CONTRAFACÇÃO DE MOEDA
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

I - Para que se verifique o crime de contrafacção de moeda (sua criação ou fabrico) é necessário, sob o ponto de vista da sua materialidade, que se verifiquem dois requisitos: o fabrico ilícito da moeda suposta e que essa moeda imite ou reproduza a moeda verdadeira, por forma a poder com ela confundir-se na circulação normal.
II - O juízo sobre a confundibilidade deve ter por referência a pessoa que compõe o estrato social menos exigente no qual a moeda contrafeita é posta a circular, e não a pessoa perita na matéria, a pessoa mais atenta, mais desconfiada, mais sagaz.
III - Na questão de saber quando é que se regista a aparência, intervém o juízo valorativo do julgador. Este, tendo perante si a moeda forjada, tem de procurar a juíza se, à base de tal estrato social menos exigente, há ou não possibilidade da moeda forjada passar por boa.
No chamado falso grosseiro, a moeda falsa apresenta uma certa imitação ou aparência da moeda verdadeira, mas essa aparência não consegue iludir a generalidade das pessoas.
IV - Aferir da confundibilidade entre a nota contrafeita e a legítima é pura questão de facto; e aferir da existência de uma imitação incapaz de enganar qualquer pessoa normal (falso grosseiro) é uma conclusão de facto por se tratar de uma actividade reportada a ocorrências da vida material.
V - Tendo-se dado como não provado que a nota dos autos podia facilmente passar por autêntica perante a generalidade das pessoas, nas condições normais de percebimento de dinheiro, tal decisão de facto tem de ser respeitada pelo Tribunal da Relação, salvo se entender que se verifica erro notório na apreciação da prova.
VI - Haveria erro notório na apreciação da prova se acaso aos olhos do comum das pessoas essa nota forjada fosse tida inequivocamente por verdadeira.

Texto Integral

Acordam em audiência na Secção Criminal da Relação do Porto:

Em processo comum, com intervenção do tribunal singular da comarca de ....., foi julgado o arguido Ricardo ....., acusado pelo Ministério Público da prática do crime de contrafacção de moeda, p.p. pelo art. 262.º, n.º 1, em concurso aparente com um crime de passagem de moeda falsa, p.p. pelo art. 265.º, n.º 1 a), ambos do CP82 Rev 95.
A final foi proferida sentença que absolveu o arguido.
É do assim decidido que vem interposto pelo MºPº o presente recurso que, devidamente motivado, apresenta as seguintes conclusões:
A sentença recorrida enferma de vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artº 410º, nº 2 c) do CPP.
O Mmº juiz deu como provados todos os factos constantes da acusação, à excepção de que a impressão obtida pelo arguido tivesse uma semelhança tal com as do Banco de Portugal que pudesse facilmente passar por autêntica mediante a generalidade das pessoas, em condições normais de percebimento do dinheiro”, razão pela qual absolveu o arguido.
Entendeu o Mmº juiz ter o arguido ficado, quanto ao crime de contrafacção, por uma tentativa impossível, dada a violenta falsificação grosseira existente, sendo tal conduta, como tal, não punível.
O falso grosseiro consiste na falsificação que, reunindo embora os demais requisitos legais do tipo, não tem qualquer virtualidade para encontrar crédito junto daqueles a quem é destinado, e portanto não é susceptível de causar prejuízo.
Desta forma, o facto só não será punível se a falsificação for reconhecível (no sentido manifesto) pela generalidade das pessoas normais e razoáveis, dotadas de são entendimento.
O arguido dirigiu-se a um Café com dois amigos, onde entregaram a referida impressão para pagamento de três coca-colas.
A testemunha Maria ....., a quem foi dada a referida impressão como forma de pagamento, numa transacção normal, tomou a impressão como nota, recebeu-a e entregou o troco correspondente.
Ora, o requisito da semelhança esgota-se na exigência de que as peças falsificadas possuam a simples aparência de dinheiro.
A nota em causa é perfeitamente confundível, até na tonalidade, com uma nota verdadeira, embora com algum uso, tal como a generalidade das notas que circulam no tráfego diário, que já se encontram velhas, riscadas, e quantas vezes rasgadas. A nota em apreço é uma fotocópia de uma nota legal.
As características próprias de uma nota legal, e que na nota em apreço não se encontram, são precisamente pormenores aos quais a generalidade das pessoas nas transacções quotidianas não está atenta, nem sequer conhece, pois verificar se uma nota tem a marca de água, o filete de segurança ou a impressão sensível ao brilho só cabe à atenção de uma pessoa determinada cuja função ou especial cautela exija tal cuidado.
A referida impressão apresenta, assim, as características necessárias para ser tomada como nota legal, pela generalidade das pessoas, como efectivamente o foi, dada a sua semelhança com uma nota verdadeira.
Encontram-se preenchidos todos os elementos do crime de contrafacção de moeda, p. e p. nos termos do nº 1 do artº 262º do CP, pelo que o arguido deve ser condenado pela sua prática.
A sentença recorrida violou o disposto no artº 262º, nº 1 do CP.
O arguido respondeu ao recurso, concluindo pela respectiva improcedência.
Nesta Relação emitiu o Exmo Procurador Geral-Adjunto parecer no sentido da procedência do recurso.
Corridos os vistos e efectuada a legal audiência, cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos que o tribunal a quo dá por provados:
1. Em finais de Abril de 1999, na sua residência, o arguido utilizando um computador, um scanner e uma impressora policromática de jacto de tinta, reproduziu uma nota de 5.000$00 do Banco de Portugal, cliché 3, à qual correspondia o número de série .......... .
2. Obteve, dessa forma, a impressão de fls. 37.
3. Visava com tal actuação colocar tal impressão em circulação como se se tratasse de nota autêntica.
4. Na posse desse resultado de impressão, em 2 de Maio de 1999, o arguido mostrou o mesmo ao seus amigos André e Duarte ..... (ambos menores de 16 anos à data dos factos) e combinou com os mesmos que a iriam por em circulação.
5. Pelas 22H45M desse dia, o arguido e os dois menores seus amigos, procurando por alguém menos entendido ou que facilmente seria enganado e encontrando-a, dirigiram-se ao café “.....”, nesta cidade de ..... a fim de procederem ao acto de colocação da impressão em circulação como se de nota se tratasse.
6. Aí chegados o arguido ficou à porta do café e o André e o Duarte ....., para pagamento de 3 coca-colas entregaram a nota a Maria ..... .
7. A referida Maria ..... tomou a impressão como uma nota, recebeu-a e entregou ao André e ao Duarte ..... o troco correspondente.
8. Alguns minutos volvidos, e porque se aproximava a hora do fecho do café, o marido da Maria ..... ao fazer o caixa diário”, quando viu a impressão entregue pelos amigos do arguido, de imediato vislumbrou e alcançou que a mesma não era uma nota do Banco de Portugal.
9. Inquiriu a esposa sobre a proveniência da impressão, esclarecendo a mesma que esta havia sido entregue pelos menores.
10. O marido da referida Maria ..... chamou de imediato agentes da GNR acabando todos por encontrar os menores junto a uma pista de Karting, local onde já haviam gasto parte do troco obtido.
11. Os donos do café "....." já se encontram ressarcidos do montante correspondente a 5.000$00.
12. O arguido de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era contrária ao direito e penalmente punível quis forjar por via de reprodução a supra referida nota do Banco de Portugal e quis lançar a impressão obtida em circulação como tratando-se de nota autêntica, bem sabendo que desse modo colocaria em crise a integridade ou intangibilidade do sistema monetário oficial.
13. Com a sua conduta visou prejudicar a fé pública do papel moeda que alterou por via de cópia e da qual fez uso.
14. O arguido tem 17 anos.
15. Frequenta o 9.º ano de escolaridade.
16. É filho único de um casal socialmente integrado.
17. É um miúdo educado, ainda que rebelde.
18. Denota falta de maturidade e idade física superior à mental.
19. Confessou os factos.
20. Não tem antecedentes criminais.
O tribunal a quo dá como não provado o seguinte:
Que a impressão obtida pelo arguido tivesse uma semelhança tal com as do banco de Portugal que pudesse facilmente passar por autêntica perante a generalidade das pessoas, em condições normais de percebimento do dinheiro.
Perante os mencionados factos, vejamos o mérito do recurso:
Em primeiro lugar cumpre salientar que no presente recurso só será lícito a esta Relação conhecer da matéria de direito, na medida em que, tendo-se prescindido da documentação da prova produzida em audiência, houve renúncia ao recurso em matéria de facto (artº 428º nº 2 do CPP).
Como assim, afigura-se-nos insusceptível de modificação a matéria de facto fixada pela 1ª instância. A nosso ver, fica afastada essa possibilidade de modificação mesmo na hipótese (como é o caso) do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão recorrida na parte objecto do recurso.
Fica porém sempre salva a possibilidade de conhecimento dos vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do mesmo diploma.
E segundo a digna recorrente, verifica-se justamente um desses vícios, qual seja, o erro notório na apreciação da prova.
Este erro traduzir-se-ia no facto do tribunal a quo não ter considerado provado que a impressão de fls 37 (a “nota” contrafeita) seja confundível com uma verdadeira, de modo que podia facilmente circular como verdadeira. Pois que, argumenta a digna recorrente, a dita nota é confundível com uma verdadeira, logo não poderia ter-se julgado como se julgou.
Vejamos:
Para que exista crime de contrafacção de moeda (e por contrafacção entende-se a criação ou fabrico) é necessário, sob o ponto de vista da sua materialidade, que se verifiquem dois requisitos: que se fabrique ilicitamente a moeda suposta e que essa moeda imite ou reproduza a moeda verdadeira, por forma a poder com ela confundir-se na circulação normal.
Portanto, temos que para se aferir da verificação do delito é mister proceder a um juízo factual crítico do espécimen fabricado. Só ele pode revelar se é susceptível de ser confundido ou inconfundido com a moeda legítima.
Aceitamos, como aliás vem defendido no recurso e não deixa de estar sufragado na sentença recorrida, que o juízo sobre a confundibilidade (adequação da moeda falsa em ordem a circular como verdadeira) deve ter por referência, não a pessoa perita na matéria, a pessoa mais atenta, a pessoa mais desconfiada, a pessoa mais sagaz, mas bem a pessoa que compõe o estrato social menos exigente no qual a moeda contrafeita é posta a circular. Efectivamente, basta que exista a possibilidade de uma certa generalidade de pessoas (que não todas, portanto) serem levadas a representar como boa a moeda falsificada, para que se tenha por violado o bem jurídico protegido (a confiança ou fé pública da moeda e a segurança do tráfego monetário).
Questão é saber quando é que se regista uma tal aparência.
Aqui intervém o juízo valorativo do julgador.
Este, tendo perante si a moeda forjada, tem que procurar se, à base do tal estrato social menos exigente, há ou não possibilidade da moeda forjada passar por boa.
Quando se fabrica alguma coisa que não tem forma alguma de moeda, que se lhe não assemelha, um tal juízo é fácil de obter: neste caso é evidente que não se faz moeda falsa, nem há o perigo de que entre na circulação e a vicie.
Nos limites desta realidade está, porém, o chamado falso grosseiro. Nesta hipótese a moeda falsa apresenta uma certa imitação ou aparência da moeda verdadeira, mas essa aparência não consegue iludir a generalidade das pessoas. Neste caso, a viabilidade de circular como legítima é nula. Mas aqui o juízo valorativo já não é tão fácil de obter.
Ora, aferir da confundibilidade entre a nota contrafeita e a legítima, é pura questão de facto. Trata-se de uma actividade que nada tem a ver com o mundo do direito, antes de refere a uma ocorrência da vida material.
Aferir da existência de uma imitação incapaz de enganar qualquer pessoa normal (falso grosseiro) é uma conclusão de facto. Também aqui se trata de uma actividade reportada a ocorrências da vida material.
Para sabermos se a moeda contrafeita tem a aparência de dinheiro verdadeiro temos que recorrer apoditicamente ao espécimen contrafeito, analisá-lo e confrontá-lo perfunctória e mentalmente com a correspondente moeda verdadeira.
Trata-se de uma actividade de facto e não de direito.
O Mmº juiz a quo, conforme decorre da fundamentação da matéria de facto, procedeu a essa actividade e concluiu pela não prova da realidade de a nota contrafeita pelo arguido passar por nota verdadeira. Efectivamente, declarou como não provado que a nota em questão podia facilmente passar por autêntica perante a generalidade das pessoas, nas condições normais de percebimento de dinheiro. Mas não se ficou por aqui: considerou demonstrado até o contrário, isto é, que se tratava afinal de uma falsificação incapaz de enganar a pessoa comum, logo, uma falsificação grosseira.
Ora, a decisão de facto do tribunal a quo tem que ser respeitada, por isso que a esta Relação só está deferido o conhecimento de direito.
Só assim não será se acaso se dever entender que se regista o falado erro notório na apreciação da prova.
Acontece que um tal erro se não verifica.
Erro notório é aquele que é patente, aquele que é detectável pela pessoa comum.
Um tal erro refere-se à conclusão factual a que chega o mesmo julgador (modo como concluiu). Podemos assim dizer basicamente (basicamente, mas não exclusivamente) que há erro notório quando o juiz, independentemente dos meios probatórios com que esgrima, dá como provado um facto cuja realidade é absolutamente negada pelo senso comum, da mesma forma que se verifica um tal erro quando o juiz dá como não provado um facto cuja realidade é do domínio comum. Em qualquer um dos casos há um desvio clamoroso entre aquilo que é factualmente assumido pelo julgador e aquilo que é evidente que devia ter sido assumido. E é em atenção a estes erros crassos que a lei, como último subsídio para uma decisão minimamente coerente e aceitável, determina o conhecimento do vício pelo tribunal ad quem, mesmo quando a este só compita conhecer de direito.
Por outro lado, é de não esquecer que o erro notório tem que emergir do texto da decisão recorrida, não sendo legítimo recorrer a elementos exteriores à mesma, como seja à análise da prova.
Se o tribunal ad quem se tem de embrenhar na tarefa de valorar as provas para aferir do erro de julgamento de facto, então é apodítico que o erro não é notório.
Ora, já dissemos que onde radica, segundo a digna recorrente, o erro notório, é no facto de, contra o decidido, a análise da nota contrafeita demonstrar que a mesma é (era) susceptível de circular facilmente como autêntica perante a generalidade das pessoas. Por decorrência, afastar-se-ia a existência de qualquer falso grosseiro.
Diremos desde já que se nos afigura que o suposto vício em questão (erro notório na apreciação da prova) não transparece do texto da sentença recorrida. Efectivamente, os elementos que aí são vertidos sobre o aspecto da nota forjada não fazem concluir inequivocamente que a decisão sobre a confundibilidade devia ter sido obrigatoriamente outra. Ainda que na decisão recorrida se faça uma descrição do teor da nota forjada, o juízo sobre a existência do erro não dispensa o recurso a um elemento exterior, que é justamente a própria nota forjada.
Isto só por si faz claudicar o bem fundado do recurso.
Mas vamos dar de barato que o pretenso vício é detectável a partir do texto da decisão, na medida em que esta menciona as principais particularidades da nota forjada. Podemos ir até mais longe e considerar que a nota se deve ter por reproduzida no texto da decisão. Visualizemos e manipulemos então a nota forjada.
Ora, a verdade é que assim procedermos, somos levados a dizer que o juízo de facto que a digna recorrente defende é apenas uma das duas conclusões que se podem razoavelmente retirar da análise da nota. Efectivamente, convir-se-à que a nota contrafeita não se apresenta de tal maneira perfeita que permita a conclusão inequívoca de que era susceptível de iludir o comum (generalidade) das pessoas, nem se apresenta de tal maneira defeituosa que permita a conclusão inequívoca de que era insusceptível de iludir o comum (generalidade) das pessoas.
Mas os tribunais não lidam só com realidades incontroversas (inequívocas).
De ordinário, lidam com a dúvida e com realidades esbatidas.
E é aqui que intervém a sensibilidade, experiência e bom senso do julgador.
Em termos processuais isto representa o actuar do princípio da livre apreciação da prova.
Ora, o tribunal a quo, fazendo uso do princípio consignado no artº 127º do CPP, entendeu optar por uma dessas conclusões. E assim, concluiu que a nota era uma imitação insusceptível de enganar a generalidade das pessoas. E fê-lo fundamentadamente.
Não vemos aqui qualquer erro notório, manifesto, inequívoco.
Poderá eventualmente, é certo, ter havido algum erro, isto é, a análise da nota contrafeita devia porventura levar à conclusão para que propende a digna recorrente. Trata-se de uma conclusão fáctica certamente muito defensável e respeitável. Mas este suposto erro do tribunal a quo será então um erro não notório. Não um erro notório na apreciação da prova, isto é, um erro manifesto, um erro que salta à vista de toda a gente.
Em termos conclusivos poderemos então dizer que haveria erro notório na apreciação da prova se acaso aos olhos do comum das pessoas a nota forjada fosse tida inequivocamente por verdadeira. Neste caso o tribunal a quo teria errado rotundamente na apreciação da prova (documental) subjacente: a nota forjada.
Mas não é isto que acontece.
Seria no mínimo temerário e estulto afirmar que acontece um tal erro.
E se acaso se for tentado a duvidar da justeza desta asserção, então recorde-se que a nota em questão começou por ser aceite como verdadeira por uma pessoa (a testemunha Maria .....), mas logo a seguir (minutos depois) foi incapaz de passar por verdadeira em relação a outra pessoa (o marido desta testemunha).
Será que poderia haver melhor demonstração de que a valoração adoptada pelo tribunal recorrido está longe de encerrar qualquer erro clamoroso?
E se assim é, onde reside o erro notório na apreciação da prova?
Podemos portanto assentar nisto: o tribunal a quo pode ter eventualmente incorrido em erro de decisão de facto, na medida em que face à nota contrafeita se pode entender que seria cabido julgar-se que a mesma era susceptível de ser confundida com uma verdadeira pela generalidade das pessoas. Mas se acaso incorreu neste erro de decisão, então só temos de repetir que se trata de erro não notório, logo insindicável por esta Relação, na certeza de que o recurso não versa matéria de facto.
Do que se não trata, e isto é que é decisivo, é de erro evidente, ostensivo. Donde, não pode a Relação, por aplicação do artº 410º nº 2 c) do CPP, censurar a decisão recorrida.
Mas o tribunal recorrido ainda foi mais longe. Considerou, não apenas que não estava demonstrado que houvesse lugar a confusão entre a nota falsificada e a legítima, como ainda que se estava perante uma falsificação tosca (grosseira) de dinheiro verdadeiro.
Para o efeito, alinhou uma série de constatações decorrentes da análise que fez da nota forjada.
E destas decorre efectivamente uma significativa distanciação em relação a uma nota verdadeira.
Saber-se se a nota forjada é uma imitação grosseira, incapaz de iludir o comum das pessoas, é uma conclusão. Mas uma conclusão de facto, ou, pelo menos, um juízo de valor sobre a matéria de facto. Acontece que tais juízos, na medida em que (como é o caso) na sua formulação não apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista ou para a formação especializada do julgador, devem ser tratados como matéria de facto (v. Antunes Varela, RLJ, ano 122, pág 220).
E se se trata de uma conclusão de facto, também o respectivo conhecimento está afastado da nossa apreciação.
E vale quanto a isto o que fica supra dito: não há aqui qualquer erro notório na apreciação da prova. Quando muito, poderá haver erro não notório. Mas este não é sindicável.
Ora, como já se deixou dito, o crime por que o arguido vem acusado só se poderá ter por consumado quando a moeda contrafeita se mostrar susceptível de ser confundida com a moeda legítima.
Não se trata, bem entendido, de um requisito autónomo do tipo em questão. Trata-se é bem de um quid conatural ao conceito de falsificação, por isso que se não há imitação suficientemente conseguida, também não chega a haver falsificação verdadeira.
Não está provada uma tal confundibilidade. Mais do que isto, vem assumido factualmente pelo tribunal a quo que se trata de uma imitação grosseira, isto é, incapaz de iludir o comum das pessoas.
Juridicamente podemos ver nos factos provados ou uma tentativa de falsificação ou uma burla. Trata-se das duas soluções mais sufragadas na doutrina no que tange às consequências da falsificação reputada grosseira.
O tribunal a quo considerou tratar-se de uma tentativa.
Julgamos que decidiu bem.
Mas a tentativa deixa de ser punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente.
Ainda aqui, o tribunal a quo concluiu que o meio empregue pelo arguido era inapto.
De novo estamos perante uma conclusão de facto, cuja bondade está subtraída à apreciação desta Relação. Temos que nos conformar com ela.
Logo, não há razões juridicamente válidas para censurar a decisão recorrida.
O que significa que improcede o recurso.
Decisão:
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, sendo mantida a decisão recorrida.
Sem custas de recurso.
Fixam-se em 13.500$00 os honorários do i. defensor nomeado na audiência nesta relação.
Porto, 28 de Fevereiro de 2001
José Inácio Manso Raínho
Pedro dos Santos Gonçalves Antunes
José Alcides Pires Neves Magalhães
José Casimiro da Fonseca Guimarães