INSTRUÇÃO CRIMINAL
DEPRECADA
TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
COMPETÊNCIA
Sumário

I - Em sede de instrução criminal, a tomada de declarações pode ser solicitada ao juiz de outra comarca, relativamente aos nela residentes, através de carta precatória.
II - A tal não obsta o disposto no artigo 623 n.4 do Código de Processo Civil, e na Lei n.44/91, de 2 de Agosto, relativamente às causas pendentes em tribunais sediados nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, nem o preceituado no artigo 318 do Código de Processo Penal, atinente à audiência de julgamento.
III - Assim, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto pode deprecar ao Tribunal de Instrução Criminal da Maia a inquirição de testemunhas residentes na área de jurisdição deste último tribunal

Texto Integral

Em Conferência, os Juízes do Tribunal da Relação acordam o seguinte:

O Tribunal de INSTRUÇÃO CRIMINAL do PORTO requeu a resolução do CONFLITO de COMPETÊNCIA, suscitado entre si e o Tribunal Judicial da MAlA, sobre a INQUIRIÇÃO de TESTEMUNHAS, em INSTRUÇÃO, em Processo-Crime, sendo OFENDIDOS, MARGARIDA..... e OUTROS, e ARGUIDA, MARIA.....
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Parecer do Sr. PROCURADOR GERAL ADJUNTO
A jurisdição de cada tribunal é delimitada por lei, sendo certo que a área de jurisdição dos tribunais de instrução criminal do Porto não integra o concelho da Maia (ver mapa VI anexo ao Regulamento da LOFTJ, aprov. pelos DLs 186-A/99, de 31 de Maio e 290/99, de 30 de Julho).
Compete aos tribunais de instrução criminal do Porto proceder à instrução criminal nos processos que, em razão do território, caibam na sua competência. No âmbito destes processos (os da sua competência), quando o interesse ou a urgência da investigação o justifique, podem intervir fora da sua área territorial de competência (art. 79°, n.2 da Lei 3/99, de 13 de Janeiro). Nestes casos de urgência, os juízes em exercício de funções podem deslocar-se para fora da sua área de jurisdição normal para a prática da actos do processo, mormente para inquirição de testemunhas.
Não havendo interesse nem urgência na investigação, a tomada de declarações a residentes fora da comarca onde pende o processo está prevista no art° 318° do CPP. Esta norma permite que essa tomada de declarações seja solicitada ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação (carta precatória - art° 111°,3, b)).
Conclui-se deste modo que, no processo penal, a audição de pessoas com residência fora da área de jurisdição de um tribunal é feita por deprecada dirigida ao tribunal de idêntica categoria com jurisdição no local de residência das pessoas a inquirir. Assim, aderindo à tese defendida pelo tribunal deprecante - o TIC do Porto - afigura-se-me que o JIC da comarca da Maia não pode recusar o cumprimento da diligência requisitada por aquele tribunal.
CONCLUI: deve atribuir-se ao JIC da comarca da Maia o dever de proceder à diligência de instrução.
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Correram os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir .
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De facto,
o art. 623.º-n.º4, do CPCivil, determina: “Nas causas pendentes em tribunais sediados nas áreas «metropolitanas» de Lisboa e do Porto não se expedirá carta precatória quando a testemunha a inquirir resida na respectiva circunscrição”. E, nos termos da Lei 44/91, de 2-8, a área metropolitana do Porto compreende, além de outros, os concelhos do Porto e da Maia.
Portanto, só com base nestes normativos o tribunal, que suscitou o conflito, pode sustentar a sua tese. Tudo o mais serão extrapolações e, duma maneira geral, pouco consentâneas com tudo o que deve presidir a uma solução neste campo. Senão vejamos:
Independentemente das críticas que os Tribunais, hoje em dia, recebem, a todos os níveis, pergunta-se para que é que andamos nós, Tribunal, - as “partes” encontram-se totalmente alheias - a discutir o que é que a cada um caberia dever fazer. E é interessante que a questão surge sempre para “empurrar” para os outros.
Estamos à vontade, pois foi sempre nosso lema - e prática - não suscitar conflitos... A não ser quando há razões soberanas, com interesses muito específicos e determinantes. E quando as dúvidas não se afigurassem como minimamente legítimas.
Quando afinal temos de nos socorrer de regimes diversos que não os próprios do sistema em que a matéria em causa se insere, logo aí começamos a sentir que se pisam terrenos movediços.
Para mais, quando a norma questionada acabou de ser introduzi da. Na verdade, o dispositivo em causa - o citado n.º4 - resulta da revisão processual civil dos DLs. 329-A/95 e 180/96, respectivamente, de 12-12 e de 25-9.
Por outro lado, insere-se no segmento respeitante à audiência de julgamento. Ora, encontramo-nos em sede de instrução.
A norma em causa reflecte - ela mesma - que a regra é não convocar pessoas residentes fora da comarca.
Também não é menos relevante tratar-se duma regra excepcional. Desde logo, porque, desde sempre, houve a preocupação nos Tribunais - e o “25 de Abril” não surgiu para complicar - em não impor as deslocações às pessoas, a não ser em circunstâncias especiais e em relação a determinadas “categorias” e em determinadas formas de processo.
Assim, recorda-se o CPP29, quando o seu art. 88.º dispunha: “Serão admitidas a depor as testemunhas de fora da comarca que o MP, ...., se prontifiquem a «apresentar»...”. Por sua vez, o art. 227.º proporcionava a sua audição: “Se as testemunhas ou declarantes forem moradores fora da comarca, serão inquiridos pelo juiz da comarca em que residirem...”.
Só depois da Revolução, com o DL 605/75, de 3-11, veio obrigar à deslocação, mas com todas as reservas, segundo o seu art.18.º: “O juiz «poderá» determinar a obrigatoriedade de comparência relativamente a testemunhas residentes fora da área da comarca sempre que a sua presença seja considerada imprescindível...”.
Por outro lado, a presente regra tem por critério territorial uma natureza administrativa - e não da organização judiciária.
Tudo aponta, pois, para não aconselhar generalizações.
Sem dúvida, o ideal - e a regra - é que as provas sejam prestadas junto do Tribunal que as aprecia. Em respeito do princípio da imediação da prova. Porém, no caso em apreço, estamos em sede de instrução e, com a agravante, de que o julgamento, ou seja, a verdadeira apreciação das provas, irá ocorrer perante um terceiro - em 1.º lugar, o acto a realizar nunca é perante o juiz do julgamento e, depois, até a comarca é outra (de Matosinhos).
A lei privilegia a não deslocação das pessoas. O que é uma regra de oiro, em especial, no exacto momento em que nos encontramos, com a célebre questão das videoconferências e dos não adiamentos das audiências.
Daí que até o art.176.º-n.º1, do CPCivil, sempre previsse a “carta precatória”, admitindo a solicitação a outros tribunais para a prática de actos processuais.
O art. 4.º, do CPP, que é o direito adjectivo em que decorre a presente lide, auto-proclama-se como diploma autónomo, que se deve bastar a si mesmo consentindo o recurso a outros diplomas tão somente nos casos “omissos”.
O que aqui não se verifica. Na verdade, para a audiência de julgamento, o direito adjectivo penal regula, expressamente, o que há que proceder com os “Residentes fora da comarca”, no art. 318.º. Na verdade, segundo ele, a tomada de declarações pode ser solicitada ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação, que é a carta precatória - art. 111.º-n.º3-b).
Do que se infere, a contrariu, que toda e qualquer diligência, relativa a pessoas e coisas, que não se encontrem na sua área de jurisdição, não são, por princípio, por si realizadas.
E não se diga que o é excepcionalmente. É que, quando o normativo fala em “excepcionalmente”, é no pressuposto de que, sobre a produção de provas, em julgamento, estabeleceu-se o princípio de que são prestadas perante o tribunal do julgamento. E, excepcionalmente, poderão ser prestadas fora, ou seja, perante outro tribunal, quando as pessoas residirem fora do círculo judicial.
Mas a lei-quadro definidora das competências também resolve a questão. Na verdade, dentro da competência dos tribunais de instrução criminal, “Quando o interesse ou a urgência da investigação o justifique, os juízes em exercício de funções de instrução criminal «podem» intervir, em processos que lhes estejam afectos, “fora da sua «área territorial» de competência” - art. 79.º-n.º2, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro. Do que se infere, inequivocamente, que a competência dos seus actos é definida pela área territorial definida pela lei-quadro própria. E, segundo ela (MAPA VI - Reg. LOFTJ), a sede é no Porto e a área é a das comarcas de Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia. Fica assim de fora a comarca da Maia.
E repare-se, desde logo, que, no art. 318.º, as designações por que se opta é «comarca», na epígrafe; e, no texto do normativo, «círculo judicial» - não qualquer outro tipo de divisão territorial, nomeadamente «administrativo».
E o que dele se infere é que a regra é, de facto, a prática do acto junto do tribunal em que se realiza a audiência de julgamento. Mas, pura e simplesmente, porque o CPP 87 consagra, a todos os títulos e pelas mais variadas formas, o princípio da oral idade e da imediação da prova. Só por isso. Mas também só para a fase suprema do processo - o julgamento. De qualquer maneira, admite como possível a prática fora da sua área territorial.
Por isso, em anotação ao citado art. 176.º, ABÍLIO NETO recorda o Ac. Cb., de 9-4-90, no P. 557/89, no BMJ 396, pg. 449: “Só no julgamento em processo comum (penal) - e não nos processos sumário e sumaríssimo - é admissível a produção de prova testemunhal por carta precatória” .
Em sede de instrução, nem sequer se exclui competência de outras comarcas, nomeadamente, para “apresentação” do detido, a qual pode ocorrer, segundo o art. 142.ºn.º1, “na área em que a detenção se tiver operado”. Só que é um alargamento das competências. Em nada obstando que, se não existisse uma tal norma, que tal ocorresse, a pedido do “juiz de instrução competente para o processo”.
E aqui é que reside o cerne da questão. É que não deve pôr-se em causa a quem pertence a competência do processo - essa é e continua a ser sempre do juiz onde o processo decorre. Mas outra coisa é o lugar onde se realizam determinados actos. E então pode surgir outra comarca, mas por derivação, por delegação de poderes, por solicitação. Por conveniência de serviço ou até por impossibilidade de se proceder a tal no tribunal do processo. Contudo, a comarca originária não perde competências.
Mas o que não vem ao caso é a invocação do art. 111.º, do CPP. Este regula tão somente a "comunicação" dos actos processuais. Aliás, até poderia funcionar em sentido oposto, ou seja, a norma prevê a comunicação, para providenciar por que os não residentes se deslocarem ao tribunal deprecante.
De qualquer maneira, a lei impõe o cumprimento do que se lhe solicitar. A “Recusa” é consentida, mas só a título muito excepcional - nos casos do art. 184.º-n.º1-a) e b ). Tão somente quando:
“Falta de competência” - o que não é a hipótese dos autos, pois a competência territorial, que é a questionada, está definida pelo juiz deprecante;
E “Proibição absoluta” - a distinguir de “relativa” ou “simples”. Tem de ser, portanto, um acto de “interdição absoluta”. O “tribunal ad quem «tem», em regra, de acatar o pedido feito pelo tribunal a quo: a sua posição «normal» é a de conformidade” - conforme A. REIS, em “Comentário ao C PC”, II, 301. O que jamais será a inquirição duma testemunha.
Não podem os tribunais, entre si, andarem a discutir, a latere das partes, quem deve fazer as coisas. Não será despiciendo termos presente que os lugares não são “nossos”, o «juiz» é o mesmo nesta e naquela comarca – “é o juiz” sempre - a pessoa que hoje é juiz no tribunal deprecado bem pode ser amanhã o juiz no tribunal deprecante. Mais. No caso em concreto, por ironia do destino, pode perfeitamente acontecer que o juiz sediado no TIC pode estar a evitar que o juiz da Maia, em serviço de turno, tenha amanhã de fazer o serviço que, neste momento, lhe está a solicitar que o faça na sua comarca. É o que resulta da orgânica dos tribunais quanto ao serviço de turno, conforme Mapa VIII, do Reg. LOFTJ, aprov. pelo DL 186-A/99, de 31-5. Além de que não é conveniente - é perigoso – “personalizarmos” as questões.
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Em consequência e em conclusão,
Em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação acordam em:
ATRIBUIR a competência ao Tribunal de INSTRUÇÃO CRIMINAL da MAlA, para proceder à INQUIRIÇÃO de TESTEMUNHAS, em INSTRUÇÃO, em Processo-Crime, requerida, por carta precatória, pelo Tribunal de INSTRUÇÃO CRIMINAL do PORTO, nos autos em que são OFENDIDOS, MARGARIDA..... OUTROS, e ARGUIDA, MARIA.....
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Sem custas.
Porto, 02 de Maio de 2001
José Ferreira Correia de Paiva
José Henrique Marques Salgueiro
António Joaquim da Costa Mortágua