das partes, foi por despacho datado de 31 de Março de 2008 remetido para os meios comuns nos termos do art.º 1350.º n.º do C.P.C., conforme consta de documentos junto aos autos;
III. A ora Recorrente, Requereu ainda Inventário/Partilha de Bens em casos especiais no sentido de ver satisfeito o seu direito de divisão do bem, tendo por sentença datada de 04 de Abril de 2013 remetida a resolução do litigio para os meios comuns, uma vez que e conforme resulta dos autos de Partilha já haviam sido remetidos os interessados para os meios comuns.
IV. Ora, sendo a única forma possível de a ora Recorrente ver satisfeita a sua pretensão, o da divisão de coisa comum, uma vez que o imóvel se encontra em compropriedade, e não se vislumbra outra forma de proceder à sua divisão;
V. Na sentença, proferida, concluiu o Meritíssimo Juiz a quo, que, “...pelo erro na forma de processo…” sem no entanto fundamentar a decisão. Refere o Meritissimo Juiz a quo “Estabelece o art.º 1412.º do Código Civil que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”…Refere ainda que “ Para tanto, prevê-se na lei processual, que o processo próprio para o efeito é o processo especial de divisão de coisa comum…”
VI. Concluindo, “O erro na forma de processo, enquanto nulidade processual, corresponde à indicação de uma forma de processual pelo Autor que não é adequada à pretensão que quer fazer valer em juízo”…., julgando-se verificada a nulidade de todo o processado por erro na forma de processo, e em consequência, absolve-se o Réu da instância.”
V. Não tendo sido obtido entendimento no processo de Inventário, o imóvel objecto do presente litígio encontra-se em comum, sendo o processo próprio para resolução do Litígio a Acção de Divisão de coisa comum, não havendo erro na forma de processo, ao contrário do ora decidido.
VI. De salientar que o Meritíssimo Juiz a quo, em nada se pronuncia, nem tão pouco fundamenta sobre o eventual erro da forma de processo, sendo que vai ainda de encontro ao peticionado pela ora Recorrente, sendo a Acção de Divisão de coisa comum a Acção própria para resolução do litígio.
VII. O Juiz do tribunal a quo fundamenta a sentença tão só no erro sobre a forma de processo alegado pelo ora Requerido, não fundamentando a douta sentença, ignorando os elementos e os documentos existentes nos autos;
VIII. O Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, deve por isso examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes e fundamentar a sua decisão.
IX. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronuncia e quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
X. Razão pela qual estamos perante uma causa de Nulidade de sentença, nos termos do estipulado no art.º 668.º, n.º 1 alínea b), c), d) do Código de Processo Civil.
XI. Não tendo o Meritíssimo Juiz a quo se pronunciado sobre todos os pedidos formulados pela Recorrente, e não tendo especificado os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão que poderiam e deviam prosseguir, sendo que têm fundamento e legitimidade, outra deveria ser a decisão, por ser a forma de processo correcta.
XII. Face ao alegado, e salvo o melhor douto entendimento e com o devido respeito, verifica-se que o Meritíssimo Juiz a quo, ao decidir como decidiu, terá aplicado e interpretado erradamente o alcance das normas jurídicas que definem as regras a aplicar, violando o disposto nos artigos 490.º, 669.º ambos do Código de Processo Civil.
XIII. Assim, e face ao alegado, salvo o melhor douto entendimento e com o devido respeito, verifica-se que o Meritíssimo Juiz a quo, ao decidir como decidiu, terá aplicado e interpretado erradamente o alcance das normas jurídicas que definem as regras a aplicar, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, em virtude de a mesma não ter feito uma interpretação adequada do disposto nos artigo 1412.º n.º 1 do Código Civil e 280.º, artigos 490.º, 669.º b), c) e d), e 1052.º todos do Código de Processo Civil, assim os violando, devendo ser substituído por outra, que determine que os autos prossigam os seus ulteriores termos processuais até final por se tratar da forma de processo ser a adequada.
Contra alegou o réu, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se ocorre erro na forma de processo.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Nos presentes autos de processo especial para divisão de coisa comum, veio a autora peticionar que se declare que se proceda à rectificação da composição do prédio identificado em 1º da petição inicial e que seja efectuada a divisão da totalidade do referido prédio.
Devidamente notificado, o réu apresentou contestação, por excepção invocando o erro na forma do processo por inexistir qualquer direito de compropriedade das partes sobre o prédio identificado em 1º da petição inicial e por impugnação dizendo que o bem foi adquirido por si em solteiro e que a autora apenas adquiriu consigo uma faixa de terreno para rectificação de estremas.
A autora respondeu, admitindo o erro na forma do processo mas requerendo o prosseguimento dos autos.
Devidamente notificado o réu juntou certidão comprovativa do por si alegado.
O Tribunal é competente.
Do erro na forma do processo
Estabelece-se no artigo 1412º do Código Civil, que “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.
A lei, considerando os inconvenientes da indivisão, consagra, expressamente, o direito dos comproprietários modificarem o estatuto real da compropriedade.
Para tanto, prevê-se na lei processual, que o processo próprio para o efeito é o processo especial de divisão de coisa comum cuja regulamentação se encontra prevista nos artigos 925º e seguintes do novo Código de Processo Civil e que corresponde à forma escolhida pela autora no caso concreto.
O erro na forma de processo, enquanto nulidade processual, corresponde à indicação de uma forma processual pelo autor que não é adequada à pretensão que quer fazer valer em juízo.
A propósito das respectivas consequências, dispõe-se no artigo 193º, nº1 do novo Código de Processo Civil que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.”
Todavia, nos termos do nº2 do mesmo preceito legal “[n]ão devem, porém, aproveita-rse os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.”
Refere-se ainda no art. 196º do novo Código de Processo Civil que “[d]as nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar –se sanadas; (…)”
No caso dos presentes autos, a referida nulidade veio, desde logo a ser reclamada pelo réu, tendo a autora na sua resposta admitido a sua verificação mas pugnando, todavia, pela rectificação do processado, aproveitando-se o mesmo e prosseguindo os autos até final.
Vejamos.
Devidamente compulsada a petição inicial verifica-se que a autora indicou como forma do processo a “divisão de coisa comum” e que alegou como causa de pedir a compropriedade do prédio.
Acontece porém que, na sua resposta, veio admitir que, em sede de incidente de reclamação da relação de bens de inventário para partilha na sequência de divórcio que tinha como objecto apurar se o bem era comum, as partes foram remetidas para os meios comuns.
Assim, tendo a forma processual escolhida pela autora a finalidade de por termo à indivisão de coisa comum e verificando-se que, conforme foi admitido, que a compropriedade da coisa ainda não se encontra definida, conclui-se que existe erro na forma processual adoptada.
Considerando que a petição inicial não pode ser aproveitada atenta a causa de pedir indicada – existência de compropriedade – e o pedido formulado – divisão da coisa comum – verifica-se não ser possível que apenas a anulação da distribuição pudesse sanar tal vício.
Acresce que, se entende que a correcção dos actos não comporta a apresentação de nova petição inicial sob pena de subversão das regras do processo civil.
A nulidade detectada por implicar a anulação de todo o processado implica a absolvição do réu da instância nos termos conjugados dos artigos 193º, 577º, b) e 278º, nº1, b) do Código de Processo Civil.
Das custas
Por ter dado causa à acção e ter ficado vencida, a autora suportará as custas respectivas nos termos do art. 527º do Código de Processo Civil.
Decisão:
Pelo exposto, julga-se verificada a nulidade de todo o processado por erro na forma do processo e, em consequência, absolve-se o réu da instância.
Custas a cargo da autora.
Registe e notifique.»
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório supra.
A questão que importa conhecer no presente recurso é a do erro na forma do processo.
Invoca a apelante a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC.
A versão do CPC citada está revogada e não se aplica ao caso dos autos, uma vez que o despacho recorrido é de Dezembro de 2013 e o atual CPC entrou em vigor em Setembro de 2013, aplicando-se às ações pendentes – artigos 5.º, n.º 1 e 7.º do atual CPC.
Contudo, aqueles normativos têm correspondência no atual artigo 615.º (com ligeiras alterações)
Apesar disso, deve dizer-se que a apelante não tem razão.
O despacho recorrido não conhece da questão suscitada pela autora – de divisão de coisa comum – exatamente por entender que não há lugar ao conhecimento dessa questão face ao erro na forma de processo. Do que resulta não existir qualquer omissão de pronúncia.
Por outro lado, a apelante pode não concordar com a decisão proferida, mas a mesma está fundamentada, de facto (explicando a pretensão da autora, a oposição do réu e os factos admitidos por acordo ou provados por documentos) e de direito (através da invocação dos normativos legais que se entendeu aplicáveis ao caso concreto), não existindo qualquer oposição de tais fundamentos com a decisão, que é a conclusão lógica do raciocínio encetado pelo julgador.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença.
Questão diversa é a da discordância relativamente ao mérito.
Vejamos.
Dispõe o artigo 925.º do CPC que “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
No caso dos autos, a autora alega a compropriedade com o réu de um determinado prédio, tendo sido parte dele adquirido durante a constância do matrimónio que os uniu, entretanto dissolvido por divórcio e, na sua totalidade, adquirido por usucapião.
Mais alega que não foi possível proceder à partilha do mesmo na partilha de bens comuns do casal que teve lugar subsequentemente ao divórcio, uma vez que, não tendo sido relacionado pelo cabeça de casal, foi objeto de reclamação, que obteve despacho de remessa para os meios comuns.
Em posterior partilha adicional intentada pela autora, foi negado o conhecimento da questão em virtude de subsistir caso julgado relativamente à referida reclamação de bens na partilha.
Daí que a autora intente a presente ação para pôr termo à indivisão.
Contesta o réu alegando que não há compropriedade.
Ora bem.
De acordo com o disposto no artigo 926.º, n.º 2 do CPC, “Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão” e se “o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, conforme dispõe o n.º 3 do citado artigo.
Ora, precisamente uma das questões que o pedido de divisão pode suscitar, é a da compropriedade.
É que, na ação de divisão de coisa comum, a compropriedade apresenta-se, não como causa de pedir, mas sim como um pressuposto do pedido. Ao autor cabe alegar a situação de compropriedade e indicar as quotas de cada comproprietário, cabendo ao réu contestar a compropriedade e(ou) a indivisibilidade (caso tenha sido alegada), afirmando e demonstrando, ou que a proporção é outra, diversa da indicada na petição inicial, ou que não há compropriedade (porque nunca houve ou porque deixou de haver) – cfr. neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 28/03/2000, in BMJ 495.º-366, referido em Abílio Neto, CPC Anotado e Ac. da mesma Relação de 08/06/1999, BMJ 488.º-415, colhido no mesmo local.
É este, também, o entendimento de Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”, vol II – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 42 e 43 que, especificamente refere que uma das hipóteses de contestação é que algum dos citados conteste a compropriedade, arrogando-se a propriedade exclusiva. Nesse caso “seguem-se os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor, para se decidir essa questão (já vimos que, atualmente, o juiz deve tentar decidir de forma sumária e, só se tal não for possível, é que manda seguir os termos do processo comum) e continua “Procede a alegação do réu? Neste caso o processo finda; a ação é julgada improcedente e o autor condenado nas custas. O réu decai? Nesta hipótese os termos posteriores são precisamente os mesmos do caso anterior (nomeação de peritos, etc.)”
Não pode, portanto, concordar-se com a Sra. Juíza de 1.ª instância quando afirma que “tendo a forma processual escolhida pela autora a finalidade de pôr termo à indivisão de coisa comum e verificando-se que, conforme foi admitido, que a compropriedade da coisa ainda não se encontra definida, conclui-se que existe erro na forma processual adoptada”, uma vez que a compropriedade (quando posta em causa) é exatamente uma das questões a averiguar na primeira parte deste tipo de processo.
Motivo pelo qual a apelação terá que proceder, revogando-se a sentença recorrida.
Sumário:
1 - Em ação de divisão de coisa comum, cabe ao autor alegar a compropriedade e indicar as quotas de cada comproprietário, cabendo ao réu contestar a compropriedade, afirmando e demonstrando, ou que a proporção é outra, diversa da indicada na petição inicial, ou que não há compropriedade (porque nunca houve ou porque deixou de haver).
2 – Neste caso, cabe ao juiz decidir, de forma sumária (se tal se revelar possível), ou seguindo os termos do processo comum (se a questão não puder ser decidida sumariamente), se procede a alegação do réu, caso em que o processo finda, sendo a ação julgada improcedente (se se prova que não há compropriedade), ou se o réu decai, caso em que o processo segue para a fase de nomeação de peritos e conferência de interessados.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e ordenando a ulterior tramitação da ação como processo especial de divisão de coisa comum.
Custas pelo apelado.
Guimarães, 29 de abril de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho