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PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DIREITO DE VISITA
INCUMPRIMENTO
AVÓS
Sumário
1. É conhecida a vantagem da colaboração dos avós na educação e formação dos netos, pela proximidade, carinho, proteção, acompanhamento e conforto que normalmente lhes dispensam, reforçando laços familiares. 2. À semelhança do que ocorre nos dissentimentos entre os pais por incumprimento das responsabilidades parentais, também nos litígios que os oponham (ou algum deles) aos avós relativamente à violação do direito ao convívio, se impõe a prova do incumprimento relevante para efeito do art.º 181º, nº 1, da O.T.M., sendo imprescindível a ilicitude do facto e a culpa do faltoso, para além de que não basta qualquer incumprimento pontual ou ocasional das responsabilidades, devendo ser reiterado e grave. 3. O menor, atualmente com cerca de 10 anos de idade, ansioso e com desvio de comportamento, que vem beneficiando, por isso, de acompanhamento psicológico, e que recusa o convívio com os avós para além da mera saudação com um beijo, caso nada justifique tal recusa, deve ser “seduzido” para o reforço dessa convivência, sem ameaça nem pressão, de modo a reestabelecer com eles o normal relacionamento familiar, livre e esclarecido, com laços de amizade e solidariedade.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
M.., melhor identificada nos autos, avó do menor A.., deduziu incidente de incumprimento do regime de responsabilidades parentais, relativamente ao direito de visitas de que é beneficiária e que foi estabelecido por acordo judicial homologado por sentença.
Alegou que a mãe da criança está a impedir o cumprimento daquele do acordo e que deve ser condenada a cumpri-lo.
A requerida respondeu alegando, no essencial, que é o A.. que, por vontade própria, recusa a visita à avó, apesar da requerida e outros familiares tentarem convencê-lo a acompanhar a requerente.
A insistência da avó em, quinzenalmente, querer levar a criança consigo, mesmo contrariada, está a prejudicar psicologicamente o menor, causando-lhe até alterações no comportamento.
Termina defendendo a improcedência do incidente.
Foram ouvidas requerente e requerida.
Não teve sucesso os esforço despendido no processo com vista à obtenção de um acordo.
A requerente ampliou o pedido nos seguintes termos finais: “…requer-se, nos termos do n.º 2, do artigo 273.º, do C.P.P., a ampliação do pedido, requerendo-se que a Requerida, também, seja condenada no pagamento de multa no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), bem como no pagamento de indemnização (metade em favor do menor e metade em favor da Requerente) de € 100,00 por cada mês em que incumpra as suas responsabilidades parentais, no que ao direito de visita do menor à sua avó diz respeito.” (sic)
A requerida pronunciou-se sobre tal ampliação, defendendo a sua inadmissibilidade.
Por despacho subsequente, o tribunal admitiu a ampliação nos termos pretendidos.
De novo se gorou uma tentativa de acordo.
Inquiridas que foram as testemunhas arroladas, foi proferida decisão cuja parte final conclusiva se transcreve, incluindo o dispositivo:
“Posto isto, resta dizer que no caso em apreço, como resulta da matéria apurada, não se provou que a progenitora não cumpra o acordado quanto às visitas da avó, ora requerente, com o que o presente incidente improcederá.
Dispositivo.
Pelo exposto, improcede o incidente, absolvendo-se a progenitora do pedido.
Custas pela requerente – art. 527º, nº1, do CPC.”
*
Inconformada, a requerente apesentou recurso de apelação, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1.ª – Apesar de, inicialmente, o acordo das responsabilidades parentais ter sido respeitado e o menor e os seus avós terem podido conviver aos sábados, a partir do primeiro trimestre de 2012, o menor começou a ser impedido de conviver com os avós, verificando-se o desrespeito das responsabilidades parentais por parte da Requerida, quanto aos direito de visitas dos avós.
2.ª – A ora Recorrente considera, com a devida e justa vénia, que houve erro na apreciação da prova, pois, no seu entender, o Tribunal a quo não podia ter dado como provados os factos 5.º e 9.º e devia ter dado como provado o facto constante da alínea c) dos factos não provados.
3.ª – A Requerente entende que a prova testemunhal produzida (cujos excertos concretos supra se indicaram e transcreveram) impunha uma decisão diferente quanto aos factos 5.º e 9.º, dos factos dados como provados, e quanto ao facto c), dos factos dados como não provados.
4.ª – De facto, ficou provado que o menor e a mãe, vivem com tia (do menor) F.. e com o tio H.., sendo que estes (por estarem de relações cortadas com a ora Requente), com o anuência da mãe do menor, não permitem a efectivação do direito de visita do menor aos avós.
5.ª – Conforme se pode verificar das passagens supra vertidas do depoimento das testemunhas M.. e P.., foi o próprio menor quem lhes disse que gosta muito dos avós e que os quer visitar, mas que está proibido de o fazer. Sendo que o próprio tio do menor, H.., expôs ao Tribunal a quo que não permite que se realizem as visitas dois avós e que a mãe do menor concorda com tal proibição.
6.ª – Pelo que, a Requerente entende que a prova testemunhal produzida (cujos excertos concretos infra se indicam e transcrevem) impunha uma decisão diferente quanto aos factos 5.º e 9.º, dos factos dados como provados, tendo ocorrido erro na apreciação da prova. Pois, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado o facto 5.º na sua integralidade, nem o facto 9.º, na parte em que se refere que “o A.. começou a recusar-se a acompanhar a avó”.
7.ª – De facto, o menor nunca se recusou a acompanhar os avós, antes pelo contrário, era essa a sua vontade. Sendo que, o facto 5.º devia ter sido dado como não provado, na sua integralidade, e o facto 9.º, na parte em que se refere que “o A.. começou a recusar-se a acompanhar a avó”.
8.ª – Por outro lado, atenta a prova testemunhal produzida, nomeadamente, o depoimento das testemunhas M.., P.. e H.., a Requerente defende que devia ter sido dado como provado o facto constante da alínea c), dos factos dados como não provados, ou seja: “Que a actuação da progenitora condicione o menor a declarar que não pretende acompanhar a avó nos dias das visitas, apesar de este efectivamente o desejar”.
9.ª – Tendo, no entender da Requerida, ocorrido erro na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, também, ao não se dar como provado o facto constante da alínea c), dos factos dados como não provados.
10.ª – “As responsabilidades parentais, enquanto poder/dever de educação dos filhos, de conteúdo funcional e carácter altruísta, exercido pelos pais no interesse dos filhos, não são uma mera faculdade, uma possibilidade concedida pela lei aos progenitores de uma criança”.
11.ª – Ora, conforme consta na sentença de que ora se recorre, os depoimentos prestados “fundaram a não concretização de visitas nos comportamentos de familiares com quem a progenitora reside, e que seriam tolerados por esta”.
12.ª – Pelo que, se ficou provado que a não realização das visitas se deve “a comportamentos de familiares com quem a progenitora reside, e que seriam tolerados por esta”, desde logo, se verifica que a Requerida não respeitou o dever de promover e efectivar o direito de visitas do menor aos avós.
13.ª – Na realidade, como recai sobre a Requerida o dever de promover a efectivação das visitas do menor aos seus avós, a mesma não podia tolerar/pactuar com quaisquer comportamentos de outros familiares, no sentido de impedir a realização desse direito de visitas – que existe, lembre-se, no superior interesse da criança.
14.ª – Pelo que, ao concordar ou tolerar comportamentos de familiares (o tio H.. e a tia F..) no sentido de impedir que o menor visitasse os seus avós, a Requerida violou manifestamente as suas responsabilidades parentais, pelo que devia ter sido condenada, nos termos pedidos pela Requerente.
15.ª – Assim, a Requerente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de Direito, ao absolver a Requerida do incidente de incumprimento, violando, nomeadamente, o n.º 1, do artigo 181.º da OTM, bem como, no n.º 1, do artigo 1878.º do Código Civil. Pois, tendo em conta o supra exposto, o Tribunal a quo devia ter condenado a Requerida nos termos pedidos pela Requerente.
16.ª – Ainda que se entendesse não ser de condenar a Requerida (o que ora se coloca por dever de patrocínio) – ao dar como provado que o direito do menor a visitar os seus avós e o correspondente direito destes a visitarem o menor não estão a ser efectivados – o Tribunal a quo sempre poderia/deveria determinar a adopção das diligências necessárias e idóneas a fazer cessar tal situação.
17.ª – De facto, conforme supra exposto, ao longo do depoimento da testemunha L.., psicóloga que vem acompanhando o menor, verificou-se que seria possível a realização de sessões conjuntas com o menor e os seus avós, sendo que esta psicologia se mostrou disponível para promover tais sessões, com o objectivo de efectivar a necessária re-aproximação dos menor com os avós.
18.ª – Assim, apesar de tais diligências não terem sido inicialmente requeridas pela Requerente, tendo em conta os princípios orientadores dos processos tutelares cíveis (nomeadamente os princípios do interesse superior da criança e do jovem, da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família), e por as mesmas se revelarem necessária e idóneas à efectivação do direito de visita incumprido, in casu, seria de determinar a realização de sessões graduais de reaproximação do menor com os avós, as quais seriam conduzidas pela psicologia L... Sendo de condenar a Requerida a levar o A.. às reuniões com a psicóloga e com os seus avós (que naturalmente se demonstram completamente disponíveis), nas datas que aquela venha a agendar, tendo, naturalmente, em conta as responsabilidades escolares do menor.
19.ª – Pelo que, a Requerente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de Direito, ao não providenciar pela adopção das diligências necessárias e idóneas para proteger o superior interesse da criança, materializado in casu, na efectivação do direito de visitas aos seus avós. Tendo sido violado, nomeadamente, o n.º 1, do artigo 181.º da OTM.
20.ª – Pelo que, deverá a sentença ora recorrida ser revogada, condenando-se a Requerida nos termos peticionados pela Requerente; e, determinando-se a realização de sessões graduais de re-aproximação do menor com os avós, as quais seriam conduzidas pela psicologia L.. e, condenando-se, assim, a Requerida a levar o A.. às reuniões com a psicóloga e com os seus avós (que naturalmente se demonstram completamente disponíveis), nas datas que aquela venha a agendar, tendo, naturalmente, em conta as responsabilidades escolares do menor.» (sic)
Pretende, assim, a revogação da sentença recorrida, alterando-se o decidido.
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A requerida, mãe do menor, respondeu à apelação, formulando as seguintes conclusões:
«1ª No caso em concreto não há privação de convívio do menor com a avó Requerente, pois o A.. convive com a avó, quer no espaço da catequese, quer na porta da casa onde a progenitora reside, apenas se discutindo a forma de exercício do convívio.
2ª A mãe do menor durante todos os sucessivos procedimentos judiciais procurou encontrar uma solução pacífica para a presente situação, tendo celebrado em 7.11.2011 com a avó do menor um acordo quanto à forma como deveria a avó conviver com o neto.
3º Desde essa data e até data indeterminada do primeiro trimestre de 2012 a convivência entre o menor e a avó decorreu normalmente e conforme o acordo alcançado judicialmente, até recusa do menor, por sua decisão, em acompanhar a avó.
4ª A Requerida não fechou a porta de imediato a qualquer tentativa de amigavelmente encontrar outra solução, pelo que, em 10.07.2012, as partes “acordaram em transitoriamente suspender o acordo, a fim de tentar perceber se por esta via a criança manifestava vontade em estar com a avó” – ata de fls.36.
5ª Assim se demonstrando um reconhecimento implícito da Requerente em como haveria resistência do menor em acompanhar a avó.
6ª Não satisfeita e na busca contínua de soluções, a Requerida procurou que o encontro do filho com avó decorresse não em sua casa, mas à porta da catequese onde a avó se comprometia a o ir buscar (facto provado 8), assim se demonstra uma vontade firma da Requerida em procurar assegurar um maior convívio do neto com a avó.
7ª Face a este comportamento da Requerida parece resultar claro que teve de acontecer um facto novo, alheio à sua vontade, que limitasse o convívio da avó com o seu neto: a recusa do menor em acompanhar a avó.
8º Sem que a Requerida algo tivesse feito para que tal tivesse acontecido, como resulta do depoimento da Psicóloga que acompanha o A.. semanalmente há ano e meio.
9º Não há depoimento que diga expressamente que a Progenitora adotou um comportamento que motivasse o menor a não acompanhar a avó. Nenhum. O que é sintomático. Mesmo os excertos selecionados pela Recorrente, para fundamentar um alegado erro de julgamento.
10ª O depoimento da testemunha M.., não merece qualquer credibilidade, sendo que a mesma se arroga na condição de obter do menor informação que a própria psicóloga que com ele convive semanalmente há ano e meio não consegue.
11º o depoimento da testemunha P.. também não o merece, sendo neste caso é alegado como forma de pressão a retirada da Playstation e do Magalhães e ameaça de agressões que o A.. nunca relatou à psicóloga quando, estranhamente e ao invés, diz expressamente que gosta de viver com a mãe e os tios, facto que não seria compaginável com um clima de quase terror instalado.
12º Analisado toda a audiência de discussão e julgamento, concorda-se com o Tribunal em valorizar especialmente o depoimento da testemunha L... Trata-se de uma psicóloga. Paga pelo Instituto da Segurança Social a 100% e, por isso mesmo, se dúvidas houvesse com independência face à Requerida. Que acompanha o A.. há mais de ano e meio. Com consultas semanais. E a dois, ou seja, apenas a depoente e o menor. Assegurando assim uma maior fidelidade do depoimento do A...
13º Face ao depoimento da psicóloga, poderemos concluir que:
a) O A.. encontrava-se muito pressionado o que lhe causava “grande ansiedade”, sentida particularmente nos fins-de-semana em que os avós o iam visitar. Essa ansiedade, nesse momento, “notava-se muito”. Havendo palavras como Tribunal e Polícia que o perturbavam;
b) O A.. não se importava de estar com os avós, mas não queria ir com eles, por “vontade própria”, dizendo que “não gosto muito de ir, gosto mais de ficar em casa”;
c) O A.. nunca verbalizou qualquer motivação para a sua decisão, nomeadamente pressão da mãe ou dos tios, seja com ameaça da retirada da “Playstation”, do “Magalhães” ou agressões, sendo certo que não vislumbrou a existência de qualquer pressão pelos familiares;
d) A Mãe do menor intercedeu junto da psicóloga no sentido de esta procurar compreender o A.. e convencê-lo a ir com a avó;
e) A psicóloga trabalha com o menor há mais de ano e meio, com encontros semanais e considera que o A.. não lhe conseguiria esconder tanto tempo um facto tão importante como a pressão da mãe ou dos tios para não acompanhar a avó, estando convencida que a criança lhe diz a verdade;
f) O A.. recusa-se a acompanhar a avó porque prefere estar com a mãe ou com os tios e fazer outro tipo de coisas nesses dias, pelo que não é positivo insistir e pressionar o menor a adotar um comportamento que não é o por ele pretendido e que, por isso mesmo, é prejudicial porque lhe agrava o referido estado de ansiedade;
g) O A.. fica mais alterado e agitado quando se aproxima o dia da visita dos avós, muito provavelmente porque imaginava e inventava na cabeça dele coisas que poderiam acontecer e a pressão contínua apenas acentuava tal sentimento.
14ª Face ao depoimento prestado pela psicóloga, afigura-se claro que bem andou o Tribunal ao dar como provados os factos 5 e 9.
15ª Do depoimento que da senhora psicóloga resulta claro que o A.. toma a decisão por vontade própria e sem pressão da mãe.
16ª Os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente não podem ser prova bastante para atribuir qualquer responsabilidade, ainda que concertada com os tios, da mãe, no comportamento do menor, por isso mesmo não podendo fundamentar qualquer alteração na matéria de facto dada como provada.
17ª Resulta evidente dos factos dados como provados que o acordo judicial tal qual está é prejudicial para o menor. O acordo judicial tem sido suscetível de causar agitação e ansiedade ao A... Como, aliás, resulta das declarações da psicóloga.18ª O menor A.. tem quase 11 anos de idade, pelo que já tem alguma capacidade de autodeterminação, sendo que não se provou que não tenha maturidade suficiente para formar uma opinião autónoma.
19ª A realização das visitas deve merecer alguma concordância do menor, pois a criança com capacidade de discernimento tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhes respeitem, sendo tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade (Convenção dos Direitos da Criança – artigo 12º 1 - e Constituição da República Portuguesa – artigo 26 nº1).
20ª Por isso mesmo, deve manter-se a decisão proferida em 1ª instância.» (sic)
Na perspetiva da recorrida, a sentença deve ser confirmada.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Nas questões a decidir tem o tribunal um amplo poder de conhecimento oficioso em razão da natureza do processo (jurisdição voluntária), mas considerará a delimitação dada pelas conclusões da apelação da requerente, acima transcritas (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil [1]).
Assim, são as seguintes as questões a decidir [2]:
1- Impugnação da decisão em matéria de facto;
2- Imputação à mãe do menor A.. do incumprimento do regime das vistas da avó materna; e
3- Adoção de medidas adequadas ao cumprimento daquele regime.
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
1) A.. nasceu no dia 13 de Maio de 2004, filho de S.. e de O.. – cf. certidão de fls. 3 dos autos principais.
2) No âmbito do processo tutelar comum que constitui o apenso B a ora requerente e a ora requerida acordaram nos seguintes termos: 1) a requerente (avó) compromete-se a ir buscar o menor à residência da requerida aos sábados, quinzenalmente, pelas 9.00 horas da manhã. 2) A visita prolongar-se-á até às 12.30 horas de sábado, hora em que a mãe deverá ir buscá-lo à residência da avó. 3) Nesse período a requerente compromete-se a levar o menor à catequese, bem como a ir buscá-lo finda a mesma – vd. fls. 157 ss. do referido apenso.
3) O acordo mencionado em 2) foi homologado por sentença proferida no dia 07.11.2011 - vd. fls. 157 ss. do referido apenso.
4) Durante um período não concretamente apurado as visitas decorreram normalmente, nos termos mencionados em 2).
5) A partir de uma altura não concretamente apurada mas que se reporta ao primeiro trimestre de 2012 o A.. começou a recusar-se a acompanhar a avó.
6) Desde essa altura que o A.. fica mais agitado quando se aproxima o sábado da visita da avó.
7) No dia 10.07.2012 a avó e a progenitora acordaram em transitoriamente suspender o acordo mencionado em 2), a fim de tentar perceber se por esta via a criança manifestava vontade em estar com a avó – cf. ata de fls. 36 – mas a recusa manteve-se.
8) Entretanto, as partes procuraram que as visitas se passassem a realizar de outra forma, indo a avó buscar o A.. à catequese.
9) Contudo, a criança convivia com a avó no local do encontro mas depois recusava-se a acompanhá-la.
Foi considerado não provado:
a) Que o menor se encontre extremamente debilitado anímica e psiquicamente, estando em grande sofrimento.
b) Que na fase mencionada em 8) a progenitora tenha proibido a catequista de entregar o A.. à avó.
c) Que a atuação da progenitora condicione o menor a declarar que não pretende acompanhar a avó nos dias das visitas, apesar de este efetivamente o desejar.
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1- Impugnação da decisão em matéria de facto
Nos termos do art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (al. a));
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)); e
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)).
O recorrente deu integral satisfação às referidas especificações, e cumpriu também a exigência prevista na al. a) do nº 2 do mesmo preceito legal ao indicar com exatidão a passagem da gravação das declarações em que funda o seu recurso.
Nada obsta à admissão e apreciação da apelação em matéria de facto.
Tem vindo a entender-se de uma forma que se vinha generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º do NCPC [3], que, no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do Código de Processo Civil e atual art.º 607º, nº 5, do NCPC), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece e da delimitação, pelas partes, do objeto da sua reapreciação.
Como refere A. Abrantes Geraldes [4], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentado que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, maxime indicadas pela recorrida, nas contra-alegações, e as invocadas na fundamentação da decisão e que, deste modo, terão servido para formar a convicção da Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento; antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Citando Antunes Varela, escreve Baltazar Coelho [5] que “a prova jurídica de determinado facto … não visa obter a certeza absoluta, irremovível da (sua) verificação, antes se reporta apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador ou, o que vale por dizer, apenas aponta para a certeza relativa dos factos pretéritos da vida social e não para a certeza absoluta do fenómeno de carácter científico”.
Na mesma linha, ensina Vaz Serra [6] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto.
Terá que haver sempre um grau de convicção indispensável para justificar a decisão. Esta não pode ser, de modo algum, arbitrária, devendo a fundamentação funcionar como meio de justificação e compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Da análise da fundamentação das respostas dadas pelo tribunal na sentença (não há, no caso, decisão autónoma em matéria de facto) resulta desenvolvido exame valorativo das provas em que o tribunal alicerçou a sua convicção. O tribunal sobrelevou as prestações testemunhais produzidas em audiência, tirando, criticamente, conclusões.
Há que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida, para o que, no caso, se irá começar pela prova invocada na apelação. Mais do que a leitura de meras palavras escritas, a audição da gravação permite-nos a apreensão de sinais diversos relacionados com as declaraçõesforam prestadas (hesitação própria da dúvida, persistência, segurança na palavra, outras reações, etc.) e, assim, uma apreciável aproximação às vantagens da imediação de que a 1ª instância beneficia.
Não se descurará a necessária contextualização das afirmações, a credibilidade e as razões de ciência.
Não é exigível às testemunhas que dominem todos os pormenores dos acontecimentos. Parte destes constituem o devir da normalidade da vida, o desenvolvimento natural de factos percursores, segundo as regras da experiência comum.
A recorrente põe em crise os pontos 5 e 9 dos factos provados e a al. c) da matéria dada como não provada, propondo a sua modificação nos seguintes termos:
Ponto 5: A partir de uma altura não concretamente apurada mas que se reporta ao primeiro trimestre de 2012, o A.. começou a recusar-se a acompanhar a avó.
Modificação pretendida: Não provado.
Ponto 9: Contudo, a criança convivia com a avó no local do encontro, mas depois recusava-se a acompanhá-la.
Modificação pretendida: “Provado apenas que, contudo, a criança conviva com a avó no local e encontro”.
Al. c) da matéria não provada: A atuação da progenitora condiciona o menor a declarar que não pretende acompanhar a avó nos dias das visitas, apesar de este efetivamente o desejar.
Modificação pretendida: Provado.
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Da simples leitura da transcrição de excertos de depoimentos, da motivação da decisão em matéria de facto e dada a natureza da matéria em causa, logo se notou a imperiosidade da audição de toda prova oralmente produzida; o que foi feito.
Em termos gerais, está patente na prova que a criança foi criada até cerca dos 4 ou 5 anos de idade pela mãe (esta, com um pequeno atraso intelectual) e pelos avós maternos, em casa destes, e recebeu deles o afeto e o apoio psicológico material adequados às suas possibilidades e capacidades. Saindo nessa idade de casa dos avós, com a mãe, para irem viver em casa dos tios F.. (irmã da S..) e H.. (marido da F..), ali têm permanecido como parte integrante daquele agregado familiar desde há mais de quatro anos.
O menor A.. é uma criança com perturbações comportamentais e emocionais, sofre de ansiedade e tem um aproveitamento escolar deficitário. Por isso, tem sido acompanhado em consultas semanais de psicologia, por indicação da escola. É a mãe a tia que habitualmente o levam às consultas.
A saída da criança (e da mãe) do lar dos avós não foi pacífica. O A.. sente-se bem e vive com gosto na casa dos tios F.. e H.., na companhia da mãe e ainda dos dois primos, filhos daquele casal, tendo a prima uma idade semelhante à dele.
Nenhuma testemunha aponta o que quer que seja em desfavor dos avós, no sentido da sua incompetência ou falta de preparação para receberem as visitas do neto. E também nenhuma testemunha se refere a qualquer falta de preparação dos tios e da mãe para proverem à sua educação, ao acompanhamento e vigilância da sua saúde e da sua formação escolar.
O que se passa então?
A resposta é, aparentemente, simples. Perante algumas divergências no sentido dos depoimentos das testemunhas oferecidas pela recorrente, por um lado, e das testemunhas arroladas pela recorrida, por outro lado, fica uma ideia muito clara, deixada pela psicóloga (a testemunha L..) que acompanha a criança desde há cerca de ano e meio. A criança não verbaliza motivos imediatamente aceitáveis que justifiquem o seu afastamento dos avós, não nega a existência de gosto por eles, mas apenas que prefere ficar em casa dos tios. Faz ali afirmações do tipo “eu não gosto muito de ir… gosto mais de ficar em casa”.
Sendo as consultas de psicologia um momento em que o menor está quase sempre sozinho com a psicóloga, esta sente que ele está à vontade, sem qualquer pressão ou sugestão. Refere também aquela técnica de psicologia que, quando foi ouvida pela primeira vez sobre esta situação, há cerca de 1 ano e meio, não estava ainda na posse dos conhecimentos relativos ao menor, encontrando-se agora muito mais segura para falar do assunto em função de todo o trabalho que com ele tem vindo a desenvolver, designadamente no esforço de reaproximação aos avós, mas sobretudo no campo do controlo da ansiedade e do desvio emocional e comportamental que o A.. revela.
Pese embora os progressos alcançados nesta última matéria, tem notado um afastamento progressivo do menor relativamente aos avós. Depois do acordo que foi recentemente atingido pela via judicial, no sentido de visitas quinzenais aos avós, a criança prossegue na sua recusa em ir com eles, e mesmo a aceitação dos encontros que por vezes tinham, com cumprimentos e um beijinho, colocou em causa por recear que a levassem para casa deles e que até não o voltassem a entregar à mãe e aos tios. Referiu a psicóloga que o A.. nunca referiu nada de mau relativamente aos avós, mas as crianças são imaginativas e --- dizemos nós --- constroem cenários em função dos quais tomam decisões próprias. Até com a aproximação do dia da visita o A.. começa a ficar ansioso e fica mais aliviado quando a testemunha lhe transmite a ideia de que voltará sempre para casa dos tios e para junto da mãe.
Resultou hialino do mesmo depoimento especializado que o A.. tem bem a consciência na animosidade que existe desde há vários anos entre a mãe e os tios (sobretudo estes), por um lado, e os avós maternos, por outro lado. É por isso influenciado e prejudicado, não sendo essa situação alheia à recusa de ir com os avós para casa deles. O ideal seria que a família se desse bem, seria mesmo muito importante para que melhorasse o seu relacionamento com os avós. Como referiu a testemunha, “a solução passa pela normalização das relações entre os adultos”.
A menção de palavras como “tribunal” e “polícia” provocam ansiedade no menor, acrescentou a psicóloga.
Por todo o trabalho efetuado nas consultas individuais, conclui a testemunha que não há qualquer pressão do lado da mãe ou dos tios sobre o A.. para que não seja cumprido o regime acordado e que a decisão de o não cumprir é uma decisão pessoal do menor, … uma coisa dele. Deu conta de que qualquer pressão a que seja sujeito no sentido de que as visitas sejam cumpridas será prejudicial à sua saúde e ao esforço que tem sido feito de regularização comportamental e emocional que motivou a intervenção psicológica. Dispõe-se a prosseguir aquele trabalho, também na senda da aceitação voluntária, pelo A.., do regime de visitas aos avós.
As referências feitas pelo tio H.. de que ele, a mulher dele e a mãe do menor têm tentado que o A.. aceite as visitas dos avós e que seja cumprido o acordo com regularidade, mas que não vão forçá-lo a esse cumprimento, até no interesse da criança, não estão isoladas e têm eco no que tem sido observado pelo jardineiro da casa, a testemunha F.. que presta serviços desde há muito anos no respetivo jardim e de onde conhece bem o menor, tendo presenciado várias vezes o tio e a mãe a tentar que ele vá com os avós quando estes ali o procuram, observando que algumas vezes ele foi e outras se recusou a ir, chorando e dizendo que não quer ir. Nessas ocasiões não ouvia “comentários” entre os adultos. Chegou a perguntar-lhe depois a razão pela qual não ia, e a criança simplesmente dizia que não queria ir e ficava a brincar no relvado.
Estes depoimentos da psicóloga e do jardineiro da casa --- sem dúvida os nos oferecem maior imparcialidade e credibilidade --- são de tal modo explicados e justificados (em especial o primeiro, também especializado) que afastam qualquer convicção em sentido contrário, ainda que a testemunha M.. (afilhada da M..) afirme que o menino lhe disse que a tia F.. não o deixa ir com a avó. As testemunhas S.. e A.. (vizinhas da requerente) desconhecem os motivos pelos quais o A.. não tem visitado a avó e são sobretudo abonatórias da sua pessoa. A testemunha P.. é filha da recorrente e muito abonou também em favor da mãe, designadamente no relacionamento que teve com o neto enquanto o criou, mas não convence quanto a supostas ameaças dos tios sobre o A.. caso se concretizassem as visitas.
A testemunha L.., catequista do A.., referiu que inicialmente os avós iam lá e levavam o menino para casa. Depois foi dito pelo tio que os avós o iam visitar. Eles convivam, mas não sabe o que falavam. Notava que a avó era pessoa preocupada e que, por último, o A.. cumprimentava normalmente os avós e depois iam brincar com outras crianças. Nada adianta nesta matéria.
Resulta, assim, da melhor prova produzida, a mais credível, objetiva e fundamentada, que o menor passou a recusar-se a acompanhar os avós, convivendo com eles apenas no local do encontro.
De outro passo, está longe de ter sio feita a prova de que a mãe do A.. alguma vez influenciou e, muito menos, pressionou, o filho a declarar que não pretende acompanhar a avó nos dias de visita ou em quaisquer outros e ainda de que o menor deseja acompanhá-la para fora do local do encontro.
Nesta decorrência, temos como seguro que a matéria de facto impugnada pela apelante foi corretamente julgada e merece inteira confirmação.
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2- Imputação à mãe do menor A.. do incumprimento do regime das vistas da avó materna
No âmbito do processo tutelar comum, a mãe, S.., e a avó materna do menor, M.., acordaram em que a última iria buscar o A.. à residência da primeira, quinzenalmente, ao sábado, pelas 9:00, para o exercício do direito de visita, até às 12:30, hora a que a mãe se obrigou a ir buscá-lo à residência da avó. A M.. obrigou-se ainda, naquele período, a levar o menor à catequese. Este acordo foi judicialmente homologado por sentença.
Nos termos do art.º 181º, nº 1, da O.T.M. [7], o incumprimento do acordado ou decidido faculta ao interessado diretamente envolvido na questão o direito de requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.
No requerimento inicial, a avó do A.. pediu a condenação da mãe dele a “voltar a cumprir o que foi estabelecido em sede do acordo homologado, cessando o incumprimento da entrega do menor no dia e hora acordado”.
Posteriormente, em ampliação do pedido que foi admitida, a mesma requerente manifestou a pretensão de que a requerida seja ainda condenada “no pagamento de multa de € 250,00 e indemnização (metade em favor do menor e metade em favor da Requerente) de € 100,00 por cada mês em que incumpra as suas responsabilidades parentais, no que ao direito de visita do menor à sua avó diz respeito”.
No que respeita aos pais, encontram-se investidos na titularidade das responsabilidades parentais por mero efeito do estabelecimento da filiação (biológica ou adotiva) configurando-se essas responsabilidades como um conjunto de poderes-deveres a eles atribuídos legalmente no interesse dos filhos menores (art.º 1878º, do Código Civil).
Não se trata de um conjunto de faculdades de conteúdo egoístico e de exercício livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas de um conjunto de responsabilidades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com o direito, consubstanciadas no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral. [8] Trata-se de um conceito que, aplicado em concreto, pretende assegurar um desenvolvimento harmonioso da criança ou jovem, tendo em conta as suas necessidades, bem como a capacidade dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no meio comunitário envolvente.
Os nºs 6 e 7 do art.º 1906º do Código Civil reforçam a necessidade dos progenitores manterem contacto profícuo entre si na prossecução dos interesses dos filhos, e o direito à informação do progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida dos filhos. Reforça-se a ideia de que as relações de grande proximidade com os dois progenitores são fonte de satisfação do interesse dos filhos, sendo incumbência do tribunal promover e aceitar acordos e tomar decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Já o art.º 11º da Recomendação nº R (84) sobre as responsabilidades parentais previa o direito do progenitor não guardião de ser informado de todas as decisões que afetem os interesses essenciais da criança.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.9.2010 [9], «a lei quer, agora mais que antes, que os pais se mantenham solidários e responsáveis pelo destino dos filhos que não podem ser vítimas inocentes de decisões que têm repercussão no desenvolvimento dos laços de afetividade e parentalidade, sobretudo, tendo em vista a relevante consideração que, quanto menos idade tiverem, mais se impõe que a figura do progenitor que não pode manter proximidade, “deva estar presente”, na solidariedade e co-responsabilização das decisões que afectam o seu futuro».
O direito ao convívio não pode ser visto como um direito unilateral e exclusivo dos pais ou um interesse seu, mas, sobretudo, como um direito autónomo do filho menor, ordenado ao seu desenvolvimento psíquico e emocional. Tal direito só não deve ser exercido quando contenda com este desiderato.
Reportando-se habitualmente à violação do direito ao convívio de um dos pais, a jurisprudência tem vindo a decidir, sem controvérsia assinalável, que o incumprimento daquele direito, quase sempre designado como direito de visita, só é relevante para efeito de aplicação daquele art.º 181º quando não se trate de uma falta ocasional, pontual ou desgarrada, de um dos progenitores em relação ao regime instituído em cada caso concreto, mas de um incumprimento efetivamente grave e reiterado por parte do progenitor remisso, uma conduta que justifique um efetivo juízo de censura. Não são abrangidos pela penalização em referência as situações em que os motivos da não concretização do regime vigente foram alheios à vontade do progenitor ou que representem atuações sem gravidade ou particular significado. [10]
Os meios coercivos que a norma prevê funcionam então como forma de levar por vencida a resistência pertinaz e continuada do progenitor remisso a cumprir o que estava acordado ou decidido quanto à situação de menor, e não a uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes.
Pressupondo o não cumprimento a ilicitude e a culpa por parte do faltoso, devem ser investigadas as circunstâncias da ação de modo a determinar o grau de culpa do agente e, também em função dele, fixar a multa e a indemnização, ambas de conteúdo variável.O art.º 1887º-A do Código Civil, introduzido pela Lei nº 84/95, de 31 de agosto, deu expressão de lei a um direito que se já se vinha reconhecendo como um imperativo nas relações familiares, reconhecendo as grandes vantagens para a criança e o jovem que resultam do seu convívio com os irmãos e os ascendentes, ao consignar que “os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.
Este convívio preserva e aprofunda laços familiares de irmãos e entre as gerações mais novas e mais velhas, desenvolvendo a solidariedade, o respeito e o sentimento de gratidão. É de todos conhecida a vantagem da colaboração dos avós na educação e formação dos netos, pela proximidade, carinho, proteção e conforto que normalmente lhes dispensam, tantas vezes ao longo de anos, mesmo após a maioridade. Muitas vezes, com grande motivação e espírito altruísta, os avós colaboram com os pais no desempenho de tarefas que a estes competem, no interesse dos netos (levar e buscar os netos à escola, dar-lhes refeições, acompanhá-los nas diversas atividades de formação complementar, visitas ao médico, entre muitas outras, até com apoio material).
Este direito dos avós tem sido interpretado como um direito de visita, que pode ser invocado contra os pais que não respeitem o seu exercício. Os avós e os irmãos do menor podem, assim, fazer valer esse direito contra a vontade dos pais, sem embargo de algum destes poder provar que tal relacionamento é prejudicial para o filho. [11]
A questão em apreciação tem por base o exercício daquele direito pelos avós maternos da criança, mais concretamente a necessidade de fazer cumprir o acordo judicialmente homologado que regula o convívio entre o A.. e os referidos avós. Também nestas situações se impõe a demonstração de factos reveladores da ilicitude da conduta e da culpa dos progenitores ou de algum deles na violação do direito dos avós ao convívio com o neto.
Está provado que, tendo sido homologado o acordo por sentença proferida no dia 7.11.2011, as visitas entre os avós e o A.. decorreram com normalidade, nos termos acordados. Porém, assim deixou de acontecer logo no primeiro trimestre de 2012, por recusa do próprio menor, então com quase de 8 anos de idade.
Desde essa altura, o menor ficava mais agitado quando se aproximava o sábado da visita da avó. E seria de tal modo incompreensível aquela recusa e a inerente ansiedade, que a mãe e a avó chegaram a suspender provisoriamente o cumprimento do acordo judicial para tentar perceber se a criança iria mostrar vontade de conviver com a avó. Todavia, a recusa manteve-se. Procuraram ainda que as visitas se realizassem de outra forma, indo a avó buscar o neto à catequeses, mas apesar da criança conviver com ela no local do encontro, recusava-se acompanhá-la dali para fora.
Manifestamente, a matéria de facto não consente a existência de ilicitude de conduta e de culpa da requerida no incumprimento do regime estabelecido para o convívio avós-neto. É este último que se recusa a cumpri-lo, a frequentar a residência daqueles, embora aceite o convívio com os avós no local onde frequenta a catequese.
Resultou não provado que a progenitora alguma vez tivesse proibido a catequista de entregar o A.. à avó ou ainda que, de alguma forma, tivesse condicionado o menor a declarar que não pretende acompanhar a avó nos dias das visitas.
Com efeito, tudo indica que é o menor que, por sua vontade livre, recusa o convívio com os avós no que está para além de visitas ocasionais e pontuais, não sendo imputável à mãe ou a qualquer outra pessoa qualquer decisão ou influência nesse sentido.
Dir-se-á que cabia à requerida, no âmbito do seu dever de educar, fomentar o convívio do seu filho com os avós. Assim deve ser, desde que esse convívio, excecionalmente, não seja desaconselhável --- como tudo indica não ser --- à satisfação do interesse do A...
O que resulta dos factos provados é o esforço dos adultos destinado ao cumprimento, com subsistente recusa do menor. Esforço que não é só da avó e da mãe, mas, desde há mais de um ano, da própria psicóloga que o tem acompanhado semanalmente, em consultas regulares [12], sem que o menor justifique a sua recusa que não seja pela via conclusiva do “gosto/não gosto”.
E sendo inevitável esta leitura dos factos, de tudo resulta não ser possível assacar à progenitora qualquer responsabilidade na violação do acordo estabelecido com os avós maternos e, assim, condená-la em qualquer das sanções previstas no art.º 181º, nº 1, da OTM.
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3- Adoção de medidas adequadas ao cumprimento daquele regime
O interesse do menor a que faz apelo o art.º 1906º do Código Civil é um conceito jurídico indeterminado que permite uma extensão dos poderes interpretativos do juiz e lhe confere o poder de decidir em oportunidade, consoante o caso e a criança, embora não deva remeter o julgador para os seus critérios e sentimentos pessoais e antes o fazendo recorrer “à dimensão interdisciplinar do direito e à moral social, que acentuam a importância para a criança da continuidade da relação afectiva com a sua pessoa de referência.” [13]
Segundo o modelo deixado ainda no citado acórdão da Relação de Lisboa de 23.10.2012, por mais que se reclame a intervenção do tribunal, não existem boas soluções para a vida de um menor sem a participação conjugada dos familiares mais diretos e sem a compreensão, por parte todos e de cada um deles, de que a criança tem direito a criar uma boa imagem de cada um, apesar das dissidências entre estes, sendo essencial ao seu desenvolvimento que conviva tanto quanto possível com todos, como de resto é imperativo legal, exceto quando circunstâncias excecionais o desaconselhem. [14]
O fenómeno da recusa do filho menor em conviver com alguns familiares tem, em regra, várias causas não derivando necessariamente de uma campanha difamatória levada a cabo pelos pais ou por algum deles.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, no seu art.º 12º, n.º 1, estabelece o dever de os Estados Partes garantirem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
Mas a recusa pura e simples manifestada por um menor com cerca de 8 anos em conviver com os avós, por não gostar de estar em casa deles e preferir brincar com os amigos, pode corresponder ao seu interesse subjetivo imediato, mas não se reconduz à satisfação do seu superior interesse.
Devendo ser estudado o motivo da recusa em acompanhar os avós, e arredado que esteja --- como parece estar [15] --- um fundamento válido que justifique o afastamento do A.. relativamente àqueles, deve ser desenvolvido com ele todo um trabalho de reaproximação e reforço efetivo daqueles laços familiares, edificando na criança a vontade livre e esclarecida de conviver com os mesmos.
É sobre a criança que deve ser trabalhada a vontade de conviver com os ascendentes. Nesta tarefa, participarão ativamente todos os familiares, a professora e a psicóloga que a tem acompanhado, esta por aplicação do seu conhecimento técnico, designadamente em consulta periódica com a participação da família (avós, mãe e outros elementos que convivem habitualmente com o A..).
Todo o processo de reaproximação aos avós pode ser intermediado e deve ser feito sem qualquer tipo de ameaça ou pressão sobre a criança. Não deve impor-se a relação de visita que, na realidade, não é concebível sem o desejo de viver essa relação. [16] Numa primeira fase poderá alongar-se o período de tempo de convívio ocasional, nos espaços em que o A.. se sente bem, passando, se possível, por pequenos e curtos passeios a pé com os avós em que a criança será motivada e estará à vontade para dizer, em cada momento, se quer regressar ao espaço de convívio com os amigos, com a mãe ou com outros familiares.
É também fundamental não esquecer que as visitas visam sobretudo a satisfação do interesse do menor e não a satisfação de interesses egoístas dos avós, como seja o de ter companhia, ou de ter uma pessoa com quem conversar ou passear.
Salienta-se aqui a necessidade de todos os familiares agirem entre si com espírito de colaboração e evitarem a desavença e as manifestações de desacordo junto da criança que muito contribuem negativamente na formação da sua vontade, causando-lhe ansiedade, desequilíbrio emocional e rejeição de uma das partes no conflito, por sentimento, por vezes inconsciente, de não desagradar à outra parte nele envolvida.
Aqui chegados, impõe-se a confirmação da sentença recorrida, devendo, no entanto, diligenciar-se progressivamente pelo cumprimento futuro do acordo homologado no dia 7.1.2011, referido no ponto 2º dos factos provados, no que se prosseguirá com a colaboração de psicólogo, se possível, a psicóloga que tem vindo a acompanhar o menor, observando-se, para o efeito, os fundamentos do presente acórdão.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. É conhecida a vantagem da colaboração dos avós na educação e formação dos netos, pela proximidade, carinho, proteção, acompanhamento e conforto que normalmente lhes dispensam, reforçando laços familiares.
2. À semelhança do que ocorre nos dissentimentos entre os pais por incumprimento das responsabilidades parentais, também nos litígios que os oponham (ou algum deles) aos avós relativamente à violação do direito ao convívio, se impõe a prova do incumprimento relevante para efeito do art.º 181º, nº 1, da O.T.M., sendo imprescindível a ilicitude do facto e a culpa do faltoso, para além de que não basta qualquer incumprimento pontual ou ocasional das responsabilidades, devendo ser reiterado e grave.
3. O menor, atualmente com cerca de 10 anos de idade, ansioso e com desvio de comportamento, que vem beneficiando, por isso, de acompanhamento psicológico, e que recusa o convívio com os avós para além da mera saudação com um beijo, caso nada justifique tal recusa, deve ser “seduzido” para o reforço dessa convivência, sem ameaça nem pressão, de modo a reestabelecer com eles o normal relacionamento familiar, livre e esclarecido, com laços de amizade e solidariedade.
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IV.
Pelo exposto, acorda-se na 2ª secção cível desta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida, devendo prosseguir-se no esforço de levar o menor ao convívio efetivo com os avós conforme o acordo judicial homologado e identificado nos pontos 2 e 3 dos factos provados, no que serão considerados os fundamentos do presente acórdão, especialmente no que respeita à intervenção da família e de psicólogo.
Custas da apelação pela recorrente.
Guimarães, 12 de junho de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Art.º 5º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, que aprovou aquele código.
[2] Suscitada pelos recorridos, como prévia, a questão da deficiência das conclusões do recurso por falta de indicação das disposições legais violadas, a recorrente foi notificada para corrigir e não corrigiu a omissão. Em todo o caso, o recurso foi admitido pelo relator por considerar que a deficiência não afeta o conhecimento da apelação, uma vez que está em causa a aplicação do Direito que o tribunal faz com liberdade e independência relativamente às alegações das partes e se debatem interesses sensíveis, de jurisdição voluntária e relativos a crianças.
[3] Novo Código de Processo Civil.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.s 224 e 225.
[5] Sob o título “Os Ónus da Alegação e da Prova, em Geral …”, in Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, T I, pág. 19.
[6]“Provas – Direito Probatório Material”, in BMJ 110/82 e 171.
[7] Organização Tutelar de Menores (OTM, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, que respeita à tramitação do processo de “regulação das responsabilidades parentais” (designação dada pelo art. 3.º da Lei n.º 61/2008, de 31/10, em substituição da anterior designação de "poder paternal".
[8] Acórdão da Relação do Porto de 7.4.2011, proc. 180/05.9TMMTS-B.P1 (relatado pelo aqui também relator), in www.dgsi.pt e Armando Leandro, em Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões da prática judiciária. Separata do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto, pág. 119.
[9] Proc. nº 870/09.7TBCTB.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[10] Acórdão da Relação do Porto de 6.11.2012, proc. 12987/07.8TBVNG.1.P1, citando um outro aresto da mesma Relação de 3.10.2006), acórdãos da Relação de Lisboa de 21.6.2007, proc. 5145/2007-6, de 14.9.2010, proc. 1169/08.1TBCSC-A.L1-1 e de 29.5.2012, proc. 2518/08.8TMLSB-B.L1-7, acórdãos da Relação de Guimarães de 6.1.2011, proc. 2255/08.3TBGMR-G.G1 e de 25.1.2013, proc. 910/10.7TBGMR-C.G1 (subscrito pelo aqui relator), in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão da Relação de Lisboa de 23.10.2013, proc. 2450/07.2TMLSB.L1-7, in www.dgsi.pt.
[12] Primordialmente destinados ao combate da ansiedade, à correção do seu comportamento e à melhoria do sucesso escolar, e onde já foram obtidos progressos.
[13] Maria Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio -Revista, Aumentada e Actualizada”, 2011, 5ª ed., pág. 43, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 23.10.2012, Proc. 2304/05.7TBCLD-E.L1-7, in www.dgsi.pt.
[14] Tem-se entendido que o art.º 1887º.-A do Código Civil estabelece uma presunção de que a relação da criança com os avós é benéfica para esta e, os pais, se quiserem opor com êxito recusa a esse convívio terão de invocar e demonstrar razões concretas para a proibição (acórdão da Relação de Coimbra de 14.1.2014, proc. 194/11.0T6AVR.C1, in www.dgsi.pt.
[15] Foram os adultos que fizeram o acordo e até hoje não se conhece nada que desaconselhe o convívio (pelo contrário, tudo indica que é aconselhável).
[16] Maria Clara Sottomayor (in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 1997, pg. 62. Cf. também, relativamente á importância da vontade do menor, como elemento de grande relevância, conforme a idade, para a decisão, o acórdão da Relação de Guimarães de 4.12.2012, proc. 272/04.1TBVNC-D.G1 relatado pelo aqui adjunto António Santos) in www.dgsi.pt.