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EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
CUMULAÇÃO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Sumário
I - Não constitui obstáculo à cumulação sucessiva, prevista no artigo 53 n.1 alínea c) do Código de Processo Civil, a circunstância de se ter iniciado uma execução sob a forma de processo ordinário a que se aplica o disposto no Decreto-Lei n.274/97 de 8 de Outubro e se pretender cumular, com esta, execução que segue forma de processo ordinário. II - O tribunal deve aplicar o princípio da adequação formal, previsto no artigo 256-A do Código de Processo Civil, quando a forma de processo aplicável difere apenas pelo valor da respectiva execução.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Relatório
B....., S.A., com sede no Lugar do....., freguesia de....., ....., intentou execução ordinária para pagamento de quantia certa, segundo os termos do processo sumário, contra António....., residente no lugar de....., freguesia de....., ....., requerendo a penhora do direito de acção à herança e posterior citação, tudo nos termos do art. 926º do C.P.C., com a redacção do art. 1 do D.L. n.º 274/97 e com o fundamento de ser dona e legítima portadora de um cheque sacado pelo executado no valor de 350 000$00 que apresentado a desconto foi devolvido com a menção de "falta de provisão".
Foi efectuada a penhora requerida e citado o executado e suspensa entretanto a instância por acordo no pagamento voluntário do montante em dívida, que se efectivou.
Requereu então a exequente a cumulação sucessiva de execuções por ser ainda portador de mais dois cheques no montante de Esc. 552 000$00 cada um, totalizando Esc. 1 104 000$00 e igualmente assinados pelo executado, que se destinavam também quanto o primeiro a amortizar o débito por fornecimento de mercadorias e que com juros de mora totalizavam Esc. 1 409 610$00.
Sobre este requerimento recai despacho que indefere a requerida cumulação.
Não satisfeito recorre a exequente, recurso que é admitido como de agravo e efeito suspensivo, espécie e efeito mantidos neste tribunal superior.
Apresentou apenas a agravante alegações e o tribunal recorrido manteve o despacho agravado.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
II - Fundamentos do recurso
É sabido que o âmbito dos respectivos recursos estão balizados pelas conclusões formuladas nas alegações - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C. -.
Desta circunstância resulta a importância das transcrição dessas mesmas conclusões que, no caso, foram do seguinte teor:
1º - Dispõe a alínea c) do n° 1 do art. 53° do C. P. Civil que não será permitido ao credor cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor quando a “alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quando às outras, sem prejuízo do disposto nos n.°s. 2 e 3 do art. 31°” (sic), o que o tribunal recorrido parece ter esquecido;
2º - Ora, se atentarmos na citada excepção dos números 2 e 3 do citado art. 31°, necessariamente concluiremos que, perante formas de processo diversas, e com a excepção de existirem tramitações manifestamente incompatíveis, o que seguramente não é o caso, pode o juiz autorizar a cumulação;
3º - De resto, assim ensina o Prof. Lebre de Freitas na citada obra, porquanto, «no domínio da forma do processo (art.s 465° e 466°), a cumulação não é impedida quando à execução de um título corresponda a forma de processo ordinário e à de outro a forma de processo sumário, mas como se vê no n° 3 (do art. 53°), esta deixa, nesse caso, de poder ter lugar..." (sic);
4º - No caso em apreço, interessa desde logo ponderar se deverão aqui prevalecer os princípios da celeridade e simplificação processual, que constituem a ratio do decreto-lei n° 274/97 de 8 de outubro, o que não nos parece ser o caso:
5 - Ou se, pelo contrário, e como nos parece ser a solução mais acertada, deverão prevalecer os princípios da adequação formal e da economia processual que bem escalpeliza o citado autor na referida obra em anotação às norma da cumulação de execuções;
6º - O princípio da adequação formal, expressamente previsto no art. 265°-a do C. P. Civil, constitui um dos princípios basilares da nossa mais recente reforma processual, e consiste num poder-dever do tribunal;
7º- In casu, deveria o tribunal recorrido adaptar a tramitação processual posterior à apresentação daquele requerimento de cumulação de execuções, ordenando que a mesma seguisse tão somente os termos do processo ordinário;
8º- Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido violou, entre outras, as normas dos art.s. 54°, 53° n° 1 c), 31° n.°s 2 e 3 e 265°-A, todos do Código de Processo Civil, bem como a ratio de tais preceitos melhor descrita no preâmbulo do Dec-Lei n° 329-A/95 de 29 de dezembro;
9º- Sem prescindir de tudo quanto se deixou dito, sempre se dirá que no requerimento de cumulação de execuções desistiu a recorrente de peticionar o valor inicialmente reclamado, em virtude do respectivo pagamento voluntário por banda do executado;
10º - Reclamando então e tão somente, pela via executiva, o pagamento de dois cheques, no montante de Esc. 706.620$00 (setecentos e seis mil e seiscentos e vinte escudos) e de esc.. 702.990$00 (setecentos e dois mil e novecentos e noventa escudos), respectivamente;
11º- Pelo que, e segundo o entendimento propugnado pelo tribunal a quo, se deveria ter optado pelo indeferimento parcial da cumulação de somente um daqueles títulos de crédito:
12º - Solução esta que permitiria que não fosse ultrapassado o plafond estipulado no mencionado Dec-Lei, qual seja o da alçada do tribunal de primeira instância;
13º - Resultando desta solução qualquer beliscadela na especialidade da execução ordinária que segue os termos do processo sumário.
Pelo que deve reparar-se o agravo e, em consequência, revogar-se o despacho proferido pelo tribunal a quo, o qual deverá ser substituído por outro que, por legalmente admissível, ordene se defira o incidente de cumulação de execuções deduzido pela recorrente, com todas as devidas e legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
III - Os factos e o direito
Para que fique claro o teor do despacho impugnado no presente recurso e qual o seu sentido jurídico, toma-se a liberdade da sua transcrição parcial e das partes consideradas essenciais:
"Na presente execução constitui título executivo um cheque no valor de 350.000$00, tendo a exequente indicado no seu requerimento inicial que a mesma deveria seguir a forma do processo ordinário (art. 465° n.º 1 alínea a) do P. P. Civil, muito embora lhe fossem aplicados os termos do processo sumário, uma que se verificam, em concreto, os pressupostos definidos no D.L. n.º 274/97, de 08/10 (cfr. o pedido formulado).
Decorre do exposto que, embora constitua acção executiva sob a forma ordinária, a presente acção segue os termos do processo sumário de execução, sendo-lhe aplicável as normas desta forma processual ( art. 924° e segs. do C. P. Civil), com as especificidades previstas no citado DL n.º 274/97.
Com os títulos executivos referidos no requerimento que antecede já a presente execução não poderia seguir os termos deste diploma. Por outro lado, considerando estes dois títulos executivos (sem o cheque de fls. 4 dos autos) e a soma dos seus montantes, a acção a intentar para a sua cobrança coerciva teria de seguir necessariamente os termos do processo ordinário, sendo-lhe inaplicável o disposto no diploma (atento o valor respectivo, superiora à alçada do Tribunal de 1ª instância).
Note-se que as diferenças entre as duas formas processuais são relevantes pois que contendem, por exemplo, com o momento da citação do executado, os prazos de oposição, os bens sobre os quais poderá recair a penhora, a convocação ou não dos credores.
Assim, e porque se verificam em concreto as mesmas desvantagens que determinaram que o disposto na alínea c), do n.º 1 do art. 53° do C. P. Civil constituísse obstáculo à cumulação de execuções, interpreta-se esta norma no sentido de constituir obstáculo à cumulação sucessiva de execuções o facto de se ter iniciado uma execução sob a forma de processo ordinário a que se aplica o disposto no DL n.º274/97 e se pretender posteriormente cumular com esta execuções a que este diploma não é aplicável C. P. Civil) .
Pelo exposto, indefiro a requerida cumulação sucessiva de execuções.”
Resulta do teor do despacho proferido e das conclusões das alegações apresentadas que a questão essencial a dirimir no presente recurso consiste em se saber se é legalmente admissível a cumulação de execuções quando seguem uma a forma sumária de execução e a acumular a forma ordinária, ou seja, se será possível no domínio formal do processo a cumulação de uma execução ordinária a uma execução sumária.
Vejamos.
A cumulação de execuções pode ser inicial ou sucessiva e encontra-se tratada nos artigos 53º e 54º do C.P.C.
No caso dos autos estamos na presença de uma cumulação sucessiva na medida em que na pendência da execução o exequente veio deduzir, no mesmo processo, novo pedido executivo.
Ora, nos termos do citado artigo 54º n.º 1 do C.P.C. a cumulação sucessiva de pedidos pressupõe a verificação das circunstâncias exigidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 53º, isto é;
- Ocorrer incompetência absoluta do tribunal para alguma das execuções;
- As execuções tiverem fim diferente;
- A alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do art. 31
No entanto, o n.º 2 do artigo 54º do C.P.C. admite uma situação de cumulação de execuções, mas apenas e relativamente às execuções iniciadas com vista à entrega de coisa certa ou de prestação de facto haja sido convertida em execução para pagamento de quantia certa - artigos 931 e 934º do C.P.C. -.
Depreende-se claramente do preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95 que se ampliaram agora as hipóteses em que é permitida quer a cumulação de execuções quer a coligação de exequentes ou executados e "................. considera-se que só deve constituir impedimento à cumulação a preterição das regras da competência absoluta, não obstando à cumulação objectiva ou subjectiva a derrogação das regras da competência relativa".
Ampliado que foi com a reforma do C.P.C. o elenco dos títulos executivos, houve necessidade se simplificar e abreviar significativa parcela de execuções e naquelas que têm por fim o pagamento de quantia certa até certo valor - lê-se do relatório do D.L. n.º 374/97-.
A forma do processo executivo comum passou a determinar-se não pelo valor da acção e, assim, seguem a forma ordinária a execução de sentença em que a obrigação seja ilíquida e não liquidável mediante simples cálculo aritmético, bem com a execução de quaisquer títulos extrajudiciais - art. 465º n.º 1 alíneas a) e b) - e seguem a forma sumária a execução baseada em decisão judicial que não careça de ser liquidadas ou cuja liquidação dependa de simples cálculo aritmético - art. 465º n.º 2 do C.P.C.- e ainda a execução de títulos extrajudiciais, cujo crédito exequendo seja igual ou inferior à alçada dos tribunais de 1ª instância, sempre que a penhora haja de recair sobre bens móveis ou direitos que não tenham sido dados em penhor - art. 1º, al. a) e b) do D.L. n.º 274/97-.
Portanto, a execução de decisões judiciais tem lugar em processo sumário, salvo se a obrigação for ilíquida e não liquidável mediante cálculo aritmético e seguem a forma ordinária a execução de outros títulos e ainda a execução de decisão que condene no cumprimento de obrigação líquida, não liquidável por simples cálculo aritmético.
Sobre o problema da cumulação de execuções há quem entenda que “ Se se cumularem títulos que dariam lugar ao processo sumário com outros que dariam lugar ao processo sumário, a forma a seguir será a do processo ordinário - art. 54º n.º 4 do C.P.C. - Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código Revisto, pág. 127-, entendimento que manifesta igualmente em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 109.
Dando reforço a esta opinião, manifesta-se Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, pág. 131 que
“ No caso de que cumularem títulos executivos que dariam lugar, uns a processo executivo sumário e outros a processo executivo ordinário, a execução obedecerá à forma de processo ordinário, incorporando a execução por título extrajudicial no apenso da execução por título judicial.
Se se cumular o título previsto no art. 1º do D.L. n.º 274/97 de 8 de Outubro com outro título extrajudicial (ainda que o valor da execução não exceda a alçada do tribunal de 1ª instância) a execução deve, segundo se crê, seguir, também, a forma de processo ordinário. O mesmo sucederá na hipótese de cumulação de dois pedidos (ou mais) dos títulos previstos no citado art. 1º, se e na medida em que o valor da execução ultrapasse a alçada do tribunal de 1ª instância - que, hoje, se acha, como se sabe, fixada em 500 000$00"
Determina, por sua vez, o art. 53º n.º 1 al. c) que a cumulação não é permitida se «a alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deve ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do art. 31º»
E este art. 31º n.º 2 e 3 contém a seguinte norma:
«2º -Quando aos pedidos correspondem formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio.
3º- Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada ».
A este propósito cita-se o que sob este aspecto manifesta Abílio Neto, Código Processo Civil Anotado, 15º Edição, em anotação ao art. 31º, pág. 108, que, pese embora a sua extensão, se revela de interesse para o caso:
« A cumulação exige também, mas agora apenas como regra geral, que a forma de processo seja idêntica para todos os pedidos cumulados (1º parte do n.º 1 deste art. 31º), o que torna, em princípio, inadmissível a coligação quando a um ou a alguns dos pedidos corresponderem processo comum e a outro ou outros desses pedidos cumulados corresponderem diferentes processos especiais.
A apontada regra sofre, no entanto, duas ordens de excepções, uma imperativa e outra dependente de critérios do juiz: se a diversidade de forma de processo resultar unicamente do valor, tal não obsta à coligação (art. 31, 1ª, parte final) ..................... ; se a diversidade de forma de processo resultar dos próprios pedidos cumulados, o n.º 2 deste artigo, na sua redacção actual, faculta ao juiz autorizar a cumulação desde que, por um lado, as formas de processo correspondentes aos pedidos, sendo embora diversas, "não sigam uma tramitação absolutamente incompatível", e, por outro lado, haja interesse relevante na apreciação conjunta das acções ou demandas cumuladas ou quando na apreciação conjunta se configura como indispensável para a realização do verdadeiro fim de todo o processo, qual é o de operar a justa composição do litígio.
Uma vez autorizada a cumulação. Incumbe ao juiz adaptar o processado, no uso dos poderes que lhe confere o art. 265º - A ( art. 31º.3) ».
Ora, interpretando e aplicando estes ensinamentos ao caso concreto e em análise nestes autos, constatamos que se está perante uma execução cujo título executivo era constituído por um cheque de 350 000$00 e que seguia a forma do processo ordinário muito embora lhe fosse aplicável a forma de processo sumário, por se encontrarem aqui preenchidas todos os requisitos do n.º 1 do citado D.L.
Com os títulos que se pretendiam cumular, dois cheques no valor de 552 000$00 cada um e atento o seu valor em conjunto, deveria a execução seguir a forma de processo ordinário - art. 465º n.º 1 al. a) do C.P.C. -, uma vez que não lhe era aplicável o referido D.L.
Assim, haveria a cumulação de execução de processo ordinário a que se aplica o disposto no D.L. 274/97, seguindo embora sob a forma sumária, com execução ordinária a que se não aplicava tal diploma.
Mas tal não obstaria à requerida cumulação na medida em que a forma dos processos correspondentes aos pedidos, sendo embora diversas, não seguem uma tramitação absolutamente incompatível, mesmo atendendo aos prazos de oposição, bens sobre que deve recair a penhora, convocação de credores, etc.,
As desvantagens enunciadas na al. c) do n.º 1 do art. 53º do C.P.C. não se verificam no concreto, havendo mesmo interesse relevante na apreciação conjunta das execuções cumuladas, dando lugar apenas a que se faça uso do princípio da adequação formal fixado no art. 265-A do C.P.C.., praticando os actos que melhor se ajustem ao fim do processo que, no caso, será seguir a forma mais solene do processo executivo que será a ordinária, atento o valor do pedido executivo, e isto até tendo em atenção a forma processual sob a qual os autos haviam já sido, inclusivamente, distribuídos.
Com tal entendimento se dá ainda cobertura ao princípio do inquisitório, favorecerá a celeridade, simplificação e economia processual, evitará a prática de actos inúteis, não fica prejudicado o princípio do contraditório, haverá lugar também a uma justa composição do litígio, para além de se evitar uma proliferação de processos e actos subsequentes semelhantes.
Assim e em conclusão, podemos afirmar que:
- Não constitui obstáculo à cumulação sucessiva prevista no art. 53º n.º 1 al. c) a circunstância de se ter iniciado uma execução sob a forma de processo ordinário a que se aplica o disposto no D.L. 274/97 e se pretender cumular com esta execução que segue forma de processo ordinário.
- O tribunal deve aplicar o princípio da adequação formal previsto no art. 265º-A do C.P.C., quando a forma de processo aplicável diferem apenas pelo valor da respectiva execução.
IV - Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida, devendo ser substituída por outra em que admita a cumulação requerida seguindo o processo a forma ordinária de execução.
Sem custas.
Porto, 19 de Março de 2001
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues