MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS
PETIÇÃO IRREGULAR
DESPACHO SANEADOR
EXCEÇÃO PEREMPTÓRIA INOMINADA
Sumário


A manifesta improcedência dos pedidos – inseridos numa petição irregular, mas aferida no despacho saneador, leva à absolvição do réu do pedido.

Texto Integral


O. F. intentou a presente ação contra F. A., pedindo, a final, o seguinte:

A) Declarar-se que tendo o divórcio sido proferido em 24-09-2008 por decisão transitada em julgado, a relação dos bens a partilhar só pode e deve incluir os bens comuns das partes - activo e passivo - que existiam nessa data (24-09-2008) e não operações anteriores ou posteriores;
B) Declarar-se que a quantia de 1.052,61€ (verba 1. Da relação de bens) encontra-se na posse do réu desde 14.1.2008;
C) Declarar-se que a verba 2. da relação de bens terá de ser excluída por não se tratar de um bem comum existente à data do divórcio, nem se encontra na posse da autora;
D) Condenar-se o réu a relacionar os bens imóveis identificados na verba 3 da relação de bens, em espécie ou pelo seu valor à data do divórcio, já que foram vendidos posteriormente ao divórcio, a 13-08- 2009;
E) Deverá declarar-se que a autora não se encontra na posse do montante de 51.500,00€ (verba 3 da relação de bens);
F) Deverá ainda condenar-se o Réu a relacionar os seguintes bens comuns (na sua posse): 2 fios de ouro a que atribui o valor global de 240,00€; 1 relógio a que atribui o valor de 100,00€; Várias pulseiras de ouro, oferecidas por amigos, a que atribui o valor global de 200,00€; 2 alfinetes de ouro a que atribui o valor de 100,00€; Serviço de jantar, de café e de chá da marca SPAL e enxoval de solteira da reclamante a que atribui o valor global de 1.000,00€; 2 colchas, lençol e toalha, tudo em linho, a que atribui o valor de 700,00€; Várias toalhas bordadas à mão no valor de 150,00€; Diversos objectos de adorno e estanho vista alegre e cristal a que atribui o valor de 250,00€;
G) Requer-se ainda que seja relacionada a dívida à Banco A, decorrente do empréstimo contraído pelas partes para compra do imóvel relacionado no ponto 16 de Imóveis da relação de bens, pelo seu montante à data do divórcio, devendo portanto o R. ser condenado a corrigir a verba 1 do passivo;
H) Deverá ser o réu condenado a fundamentar as verbas 2 e 3 do passivo quanto ao tipo, origem e data e às entidades bancárias correspondentes;
I) Deverá ser o réu condenado a reconhecer que o pagamento das verbas 2 e 3 do passivo foi feito pela autora posteriormente ao divórcio;
J) Deverá ser o réu condenado a excluir a verba 4 do passivo da relação de bens pois tal verba não pertence ao universo dos bens comuns a partilhar, apenas poderá ser sujeita a um processo de prestação de contas entre as partes;
K) Termos em que o réu deverá ser condenado a rectificar a relação de bens que apresentou nos termos sobreditos, com todas as consequências legais;
Para o efeito, alegou, em suma, que foi casada com o Réu, tendo esse casamento sido dissolvido por divórcio decretado em 24.9.2008.
Mais alegou que corre termos um processo de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio no Cartório Notarial de Celorico de Basto da Dra. A. F., tendo a Autora apresentado reclamação à relação de bens apresentada nesses autos pelo ora réu (ali cabeça de casal), tendo determinadas questões controvertidas sido remetidas para os meios comuns e nessa sequência intentou a presente ação, terminando com os aludidos pedidos.
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O Réu contestou pugnando pela improcedência da ação.
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Findos os articulados foi então proferida a seguinte decisão:

“…Face ao exposto, julga-se a presente acção contra o Réu F. A. manifestamente improcedente, sendo o mesmo absolvido dos pedidos formulados pela Autora O. F.…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A. interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

I. O teor da decisão final proferida na audiência prévia (com valor de sentença) não se encontra em conformidade com os normativos de Direito aplicáveis in casu e contraria os factos alegados pela autora na sua petição inicial e documentação junta aos autos.
II. Quer o tribunal a quo fazer crer que a apelante, na sua petição inicial, limitou-se a enunciar direitos e a formular pedidos, sem substracto fáctico.
III. Somos forçados a discordar em absoluto da posição do tribunal recorrido, pois a autora/apelante na sua p.i. expôs os factos que servem de fundamento à acção, devidamente alicerçados em prova documental: certidão de assento de casamento; comprovativo de ter intentado a acção de inventário para partilha de bens em consequência do divórcio; relação de bens apresentada pelo réu no processo de inventário; reclamação da autora da relação de bens apresentada pelo réu; despacho da Exma "Sra. Notária AF que determinou a remessa de questões concretas e individualizadas, atenta a sua complexidade, para os meios comuns (decisão que está na origem da presente acção); comprovativo bancário de que o réu procedera ao levantamento da quantia de 1.052,61€ e que ficou na sua posse; escritura notarial datada de 13-08-2009 de venda de bens imóveis; 2 cheques à ordem de cada um dos membros do ex-casal, após liquidação do crédito hipotecário existente, para prova da posse do produto da venda dos bens imóveis.
IV. A Mma Juíza do tribunal recorrido considerou ainda que a autora/apelante não identificou as verbas de que fala na petição inicial, o que é falso, como se demonstrou com a transcrição de alguns artigos da petição inicial nestas alegações de recurso.
V. Com base nos factos contidos na p.i e na contestação seria possível decidir-se a comunhão de determinados bens e daí inferir-se a inclusão, ou não, desses na relação de bens (onde só se relacionam os bens comuns e não os próprios), assim como determinar os montantes recebidos por cada uma das partes pela venda de bens imóveis comuns do casal, constatar a sua aquisição na constância do casamento em regime de comunhão de adquiridos, a sua alienação em data posterior ao divórcio, determinar a localização do produto da venda dos bens e respectiva posse dos bens móveis e imóveis. Note-se que as partes, nos seus articulados, quanto aos bens imóveis em discussão nesta acção, admitem que são bens comuns, nunca puseram em causa a comunhão de tais bens imóveis, aceitando-a explicitamente.
VI. A Mma Juiza a quo considerou que não poderia conhecer dos pedidos por estes serem ininteligíveis, absolvendo por isso o réu dos pedidos formulados pela autora/apelante.
VII. Ora, nos termos do artigo 186.° nº 2 a) do C.PC., quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir tal determina a ineptidão da petição inicial.
VIII. A ineptidão da petição inicial toma nulo todo o processado e impede o conhecimento do mérito, determinando a absolvição da instância e não a absolvição do pedido, ao contrário do que a Mm." Juíza a quo sustentou na sentença proferida.
IX. Todavia, ao contestar, defendendo-se apenas por impugnação, o réu demonstrou interpretar convenientemente os factos alegados na petição inicial, impossibilitando a verificação da ineptidão da p.i por ininteligibilidade ou falta de pedidos, tendo de se considerar tal nulidade, a existir, sanada - art 186.° n." 3 C.P.C.
X. Poderia a Mm." Juíza, com base na matéria de facto da p.i. e da contestação e documentação junta aos autos decidir do mérito da acção no sentido de procedência de todos (ou alguns) dos pedidos formulados pela autora/apelante, ou o prosseguimento dos autos para produção de prova, realização de audiência de julgamento e prolação, a final, de decisão.
XI. Todavia, descortinando qualquer imprecisão ou irregularidade na exposição ou concretização dos factos necessários à procedência da acção, tal seria sempre sanável através de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial - artigo 590.° nº 2 a) e b) do CPC - sendo que, a autora/apelante poderia, querendo, clarificar o pedido ou os pedidos efectuados e ainda requerer a ampliação do pedido- 265.° n." 2 e 3 C.P.C.
XII. A Mm." Juíza a quo limitou-se a não querer decidir a causa em concreto, absolvendo o réu dos pedidos, utilizando para o efeito argumentação consubstanciadora da ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade ou falta do pedido ou causa de pedir.
XIII. O que constitui causa de nulidade do despacho saneador com valor de sentença, nos termos previstos no art. 615.° nº 1 c) do CPC, uma vez que os fundamentos utilizados pelo Tribunal recorrido (desde logo a ineptidão da p.i. por ininteligibilidade ou falta dos pedidos) estão em oposição com a decisão de absolvição dos pedidos (tal excepção, caso se verificasse, o que não se concede, determinaria a absolvição da instância, não sendo possível a decisão de mérito).
XIV. Para além disso, pelo que foi exposto, a sentença será ainda nula por o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar - 615.° nº 1 d) do CPC.
XV. Uma leitura atenta dos artigos da petição inicial da autora que se transcreveram nas presentes alegações, para prova do alegado, bem como da contestação do réu, permite concluir que os factos que a autora/apelante quer fazer derivar o direito em litígio estão suficientemente individualizados na petição, a recorrente articulou factos constitutivos dos direitos invocados, suportados por prova documental não impugnada pelo réu, não existindo qualquer fundamento legal ou factual pra a Mm" Juíza do tribunal a quo ter proferido em audiência prévia decisão de mérito de absolvição do réu do pedido.
XVI. o tribunal a quo entendeu, inclusivamente, não ser possível o convite ao aperfeiçoamento previsto nos artigos 590.° e 591.° do CPC., negando à autora, por esta via a concretização do direito constitucional do acesso à justiça.
XVII. Os pedidos formulados pela autora não são manifestamente improcedentes. Se a Exm." Sra. Notária não decide questões - que individualizou e considerou complexas - no âmbito do processo de inventário para partilha de bens na sequência do divórcio (designadamente pela limitação de meios de prova de que se dispõe no processo de inventário) e remeteu tais questões para os meios comuns - e por isso a autora/apelante intentou a presente acção, para decisão dessas questões, no Tribunal - também a Mm." Juíza não vai decidir tais questões? Quem decidirá então? Ficará a autora/apelante condenada a um impasse perpétuo?
XVIII. A autora/apelante articulou na sua petição inicial factos e não puros conceitos que traduzem a existência de uma causa de pedir e pedidos legítimos.
XIX. Os factos a que se faz referência na petição inicial permitem identificar o núcleo essencial dos factos que constituem a causa do pedir: factos que não podem, pura e simplesmente, ser ignorados pelo tribunal a quo.
XX. Considera, pois, a recorrente que a prolação do despacho saneador sentença não foi consequência de uma correcta análise dos factos que resultam da petição inicial da autora e da contestação do réu, o qual deveria ter convergido para uma solução mais acertada.
XXI. A Mm." Juíza do tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 186.° nº 1, 2 a) e nº 3 do CPC, 196.°, e 278.° nº 1 e 576 nº 2 do CPC.
XXII. A decisão recorrida violou ainda o artigo 590.° nº 2, a) e b), 3, 4, 5 e do CPC, bem como o artigo 265.° 2 e 3, todos do C.P.C.
XXIII. Fez assim uma errada interpretação do artigo 595.° nº 1 b) CPC, pois não poderia proferir uma decisão de mérito, nos termos em que o fez, com a absolvição do réu do pedido.
XXIV. Não convidando ao aperfeiçoamento da petição inicial, a Mm," Juíza a quo apenas poderia proferir decisão de mérito com base nos factos trazidos aos autos pelas partes (na p.i e na contestação) e respectiva documentação, considerar os factos provados e não provados e/ou fixar temas de prova e decidir produzir ulterior prova com o prosseguimento autos para audiência final, finda a qual seria proferida sentença. Como vimos, não existe qualquer excepção peremptória, ou nulidade, que importe a absolvição do réu do pedido. A argumentação utilizada na sentença recorrida, a aceitar-se, determinaria a absolvição da instância.
XXV. A decisão ora recorrida que absolveu o réu do pedido não pode, nem deve, ser sufragada: deverá ser revogada, devendo prosseguir a causa com convite prévio à autora no sentido de suprir concretas irregularidades, insuficiências ou imprecisões na concretização da matéria de facto alegada na p.i.; ou, em alternativa, poderá ser substituída por uma decisão de mérito que julgue totalmente procedente a acção interposta pela autora/apelante, com base nos factos alegados na petição inicial e na contestação do réu, bem como nos documentos juntos aos autos pela autora/apelante e não impugnados pelo réu.
Temos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, com todas as demais consequências legais…”
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O recorrido veio apresentar contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- a de saber se a decisão recorrida é nula;
- se os pedidos formulados são “manifestamente improcedentes”, levando à absolvição do R. do pedido.
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os constantes do relatório deste acórdão e da decisão recorrida.
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Das alegadas nulidades da decisão recorrida.

Invoca a recorrente a nulidade da decisão recorrida, com base no disposto no artº 615º, nº1, c) e d) do CPC, dizendo que “os fundamentos utilizados pelo Tribunal recorrido (desde logo a ineptidão da p.i. por ininteligibilidade ou falta dos pedidos) estão em oposição com a decisão de absolvição dos pedidos (tal excepção, caso se verificasse, o que não se concede, determinaria a absolvição da instância, não sendo possível a decisão de mérito). Para além disso, pelo que foi exposto, a sentença será ainda nula por o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar - 615.° nº 1 d) do CPC”.
Mas sem razão, como é bom de ver, pois não ocorre qualquer nulidade na decisão recorridanem por contradição entre os fundamentos e a decisão – artº 615º, nº1, c) do CPC – nem por omissão de pronúncia – artº 615º nº1, d) do mesmo diploma legal.
O tribunal recorrido, após ter feito uma exposição completa do que é a causa de pedir e o pedido, concluiu pela improcedência do pedido.
Como salienta Amâncio Ferreira in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pags. 49 a 50 “Na alínea c) do nº 1 do artigo 668º, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (…). Registe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.
A doutrina exposta (embora prevista para a redacção do anterior CPC) tem pela aplicação ao caso dos autos, nos quais não se denota qualquer incompatibilidade lógica entre o essencial dos fundamentos expostos e a decisão final proferida.
A questão suscitada pela recorrente terá unicamente a ver com a discussão acerca do mérito da decisão recorrida e não com a existência de qualquer vício de natureza formal que a inquine.
E o mesmo se passa com a alegada falta de conhecimento pelo tribunal recorrido de questões que lhe foram colocadas pelas partes (aqui pela A.).
Desde logo, ao arguir a nulidade de omissão de pronúncia, a recorrente tinha o dever de identificar as questões relativamente às quais existe tal omissão. Cabia-lhe, em sede de conclusões, precisar a exacta matéria de facto em relação à qual, na sua perspectiva, ocorre a omissão de pronúncia, de modo a aí definir o objecto dessa omissão; ou seja, a delimitar o objecto da nulidade, o que não fez.
Ou seja, na conclusão XIV a recorrente refere apenas, muito genericamente que, “Para além disso, pelo que foi exposto, a sentença será ainda nula por o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar - 615.° nº 1 d) do CPC”, não especificando as exatas questões que suscitou ao tribunal e que não foram alvo de apreciação, o que nos leva a concluir, uma vez mais, que do que se trata no presente recurso é de uma inconformidade da recorrente com a decisão da causa, o que contende com o mérito da decisão recorrida e não com a existência de qualquer vício de natureza formal que a inquine – que não se verifica, de resto, uma vez que o tribunal recorrido conheceu de todas as questões de que lhe era lícito conhecer, como veremos seguidamente.

Concluímos assim do exposto que não se verificam as invocadas nulidades da decisão recorrida.
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Da exceção material que levou à absolvição do Réu do pedido:

Fundamenta a recorrente a sua apelação no pressuposto de o tribunal recorrido ter considerado que não foram por ela alegados factos suficientes para sustentar os pedidos formulados.
E por isso diz que expôs na p.i. os factos que servem de fundamento à acção, devidamente alicerçados em prova documental, e que com base nos mesmos, assim como nos da contestação, seria possível decidir-se a comunhão de determinados bens e daí inferir-se a inclusão, ou não, desses bens na relação de bens, assim como determinar os montantes recebidos por cada uma das partes pela venda de bens imóveis comuns do casal; constatar a sua aquisição na constância do casamento em regime de comunhão de adquiridos; a sua alienação em data posterior ao divórcio; e determinar a localização do produto da venda dos bens e respectiva posse dos bens móveis e imóveis.
Ou seja, na sua otica não existiria fundamento legal para o tribunal recorrido ter proferido em audiência prévia decisão de mérito de absolvição do réu do pedido.
E acrescenta que caso o tribunal recorrido descortinasse qualquer imprecisão ou irregularidade na exposição ou concretização dos factos necessários à procedência da acção, poderia formular convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos previstos no artigo 590.° nº 2 a) e b) do CPC, podendo também a apelante, querendo, clarificar o pedido ou os pedidos efectuados e ainda requerer a ampliação do pedido - 265.° nº 2 e 3 C.P.C.
Acresce que, segundo diz, os pedidos por si formulados não são manifestamente improcedentes. Se a Sra. Notária não decide questões - que individualizou e considerou complexas - no âmbito do processo de inventário para partilha de bens na sequência do divórcio (designadamente pela limitação de meios de prova de que se dispõe no processo de inventário), e remeteu tais questões para os meios comuns, a autora/apelante intentou a presente acção para decisão dessas questões no Tribunal.
Aduz finalmente que não existe qualquer excepção peremptória ou nulidade que importe a absolvição do réu do pedido; que a argumentação utilizada na sentença recorrida, a aceitar-se, determinaria apenas a absolvição do Réu da instância.
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Como dissemos, do que se trata na presente acção é do inconformismo da recorrente relativamente à decisão recorrida, que julgou manifestamente improcedentes os pedidos por ela formulados.
Mas sem razão, mais uma vez, como resulta da decisão recorrida, a cujos fundamentos aderimos e cujas partes essenciais ousamos transcrever:
“Deriva da simples leitura do artigo 552.º, 1, d), do Código de Processo Civil (CPC) que, como antecedente lógico da pretensão formulada, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção.
Na verdade, é sabido que, quando o autor propõe uma acção em juízo, não pode limitar-se a enunciar o direito que pretende fazer reconhecer, ou seja, a formular o pedido (…). A causa de pedir deve reunir, entre outras, características de existência, inteligibilidade, facticidade (através da invocação de factos da vida real em vez de puros conceitos), concretização (por contraposição à mera afirmação conclusiva ou carregada de um sentido puramente técnico-jurídico), probidade (assentando em factos verdadeiros) compatibilidade com o pedido, juridicidade e licitude (cfr. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 194/195) (…).
Não sendo inocente a exposição aqui destas considerações, analisemos o caso concreto.
O sentido que se retira do articulado da autora é a inclusão ou exclusão de determinadas verbas na relação de bens que apresentou no processo de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio, a correr termos no Cartório Notarial de Celorico de Basto da Sr,ª Dr.ª A. F. sob o n.º …/14 Celorico, verbas essas que não descreve, remetendo para a relação de bens que apresentou naquele processo.
Atentos os pedidos formulados e a causa de pedir invocada entende-se que existe uma excepção de direito material que cumpre conhecer e que se prende com o facto da presente acção não poder proceder, limitados que estamos ao requerido pela Autora, e isto independentemente da contestação do Réu.
Com efeito, os pedidos efetuados pela Autora não podem ser conhecidos pelo Tribunal nos termos em que estão formulados. Na verdade, a Autora, instaurou a presente ação de processo comum tendo formulado a sua petição inicial como se um incidente à reclamação à relação de bens apresentada em processo de inventário se tratasse, quando estamos perante uma ação autónoma e própria, ainda que possa influir posteriormente naquele processo de inventário.
Conforme alegado pela Autora e aceite pelo Réu a Exma. Sr.ª Dra. Notária do Cartório Notarial de Celorico de Basto no âmbito do processo de inventário que ali corre termos para partilha de bens em consequência de divórcio sob o n.º …/14 Celorico, remeteu as partes para os meios comuns relativamente a várias questões que se encontravam controvertidas e enunciadas no artigo 9.º da petição inicial (…).
Ora, pese embora a Sr. Dr.ª Notária ter descrito as questões controvertidas o certo é que ao remeter as partes para os meios comuns estas deverão intentar uma ação cível autónoma e própria de modo a dirimir tais questões. Assim era já no domínio do Código de Processo Civil anterior e também assim escrevia Lopes Cardoso na obra citada (pag. 549), onde consignava que “remetidos os interessados para os meios ordinários, tem de atender-se a que lhes fica livre proporem ação ordinária ou sumária, conforme o valor (…)”, o que bem denota a natureza não incidental desta ação relativamente ao inventário.
A presente ação não se configura como um incidente do inventário, tendo completa autonomia, tramitação própria de qualquer demanda comum - neste sentido, Ac. da Rel de Guimarães de 18.2.2016, proc. n.º 59/14.3 T8CBT.G1.
E, aquando da instauração de uma nova ação deverá o autor, nos termos do disposto no artigo 552.º n.º 1 al. d) expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção, não bastando a invocação de um determinado direito subjectivo e a formulação da vontade de obter do Tribunal determinada forma de tutela jurisdicional. Tão importante quanto isso é a alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, a alegação dos factos constitutivos do direito.
Ora, as questões controvertidas elencadas pela Exma Sr. Dr. Notária consubstanciam a declaração da comunhão quanto a determinados bens, na localização também de determinada quantia monetária e de determinados bens, montante recebido pelas partes pela venda de determinados bens comuns do casal e localização dessa quantia.
A Sr.ª Notária ao remeter as questões controvertidas de determinados bens a que se alude na relação de bens apresentada nesse processo de inventário para os meios comuns, não remete para a instauração de qualquer incidente daquele processo de inventário. Com efeito, atenta a remessa para os meios comuns, a pretensão da Autora nos presentes autos não é concretamente a inclusão ou não de determinados bens na relação de bens mas sim saber a natureza dos bens aí aludidos, a comunhão desses bens e a posse dos mesmos, sendo certo que a Autora não pode remeter para a descrição feita nessa relação de bens nos presentes autos uma vez que nestes autos estamos perante uma ação autónoma e não um mero incidente daquele processo de inventário.
Com efeito, da análise dos pedidos efetuados pela Autora verificamos que a mesma alude à inclusão e /ou exclusão de determinadas verbas da relação de bens, não identificando contudo os bens descritos nessas verbas, sendo certo que estamos perante uma ação autónoma e não um apenso ou qualquer incidente do processo de inventário que corre termos do Cartório Notarial de Celorico de Basto. Por outro lado, o Tribunal nunca poderia condenar no relacionamento de determinados bens mas sim a existência ou inexistência de comunhão sobre esses bens, ou seja, se tais bens são bens comuns ou não, sendo o relacionamento dos bens uma consequência lógica dessa declaração de comunhão, sendo certo que para que fosse declarada essa comunhão sempre seria necessário alegar factos de onde resultasse a comunhão, ou seja a aquisição originária e/ou aquisição derivada.
Aliás, a própria Autora formula sob a alínea k) o pedido de retificação da relação de bens apresentada naquele processo de inventário a correr termos no cartório notarial, dando a entender que a presente ação é uma extensão daquele processo de inventário, um incidente do mesmo o que, como referimos, não é o caso.
Na verdade, por um lado, o pedido efetuado sob a alínea a) consubstancia a apreciação de uma questão de direito e não de qualquer facto concreto, sendo essa uma questão de direito a analisar de modo a concluir pela existência – ou não – da comunhão relativamente a determinados bens, ou seja, é a questão de direito a apreciar como antecedente lógico da apreciação da natureza comum de determinados bens, sendo aquele pedido manifestamente improcedente nos termos em que está formulado.
Quanto aos demais pedidos, verifica-se que a Autora pede que seja declarado que o montante de € 1.052,61 está na posse do Réu F. A., e ainda que a verba n.º 2 da relação de bens e verba n.º 4 do passivo relacionado – que não identifica – terão de ser excluídas da relação de bens por não serem bens comuns, pede ainda o relacionamento de determinados bens que se encontravam na casa de morada de família antes do divórcio e o relacionando de um passivo à Banco A e o reconhecimento do réu do pagamento pela autora das verbas n.s 2 e 3 após o divórcio. Simplesmente, compulsado todo o teor da petição inicial não se vislumbra a alegação de quaisquer factos concretos tendentes àquela posse nem factos tendentes à comunhão dos bens cujo relacionamento requer, nem à existência da divida ou do crédito da Autora (…).
Por outro lado, os pedidos efetuados nas alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), atenta a factualidade alegada não podem ser conhecidos nos termos em que estão formulados, sendo certo que a Autora não alega a proveniência do aludido dinheiro, da verba n.º 2 da relação de bens, factos atinentes à comunhão dos mesmos e factos relativos à posse do mesmo por parte do Réu. Com efeito, nos termos do disposto no artº 1404.º do Código Civil as regras da compropriedade são aplicáveis à comunhão de quaisquer direitos, sendo aplicáveis nos presentes autos. Assim, para a declaração da comunhão de determinado bem deverá a Autora alegar factos atinentes a essa comunhão, designadamente a proveniência dos bens.
Por outro lado, não obstante a falta de alegação de factos concretos, o certo é que pese embora a Autora em vários pedidos (alínea c), d), f), g), h), j), e k)) pedir a declaração de inclusão ou exclusão de determinadas verbas da relação de bens, tais pedidos, atento o modo como estão formulados, também são manifestamente improcedentes, uma vez que o Tribunal não poderá declarar a exclusão ou inclusão de determinados bens na relação de bens que foi apresentada num outro processo, mas sim a existência ou não de comunhão sobre os mesmos.
O mesmo se diga quanto aos pedidos efetuados sob a alínea b) e e) onde a Autora não alega quaisquer factos tendentes à posse desses bens, não aludindo à proveniência do aludido dinheiro remetendo para a relação de bens apresentada naqueloutro processo.
Aliás, a título de exemplo, sempre de diga que, pela maneira como a Autora formula o pedido na alínea c) muitas questões se poderiam colocar. Mas essa tal verba nº2 a quem pertence? É um bem próprio da Autora? É um bem próprio do Réu? Ou pertence a terceiros?
Com efeito, nos termos do disposto no artigo1403.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1404.º do mesmo diploma legal, existe propriedade em comum, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 1789.º do Código Civil os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
In casu, embora a autora não alegue os factos concretos que levarão à comunhão - ou não - de determinados bens, o certo é que o deveria ter feito, sendo necessário especificar os factos concretos que levarão a essa comunhão e os factos concretos que levarão à posse de determinado bem. É que a autora também nunca diz claramente os bens a que aludem as verbas da relação de bens para a qual remete ao longo da sua petição inicial, a proveniência dos mesmos para além das quantias a que se refere, não sabendo no entanto o Tribunal a origem e proveniência das mesmas, sendo certo que pela maneira como os pedidos estão formulados é inequívoco que a argumentação produzida pela Autora não poderá conduzir ao efeito que pretende atentos aqueles pedidos.
No que se refere aos pedidos efetuados sob a alinea g), h) i) e j) do petitório, para além de tudo quanto já se deixou ínsito relativamente à impossibilidade do Tribunal determinar o relacionando de determinadas verbas numa relação de bens elaborada no processo de inventário autónomo à presente ação, também cumpre referir que pela maneira como estão formulados tais pedidos, os mesmos são manifestamente inviáveis. Na verdade, o que a Autora parece querer é a declaração de existência de um passivo comum do casal. Ora, para que o Tribunal afira a existência – ou não- de uma dívida, devem ser alegados factos quanto à origem, data e proveniência da mesma e ainda a existência – ou inexistência – de um crédito da Autora sobre o Réu, sendo certo que o relacionamento desse passivo e desse crédito sempre seria uma consequência lógica dessa declaração de existência do passivo e do crédito.
Uma pequena nota para referir que mesmo que o Tribunal convidasse a Autora ao aperfeiçoamento da sua petição inicial e da sua causa de pedir, alegando os factos em falta, o certo é que não há aperfeiçoamento de pedidos, e, como tal, pela maneira como os mesmos estão formulados, sempre levaria à improcedência da ação.
Ora, existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pela Autora (…).
No caso concreto, atentos os pedidos formulados e os seus fundamentos de facto e direito e atento tudo quanto já se disse, verifica-se que os mesmos são manifestamente improcedentes…”.
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Como dissemos, nenhum reparo temos a fazer à decisão recorrida, que se encontra devidamente fundamentada, esclarecendo bem que estamos na presença de uma acção autónoma relativamente ao processo de inventário, na qual as questões a apreciar e a decidir foram devidamente delimitadas pela sra, notária que remeteu as partes para os meios comuns, cabendo à A (que foi quem suscitou as questões no processo de inventário) a invocação de factos materiais concretos – a causa de pedir – dos pedidos formulados, que deveriam ser, não a inclusão de determinados bens na relação de bens, mas a declaração de que determinados bens são próprios ou comuns, em correlação com a materialidade de facto invocada para cada uma das questões colocadas e para cada um dos pedidos formulados.
É claro que relativamente aos factos alegados – que na otica do tribunal recorrido são manifestamente insuficientes para fundamentarem as pretensões da A. –, sempre poderia/deveria ocorrer o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos e ao abrigo do disposto no artº 590º nº2, alínea b) do CPC.
Mas como bem se refere na decisão recorrida, não existe esse dever de convite ao aperfeiçoamento quanto aos pedidos formulados, sob pena de violação do princípio do pedido – um dos princípios estruturantes do CPC - principal manifestação do princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva da causa.
Como já ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil (1976), 372) "o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado" (no mesmo sentido se pronunciou Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª ed., 52 e segs. e Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 121 e segs.).
Compreendem estas afirmações os dois sentidos do aludido princípio: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e - no que respeita ao caso dos autos -, o princípio da (potencial) correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
Aliás, o princípio do pedido tem consagração inequívoca no art. 3º, nº 1, do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes.
E é ao autor que incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la, sendo na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º, nº 1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção"(cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 234, nota (2)).
E é também a esse pedido, assim formulado, que o tribunal fica vinculado na decisão a proferir, pois como dispõe o art. 609º, nº 1, do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Efetivamente, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., 657), constituindo a violação da referida regra – se o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, e), do CPC.
Acresce que ao autor incumbe formular e definir a sua pretensão logo na petição inicial (artº 552º, nº 1, e) do CPC), o que constitui para si um direito mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação – total ou parcial – contra si reverte.
Assim – contrariamente ao defendido pela recorrente -, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio logo na petição inicial – formulando o pedido em conformidade com a causa de pedir -, não pode mais tarde alterar esse pedido, nem sequer, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cfr. art. 265º, nº 2, do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão.
E o tribunal não pode, como é evidente, sem pôr em causa o princípio do pedido, alterá-lo ou supri-lo, oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos (cfr. neste sentido os Acs do STJ de 13.09.2011; de 16.10.2012; e o recente Ac. Uniformizador de Jurisprudência, de 14 de Maio de 2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Como consta do último Ac citado (Ac UJ)“…esta vinculação do tribunal aos termos em que o pedido foi formulado, que caracteriza o princípio do pedido, sendo ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, tem subjacentes também a disponibilidade da relação material e os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes e da auto-responsabilidade destas (…); também tem por escopo essencial a tutela da posição do demandado, permitindo-lhe que se defenda em relação ao conteúdo concreto daquele pedido. Só assim se assegura e cumpre o princípio do contraditório (cfr. art. 3º do CPC) que aquele princípio igualmente visa preservar”.
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Ora, para além da consideração da deficiente alegação dos factos por parte da A., a questão abordada – e decidida - na decisão recorrida foi, essencialmente, a da sua vinculação aos pedidos formulados pela A, concluindo-se, antecipadamente, pela manifesta improcedência dos mesmos, face ao tipo de acção em questão – uma ação autónoma relativamente ao processo de inventário, destinada a apurar e a decidir a titularidade de determinados bens, incluídos ou excluídos da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal – réu na acção – naquele processo.
E bem, em nosso entender, à luz do que acima expusemos sobre o princípio do pedido.
Para assim concluir, começou-se por analisar na decisão recorrida quando é que um pedido se apresenta manifestamente improcedente, afirmando-se que se trata de “um conceito indeterminado, já que a lei não nos dá uma definição expressa do mesmo.
Conceito esse que, todavia, não constitui uma novidade no nosso ordenamento jurídico, já que ele se encontrava também previsto no artº 234º-A, nº 1, do CPC, e agora no artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil ao permitir, como regime de excepção, ao juiz o indeferimento da petição inicial quando “o pedido seja manifestamente improcedente”. E já antes, quer no domínio da versão anterior à reforma do CPC/95 (no artº 474), quer mesmo no CPC de 1939 (no artº 481), nos aparecia conceito equivalente. Mas a par desses diplomas processuais outros existem ainda em que tal conceito se apresenta plasmado: vide, por exemplo, o artº 27º, nº 1 al. a), do actual CIRE, onde se dispõe que “o juiz deve indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente.”
E quando é que se deve considerar um pedido manifestamente improcedente?
Advérbio esse que deriva do adjectivo manifesto, que significa algo que é evidente, que é notório, que é patente ou claro (cfr. Grande Dicionário de Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Vol. II., pág. 11).
E, nessa medida, vinha, a tal propósito, constituindo entendimento dominante que o indeferimento da petição, com tal fundamento, só deveria ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresentasse de forma tão evidente, que tornasse inútil qualquer instrução e discussão posteriores, isto é, que fizesse perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto se (não fosse logo atalhada) da actividade judicial, ou, por outras palavras ainda, quando for evidente ou que a pretensão do autor carece de fundamento. Porém, tal só poderia ser aferido casuisticamente, isto é, só perante cada caso concreto é que se poderia apurar, em função do pedido e dos seus fundamentos de facto e de direito, se a pretensão ou o pedido se apresentavam manifestamente improcedentes. (Vide, por todos, o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 377 e 378”; o Prof. A Varela e outros, in “Manual do Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 259”; o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, pág. 399/400” e Ac. da RE de 24/10/1985, in “CJ, Ano X, T4 – 302”).
Num esforço de maior precisão e delimitação de tal conceito, decorre das palavras de Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª ed., Almedina, pág. 162”) que a manifesta improcedência reconduzir-se-á “aos casos em que a tese propugnada pelo autor não tenha possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a doutrina e a jurisprudência”.
Já, por sua vez, Salvador da Costa (in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., 2005, pág. 95”), afirma que “a pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável porque a lei a não comporta ou porque os factos apurados, face ao direito aplicável, a não justificam”(…).
E concluiu-se - bem, em nosso entender -, que “no caso concreto, atentos os pedidos formulados e os seus fundamentos de facto e direito e atento tudo quanto já se disse, verifica-se que os mesmos são manifestamente improcedentes….”
Estamos, de facto, perante pedidos que se sabe, à partida, que são manifestamente improcedentes, pois nunca poderia o tribunal recorrido decidir - numa acção autónoma como é a presente, relativamente ao processo de inventário -, pela inclusão na relação de bens de determinadas verbas e/ou a exclusão de outras (decisão que apenas caberá à Sra. Notária, que tem a seu cargo a condução do processo de inventário tomar, após o trânsito em julgado da decisão desta acção que decida as questões para que ela decidiu remeteu as partes).
Bem andou o tribunal recorrido em concluir, como concluiu, que os pedidos formulados pela A na acção – acima discriminados – são manifestamente improcedentes, face ao tipo de acção em causa.
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Invoca finalmente a recorrente que a ocorrer a absolvição do R. seria da instância e não do pedido, como foi, sob pena de ficar impedida de discutir noutra acção as questões ora colocadas.
Diz concretamente (na conclusão VIII) que “A ineptidão da petição inicial torna nulo todo o processado e impede o conhecimento do mérito, determinando a absolvição da instância e não a absolvição do pedido…” e (na conclusão XXIII) que se “Fez (…) uma errada interpretação do artigo 595.° nº 1 b) CPC, pois (o tribunal) não poderia proferir uma decisão de mérito, nos termos em que o fez, com a absolvição do réu do pedido”.
Mas também aqui sem razão.
É certo que na decisão recorrida se discorre amiúde sobre as irregularidades da petição inicial, peça processual onde vêm inseridos os pedidos julgados manifestamente improcedentes, fazendo-se também referência ao disposto no artº 590º nº1 do CPC – norma vocacionada para o indeferimento liminar da petição (único, aliás, no código, onde essa questão vem abordada).
Agora, a ser proferido despacho de indeferimento liminar da petição, a consequência seria a de conferir à A a possibilidade de propor nova acção, ao abrigo do disposto no artº 560º do CPC (por remissão expressa do nº1 do artº 590º) – nunca a absolvição do Réu da instância, o qual, nessa fase processual nem sequer existiria nos autos, por falta da sua citação para a acção.
Agora, da conjugação do nº1 daquele preceito com o artº 560º do CPC resulta que se trata, em ambas as situações, de irregularidades da petição inicial, a suscitarem a apreciação daquele articulado, ou em despacho liminar, ou quando haja recusa da petição pela secretaria (artº 558º do CPC) o que não aconteceu no caso dos autos.
Ou seja, nem a secretaria recusou a petição inicial (o que só poderia ocorrer nos casos expressamente previstos no artº 558º do CPC) nem a mesma foi a despacho do juiz - quer por não haver norma legal a impô-lo, nem o juiz o ter determinado -, tendo antes a decisão recorrida sido proferida no despacho saneador, no decurso da audiência prévia, para a qual foram convocadas ambas as partes.
Efetivamente, nos termos do artº 591º nº1 do CPC, a audiência prévia destina-se, além do mais, a proferir despacho saneador, nos termos do artº 595º do CPC, onde se prevê, na alínea b) do nº1, que ele “…destina-se a (…) conhecer imediatamente do mérito da causa (…) ou de alguma exceção peremptória”.
Ora, na decisão recorrida invoca-se a existência de uma exceção peremptória (inominada) de direito material, consistente na manifesta improcedência dos pedidos, à luz do tipo de acção proposta (acção autónoma em relação ao processo de inventário).
Trata-se de uma exceção que vem definida na lei como uma das que “…importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo A.” (artº 576º nº2 do CPC).
Não especifica a lei – contrariamente ao que sucede com algumas exceções dilatórias (no artº 577º do CPC) -, quais sejam as exceções perentórias, referindo-se apenas aos factos alegados, deixando ao julgar a integração dos mesmos no conceito: de impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
E quanto ao regime do seu conhecimento deixou também ao critério do julgador a apreciação, em concreto, dos casos em que o tribunal pode conhecer, oficiosamente, das exceções perentórias, no artº 579º do CPC, dizendo que o tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
Ora, no caso que nos ocupa, o tribunal conheceu de uma questão impeditiva do direito do A, que não está na exclusiva disponibilidade das partes - como o comprova o disposto no artº 590º nº1 do CPC, ao permitir o seu conhecimento no despacho liminar – que apelidou de exceção (inominada) de direito material, consistente na manifesta improcedência dos pedidos, sem se pronunciar quanto ao mérito dos mesmos.
E bem, em nosso entender, pois se apreciou apenas a sua formulação em relação à acção onde se inserem, não chegou a conhecer dos mesmos quanto ao seu mérito, ou seja, quanto à sua procedência ou improcedência – o que sempre permitirá à parte ver discutida noutra acção os pedidos correctamente formulados (não se nos afigurando, salvo melhor entendimento, que o conhecimento desta questão, nos termos em que o foi, possa formar caso julgado noutra acção a propor).
Perante todo o exposto, como se decidiu e bem no tribunal recorrido, trata-se de uma exceção inominada de conhecimento oficioso, que por força do disposto no artº 576º n3 do CPC importa a absolvição (total) do réu do pedido.
Improcedem, assim, na sua totalidade as conclusões de recurso da A.
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Decisão:

Pelo exposto, julga-se improcedente a Apelação e mantém-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pela recorrente.
Notifique

Guimarães, 7.12.2017.

Declaração de voto (Desembargador João Diogo Rodrigues):
“Voto a decisão mas não a fundamentação, designadamente quanto à exceção peremptória inominada, que, a meu ver, não se verifica”

Declaração de voto (Desembargadora Ana Cristina Duarte):
“Voto a decisão mas não a fundamentação, nos mesmos termos da declaração que antecede”


Sumário do acórdão:

A manifesta improcedência dos pedidos – inseridos numa petição irregular, mas aferida no despacho saneador, leva à absolvição do réu do pedido.