I – O princípio da legalidade impõe que a norma descreva de forma clara, precisa e rigorosa, a conduta ou o facto considerado criminalmente reprovável.
II – O termo «BASTÃO», que consta da norma da al. d) do art. 86 da Lei 5/2006 de 23-2 como objeto de detenção proibida, não tem o significado com que é usado na linguagem comum – objeto que tem a função de “arrimo”, “encosto”, “amparo”, “bengala para apoio”. Tal equivaleria a englobar no conceito um número indeterminado de objetos que, sendo indispensáveis para múltiplas atividades humanas licitas, podem igualmente ser usados como instrumentos de agressão. É o caso de bengalas, varas, cajados, cabos de enxada, bordões dos peregrinos de Santiago, etc..
III – No contexto da redação da norma, tal termo refere-se aos objetos iguais, ou similares, aos «bastões», vulgarmente transportados à cintura pelos membros das forças policiais, para serem usados quando é necessário empregar a força para a manutenção da ordem.
- argui a existência do vício do erro notório na apreciação da prova;
- alega que os factos não integram a prática do crime por que foi condenado;
- questiona a medida da pena aplicada.
Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Suscita-se a questão prévia de saber se o objeto que o arguido transportava no seu carro, deve ser considerada «arma proibida», porque enquadrável em algum dos objetos elencados no art. 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Uma primeira nota: ao contrário do que perpassa da fundamentação da sentença não é elemento do tipo de crime a detenção do objeto ser feita com a específica intenção de ser usado como “arma” de defesa ou agressão. Esse elemento em nenhuma parte é referido no texto da norma. A lei não criminaliza “a detenção de quaisquer objetos que possam ser usados como arma de agressão ou defesa, quando detidos com tal intenção”. Em todo o caso, tal específica intenção de agressão não foi alegada na acusação, pelo que é facto que nunca poderia ser considerado.
Na sentença considerou-se que o objeto em causa é enquadrável no conceito de «BASTÃO», mencionado na al. d) do nº 1 do art. 86 da Lei 5/2006 de 23-2, como objeto de detenção proibida.
Na realidade, aquela norma elenca várias “armas”, a saber:
- arma da classe E,
- arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto,
- faca de abertura automática,
estilete,
- faca de borboleta,
- faca de arremesso,
- estrela de lançar,
- boxers,
- outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse,
-aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º,
armas lançadoras de gases,
- bastão,
- bastão extensível,
- bastão eléctrico,
- armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º,
- quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão,
- silenciador,
- partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado…
Há, pois, que determinar que objetos cabem no conceito de «bastão» desta norma.
A sentença recorrida considerou o significado corrente da palavra. Transcreve-se: “Segundo a definição da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, bastão, é “um pau que se pode trazer na mão como arrimo ou arma de defesa”.
“Arrimo” significa “encosto”, “amparo”.
Similarmente, o Dicionário da Porto Editora, 3ª edição, define «bastão» como “espécie de bengala para apoio ou para servir de arma ofensiva ou defensiva”, “bordão”, “báculo”. Segundo este dicionário «bordão» é um “pau que serve para apoio de quem caminha”, “bastão”, “cajado”.
Considerar o mero significado corrente da palavra, para determinar o alcance do conceito de «bastão» usado na norma da al. d) do art. 86 da Lei 8/2006 de 23-2, violaria o princípio da legalidade. “A legalidade dos ilícitos é conseguida através da técnica a tipicidade, que consiste em descrever, de forma clara, precisa e rigorosa, a conduta ou o facto considerados criminalmente reprováveis. Esta descrição é aquilo que constitui o que se chama “tipo” e assim aquela conduta ou aquele facto são chamados “conduta típica” ou “facto típico” – Teresa Beleza, Direito Penal, 2ª ed., Volume I, pag. 73, citado por António Beça Pereira, em anotação ao art. 2 do RGCO, Almedina, 1997 (sublinhado do relator).
Fazer coincidir o conceito usado na norma com o significado que o termo tem na linguagem comum, equivaleria a englobar no conceito um número indeterminado de objetos que, sendo indispensáveis para múltiplas atividades humanas licitas, podem igualmente ser usados como instrumentos de agressão. É o caso de bengalas, varas, cajados, cabos de enxada, bordões dos peregrinos de Santiago, etc. etc..
Isso teria como consequência deixar à decisão subjetiva e arbitrária de cada aplicador da lei, o juízo, em cada caso concreto, sobre se determinado objeto deve ser considerado «bastão», para o efeito da lei penal, ou apenas um instrumento de uso comum, o que afrontaria o princípio da legalidade. “O critério decisivo para aferir do respeito pelo princípio da legalidade (…) residirá sempre em saber se (…) do conjunto da regulamentação típica deriva ou não uma área e um fim de proteção da norma claramente determinados” – Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, ed. 2004, pag. 174.
(Ainda assim, considerando o sentido vulgar da palavra, só muito dificilmente se poderá considerar que um objeto de madeira com 63 cm de comprimento é um «bastão». Tendo o «bastão», como se referiu, a função de “arrimo”, “encosto”, “amparo”, “bengala para apoio”, um objeto tão curto apenas poderá ter tal utilidade para pessoas de estatura muito inferior ao normal)
Quais, então, os objetos enquadráveis no conceito usado na norma? São os objetos iguais, ou similares, aos «bastões», vulgarmente transportados à cintura pelos membros das forças policiais, para serem usados quando é necessário o uso da força para a manutenção da ordem.
A colocação da palavra no contexto da redação da norma aponta neste sentido. O termo «bastão» foi colocado junto de «bastão extensível» e de «bastão elétrico», todos instrumentos detidos pelas forças policiais com o único fim de serem usados quando é necessário empregar a força. São objetos a que o legislador não reconhece outra utilidade socialmente admissível, tendo vedado aos particulares a sua detenção, criminalizando a conduta.
Ora, o objeto detido pelo arguido não tem tais características. Pode, naturalmente, ser usado para perpetrar uma agressão, como qualquer pau de idênticas dimensões e dureza, mas pode, igualmente, ser um instrumento indispensável em brincadeiras de crianças – instrumentos em tudo similares ao em causa neste processo são vendidos em lojas especializadas em brinquedos de crianças, como “tacos” de basebol, integrados em “conjuntos de basebol”, juntamente com bolas e luvas próprias para a prática deste desporto.
Por isso, atentas as características objetivas do instrumento, igualmente não poderia ser formulado o juízo de que se trata de “engenho ou instrumento construído exclusivamente com o fim de ser utilizado como arma de agressão”, conforme se prevê noutro segmento da norma da al. d) do nº 1 do art. 86 da Lei 5/2006 de 23-2. Aliás, nunca foi defendido este enquadramento por qualquer dos sujeitos processuais.
Deve, pois, o arguido ser absolvido.
DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães absolvem o arguido Joaquim M....
Sem custas.